INTRODUÇÃO
O estupro marital é um delito praticado desde os primórdios da existência humana. Antigamente, apenas mero reflexo do conceito de uma época em que a mulher não tinha liberdade sexual e ainda era considerada propriedade e objeto de seus maridos.
Diferente do que acontecia em tempos passados, hoje em dia, a importância do estupro está centrada na liberdade sexual do indivíduo e no seu direito de escolha. Essa liberdade sexual do indivíduo, entende-se pela capacidade de o sujeito dispor livremente do seu corpo à pratica sexual, agindo de acordo com seus desejos e vontades, incluindo, neste disposto, a escolha do seu parceiro.
O Código Civil Brasileiro traz em seu âmbito, os direitos e deveres do casamento. Assim, na pratica do ato sexual, o marido, esposa ou companheiro (a) que forçar ou constranger seu instinto sexual, poderá cometer um ilícito penal, haja vista o desrespeito ao consentimento ou concordância dos parceiros para a prática das relações sexuais.
Há inúmeros casos de violência sexual no Brasil, casos em que mais mulheres do que homens, são relativamente violentadas sexualmente pelo seu próprio cônjuge e nem sabem da proporção desta ação, outras até sabem, mas tem vergonha ou até mesmo medo de procurar ajuda, por se tratar de ações praticadas pelo marido ou companheiro e ficam anos e anos vivendo essa situação.
1. CONCEITO DE ESTUPRO MARITAL
Em sua definição o estupro marital ou estupro conjugal, só difere do crime de estupro devido ao grau de intimidade efetiva de quem o comete.
O estupro marital se configura quando ocorre infringência sexual contra um dos parceiros, mesmo dentro de um relacionamento. Fazer com que uma relação sexual aconteça por meio de ameaça ou violência são os casos mais clássicos hoje em dia, mais também pode ser considerado estupro marital forçar o sexo enquanto a vítima está inconsciente, seja dormindo, embriagada ou sob efeito de remédios.
Dentro de uma relação, muitas vezes pode ser difícil a percepção de que uma mulher ou um homem pode estar sendo vítima desse mal, já que, em uma sociedade completamente machista e pautada pela chamada ‘’ cultura do estupro’’, o homem possui direitos de desfrutar do corpo feminino como bem entender.
Ainda é visto com muita naturalidade, fazer sexo sem que haja desejo mútuo e progressivo no casamento ou no namoro, mas qualquer forma de coerção sexual, seja ela física ou emocional, é sim, estupro conjugal. Aquelas práticas mais agressivas, como por exemplo o sadomasoquismo, ou posições sexuais que causem constrangimento à vítima, podem se enquadrar enquanto o estupro conjugal ainda não sejam plenamente consentidas, assim como forçar uma relação sexual sem o uso de preservativo com a parceira ou parceiro.
1.1. Classificação Doutrinária
O crime de estupro é considerado como pluri ofensivo, isso porque tutela mais de um bem jurídico: a dignidade sexual e a liberdade sexual. O objeto material é a pessoa contra quem a conduta criminosa se dirige, independentemente de seu sexo. O núcleo do tipo é ‘’ constranger’’, no sentido de forçar/coagir alguém a fazer ou deixar de fazer algo. Desta forma, é um comportamento que infringe os princípios fundamentais da pessoa humana, sendo eles, a liberdade de autodeterminação, bem como a sua dignidade.
Para que haja o constrangimento da vítima, o agressor se utiliza de meios de execução para a obtenção do estupro: a violência e a grave ameaça, dessa forma, o agente constrange alguém para que consiga a conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso.
O sujeito passivo (vitima) pode ser qualquer pessoa que sofra o constrangimento.
Atualmente, o crime tipificado no art. 213. do Código Penal contempla a espécie bi comum, onde qualquer pessoa pode se classificar tanto como sujeito passivo quanto como sujeito ativo.
Quanto à modalidade de conduta, é crime formal (pois se consuma com a simples prática da conduta descrita), de ação múltipla, de conduta variável ou de forma livre (porque pode ser cometido tanto por conjunção carnal como por qualquer outro ato libidinoso), e comissivo (pois os verbos do tipo indicam ação).
A lei 13.718/18, de 24 de setembro de 2018, deu nova redação ao art. 225. do Código Penal, alterando o seu caput e revogando o parágrafo único. A redação anterior estabelecia que os crimes contra a dignidade sexual, em regra, eram de ação penal pública condicionada à representação, salvo quando a vítima fosse menor de dezoito anos, ou pessoa vulnerável, casos nos quais a ação penal seria pública incondicionada. Agora, com a nova redação, independentemente da idade ou condição do ofendido, todos os crimes tipificados nos capítulos I e II do título VI do Código Penal são de ação penal pública incondicionada.
O entendimento atual acerca do crime em questão, não possui distinções como possuía antigamente em legislações penais. Nos dias atuais, os homossexuais, os transexuais, as prostitutas, são consideradas iguais e podem figurar como sujeito passivo ou ativo, não havendo mais distinções.
1.2. Ação Penal
Com a nova redação do art. 225. do Código Penal, não mais será exigida a representação da vítima para o exercício da ação penal pública, ainda que se trate de maior de dezoito anos e pessoa não vulnerável, vejamos:
Art. 225. Nos crimes definidos nos Capítulos I e II deste Título, procede-se mediante ação penal pública incondicionada à representação. (Redação dada pela Lei nº 13.718, de 2018).
Há, um dispositivo legal que exige a representação para o exercício de uma ação penal pública, tem, indiscutivelmente, um aspecto híbrido. Tratando-se de uma ‘’ condição especifica de procedibilidade’’, que é visível o seu caráter processual penal. Nada obstante, há também um aspecto que ‘’ toca’’ o direito material, pois, como se sabe, a representação submete-se a um prazo decadencial (seis meses), findo o qual ocorrerá a extinção da punibilidade, pela decadência, nos termos do art. 107, IV, do Código Penal. O art. 225. do referido código, trata-se portanto, de uma norma processual material.
Diante disso, chega-se à conclusão que, relativamente aos crimes contra a dignidade sexual tipificados nos artigos. 213. a 218-C do Código Penal, e praticados antes da vigência da nova lei (e aqui relevante será a data da ação ou da omissão, nos termos do art. 4º. do Código Penal), o início da persecução penal (desde a instauração do Inquérito Policial) continua a depender da representação, salvo, evidentemente, tratando-se de vítima menor de dezoito anos ou vulnerável. Em outras palavras: o novo art. 225. não pode retroagir, sendo forçoso admitir uma verdadeira ultra atividade da disposição antiga.
1.2.1. Das Penalidades Cabíveis
Neste contexto, segundo dizeres de Masson (2014), o Código Penal brasileiro em seu artigo 226, traz uma questão importante quanto ao aumento de pena. Se o autor do crime se enquadrar em alguma das hipóteses previstas em sua redação, poderá ter sua pena aumentada. Sendo assim, este fato demonstra que o cônjuge que comete tal delito estará sujeito as regras estipuladas neste artigo em questão, vejamos:
Art. 226. A pena é aumentada: I – de quarta parte, se o crime é cometido com o concurso de 2 (duas) ou mais pessoas; II – de metade, se o agente é ascendente, padrasto ou madrasta, tio, irmão, cônjuge, companheiro, tutor, curador, preceptor ou embargador da vítima ou por qualquer outro título tem autoridade sobre ela.
Nesse prisma, de acordo com Pereira (2006, p. 06), o marido empreende violência sexual contra sua esposa quando: “forçar ou obrigar relações sexuais (mesmo sem uso de violência física); forçar práticas sexuais que causam desconforto ou repulsa; obrigar a vítima a olhar imagens pornográficas, quando ela não deseja ou obrigar a vítima a fazer sexo com outras pessoas”.
Entretanto, a mulher, sendo casada ou não, possui seus direitos garantidos por lei para dispor de seu próprio corpo ou da sua liberdade sexual como assim desejar e bem entender, portanto, afirma os dizeres do art. 5º, II, da Constituição Federal (CF) que descreve o seguinte; “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. Segundo Taquary (2013, p.01):
A Constituição Federal Brasileira, de 1988, protege a liberdade da pessoa humana, prevendo constitucionalmente em sua forma geral, mas na legislação infraconstitucional é categorizada em liberdade sexual; de locomoção; de pensar; de expressão, de religião; de credo e todas as suas derivações, de modo a realizar a dignidade da pessoa humana.
Desta forma, existem julgados se posicionando de forma a aceitar a admissibilidade da prática do crime de estupro marital, sendo visível em uma decisão do TJ-SC referente a tal crime:
ESTUPRO, VIOLÊNCIA SEXUAL COMETIDA CONTRA CÔNJUGE VAROA (CP, ART. 213). PALAVRAS DA VÍTIMA, INSUSPEITAS, ALIADAS ÀS DO FILHO ADOLESCENTE, QUE PRESENCIOU A AGRESSÃO E À ÍNDOLE BELICOSA DO RÉU QUE NÃO DEIXAM DÚVIDA QUANTO À PRÁTICA DO DELITO. ABSOLVIÇÃO INVIÁVEL. CONDENAÇÃO MANTIDA. DOSIMETRIA. PENA-BASE EXASPERADA NO ÂMBITO DOS PARÂMETROS PRATICADOS POR ESTA CORTE. PROPORCIONALIDADE COM OS LIMITES DA REPRIMENDA OBSERVADA. RAZOABILIDADE DA PUNIÇÃO EVIDENCIADA NA EXPOSIÇÃO DO TOGADO. MANUTENÇÃO. ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. DEFENSOR NOMEADO PARA ATUAR NO PRIMEIRO GRAU. VERBA QUE ENGLOBA EVENTUAL DEFESA. CORREÇÃO DO VALOR ESTIPULADO NA SENTENÇA, SEGUNDO ORIENTA A LC ESTADUAL N. 155/97. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO, NESTE PARTICULAR
(TJ-SC - ACR: 747841 SC 2008.074784-1, Relator: Irineu João da Silva, Data de Julgamento: 01/04/2009, Segunda Câmara Criminal, Data de Publicação: Apelação Criminal (Réu Preso) n., de Joinville).
De acordo com a magistrada, o caso poderá servir de estímulo para que mais mulheres também façam denúncias. “A mulher tendo a coragem de sair daquele ambiente de violência, muda o comportamento do homem, porque ele não vai agredir ela mais”, complementa. Assim sendo, diante do exposto sabe-se que para provar esse crime específico existem alguns obstáculos, resultados de muitas vezes a vítima não denunciar o fato ocorrido, onde inúmeras das vezes por medo, vergonha, dependência econômica, emocional, e outros.
2. ESTUPRO MARITAL: ANÁLISE DA LEGISLAÇÃO AO REDOR DO MUNDO
Na Índia é muito comum a prática do casamento infantil, principalmente nas zonas rurais inalcançadas pela atividade estatal e a legislação indiana decreta que é permitido a relação sexual de um homem com sua esposa entre 15 e 18 anos.
As leis indianas ainda são muito frágeis para protegerem todas as mulheres vítimas de estupro dentro do casamento, sendo elas maiores de idade dessa vez.
Para Inácio Carvalho Neto, em sua obra Reparação Civil na separação e no divórcio, da Editora Saraiva, do ano de 2002, o sexo é visto como uma obrigação conjugal diante da doutrina jurídica, como em que considera a recusa injustificada ao ato sexual um débito conjugal e que tal ato causa sérios danos psicológicos à vítima, o que gera um ato ilícito por infração ao dever de vida em comum no domicílio conjugal e que a pessoa que o pratica deve, inclusive, reparar os danos sofridos pelo cônjuge.
No caso da Índia, por exemplo, o estupro marital não é considerado crime. A lei diz que: “relação sexual de um homem com sua própria esposa, a esposa não sendo menor de 15 anos de idade, não é estupro”.
Entre os países que não consideram o estupro entre marido e mulher como crime estão China, Afeganistão, Paquistão e Arábia Saudita. No Sudão do Sul, a legislação é clara ao dizer que a relação sexual entre marido e mulher nunca é estupro, mesmo quando não é consentida. Na maioria desses países, a influência religiosa é quem dita as regras. Para o hinduísmo, religião predominante da Índia, a mulher deve tratar o marido como um deus. Essa influência acaba, consequentemente, atingindo a legislação.
No Brasil, a recusa de sexo de esposa para com o marido já foi motivo para anulação de casamento, sendo classificado pela doutrina como um débito conjugal. Em pesquisa realizada em 2014 pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), 25% dos entrevistados concordam que as mulheres devem satisfazer os maridos sexualmente mesmo sem vontade e isso não seria estupro.
3. A NATURALIZAÇÃO DO ESTUPRO MARITAL CONTRA A MULHER
Atualmente, a violência contra a mulher é sistêmica e acontece de várias formas e se faz presente em diversos espaços: em casa, na rua, no ambiente virtual e até mesmo no parto.
A naturalização da violência contra a mulher coloca as agressões dentro de um relacionamento como um descontrole, um mero desentendimento, um problema privado e até mesmo como algo motivado pela própria vítima e essa culpa faz com que o silencio e a vergonha façam parte do cotidiano de um número elevado de mulheres.Os discursos mais comuns são representados por frases como: Falar ‘’ Ele te bateu porque gosta de você’’ para as crianças. Essa frase coloca a violência como uma forma de demonstrar carinho/ amor/ afeto. É algo comum de serem ditas para meninas quando elas apanham de meninos na escola. Falar isso para crianças, é o mesmo que ensinar que a violência faz parte do amor.
4. DISSENSO DA VÍTIMA: NÍVEL DE RESSISTÊNCIA
Na maioria das vezes, a mulher que sofre o estupro marital não denuncia o agressor por medo, medo de ser assassinada, espancada, medo dos filhos sofrerem agressões ou de perder a guarda deles. Além desse medo, há por trás disso tudo uma dependência emocional, financeira e até mesmo vergonha de se sentirem culpadas pelos acontecimentos e isso só intensifica cada vez mais a culpabilidade da vítima e faz com que se mantenham em silencio sobre o que passam ou passaram.
O controle motivado por ciúmes não é amor e muito menos romântico. Controlar o que a parceira veste, com quem ela conversa, onde ela vai, proibir que ela faça algo, não é sintoma de paixão, é sinal que o relacionamento é abusivo e nada saudável.
Quebrar o silencio e sair de um relacionamento abusivo é muito difícil e a pessoa precisa e necessita receber apoio de amigos e familiares e não absorver os comentários que a culpa diante da sociedade.
A cultura machista influencia em tudo: em como o judiciário irá aplicar o disposto em lei, em como os profissionais de saúde e os policiais atenderão a vítima de violência e em como a sociedade irá encarar a violência sofrida por uma mulher em nosso cotidiano.
5. A POSSIBILIDADE DE REALIZAÇÃO DO ABORTO LEGAL
O ordenamento jurídico brasileiro, dispõe sobre o aborto nos seus artigos 124 a 128 do Código Penal, sendo considerado crime todas as modalidades, tendo como exceção o aborto legal, previsto no artigo 128 do Código Penal.
Em seu dispositivo legal, o artigo 128 do Código Penal, contempla uma causa especial de exclusão da ilicitude, ou seja, não há crime devido ao fato de ser permitido pela legislação brasileira:
Art. 128. – Não se pune o aborto praticado por médico:
Aborto necessário
I- se não há outro meio de salvar a vida da gestante;
Aborto no caso de gravidez resultante do estupro
II- se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal. (BRASIL, 1940)
Em caso de gravidez decorrente de estupro, o aborto é uma das hipóteses em que o dispositivo legal, artigo 128, II, do Código Penal se permite a realização desse aborto sem que haja crime, encontrando fundamento de validade na dignidade da pessoa humana, ou seja, o legislador entende que não se pode exigir da mulher a aceitação em manter uma gravidez, criar um filho, resultante de um momento trágico, covarde e indesejável.
O aborto decorrente do estupro, também conhecido como aborto sentimental, possui um grande envolvimento da questão dos sentimentos da mulher em ter gerado um fruto de um momento de medo, terror e, é nesse sentido que acredita-se que a mulher não precisa gerar um ente sabendo que este não foi concebido consensualmente, com aceitação e amor, e ter que criar uma criança nessa situação seria triste e frustrante. Logo, o estupro marital traz consigo inúmeras dificuldades, tanto no reconhecimento de que houve o crime, quanto no ato da denúncia, bem como no momento de admitir aos familiares e conhecidos sobre os abusos sexuais domésticos.
6. A REALIDADE BRASILEIRA
6.1. Análise a Lei Maria da Penha
A Lei Maria da Penha foi sancionada no ano de 2006, visando a proteção da mulher e estabelecer como crime a violência doméstica. Esta lei é considerada como um avanço na legislação brasileira, visto que a ONU (organização das nações unidas) a considera como uma das três maiores legislações do mundo no que se refere ao enfrentamento a violência contra a mulher.
Em seu artigo 1º, a referida lei dispõe:
Art. 1º - Esta Lei cria mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8º do art. 226. da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Violência contra a Mulher, da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher e de outros tratados internacionais ratificados pela República Federativa do Brasil; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; e estabelece medidas de assistência e proteção às mulheres em situação de violência doméstica e familiar. (BRASIL, 2006)
O estupro marital também está abarcado na Lei Maria da Penha, já que a referida lei busca punir a violência física, sexual, psicológica, moral e patrimonial que ocorrem na constância domiciliar, entretanto, por mais que a Lei traga consigo um extenso rol de punições para os agentes que praticam tais crimes, também possui diversas modalidades de medidas protetivas à mulher vítima de violência doméstica.
A Lei Maria da Penha em seu artigo 7º, III, esclarece a violência sexual da seguinte forma:
Art. 7º - São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras:
(...)
III - a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos;
(...) (BRASIL, 2006)
Desta forma, o conjugue que praticar relação sexual com sua mulher, mediante a coação, incorrerá no crime tipificado pelo mencionado artigo e poderá sofrer as medidas punitivas, bem como respeitar as medidas de proteção à mulher.
7. ATENDIMENTO INSTITUCIONAL À VÍTIMA
O Estado é omisso no momento de aplicar as normas pertinentes e há uma má configuração das políticas públicas de atendimento à mulher, juntamente com o escasso preparo de atendimento daqueles que integram a equipe de atendimento.
A ideia de revitimizar a mulher se dá da seguinte forma: primeiramente, a figura feminina sofre violência doméstica perpetrada pelo próprio cônjuge, e após o período de sofrimento e anseios de denunciar ou não o agente, quando a vítima decide denunciar o agressor e procurar ajuda, ela novamente se torna vítima em outra situação, dessa vez, secundariamente pelo Estado com seu mau funcionamento.
Desta forma, Vasconcelos e Augusto mencionam em seu artigo uma explicação a respeito da vitimização da mulher:
Por muitas vezes as vítimas que procuram ajuda são submetidas a procedimentos constrangedores, executados por profissionais despreparados, que acabam por causar novos sofrimentos a elas na rota crítica do fluxo da justiça criminal. Constata-se, assim, que a grande parte do sofrimento gerado advém do próprio percurso que a vítima tem que realizar na rede de atendimento, ocasionando o fenômeno conhecido como revitimização, na medida em que esta é novamente exposta a constrangimentos e julgamentos morais, contraditoriamente, pelos próprios órgãos que deveriam protegê-las. (VASCONCELOS e AUGUSTO, 2015, p.3)
A Lei 11.350/2006 (Maria da Penha) prevê que as vítimas deverão serem amparadas por uma equipe eficiente, bem preparada e capacitada com o conhecimento amplo na violência baseada no gênero. E ainda, conta com uma multidisciplinariedade, por incluir assistências nas mais variadas áreas, sendo a área psicossocial, a área de saúde e etc.
No mais, de acordo com a Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres (2006, p.41 e 42), no que se refere às Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher, devem ser inseridas nas mesmas, medidas preventivas com objetivos de instigar, incitar e amparar organizações seja governamentais ou não com intuito de erradicar a violência, seja ela, moral, sexual, psicológica, física, patrimonial e dentre outras contra as mulheres. No entanto, tal Instituição menciona algumas ações preventivas, a serem seguidas, sendo as mesmas:
• Promoção massiva de informação sobre as políticas públicas de enfrentamento à violência de gênero;
• Incentivo a uma política meritória, que reconheça e estimule as boas práticas na prevenção e atendimento / acolhimento às mulheres em situação de violência, criando circuitos de premiações ou participando dos que já existem, inscrevendo experiências, criando incentivos e estímulos permanentes à qualidade na gestão pública;
• Como forma de prevenção à violência de gênero, criação de espaços adequados no âmbito das políticas sociais e de assistência judiciária, para o atendimento aos agressores;
• Divulgação da Central de Atendimento à Mulher – “Ligue 180”;
• Apoio e Estímulo à criação de Defensorias específicas de Atendimento à Mulher no âmbito das Defensorias Públicas;
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• Criação de espaços de atendimento psicológico para as (os) profissionais das Redes de Atendimento, especialmente para aquelas (es) que atuam nas Delegacias, dada as características da profissão policial, expostos a constantes situações de pressão e estresse. É necessário empreender uma política de saúde que contemple, de forma qualificada, o suporte psicológico e social às (aos) servidoras (es), entre outras.
7.1. Comprovação da Ocorrência de Violência Sexual
A prova que constata a ocorrência do crime sexual, principalmente a do estupro, é feita através do exame de corpo de delito, onde se verificará a materialidade do crime.
Entretanto, vale destacar que o exame de corpo de delito irá identificar os vestígios deixados pelo agente delituoso, ou seja, se houve por exemplo introdução peniana ou de algum outro objeto, procurará presença de espermas na vítima, lesões nas regiões intimas da vítima, entre outros.
Ocorre, que na maioria das vezes, o exame de corpo de delito gera medo e constrangimento na mulher devido a situação a qual será exposta, e, além disso, nem sempre poderá se comprovar algo através do mesmo, diante do fato de que, às vezes a mulher denuncia após uma tentativa do cônjuge de obter uma relação sexual forçada, sendo assim, nada será constatado no exame, assim Nucci dispõe que:
Como regra, havendo violência real e comparecendo a vítima para analise médica, obtém-se sucesso na elaboração do exame de corpo de delito; entretanto, nos casos de grave ameaça e nas situações de vulnerabilidade, torna-se praticamente impossível a realização da perícia. Ressalte-se ainda, casos em que ocorrem atos libidinosos diversos da conjunção carnal, como um beijo lascivo forçado, imune a exames periciais. (NUCCI, 2011, p. 29)
A realização desta perícia é um dos meios mais seguros de prova. Não sendo possível, substitui-se o exame de corpo de delito pela prova testemunhal, querendo com isto, apontar para a narrativa das pessoas que tenham visto a ocorrência do crime, embora sejam leigas e não possam atestar cientificamente a prática do crime. (NUCCI, 2011, p. 47)
Por mais que a perícia seja um dos meios de prova mais relevantes, a vítima poderá dispensá-lo em determinados casos, não precisando novamente ser exposta a uma condição de elevado constrangimento. Portanto, deverá provar por meio de prova testemunhal, o que é muito mais difícil.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante do que foi exposto, crime de estupro é relativizado inúmeras vezes, tendo em vista que os ordenamentos penais antigos eliminavam e descaracterizavam o estupro em diversas hipóteses, sendo uma delas, a relação sexual abusiva intramatrimonial que era vista como a pratica dos direitos sexuais do homem, cabendo a mulher apenas aceitar e cumprir com o seu ‘’ dever’’.
Em meio aos avanços, o crime de estupro começou a ser tratado com o alto grau de repulsão como deveria ser tratado desde os primórdios, entretanto, devido a cultura machista e ainda de diminuição da figura feminina, por mais que o crime de estupro tenha recebido inúmeros avanços, o estupro conjugal ainda é desconhecido pela sociedade contemporânea.
As mulheres que sofrem silenciosamente a prática de abusos sexuais intramatrimoniais em seus lares, além de desconhecerem a configuração do crime de estupro por parte do companheiro, ainda se repudiam por medo de realizar a denúncia, isso porque são inúmeras as dificuldades e os receios para efetivação da denúncia contra seu próprio marido.
Em 2006, houve a criação da Lei Maria da Penha, que visa coibir a pratica de violências domésticas, trazendo medidas protetivas à figura feminina e ao sujeito ativo que praticar tais condutas delituosas. A lei busca dar à mulher um atendimento especifico e multidisciplinar por uma equipe completamente preparada para tais situações.
Além disso, a sociedade brasileira precisa de conscientização sobre o fim da desigualdade de gênero. Há uma necessidade de maior informatização a respeito das hipótese de denúncia e maior aplicabilidade e eficácia das medidas protetivas à mulher e melhora das medidas punitivas dos agentes que praticam crimes de violência doméstica.
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