O impacto da hermenêutica no controle de constitucionalidade brasileiro

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02/05/2019 às 12:10
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2. A INTERPRETAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO NO BRASIL

Conforme ensina Luis Roberto Barroso, a interpretação é atividade prática de revelar o conteúdo, o significado e o alcance de uma norma, tendo por finalidade fazê-la incidir em um caso concreto.25

Ou seja, a interpretação visa à exploração do texto, utilizando alguns princípios próprios. As constituições não costumam trazer regras sobre a sua própria interpretação, no sistema brasileiro são escassas as regras de interpretação positivada.

Canotilho expõe que o objeto da interpretação constitucional é a determinação dos significados das normas que integram a Constituição forma e material do Estado.26

Essa interpretação exposta por Canotilho pode assumir duas modalidades, primeiro, a da aplicação direta da norma constitucional, por exemplo o reconhecimento de uma imunidade tributária, segundo, a operação do controle de constitucionalidade, onde se verifica a compatibilidade de uma norma infraconstitucional com a Constituição.

A interpretação faz a ordem jurídica funcionar, tornando o Direito operativo.

A interpretação constitucional se torna extremamente importante, não só para o operador jurídico, como também para o cidadão. Não apenas a Constituição é aplicada diretamente às relações sociais, mas também ela serve como parâmetro para o controle de constitucionalidade e como diretriz para a interpretação das demais normas jurídicas que compõem o ordenamento jurídico.

Segundo Canotilho, a elaboração de um catálogo de princípios da interpretação constitucional esta relacionada com a necessidade de encontrar princípios tópicos auxiliares relevantes para a solução do problema prático enfrentado, mas que sejam ao mesmo tempo metodicamente operativos e constitucionalmente praticáveis.27

Virgílio Afonso da Silva ensina que os princípios de interpretação constitucional a que a doutrina brasileira, de forma praticamente uniforme, faz referência são aqueles referidos por Konrad Hesse, tais quais como (1) unidade da constituição, (2) concordância prática, (3) conformidade funcional, (4) efeito integrador, (5) força normativa da constituição.28.

Como bem aponta Konrad Hesse, a importância da interpretação no campo do direito constitucional é mais elevada do que ocorre em âmbitos do Direito onde em geral a normatização é mais detalhada.

A Constituição deve ser sempre interpretada em sua globalidade, como um todo. As normas são vistas como preceitos integrados em um sistema unitário de regras e princípios, ou seja, o Direito Constitucional deve ser interpretado como um todo, evitando-se contradições em suas normas.

Anota Canotilho que:

Como ponto de orientação e factor hermenêutico de decisão, o princípio da unidade obriga o intérprete a considerar a Constituição na sua globalidade a procurar harmonizar os espaços de tensão(...) existentes entre as normas constitucionais a concretizar29

Em julgamento de destaque o Ministro Celso de Mello observou que:

Os postulados que informam a teoria do ordenamento jurídico e que lhe dão necessário substrato doutrinário assentam-se na premissa fundamental de que o sistema de direito positivo, além de caracterizar uma unidade institucional, constitui um complexo de normas que devem manter entre si um vínculo de essencial coerência.

É com base no princípio da unidade da Constituição que o STF, no julgamento da ADI 815-3/RS, não aceitou a tese de que existe hierarquia entre normas constitucionais originárias, isto é, a teoria das normas constitucionais inconstitucionais. Não há hierarquia entre normas constitucionais, embora possa se cogitar de certa hierarquia axiológica.

Não obstante, na resolução dos problemas jurídico-constitucionais deve-se dar primazia aos critérios que favoreçam a integração político e social.

Canotilho ensina que o efeito integrador não assenta numa concepção integracionista de Estado e da sociedade (conducente a reducionismos, autoritarismos, fundamentalismos), antes arranca da conflitualidade constitucionalmente racionalizada para conduzir soluções integradoras.30

O princípio da concordância prática ou harmonização visa harmonizar bens jurídicos constitucionais, sendo que o aplicador das normas constitucionais deve adotar uma solução que otimize a realização de todos eles, mas não acarrete na limitação de nenhum.

Ou seja, os bens jurídicos constitucionais deverão coexistir de forma harmônica na hipótese de eventual conflito entre eles, buscando evitar o sacrifício de um princípio em relação ao outro. O fundamento da idéia de concordância decorre de inexistência de hierarquia entre os princípios.

O princípio da máxima efetividade está estritamente vinculado à força normativa da Constituição, no sentido de que as normas devem ser interpretadas de forma a aperfeiçoar sua eficácia, sem alterar o seu conteúdo.

Nesse sentido, Barroso ensina que :31

A efetividade significa, porquanto, a realização do Direito, o desempenho concreto de sua função social. Ela representa a materialização, no mundo dos fatos, dos preceitos legais e simboliza a aproximação, tão íntima quanto possível, entre o deve-ser normativo e o ser da realidade social.

Depreende-se que o princípio da máxima efetividade preceitua que uma norma constitucional deve ser atribuído o sentido que lhe dê maior eficácia.32. Ou seja no caso de dúvidas deve-se aferir a interpretação que reconheça a maior eficácia aos direitos fundamentais.

Por fim, cumpre ressaltar a respeito da força normativa da Constituição, que, ao solucionar conflitos, deve-se conferir a máxima efetividade às normas constitucionais, ou seja, deve-se priorizar a que assegure maior eficácia, aplicabilidade e estabilidade às normas constitucionais

A Constituição não tem ação autônoma na realidade e depende de outros fatores como condições sociais, econômicas, técnicas e culturais, ou seja, a essência da Constituição deve estar na "vontade de constituição", devendo-se adequar a sua situação histórica de fato, sendo esse ordenamento jurídico orientado pela razão.

Nesse sentido, como anota Konrad Hesse :33

A força normativa da Constituição não reside, tão-somente, na adaptação inteligente a uma dada realidade. A Constituição jurídica logra converter-se, ela mesma, em força ativa, que se assenta na natureza singular do presente (individuelle Beschaffenheit der Gegenwart). Embora a Constituição não possa, por si só, realizar nada, ela pode impor tarefas. A Constituição transforma-se em força ativa se essas tarefas forem efetivamente realizadas, se existir a disposição de orientar a própria conduta segundo a ordem nela estabelecida, se, a despeito de todos os questionamentos e reservas provenientes dos juízos de conveniência, se puder identificar a vontade de concretizar essa ordem. Concluindo, pode-se afirmar que a Constituição converter-se-á em força ativa se fizerem-se presentes, na consciência geral – particularmente, na consciência dos principais responsáveis pela ordem constitucional –, não só a vontade de poder (Wille zur Macht), mas também a vontade de Constituição (Wille zur Verfassung)

Essa vontade de Constituição origina-se de três vertentes diversas. Baseia-se na compreensão da necessidade e do valor de uma ordem normativa rígida, que proteja o Estado contra o arbítrio disforme. Reside, também , na compreensão de que essa ordem constituída necessita de estar em constante processo de legitimação. Assenta-se também que essa ordem não será eficaz sem a "vontade humana".

O Supremo Tribunal Federal ressaltou a força normativa da Constituição no julgamento do RE 203.498-AgR/DF:34

Cabe destacar, neste ponto, tendo presente o contexto em questão, que assume papel de fundamental importância a interpretação constitucional derivada das decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, cuja função institucional, de ‘guarda da Constituição’ (CF, art. 102, caput), confere-lhe o monopólio da última palavra em tema de exegese das normas positivadas no texto da Lei Fundamental, como tem sido assinalado, com particular ênfase, pela jurisprudência desta Corte Suprema: ‘A interpretação do texto constitucional pelo STF deve ser acompanhada pelos demais Tribunais. A não observância da decisão desta Corte debilita a força normativa da Constituição’

(STF, RE 203.498-AgR/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes)

Cumpre ressaltar que os princípios de Konrad Hesse encontram rejeições em alguns âmbitos. Luis Roberto Barroso não partilha da posição de Hesse, no sentido que de que se deve negar o caráter de interpretação à atividade de revelar o conteúdo de norma constitucional que não suscita dúvidas. A doutrina atual reconhece que a zona de clareza existente na lei enfraquece a atividade do intérprete, mas não o condena a uma interpretação literal.

Hesse defende que se as mudanças constantes na constituição forem baseadas por interesses momentâneos, irá ocorrer uma desvalorização na força normativa da constituição.

2.1.MÉTODOS DA TRADICIONAL HERMENÊUTICA CONSTITUCIONAL

Os métodos clássicos de interpretação remontam a Savigny, fundador da Escola Histórica do Direito, o qual distinguiu o método gramatical, sistemático e histórico, posteriormente foi acrescentada uma quarta perspectiva, a teleológica.

Há um consenso de que a interpretação, a respeito da pluralidade de elementos que devem ser tomados em consideração, é una. Nenhum método deve ser absolutizado, ou seja, os diferentes meios empregados combinam-se e controlam-se reciprocamente.35

2.1.1 Interpretação gramatical

Toda interpretação jurídica deve partir do texto da norma. Pela interpretação gramatical, cuida-se de atribuir significados aos enunciados do texto constitucional, ou seja, foca-se exclusivamente na análise literal da norma.

Podemos partir do pressuposto de que a interpretação gramatical deve ser apenas o ponto de partida no momento de interpretação de uma norma, visto que interpretando a norma exclusivamente no âmbito literal, podemos chegar a soluções hermenêuticas injustas

O intérprete que basear sua linha de raciocínio na interpretação literal correrá risco, pois, embora a norma deva ser pesquisada a partir de sua letra,cumpre evitar o excesso de apego ao texto, que pode conduzir à injustiça.

O ex-Ministro Luiz Galloti, do Supremo Tribunal Federal, ao julgar um recurso extraordinário, assinalou:

De todas, a interpretação literal é a pior. Foi por ela que Clélia, na Chartreuse de Parme, de Stendhal, havendo feito um voto a Nossa Senhora de que não mais veria seu amante Fabrício, passou a recebê-lo na mais absoluta escuridão, supondo que assim estaria cumprindo o compromisso36

Barroso expõe que:37

A mesma linguagem que confere abertura ao intérprete, figura-se como limite máximo de sua atividade criadora. As palavras tem sentido mínimos que devem ser respeitados, sob risco de se perverter o seu papel. É a interpretação gramatical ou literal que delimita o espaço dentro do qual o intérprete vai operar.

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Uma das singularidades das normas constitucionais é o seu caráter sintético, de maior abertura, disso resulta que a linguagem do texto constitucional é mais vaga, contendo conceitos indeterminados, essa característica amplia a discricionariedade do intérprete.

2.1.2 Interpretação histórica

A interpretação história consiste na busca do sentido da lei através dos precedentes legislativos.

Este método de interpretação é difundido nos países que adotam a commom law, sendo o menos prestigiado na interpretação levada nos sistemas jurídicos romano-germânico. Alguns autores até mesmo condenam de forma radical a sua utilização.

Nesse sentido, o Ministro Celso de Mello revela:38

Não me parece, por isso mesmo ,Sr Presidente, deva conferir-se um valor subordinante, no processo de interpretação da Lei Fundamental, quer aos trabalhos parlamentares, que à vontade e à intenção originárias do legislador constituinte.(...) O originalismo contudo- enquanto designação doutrinária desse método de interpretação - possui um peso específico, porém relativo, (...) na exata medida em que os seus postulados não condicionam e nem vinculam o intérprete na definição e na fixação do alcance do sentido normativo das regras constitucionais. (...) Os condicionamentos hermenêuticos impostos pela exacerbação a vontade do legislador constituinte, e da inteção que o animava em determinado momento histórico, reduziriam, de modo extremamente incoveniente, a interpretação constitucional, que se revela de todo incompatível com o verdade significado da Constituição

Apesar da visão crítica em epígrafe, o elemento histórico desempenha na interpretação constitucional um papel mais destacado do que na interpretação das leis.

Como podemos observar, o próprio Preâmbulo das Constituições é freqüentemente um esforço de prolongar no tempo o espírito do momento constituinte.

Por outro lado, Pietro Merola Chierchia sustenta que o que se interpreta na norma não é apenas o seu conteúdo aparente, mas todo o substrato de valores histórico, políticos e ideológicos que estão na origem da Constituição.39

2.1.3 Interpretação sistemática

A interpretação sistemática busca correlacionar todos os dispositivos normativos de uma Constituição, uma norma constitucional vista isoladamente, pode fazer pouco sentido ou mesmo estar em contradição com outra, não podemos interpretar a Constituição em "pedaços" e sim como um todo.

Hans Kelsen tem a visão do sistema jurídico como uma pirâmide normativa, na qual temos a Constituição no topo, vindo em seguida as normas supralegais, infralegais, atos administrativos, dentre outros. Todos esses componentes da pirâmide devem ser interpretados juntamente à Constituição, ou seja, devem ser lidas através da Constituição.

No Brasil, a interpretação sistemática é freqüentemente invocada pelo Supremo Tribunal Federal, sobre ela escreveu o ex- Ministro Antônio Neder:

É o que em seguida será demonstrado pela interpretação sistemática, a mais racional e científica, e a que mais se harmoniza com o método do Direito Constitucional, exatamente a que aproxima da realidade o intérprete40

O direito objetivo não é um aglomerado aleatório de disposições legais, mas um organismo jurídico, um sistema de preceitos coordenados ou subordinados que vivem harmonicamente; a interpretação sistemática é fruto do princípio de unidade do ordenamento jurídico, exposto em epígrafe.41

2.1.4 A interpretação teleológico ou finalista

A interpretação teleológica busca revelar o fim da norma, o valor ou bem jurídico visado pelo ordenamento com a edição de dado preceito.

Carlos Maximiliano proclama o método teleológico com o oque merece preponderância na interpretação constitucional42. A doutrina compartilha da idéia que é amais segura regra de interpretação, é a que volta para a natureza e objetivos dos direitos e deveres.

Nesse sentido, o ex- Ministro Espínola, assegura o seguinte:43

O uso do método teleológico - busca do fim - pode ensejar transformação do sentido e conteúdo que parece emerger da fórmula do texto, e também pode acarretar a inevitável conseqüência de, convencendo que tal fórmula traiu, realmente, a finalidade da lei, impor uma modificação no texto que terá que admitir com o máximo de circunspecção e de moderação, para dar estrita satisfação à imperiosa necessidade de atender ao fim social próprio da lei.

A Constituição e as leis, portanto, visam a acudir certas necessidades e devem ser interpretadas no sentido que melhor atenda à finalidade para a qual foi criada. O legislador brasileiro, em uma das raras exceções editou uma lei de cunho interpretativo, que corroborou com a consagração do método teleológico, aos dispor, no Art. 5º da Lei de Introdução ao Código Civil, que na aplicação da lei o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum.

2.2 MÉTODOS DA MODERNA HERMENÊUTICA CONSTITUCIONAL

A hermenêutica contemporânea considera que o processo da interpretação não decorre da descoberta do correto sentido da norma, mas sim da análise da realidade, das condições em que ocorre essa interpretação, aproximando as normas constitucionais da realidade social. A moderna hermenêutica ultrapassa a interpretação de cunho tradicional que se pauta na perspectiva de que o processo interpretativo possibilita que se alcance a "interpretação correta" , "o sentido exato da norma" , ou seja, não se tem mais um sistema metodológico em que se preceitua um conjunto de métodos e técnicas destinadas a interpretar a essência da norma.

Nesse sentido, Magalhães expõe:44

A ampliação do rol de métodos e sua flexibilização em virtude das influências sócio-jurídicas e históricas, típicas da permeabilidade entre sujeito que interpreta e objeto interpretado, dão a tônica da hermenêutica jurídica contemporânea: “O intérprete, em contato com a realidade social, encontrará, através do manejo flexível dos métodos, a solução jurídica compatível à nova sociedade".

2.2.1 Método tópico - problemático

Pedro Lenza explica que por meio desse método, parte-se de um problema concreto para a norma, atribuindo-se à interpretação um caráter prático na busca da solução dos problemas concretizados45

Visão esta contrária ao positivismo, pois segundo este método a conclusão seria lógico-dedutiva.

Ou seja, neste método não são utilizados os instrumentos hermenêuticos tradicionais; parte-se de um problema concreto para a norma, atribuindo a interpretação um caráter prático visando a solução dos problemas.

Nesse sentido, Bulos expõe o seguinte:46

Aceitando, em contraposição a esse ponto de vista, que, modernamente, a Constituição é um sistema aberto de regras e princípios, o que significa dizer que ela admite distintas e cambiantes interpretações; que um problema é toda questão que, aparentemente, permite mais de uma resposta; e que, afinal, a tópica é, segundo Viehweg, a técnica do pensamento problemático, pode-se dizer que os instrumentos hermenêuticos tradicionais não resolvem as aporias emergentes da interpretação concretizadora desse novo modelo constitucional e que, por isso mesmo, o método tópico-problemático representa, se não o único, pelo menos o mais adequado dos caminhos para chegar até a Constituição.

A interpretação jurídica é uma tarefa essencialmente prática, sendo as normas constitucionais abertas e indeterminadas, decorre daí o protagonismo dos intérpretes.

Este método corrobora com a tese de Peter Häberle que será aferida a seguir. Partindo desta visão, a comunidade hermenêutica que dialogará com o texto constitucional ser formada apenas pelas instâncias oficiais da interpretação, mas por toda a sociedade que vive a norma, ou seja, seria a chamada "sociedade aberta dos intérpretes da Constituição", esse método de interpretação representa uma forma de resguardar e legitimar a Constituição, pois o resultado da interpretação, que decorrerá de um debate aberto e abrangente, será certamente acatado pela comunidade, pois a esta terá sido dada a oportunidade de participar da formação da interpretação definitiva.47

Conforme se observa, é possível sustentar o papel do intérprete de buscar a solução mais razoável para o caso concreto sem lhe conferir demasiada liberdade. Sendo assim, este método é muito útil, desde que baseado pelos limites textuais do ordenamento jurídico.

Nesse sentido Sarmento anota que:

Não é incomum na nossa jurisprudência constitucional o recurso ao pensamento tópico problemático, caracterizado pela preocupação com as especificidades do caso. Isso ocorreu, por exemplo em decisão do STF em que se afastou a exigência de comprovação de três anos de prática jurídica para posse no cargo de Procuradoria da República, de candidata que já exercia a função de Promotoria da Justiça. A Corte, apesar de considerar constitucional a exigência em questão, imposta pelo poder constituinte derivado, entendeu que, no caso específico, a sua imposição não seria razoável, uma vez que a candidata já vinha atuando como membro do Ministério Público.

Na doutrina constitucional, Friedich Muller também admite o raciocínio tópico problemático, desde que não ultrapasse o texto da norma, vendando-se ao intérprete que "decida contra o texto claro de uma prescrição, sob o motivo de que ela não oferece um ponto de apoio para que se alcance uma solução razoável para o problema"48

2.2.2 Método hermenêutico - concretizador

Este método hermenêutico pouco difere do método exposto em epígrafe, aqui vemos a constatação de que a leitura de qualquer texto normativo ou constitucional, começa pela pré-compreensão do intérprete, a quem compete concretizar a norma a partir de uma dada situação histórica, para que o resolva com base na Constituição e não segundo critérios pessoais. O intérprete faz o caminho oposto, parte da norma para o caso concreto.

Ocorre que este método encontra algumas críticas da doutrina, conforme expõe Inocêncio Martires49

Em que pese a importância desse suporte filosófico, impõe-se reconhecer a grande dificuldade em se produzirem resultados razoavelmente consistentes à base dessa proposta hermenêutica, porque a pré-compreensão do intérprete, enquanto tal,distorce desde logo não somente a realidade, que ele deve captar através da norma mas também o próprio sentido da norma constitucional, já de si multívoco, que ele deve apurar naquele permanente ir e vir, entre o substrato e o sentido, que singulariza a dialética da compreensão.

Mesmo assim, acreditam os adeptos desse método que se ele for utilizado corretamente ensejará concretizações minimamente controláveis, nas quais se evidenciem tanto as dimensões objetivas da atividade hermenêutica, emergentes do problema a resolver, quanto os seus aspectos subjetivos. traduzidos na pré compreensão do intérprete sobre a norma e a situação normada.

O intérprete possui um pré-compreensão da norma e a partir dela analisará os casos concretos. Suprindo as lacunas legais.

Ocorre que o fato de se partir de pré- compreensões do intérprete pode distorcer não somente a realidade, como também o sentido da norma.

Corroborando com o exposto, cumpre ressaltar o entendimento de Sarmento50

A aposta na pré-compreensão parece ignorar o fato de que as nossas tradições e práticas sociais estão impregnadas pela opressão e assimetria. Por isso, também na pré-compreensão— naqueles “pré-conceitos” depositados no fundo da consciência social e da cultura de um povo —viceja o poder simbólico: “esse poder invisível o qual só pode ser exercido com a cumplicidade daqueles que não querem saber que lhe estão sujeitos ou mesmo que o exercem”. Na pré compreensão pode ter lugar a hierarquização social e a estigmatização do diferente. Tomar a pré compreensão como norte na hermenêutica jurídica, sem submetê-la ao crivo de uma razão crítica,equivale a endossar o status quo cultural e legitimar a injustiça, em nome do Direito e da Constituição.

O método concretizador pode ser observado na formulação teórica de Konrad Hesse, onde conceitua-se que o intérprete formula seu juízo sobre o conteúdo da norma em face da situação histórica em que se encontra51

Em síntese, pode-se afirmar: a Constituição jurídica está condicionada pela realidade histórica. Ela não pode ser separada da realidade concreta de seu tempo. A pretensão de eficácia da Constituição somente pode ser realizada se se levar em conta essa realidade. (...) Todavia, ela não está condicionada, simplesmente, por essa realidade. Em caso de eventual conflito, a Constituição não deve ser considerada, necessariamente, a parte mais fraca. Ao contrário, existem pressupostos realizáveis (realizierbare Voraussetzungen) que, mesmo em caso de confronto, permitem assegurar a força normativa da Constituição”

Diferentemente do método tópico-problemático, o método hermenêutico -concretizador parte da Constituição para o problema, apesar de ambos se assemelharem no ponto de que o intérprete deve exercer uma atividade concretizadora, ou seja, o intérprete deve "reconstruir" o Direito no caso prático, a partir de um procedimento argumentativo e racional, ao invés de procurar um sentido "inerente" à norma.52

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Sobre o autor
Luiz Felipe Lange Hee

Sócio diretor do escritório Hee e Hee Advogados Associados.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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