O impacto da hermenêutica no controle de constitucionalidade brasileiro

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02/05/2019 às 12:10

Resumo:


  • O controle de constitucionalidade é essencial para garantir a harmonia do ordenamento jurídico, verificando a compatibilidade das normas com a Constituição.

  • O controle de constitucionalidade baseia-se nos princípios da supremacia e rigidez constitucional, garantindo que normas inconstitucionais sejam declaradas inválidas.

  • A interpretação da Constituição no Brasil envolve métodos tradicionais e modernos, como a interpretação gramatical, histórica, sistemática, teleológica, tópico-problemática e hermenêutico-concretizadora.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

3. O FENÔMENO DA MUTAÇÃO CONSTITUCIONAL

Uma das funções da Constituição é de assegurar um nível adequado de estabilidade às instituições políticas e jurídicas. Por tal razão, temos a rigidez constitucional, a qual enseja em uma dificuldade maior de alteração do texto constitucional em relação ao processo legislativo ordinário, tem o objetivo de garantir a permanência e a estabilidade, embora não a imutabilidade da constituição.

O que se percebe, todavia, é que as constituições, também reservam espaço para a possibilidade de mudança de seu próprio texto interpretativo,e, portanto, de seu próprio conteúdo. Justamente para que a Constituição permaneça em vigor, não apenas simbolicamente, como uma mera “folha de papel”53 e cumpra sua função estabilizadora.54

Daniel Mitidiero explica que: 55

Pela prevalência de um modelo de constituições rígidas, é possível distinguir entre duas formas de mudança constitucional: os mecanismos formais de mudança constitucional e os assim chamados mecanismos informais, também conhecidos como mutações constitucionais.

In limine, é importante destacar a distinção entre reforma constitucional e mutação constitucional. A reforma constitucional consiste nas modificações constitucionais reguladas no próprio texto da Constituição, pelos processos por ela estabelecidos para sua reforma.

A reforma constitucional seria a modificação do texto constitucional, mediante mecanismos definidos pelo poder constituinte originário (emendas), alterando, suprimindo ou acrescentando artigos ao texto original da Constituição.

Já a mutação constitucional consiste na alteração, não da letra, ou do texto expresso, mas do significado, do sentido e do alcance das disposições constitucionais, através da interpretação constitucional, ou dos costumes.

Corroborando com o exposto é relevante destacar o entendimento de Anna Cândida:56

A expressão mutação constitucional é reservada somente para todo e qualquer processo que altere ou modifique o sentido, o significado e o alcance da Constituição sem contrariá-la; as modalidades de processos que introduzem alteração constitucional, contrariando a Constituição, ultrapassando os limites· constitucionais fixados pelas normas, enfim, as alterações inconstitucionais são designadas por mutações inconstitucionais

Assim, em síntese, a mutação constitucional altera o sentido , o significado e o alcance do texto constitucional sem violar-lhe a letra e o espírito. Essa a característica fundamental da noção de mutação constitucional que merece, por ora, ser ressaltada. Trata-se, pois, de mudança constitucional que não contraria a Constituição, ou seja, que, indireta ou implicitamente, é acolhida pela Lei Maior.

As mutações, portanto, exteriorizam um caráter dinâmico, por meio de processos informais, no sentindo de não serem previstos dentre aquelas mudanças formalmente estabelecidas no texto constitucional.

Uadi Lammêgo Bulos denomina mutação constitucional como:57

O processo informal de mudanças da constituição, por meio da qual são atribuídos novos sentidos, conteúdos até então não ressaltados à letra da Lex Legum, quer através da interpretação, em suas diversas modalidades e métodos, quer por intermédio da construção (construction), bem como dos usos e costumes constitucionais.

Barroso, por sua vez, afirma que:58

A mutação constitucional consiste em uma alteração do significado de determinada norma da Constituição, sem observância do mecanismo constitucionalmente previsto para as emendas e, além disso, sem que tenha havido qualquer modificação de seu texto

As normas constitucionais mais abertas, expressas em linguagem mais indeterminada, são aquelas mais suscetíveis de se sujeitarem à mutação constitucional, na medida em que o seu texto impõem menores constrangimentos ao intérprete.

Conforme ensina Daniel Sarmento59, as constituições que contêm um número significativo de preceitos com linguagens mais indeterminadas são dotadas de maior plasticidade, tornando o texto constitucional mais permeável à realidade social.

Cumpre destacar o entendimento de Daniel Mitidiero a respeito da mutação constitucional:60

No âmbito da chamada mudança informal, não há, a rigor, alteração do texto normativo, mas sim alteração no que diz com a aplicação concreta de seu conteúdo a situações fáticas que se modificam no tempo, geralmente pela via da interpretação constitucional, fenômeno designado, como ja referido, de “mutação constitucional”, no sentido de uma mudança constitucional que, embora altere o sentido e alcance da constituição, mantém o Texto Constitucional intacto.

Barroso, a partir da doutrina clássica, buscou sistematizar os mecanismos de mutação constitucional, quais sejam: (I) interpretação (judicial e administrativa), (II) atuação do legislador e ( III) via de costumes constitucionais.61

Corroborando com o entendimento de Barroso, Daniel Sarmento expõe o que segue:62

A mutação constitucional deve sempre derivar de alguma alteração ocorrida no quadro das relações sociais que compõem o pano de fundo da ordem jurídica — seja no plano dos fatos, seja naquele dos valores sociais. Contudo, as mutações são muitas vezes veiculadas por decisões de órgãos estatais que captam a mudança ocorrida, cristalizando-a no universo jurídico-constitucional. Neste sentido, é possível falar- se em mutação constitucional por intermédio de mudança jurisprudencial, por ato legislativo ou por práticas ou decisões do governo

A interpretação administrativa se opera mediante atos e resoluções, tendo caráter mais restrito, em detrimento de sua limitação pela Constituição e pelas normas infraconstitucionais, submetendo-se ao controle judicial de constitucionalidade e de legalidade.

A mutação constitucional por atuação do legislador se observa no momento em que o legislador, por ato normativo primário, busca alterar o sentido já dado a alguma norma constitucional. Como por exemplo, depois de modificado o entendimento sobre a prerrogativa de foro pelo Supremo Tribunal Federal, o Congresso Nacional procurou resgatar o sentido da Súmula 394, nos termos da Lei. 10.268/02. Cumpre ressaltar que o STF declarou inconstitucional o referido ato normativo.

Barroso afirma não ser pacífica a existência de mutação constitucional por via de costumes, em países de Constituição escrita e rígida. Porém admite que certar práticas reiteradas ensejara mudanças no sentido interpretativo da Constituição. 63

É importante destacar que a mutação e a nova interpretação não poderão afrontar os princípios estruturante da Constituição, sob pena de serem inconstitucionais.

É evidente que a rigidez constitucional tem o objetivo de garantir a supremacia da constituição proporcionando mais estabilidade e segurança, ocorre que a rigidez não deve ser encarada de tal forma que se engesse a finalidade das normas, devendo estar sempre em consonância com a realidade social.

Conforme já exposto, o instituto da mutação constitucional demanda o uso da interpretação como meio de reforma constitucional, podendo mostra-se eficaz no sentido de revigorar a Constituição.

Insta salientar que a mutação, todavia, jamais poderá romper com o sistema estabelecido pelo constituinte, ou desrespeito ao sentido mínimo das cláusulas pétreas. Quando isto acontecer, a hipótese já não será de mutação, mas de violação à ordem constitucional.

A interpretação constitui atividade de mediação cuja finalidade é tornar concreta a norma jurídica abstrata. A Constituição é um sistema de normas aberto a várias soluções interpretativas. Assim, parece razoável oferecer como alternativa de reforma à Constituição a utilização da interpretação como instrumento de mediação entre o texto e a realidade constitucional. Substituindo a reforma à Constituição por uma interpretação voltada a concretizar direitos e princípios, adequando as mudanças sociais ao texto constitucional, manter-se-ia o equilíbrio entre o documento original da Constituição e a estrutura social. 64

A interpretação apresenta-se como principal modalidade de mutação constitucional, haja vista que dentro da nova hermenêutica constitucional, é considerado que grande parte das normas constitucionais possuem grau de elasticidade, ou seja, o intérprete está autorizado, dentro de certos limites, a ampliar o sentido e o significado do texto constitucional. 65

Ressalta-se que nem sempre a modificação de interpretação se apresenta como um mecanismo de mutação constitucional. Apenas será considerada como mutação constitucional enquanto o intérprete realiza uma nova interpretação a determinado dispositivo constitucional em virtude da modificação da realidade que cerca a aplicação da constituição.

Conforme já exposto, a interpretação judicial pode ocorrer em duas situações, tanto na função de controle judicial da constitucionalidade, como, mediante aplicação da norma constitucional para solucionar a lide no caso concreto. Diante disso, iremos abordar as espécies de mutação constitucional interpretativa, visto que a interpretação constitucional judicial tem ganhado relevância como mecanismo de alteração informal da constituição, trazendo a baila a questão do ativismo judicial no Brasil que busca efetivar direitos diante da inoperância do Poder Legislativo.

3.1 ESPÉCIES DE MUTAÇÃO CONSTITUCIONAL RELACIONADAS AO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE

Conforme explanado em epígrafe, a mutação constitucional visa analisar o verdadeiro sentido da norma perante a realidade e a evolução social. Altera-se a interpretação, sem alterar o texto da norma.

A mutação constitucional ligada à interpretação apresenta duas espécies, as quais serão expostas a seguir.

3.1.1 A INTERPRETAÇÃO CONFORME A CONSTITUIÇÃO

O princípio da interpretação conforme, representa técnica hermenêutica de controle de constitucionalidade, pelo qual, havendo duas ou mais interpretações possíveis de uma lei, declara-se aquela que deve ser adotada (constitucional).

Ou seja, diante de normas polissêmicas, deve o intérprete optar pela que mais se aproxime da Constituição. A doutrina em geral, entende este instituto jurídico tanto como princípio, como instrumento hermenêutico e por fim como mecanismo de controle de constitucionalidade.

Nesse sentido Barroso explica que:

Na interpretação conforme à Constituição, o órgão jurisdicional declara qual das possíveis interpretações de uma norma legal se revela compatível com a Lei Fundamental. Isso ocorrerá, naturalmente, sempre que um determinado preceito infraconstitucional comportar diversas possibilidades de interpretação, sendo qualquer delas incompatível com a Constituição. Note-se que o texto legal permanece íntegro, mas sua aplicação fica restrita ao sentido declarado pelo tribunal.66

Podemos aferir que a interpretação conforme é um método de controle de constitucionalidade ao verificar que sua objetivo é o de evitar a decretação de nulidade (por inconstitucionalidade) de uma lei ou ato normativo. Não obstante esta técnica foi positivada pelo Art. 28, Parágrafo Único da Lei 9.868 de 1999.

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Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal pronunciou-se sobre a questão de ser a interpretação conforme a Constituição não apenas uma critério hermenêutico, mas também um mecanismo de controle de constitucionalidade:

O mesmo ocorre quando Corte dessa natureza (constitucional), aplicando a interpretação conforme à Constituição, declara inconstitucional uma lei com a interpretação que a compatibiliza com a Carta Magna, pois, nessa hipótese , há uma inconstitucionalidade parcial , o que implica dizer que o tribunal constitucional elimina - e atua, portanto, como legislador negativo - as interpretações por elas admitidas, mas inconciliáveis com a Constituição67

Daniel Mitidiero ensina que o resultado da decisão que realiza “interpretação conforme”, portanto, não apenas expressamente exclui o sentido ou a interpretação sugerido para a norma pelo autor da ação de inconstitucionalidade, mas declara que, mediante determinada interpretação, a norma é constitucional.68

Ou seja, demonstra-se que a norma não tem o sentido proposto na ação direta de inconstitucionalidade, mas que, compreendida adequadamente, pode ter sentido que é conforme à Constituição. Podemos concluir que esta técnica visa o máximo aproveitamento dos atos jurídicos.

Corroborando com o exposto, insta salientar o entendimento de Celso Ribeiro Bastos:

Dessa forma, justifica o estudo desta técnica, na medida em que funciona como uma forma de integrar a lei à Constituição (...). Pela interpretação conforme à Constituição, uma lei não deve ser declarada nula quando seja passível de uma interpretação que a coloque em plena sintonia com o conjunto normativo- constitucional69

A técnica permite a invalidação jurisdicional não do ato normativo em si, mas de uma ou algumas das suas possibilidades interpretativas, de modo vinculante para outros.70

Podemos dizer que a interpretação conforme à Constituição não busca apenas extrair um sentido da lei, mas sim determinar uma redução ou mesmo ampliação da eficácia da norma legal, segundo a Constituição.

A interpretação conforme, deriva de vários fundamentos, tendo como os mais importantes o da unidade do ordenamento jurídico e a Supremacia da Constituição, dois princípios que já foram abordados no presente trabalho.Deste modo, as leis deverão se submeter à Lei Fundamental e serem interpretadas em conformidade com ela.

É de uma importância emitir a passagem de Canotilho acerca do presente tema:

Este principio deve ser compreendido articulando todas as dimensões referidas, de modo que se torne claro: (i) a interpretação conforme a Constituição só é legítima quando existe um espaço de decisão ( espaço de interpretação) aberto a varias propostas interpretativas, umas em conformidade com a Constituição e que devem ser preferidas, e outras em desconformidade com ela; (ii) no caso de se chegar a um resultado interpretativo de uma norma jurídica em inequívoca contradição com a lei constitucional, impõe-se a rejeição, por inconstitucionalidade, dessa norma ( competência de rejeição ou não aplicação de normas inconstitucionais pelos juízes), proibindo-se a sua correção pelos tribunais ( proibição de correção de norma jurídica em contradição inequívoca com a Constituição); (iii) a interpretação da Constituição deve afastar-se quando, em lugar do resultado querido pelo legislador, se obtém uma regulação nova e distinta, em contradição com o sentido literal ou sentido objetivo claramente recognoscível da lei ou em manifesta dessintonia com os objetivos pretendidos pelo legislador.71

Em consonância com o entendimento de Canotilho, pode-se aferir que a interpretação conforme só e cabível na medida em que a norma infraconstitucional comporte inúmeros hipóteses de compreensão, ou seja, quando só é possível chegar a um resultado interpretativo em discordância com a Constituição, não há espaço para a interpretação conforme, devendo esta ser declarada inconstitucional, conferindo-se a primazia do legislador.

Coadunando com o entendimento de Canotilho, o professor Daniel Sarmento anota que:

Discute-se sobre os limites da interpretação conforme à Constituição. Um deles é certamente o texto legal interpretado. Esse princípio hermenêutico não permite que o Poder Judiciário edite, obliquamente, uma nova norma legal, em substituição àquela elaborada pelo legislador. Os juízes podem escolher um dentre os vários sentidos possíveis do texto, mas não podem fabricar um novo sentido, que o enunciado normativo não comporte.

A esse respeito, esbarramos no princípio da separação dos poderes, visto que não cabe ao Judiciário colocar normas em vigor, e sim apenas afastar do ordenamento jurídico aquelas que contrariem as normas superiores (assunto que será abordado a seguir).

Por derradeiro, é imprescindível apresentar alguns casos onde a interpretação conforme à Constituição foi exercida.

Um caso importante, recentemente julgado, relaciona-se à aplicação das normas penais que criminalizam a prática do aborto no caso de anencefalia fetal. Na ADPF nº 54 entendeu o STF que a única interpretação dos dispositivos penais que se compatibilizam com a Constituição é a que só permite a sua incidência quando de fato existir a vida potencial do nascituro. Sem que haja vida potencial, não se justifica restrição tão grave. A inexistência desse bem jurídico, no caso da interrupção de gestação de feto anencefálico, torna inconstitucional a criminalização da conduta da gestante ou dos profissionais de saúde envolvidos. Entre duas interpretações possíveis de normas penais infraconstitucionais sustenta-se que apenas uma se concilia com a Constituição, a que protege os direitos fundamentais da gestante. O julgamento se baseou no princípio da dignidade humana, princípio este basilar para a interpretação de todo o ordenamento jurídico, adequando assim o Código Penal ao texto constitucional.

Nesse sentido insta salientar a anotação do Ministro Marco Aurélio em seu voto:72

Não se coadunam com o princípio da proporcionalidade, proteger apenas um dos seres da relação, privilegiar aquele que, no caso da anencefalia, não tem sequer expectativa de vida extrauterina, aniquilando, em ontrapartida, os direitos da mulher, impingindo-lhe sacrifício desarrazoado. A imposição estatal da manutenção de gravidez cujo resultado final será irremediavelmente a morte do feto vai de encontro aos princípios basilares do sistema constitucional, mais precisamente à dignidade da pessoa humana, à liberdade, à autodeterminação, à saúde, ao direito de privacidade. O ato de obrigar a mulher a manter a gestação, colocando-a em uma espécie de cárcere privado em seu próprio corpo, desprovida do mínimo essencial de autodeterminação e liberdade, assemelha-se à tortura ou a um sacrifício que não poder ser pedido a qualquer pessoa o dela exigido.

Além da ADPF exposta em epígrafe,é importante destacar a ADPF 187 da " Marcha da Maconha" onde o Supremo Tribunal Federal destacou que não deve existir proibição de manifestações públicas em defesa da descriminalização do uso de drogas. Ou seja, qualquer manifestação pública em favor de ato tipificado como crime, não caracteriza-se apologia (Artigo 287 do Código Penal) de crime, desde que o debate esteja restringido à lei.

Nesse sentido, cumpre destacar o entendimento da Corte:73

"A mera proposta de descriminalização de determinado ilícito penal não se confundiria com ato de incitação à prática de crime, nem com o de apologia de fato criminoso"

A Corte deu interpretação conforme a Constituição ao Artigo 287 do Código Penal utilizou como fundamentos o direito à liberdade de expressão e de reunião, desconsiderando as marchas em defesa de descriminalização de drogas como apologia ao crime.

Por derradeiro, outro caso que merece destaque é o do reconhecimento jurídico da união estável entre pessoas do mesmo sexo, apreciado pelo Supremo Tribunal Federal na ADIn nº 4.277/DF e da ADPF 132/RJ.

O entendimento da Corte foi de que a Carta Magna, contém normas que vedam a discriminação ( Art. 5º Caput, 3º, IV, e 1º, II), ou seja , a Constituição não vedaria o reconhecimento.As ações supracitadas foram instauradas em face da redação do Artigo 1.723 do Código Civil Brasileiro . “É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família”.

Luis Roberto Barroso comenta:74

[...] a interpretação constitucional, como a interpretação jurídica em geral, não é um exercício abstrato de busca de verdades universais e atemporais. Toda interpretação é produto de uma época, de um momento histórico, e envolve as normas jurídicas pertinentes, os fatos a serem valorados, as circunstâncias do intérprete e o imaginário social. A identificação do cenário, dos atores, das forças materiais atuantes e da posição do sujeito da interpretação constitui o que a doutrina denomina de pré-compreensão. É hoje pacífico que o papel do intérprete não é – porque não pode ser – apenas o de descobrir e revelar a solução que estaria abstratamente contida na norma. Diversamente, dentro das possibilidades e limites oferecidos pelo ordenamento, a ele caberá fazer, com freqüência, valorações in concreto e escolhas fundamentadas.

Aplicando-se a interpretação conforme, a Corte adotou o sentido que torne o Artigo supracitado constitucional, sem a necessidade de declarar sua inconstitucionalidade.

Os princípios hermenêuticos utilizados nesta decisão foram os da unidade da Constituição, da máxima efetividade e da interpretação conforme à Constituição.

Desta forma se torna evidente que com a utilização correta da hermenêutica constitucional, não há espaço para opiniões ou justificativas pessoais.

3.1.2 INCONSTITUCIONALIDADE PARCIAL SEM REDUÇÃO DE TEXTO

Este método condena determinada interpretação, por afrontar a Constituição, assume uma dimensão negativa. Ou seja, declara-se a inconstitucionalidade apenas de determinada hipótese de aplicação da lei, reconhecendo a possibilidade de aplicação da lei a outras hipóteses, visto que há casos em que a norma pode ser utilizada em face de situação diversas, uma podendo se apresentar inconstitucional e a outra constitucional.

Na declaração de inconstitucionalidade parcial sem redução de texto não se cogita da interpretação da norma, mas se admite a inconstitucionalidade da norma frente à alguma situação, preservando sua aplicação em outras situações.

Sarmento afere o seguinte:75

Quando a ação de inconstitucionalidade impugna a aplicação da norma em determinada situação, o Tribunal, ainda que reconhecendo a inconstitucionalidade da aplicação nesta situação, pode preservá-la por admitir a sua aplicação em outras situacoes. Nestes casos ha declaração parcial de nulidade sem redução de texto. A nulidade, bem vistas as coisas, e da aplicação da norma na situação proposta, sendo, por isso, necessário preservar o texto diante da aplicabilidade da norma em situações diversas.

Um exemplo claro da aplicabilidade desta técnica, se dá nos casos de leis que criam ou aumentam tributos. Tais leis, diante do princípio da anterioridade, não podem ser aplicadas no mesmo exercício financeiro, mas podem ser aplicadas no exercício financeiro seguinte.

É importante destacar que nem toda declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto envolve a interpretação conforme a Constituição. Há hipóteses em que não existe a polissemia no texto normativo, mas em que parte do seu campo de incidência não pode se submeter à aplicação da normal, sob pena de conflitar com a Constituição, nesse a Corte profere decisão com declaração de inconstitucionalidade sem redução de texto.

Segundo Celso Ribeiro Bastos: 76

Trata-se de uma técnica de interpretação constitucional - que tem sua origem na prática da Corte Constitucional alemã - utilizada pelo Supremo Tribunal Federal, na qual se declara a inconstitucionalidade parcial da norma sem reduzir o seu texto, ou seja, sem alterar a expressão literal da lei. Normalmente, ela é empregada quando a norma é redigida em linguagem ampla e que abrange várias hipóteses, sendo uma delas inconstitucional. Assim, a lei continua tendo vigência - não se altera a sua expressão literal –, mas o Supremo Tribunal Federal deixa consignado o trecho da norma que é inconstitucional. É dizer, uma das variantes da lei é inconstitucional. Portanto, faz-se possível afirmar que essa técnica de interpretação ocorre, quando – pela redação do texto na qual se inclui a parte da norma que é atacada como inconstitucional – não é possível suprimir dele qualquer expressão para alcançar a parte inconstitucional. Impõe-se, então, a suspensão da eficácia parcial do texto impugnado sem a redução de sua expressão literal

Em ambas as hipóteses, não há declaração de nulidade da norma, a norma continua válida em ambos os casos. A distinção como já dito está em que um caso se discute o âmbito da interpretação e, no outro, o âmbito de aplicação.

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Sobre o autor
Luiz Felipe Lange Hee

Sócio diretor do escritório Hee e Hee Advogados Associados.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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