Encontra-se em tramitação no Congresso Nacional a proposta de Reforma Tributária representada pela PEC nº 293-A/2004, relatada pelo ex Deputado Luiz Carlos Hauly, que fez enxertos inovadores e devastadores à antiga proposta de Reforma apresentada há 15 anos.
Sob a equivocada bandeira da simplificação do Sistema Tributário, tão só pela unificação de tributos de diferentes matizes, o seu relatório final foi celeremente aprovado na Comissão Especial de Reforma Tributária da Câmara dos Deputados, no apagar das luzes da sessão legislativa encerrada em 22 de dezembro de 2018.
Essa PEC extingue dez tributos, o ISS, o ICMS, o IPI, o PIS, o PASEP, a COFINS, a CSLL, a CIDE, o Salário-Educação e o IOF, substituindo-os pelo Imposto sobre Valor Agregado – IVA – de competência arrecadatória estadual, denominado Imposto sobre Operações com Bens e Serviços –IBS –, porém, regido por lei federal. Apesar de denominado imposto de competência estadual, na realidade, é um imposto de competência tributária da União, agravando o centralismo fiscal da União, contrariando o princípio federativo à medida que o Estado fica apenas com a competência impositiva em relação ao IPVA esvaziado, porque o ITCMD foi transferido para a competência da União. O IPVA dos veículos terrestres, aquáticos e aéreos novos, assim como o imposto incidente sobre energia elétrica, telecomunicações, petróleo, combustíveis e lubrificantes, cigarros e bebidas em geral, que são os impostos mais rendosos e de fácil arrecadação, ficaram inseridos na competência tributária da União, denominado de imposto seletivo de incidência monofásica e tributação por fora.
A inclusão da CIDE, um tributo regulatório, no IVA ampliado, um tributo meramente arrecadatório, certamente, fará com que seja instituído no futuro um tributo regulatório para a preservação das finalidades, hoje, a cargo dessa contribuição social a ser extinta, quais sejam: pagamento de subsídios a preços ou transporte de álcool combustível, gás natural e seus derivados e derivados de petróleo; financiamento de projetos ambientais vinculados à indústria do petróleo e do gás; e sustentação do Programa do Proálcool.
Sintetizando, os tributos ficaram assim distribuídos:
União: II; IE, IR; ITR; IGF; Imposto Seletivo; ITCMD; impostos extraordinários; Contribuição previdenciária; Contribuição do Sistema S; Contribuição de interesse das categorias profissionais ou econômicas; taxas de contribuição de melhoria.
O Imposto de Renda incorpora a CSLL e passará a incidir sobre verbas de natureza indenizatória naquilo que superar o gasto ou o patrimônio indenizado, potencializando os litígios para cuja solução demandará exame pericial.
O Imposto Seletivo será de incidência monofásica e cobrado por fora o que permitirá separar o preço que é do comerciante, do imposto que é pertencente ao fisco.
Estados e DF: IBS; IPVA esvaziado; contribuição previdenciária dos servidores; taxas e contribuição de melhoria.
O IBS será não cumulativo assegurando-se os créditos financeiros sobre tudo o que a empresa adquirir ou usar. E é cobrado por fora. Não se sabe como conciliar a cobrança por fora com a incidência plurifásica em que haverá o sistema de crédito/debito, como acontece com a atual ICMS.
Municípios: IPTU; contribuição previdenciária dos servidores; produtos da arrecadação do ITCMD e do IPVA esvaziado; taxas de contribuição de melhoria. Silencia-se acerca da Contribuição para a Iluminação Pública. Perde-se o ISS, um imposto de maior arrecadação do Município, sem nada receber em troca.
Além de dificuldade de conciliar o sistema de crédito/débito com o regime de tributação por fora, essa PEC tem tudo para potencializar a polêmica em torno do elástico conceito de operação sobre bens e serviços, colocando por terra o conceito de operações relativas à circulação de mercadorias que levou décadas para a jurisprudência fixar o seu exato conceito, no sentido de expressar uma circulação jurídica, isto é, uma operação que envolve a troca de titularidade do bem objeto de tributação. Rios de tintas foram gastos até solidificar essa importante noção de circulação de mercadorias. Da mesma forma, perder-se-á a jurisprudência consolidada, a duras penas, acerca do fato gerador dos demais tributos a serem extintos.
Durante o período de transição de um regime para outro, que se dará ao longo de quinze anos, irão se procedendo à redução de 20% ao ano, incidente sobre os tributos atualmente em vigor, enquanto que os novos tributos a partir da alíquota máxima de 1% irão sendo aumentados na mesma proporção, o que tornará bem mais complexa a legislação tributária. E é certo, também, que haverá aumento da carga tributária com a vigência simultânea de dois novos impostos ao lado dos dez tributos a serem substituídos gradualmente.
PEC nº 45/19
O Deputado Baleia Rossi apresentou proposta de reforma alternativa, porém, mantendo no essencial a linha adotada pela PEC nº 193-A/04. A nova proposta foi distribuída a CCJ da Câmara Federal no último dia 12 de abril.
Por essa versão, o IBS é formado pela fusão de cinco tributos, o IPI, o ICMS, o ISS, a COFINS e o PIS.
É regido por lei complementar federal, porém, podendo os Estados e Municípios administrar a alíquota do IBS. A soma das alíquotas federal, estadual e municipal resultará na alíquota global. Esse IBS, a exemplo do que está na PEC nº 193-A/04, é cobrado por fora, isto é, o imposto não incide sobre si próprio como acontece com todos os tributos indiretos em vigor.
O prazo de transição de um regime para outro é reduzido para 10 anos. Difícil dizer se é uma versão piorada, ou uma versão melhorada em relação à PEC nº 193-A/04.
O certo é que essas propostas de Reforma não contribuem para a simplificação e transparência do Sistema Tributário Nacional. É um grande equívoco supor que a complexidade do Sistema Tributário reside na quantidade de tributos. Basta um único tributo do tipo PIS/COFINS para espalhar o terror entre os contribuintes.
O que complica e causa um caos na área tributária, todos o sabem, é a legislação infraconstitucional. São despejadas, quase que diariamente uma quantidade infindável de normas jurídicas das mais variadas espécies. Logo após a aprovação de lei em sentido estrito seguem-se os Decretos regulamentares, as instruções normativas, as portarias, as soluções de consulta, os pareceres normativos etc. que ganham eficácia maior na razão inversa da hierarquia das normas jurídicas, infernizando a vida dos contribuintes em geral.
Por tudo isso é de cautela que a Reforma Tributária não seja votada com os atropelos, sem um intenso debate com a sociedade civil, pois tudo indica que o alvo não é a simplificação do Sistema vigente, mas a elevação do nível de imposição.
Esse novo imposto inchado tem tudo para ser burocratizado por milhares de normas de diferentes hierarquias, aumentando mais os custos operacionais do que os tributos atualmente em vigor que consomem 2.600 horas de trabalho das empresas, para cumprir todas as obrigações tributárias. Isso é um péssimo indicador para o momento em que o País luta pela atração de capitais para a retomada do crescimento econômico.
Terceira proposta de Reforma
Para nossa surpresa o governo Bolsonaro apresentou outra proposta de Reforma, fatiando a PEC nº 193-A/04 por antever resistência dos Estados e Municípios, em decorrência da quebra do princípio federativo.
Em um primeiro momento a Reforma seria feita por via infraconstitucional, fundindo em um só tributo quatro ou cinco deles existentes: o PIS, a COFINS, o IPI, parte do IOF e talvez a CSLL. As quatro hipóteses de tributação do IOF revestem-se de natureza ordinatória, por isso mesmo insubmetidos ao princípio da legalidade tributária no que tange ao aumento de suas alíquotas.
Pela proposta do governo uma ou mais hipóteses de tributação do IOF passariam a ter natureza arrecadatória. Não se sabe quais. Somente a lembrança desse fato é suficiente para demonstrar a falta de coerência lógica dessa proposta simplória.
A fusão desses tributos daria origem a um imposto único com base de incidência alargada, o Imposto sobre Bens e Serviços – IBS. Com isso, o Secretário Marcos Cintra, autor da proposta, calcula uma redução da carga tributária que baixaria para 30% do PIB. Pergunto, há algum impedimento constitucional para reduzir as alíquotas dos tributos em vigor para obter a diminuição da pressão tributária em torno de 30% do PIB? Até por uma medida provisória a carga tributária atual poderia ser diminuída, bastando simples diminuição das alíquotas dos tributos vigentes.
Em um segundo momento, por meio de uma PEC, haveria a incorporação do ICMS e do ISS a esse imposto único federal - IBS. Outrossim, a contribuição previdenciária seria suprimida nesse novo Sistema Tributário.
Ora, se a Reforma da Previdência mantiver o regime de repartição de recursos financeiros, a Previdência Social precisará contar com a preservação da contribuição previdenciária que a proposta do governo Bolsonaro pretende extinguir.
Nessa nova Proposta, a Previdência seria financiada ou pelo adicional do IBS, ou pelo Imposto sobre Pagamentos, uma nova versão da CPMF. Esse novo imposto aventado é tão retrógrado e regressivo quanto o IGF, pois pagamento pressupõe existência de uma operação anterior já submetida a pagamento de impostos incidentes.
Enfim, a Previdência deixaria de ter caráter contributivo sendo inteiramente financiada pelo Tesouro a exemplo da Saúde e da Assistência Social. Isso acabaria com o déficit da Previdência que seria absorvida pelo déficit da União! É trocar seis por meia dúzia com a agravante de abolir o regime contributivo da Previdência!
Enfim, estamos mergulhados em um mar de confusões refletindo o estado de desarticulação do governo, incapaz de se comunicar eficientemente com o Poder Legislativo.
Ambas as PECs em discussão no Congresso Nacional são altamente criticáveis por trocar o certo pelo incerto e desconhecido. E a proposta do novo governo consegue piorar as duas propostas existentes que já são ruins, acenando com o retorno da antiga CPMF sob outra roupagem, o Imposto sobre pagamentos.
Difícil saber qual das três propostas é a pior. O certo é que todas elas colocam o atual Sistema Tributário Nacional de cabeça para baixo, destruindo tudo que existe de bom em termos de doutrina e jurisprudência, pacientemente construídas ao longo desses 31 anos, para começar tudo de novo as intermináveis discussões que o novo Sistema, com toda certeza, trará. Semelhantes propostas faz-me lembrar da histórica figura de Átila, rei dos hunos; por onde ele passava nem erva daninha não mais nascia. Só de pensar no Imposto sobre Operações de Bens e Serviços - IBS -, fruto de fusão de tributos federais (impostos e contribuições sociais) com impostos estaduais e municipais, de competência legislativa da União, causa-me arrepios. Até a palavra “circulação” que ajudaria a acender uma luz no final do túnel foi retirada da denominação desse imposto vago e impreciso. Esse conceito tem por limite o céu! Qual o seu fato gerador? Ninguém sabe, nem se descobre! É tarefa da doutrina e da jurisprudência que pode levar 10, 20, 30 ou 50 anos para pacificar o seu conceito. O conceito de ICMS levou mais de duas décadas, e até, hoje há algumas decisões conflitantes em seu torno, determinando a tributação de simples movimentação física da mercadoria, como se tratasse de um imposto incidente sobre transporte de mercadorias.
Reforma Tributária não é algo que possa ser feita por curiosos do Direito, nem pelos cientistas do Direito que vivem de experimentos jurídicos para ver o que dará certo e o que dará errado. Por isso, costuma-se dizer, cientistas representam um perigo em potencial.
Conviver longos 15 anos ou 10 anos com o sistema atual e o sistema novo, conforme se trate de PEC 193-A/04 ou de PEC 45/19, além de implicar visível aumento da carga tributária, irá burocratizar demais o cumprimento das obrigações tributárias que atualmente consomem 2.000 horas anuais de trabalho dos empresários. É preciso legislar com muito senso de responsabilidade, sob pena de impor à sociedade um custo muito caro, com danos irreversíveis à economia do País, causando exatamente o efeito oposto ao previsto pelos ideólogos da Reforma Tributária.
Concluindo, é melhor sepultar as propostas de reformas retrorreferidas e partir para uma reforma no nível infraconstitucional, começando pela unificação do PIS/COFINS, bem como com a dualidade de regime de tributação: cumulativo e não cumulativo, e, se adotado o regime não cumulativo deverá proceder da mesma forma do ICMS. Não há razão para complicar, se tudo pode ser simplificado! Deve ainda conter a edição de normas complementares referidas no art. 100 do CTN que vem funcionando como dinâmica e eficiente fábrica de normas aterrorizantes.
No nível constitucional poderia acrescer o § 8º ao art. 150 para vedar a incidência do tributo sobre si próprio e sobre a base de cálculo de outros tributos, colocando termo às infindáveis discussões judiciais que tomaram do Judiciário em torno das “exclusões” de tributos da base de cálculo de outros tributos e do próprio tributo, com incalculável custo em termos financeiros, desperdício de tempo e de segurança jurídica dos contribuintes. Por fim, deve colocar sob reserva de lei complementar a definição do fato gerador de contribuições sociais, a fim de por um ponto final na proliferação de impostos inominados com o rótulo de contribuição social, torpedeando o princípio da discriminação constitucional de impostos.