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O Ministério Público e o controle externo das atividades policiais:

uma abordagem jurídica

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3.0 - A fundamentação legal-constitucional das atividades policiais, e os Princípios da Legalidade e da Proporcionalidade.

A Constituição da República reservou o capítulo terceiro, do seu Título V (Da Defesa do Estado e das Instituições Democráticas), à abordagem do tema referente à segurança pública. No caputdeste dispositivo normativo, a Magna Carta conceitua a segurança pública como dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, e destina-lhe à preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio. Destarte, verifica-se que o Princípio da Ordem Pública fundamenta a atividade policial.

Na seqüência, elencou a Constituição da República, em cinco incisos, os órgãos encarregados de prestar segurança pública, sendo a polícia federal, a polícia rodoviária federal, a polícia ferroviária federal, as polícias civis, e as polícias militares e corpos de bombeiros militares.

Observa-se que a ordem de disposição destes órgãos não significa qualquer forma de hierarquia, ou, subordinação, eis que, expressamente, no parágrafo sexto, houve a assertiva de que as polícias militares e corpos de bombeiros militares, e as polícias civis subordinam-se aos Governadores das respectivas unidades da Federação, incluindo-se aí o Distrito Federal e os Territórios, bem como, não deve ser olvidado que a Magna Carta também preconizou, no seu artigo 18, que a organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, sendo todos autônomos, nos termos da Constituição.

Ademais, os parágrafos subseqüentes definem as destinações destes órgãos, e por consegüinte, as respectivas atribuições e finalidades.

Neste diapasão, e analisando-se os parágrafos referentes às incumbências definidas nos parágrafos primeiro a sexto, pode-se classificar, de modo geral, a estrutura dos órgãos encarregados de prestar segurança pública, em polícias ostensivas, ou, preventivas, e polícias judiciárias, persecutórias, ou, de investigação. Àquelas cabe o policiamento ostensivo das vias públicas e dos órgãos públicos, visando prevenir, evitar, impedir a prática de crimes e delitos, além de, ocasionalmente, regular e controlar grandes concentrações e aglomerações de pessoas, sempre no sentido, ao menos, de garantir a ordem pública. No âmbito interno, a polícia militar detém autonomia e prerrogativa para investigar infrações penais, exclusivamente, militares, bem como, as infrações de caráter administrativo.

Quanto às polícias judiciárias compete a investigação e apuração de notícias-crime, representações, queixas-crime etc., visando e objetivando a elucidação da autoria delitiva e da materialidade criminosa, em sendo o caso, e excepcionalmente, prevenir e reprimir o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o contrabando e o descaminho, segundo a expressa previsão normativa do inciso segundo, do parágrafo primeiro, do aludido artigo 144.

Do texto constitucional também extrai-se a conclusão, sob outro aspecto, de que a polícia federal pode apurar delitos, ou, infrações penais de caráter comum, e estranhos às infrações penais contra a ordem política e social, ou, em detrimento de bens, serviços e interesses da União, ou, de suas entidades autárquicas e empresas públicas, ou, cuja prática tenha repercussão interestadual, ou, internacional e exija repressão uniforme, visto que, quando a Constituição da República, no parágrafo quarto, do seu artigo 144, definiu as atribuições das polícias civis, não repetiu a expressão "com exclusividade", como fê-lo no inciso quarto, do seu parágrafo primeiro, quando atribuiu à polícia federal a incumbência de exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União.

Também pode-se classificar as polícias em terrestre, aérea, ou, aeroportuária e marítima (inc. III, do parágrafo 1º, do artigo 144, da Constituição da República); ou, meramente administrativa (parágrafo 8º, do artigo 144, da Constituição da República).

O quadro de profissionais que realizam tarefas técnico-profissionais-especializadas, como grafotécnicos, médicos legistas, técnicos em balística etc., podem ser classificados como componentes da polícia judiciária, pois, realizam trabalho de investigação, mesmo que, meramente, técnico-profissional, ou, integrantes do poder executivo, nas secretarias de segurança pública, de justiça, de defesa social, etc..

A denominada Polícia Comunitária deve ser classificada como uma sub-espécie de polícia preventiva-ostensiva, pois, realiza tarefas próprias e pertinentes àquelas modalidades de polícias, embora, possuam uma organização de relacionamento específico com a comunidade e a população onde se situam, geograficamente. É uma modalidade de policiamento que exige uma ação policial específica ("policial de área"). Aliás, este detalhe deve ser apontado como a grande vantagem desta maneira de atuação e organização policiais, pois, cria um vínculo de relacionamento, aproximando a polícia e os seus membros da população, e por via de conseqüência, aumentando a confiança e credibilidade desta (comunidade e população) naquela (polícia).

A denominada "polícia comunitária" apresenta, a meu vislumbrar, as seguintes vantagens:

*reduz custos e despesas;

*aproxima a sociedade e a comunidade da polícia;

*aumenta a eficácia da atuação da polícia, e, portanto, reduz as taxas de criminalidade e o número de ocorrências criminais, inibindo-as (segurança objetiva);

*aumenta o sentimento e a sensação de segurança do cidadão e da população (segurança subjetiva);

*facilita o acesso do cidadão aos serviços policiais, descentralizando o acesso a estes órgãos;

*facilita a colheita e produção de provas, além de imprimir maior velocidade às investigações.

Logicamente, a efetivação da ordem pública depende da participação próxima e real da comunidade, dos segmentos civis organizados e dos diversos órgãos componentes da estrutura do Estado.

Destarte, a violência também é produto da crise social e econômica, e a atuação isolada da polícia não garante eficácia na contenção da violência e da criminalidade, como se tem constatado atualmente pela estatística, daí a importância, a meu ver, da implementação da chamada polícia comunitária.

Há também na doutrina quem faça a distinção entre polícia administrativa e polícia judiciária. Celso Antônio Bandeira de Mello18, com a corrente precisão e rigor, assevera: "O que efetivamente aparta Polícia Administrativa de Polícia Judiciária é que a primeira se predispõe unicamente a impedir ou paralisar atividades anti-sociais enquanto a segunda se preordena à responsabilização dos violadores da ordem jurídica."

Portanto, e feitas estas breves considerações preliminares, pode-se definir "polícia" como sendo o órgão do Estado, ou seja, órgão componente da Administração Pública, voltado para a manutenção e preservação perenes da ordem pública, da incolumidade das pessoas e do patrimônio público, ou, particular, e para a investigação e deslinde de ocorrências criminosas.

Neste passo, cabe à polícia garantir e preservar o bem comum, fazendo prevalecer o interesse público, legalmente, preconizado, sobre os interesses individuais e particulares, limitando-os, ou/e, condicionando-os.

A legislação ordinária e complementar, de outra banda, é lacônica a respeito da delimitação e definição das atribuições e competências (sentido não-estritamente técnico) da estrutura policial no Brasil. Ao tratar do inquérito policial, o Código de Processo Penal, no seu Título II, do Livro I, mais precisamente, no seu artigo 4º, resume-se a expressar que a polícia judiciária será exercida pelas autoridades policiais no território de suas respectivas circunscrições, destinando-se a apurar as infrações penais e da sua autoria. Adiante, no seu artigo 13º, a lei adjetiva nacional expressa diversas atividades de incumbência da autoridade policial, gritantemente, portanto, da polícia judiciária.

Aliás, inusitadamente, é o Código Tributário Nacional quem, no seu artigo 78, capute parágrafo único, ao menos, definiu o que seria poder de polícia, e o seu exercício regular, como será exposto mais adiante.

Sob outra ótica, nota-se que, em sendo parte do Estado, ou seja, em sendo órgão componente da Administração Pública, evidente o é, que o funcionamento e atuação da polícia estão vinculados e condicionados ao Princípio Constitucional da Legalidade, insculpido no inciso II19, do artigo 5º, da Constituição da República, e premissa primeira do Estado de Direito.

Entrementes, o caputdo artigo 37, da Constituição da República, por sua vez, preconiza que a administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá, dentre outros Princípios, ao Princípio da Legalidade, sendo, por consegüinte, premissa aplicável, obrigatoriamente, a todos os segmentos policiais no Brasil, inclusive, àqueles serventuários públicos civis, e/ou, militares, como os fiscais de aduana, de alfândega, de rendas etc..

Neste passo, o Princípio da Legalidade traduz-se em diversos Princípios e Preceitos constitucionais, deitando raízes sobre, e inclusive, a legislação infra-constitucional, quando a conduta comissiva, ou, omissiva viola uma norma de natureza administrativa, civil, ou, penal.

A Lei nº 4.898, de 9 de dezembro de 1.965, nos seus artigos 3º e 4º, preconiza vários tipos penais especiais, pertinentes à espécie.

Por consegüinte, toda vez e sempre que a atuação policial violar a liberdade de locomoção de alguém, e/ou, a incolumidade física do indivíduo, bem como, resultar em medida privativa da liberdade individual, sem as formalidades legais, ou, com abuso de autoridade, como é o caso das prisões para averiguação, ou, realizadas sem flagrante delito, ou, desprovidas de ordem judicial, deve ter incidência a aludida norma especial.

A este respeito, Gilberto Passos de Freitas e Vladimir Passos de Freitas20 doutrinam:

Aspecto que não pode passar sem menção é o relacionado com as chamadas prisões correcionais ou para averiguações e as grandes ´batidas policiais´, conhecidas como ´arrastão´, ´operação pente fino´ e outros nomes assemelhados.

Todas se entrelaçam e nada mais são do que soluções surgidas à margem da lei, visando a resolver o intrincado problema de segurança pública.[...]

O problema é de dificílima solução. A Administração não possui meios de solucionar o caso. Se, de um lado, é preciso salvaguardar-se os interesses da sociedade, por outro não é lícito olvidar-se os direitos do cidadão, muitas vezes detido injustamente, de forma mais comum nos grandes centros.

É mais ou menos o que ocorre nos casos das grandes batidas policiais. Se possuem o mérito de recolher inúmeros foragidos da Justiça, também levam à triste situação de recolherem ao cárcere inúmeros homens de bem, via de regra, por não portarem documentos. Estes, na maioria por sua má aparência, muitas vezes conseqüência da pobreza.

Por outro lado, enquanto o cidadão, ou, qualquer pessoa do povo, não está obrigado a obedecer (obrigação de fazer, ou, não fazer), ou, proceder conforme uma ordem qualquer, ou, determinação qualquer, mas única e tão-somente, à uma ordem legal, quanto à competência de quem a promane, e quanto à legalidade na sua essência e formalidade, de sua parte, o serventuário público civil, ou, militar, não só pode, como também, deve (poder-dever) atuar nas situações e ocorrências, expressamente, preconizadas pela lei como de sua alçada e função, mas sempre, dentro e nos limites do previsto legalmente.

Neste particular, Hely Lopes Meirelles21 pondera: "Na Administração Pública não há liberdade nem vontade pessoal. Enquanto na administração particular é lícito fazer tudo que a lei não proíbe, na Administração Pública só é permitido fazer o que a lei autoriza. A lei para o particular significa ‘pode fazer assim’; para o administrador público significa ´deve fazer assim´. As leis administrativas são, normalmente, de ordem pública e seus preceitos não podem ser descumpridos, nem mesmo por acordo ou vontade conjunta de seus aplicadores e destinatários, uma vez que contêm verdadeiros poderes-deveres, irrelegáveis pelos agentes públicos."

Adiante, mais precisamente às p. 126, este preclaro doutrinador pátrio considera que o ato de polícia é um simples ato administrativo, apenas com algumas peculiaridades, e que subordina-se ao ordenamento jurídico que rege as demais atividades da Administração, inclusive, ao controle jurisdicional de legalidade.

Neste diapasão, cabe registrar o ensino de José Afonso da Silva22, idem, ibidem, à p. 367, acerca do Princípio da Legalidade:

O princípio da legalidade é nota essencial do Estado de Direito. É, também, por conseguinte, um princípio basilar do Estado Democrático de Direito, como vimos,2, porquanto é da essência do seu conceito subordinar-se à Constituição e fundar-se na legalidade democrática. Sujeita-se ao império da lei, mas da lei que realize o princípio da igualdade e da justiça não pela sua generalidade, mas pela busca da igualização das condições dos socialmente desiguais. Toda a sua atividade fica sujeita à lei, entendida como expressão da vontade geral, que só se materializa num regime de divisão de poderes em que ela seja o ato formalmente criado pelos órgãos de representação popular, de acordo com o processo legislativo estabelecido na Constituição. É nesse sentido que se deve entender a assertiva de que o Estado, ou o Poder Público, ou os administradores não podem exigir qualquer ação, nem impor qualquer abstenção, nem mandar tampouco proibir nada aos administrados, senão em virtude de lei.

É nesse sentido que o princípio está consagrado no art. 5º, II, da Constituição, segundo o qual ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei. [Sem grifo no original].

O doutrinador Paulo Bonavides23, assevera: "A legalidade nos sistemas políticos exprime basicamente a observância das leis, isto é, o procedimento da autoridade em consonância estrita com o direito estabelecido. Ou em outras palavras traduz a noção de que todo poder estatal deverá atuar sempre de conformidade com as regras jurídicas vigentes. Em suma, a acomodação do poder que se exerce ao direito que o regula."

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Cabe anotar que o parágrafo único do artigo 78, do Código Tributário Nacional, alhures referido, considera regular o exercício do poder de polícia quando desempenhado pelo órgão competente nos limites da lei aplicável, com observância do processo legal, e tratando-se de atividade que a lei tenha como discricionária, sem abuso, ou, desvio de poder.

Observa-se, portanto, a incidência do Princípio da Legalidade nesta norma tributária, e que deve, indiscutivelmente, e mesmo que por analogia, eis que se trata de regra normativa garantidora de direitos e interesses individuais fundamentais, ter aplicação a todas as formas de expressão do poder de polícia.

O Código de Processo Penal, no capítulo intitulado "Da Busca e da Apreensão", mais especificamente, nos artigos 240 a 250, previu e regulamentou, juridicamente, as abordagens e revistas realizadas por serventuários públicos civis, ou, militares, em qualquer indivíduo transeunte, ou, mesmo em veículo automotor, no trânsito, em situações fáticas diversas daquelas correspondentes ao flagrante delito, ou, de prisão por força de ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, e portanto, mediante exibição de mandado judicial para tal finalidade.

Acredito residir nestes dispositivos processuais e nos mandamentos constitucionais pertinentes, o fundamento para a realização, por parte da polícia, e no exercício do poder de polícia, de buscas pessoais, como revistas, abordagens, etc..

Por sua vez, Júlio Fabbrini Mirabete24 conceituou busca pessoal como: "A busca pessoal consiste na inspeção do corpo e das vestes de alguém para apreensão dessas coisas, incluindo toda a esfera de custódia da pessoa, como bolsas, malas, pastas, embrulhos e os veículos em sua posse (automóveis, motocicletas, barcos etc.)."

Acredito, destarte, que, em se tratando de veículo automotor utilizado não só para o exercício profissional, como os caminhões, carretas etc., mas também, como verdadeira residência, haveria a incidência das vedações e escusas repousantes na Constituição da República e no ordenamento adjetivo penal, referentes à realização de busca domiciliar.

Penso que, por ficção jurídica, estes veículos automotores, em função de se constituírem em verdadeiras residências ambulantes daqueles profissionais que se ausentam de suas residências por várias semanas e às vezes meses, devam ser equiparadas, juridicamente, às casas e domicílios, em todas as suas conseqüências legais.

De outro lado, estas disposições adjetivas, além de preverem o fundamento da realização de buscas pessoais, também preconizaram os requisitos, motivos e pressupostos para tal.

No que se refere à busca pessoal, a qual está relacionada, diretamente, com as abordagens policiais, nas situações logo acima mencionadas, verifica-se que o artigo 244, do aludido diploma processual penal, estabelece como requisito e pressuposto para sua realização, a existência de fundada suspeita de que a pessoa esteja na posse de arma proibida ou de objetos ou papéis que constituam corpo de delito, ou, quando a medida for determinada no curso de busca domiciliar.

De plano, e procedendo-se a uma reflexão acerca da expressão "fundada suspeita", constata-se que o legislador deixou uma considerável margem de apreciação subjetiva ao policial, nestas situações. Não obstante, esta margem de consideração subjetiva não pode prescindir de uma análise da existência de elementos concretos e sensíveis, autorizadores da real e efetiva necessidade da medida, em face do risco de causarem um constrangimento ao indivíduo e cidadão, com ofensas a direitos e garantias fundamentais, tais como: a inviolabilidade à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem das pessoas, conforme o preconizado pelo inciso X, do artigo 5º, da Constituição da República, e por via de conseqüência, provocarem, inclusive, a eventual responsabilidade penal do serventuário público civil ou militar, autor do ato criminoso, em face do disposto pela Lei nº 4.898/65, e a própria obrigação do Estado em indenizar o ofendido pelos danos causados.

Os tribunais têm acenado neste sentido, como se observa das seguintes ementas:

"A ´fundada suspeita´, prevista no art. 244 do CPP, não pode fundar-se em parâmetros unicamente subjetivos, exigindo elementos concretos que indiquem a necessidade da revista, em face do constrangimento que causa. Ausência, no caso, de elementos dessa natureza, que não se pode ter por configurados na alegação de que trajava, o paciente, um ´blusão´ suscetível de esconder uma arma, sob risco de referendo a condutas arbitrárias ofensivas a direitos e garantias individuais e caracterizadoras de abuso de poder." (Supremo Tribunal Federal, HC nº 81.305-4/GO, 1ª Turma, rel. min. Ilmar Galvão, j. 13.11.01, v.u., DJU 22.02.02, p. 35).

"A busca é autorizada nos casos previstos no art. 240 e ss. do CPP, como exceção às garantias normais de liberdade individual. Mas, como exceção, para que não degenere a medida, sem dúvida violenta, em abusivo constrangimento, a lei estabelece normas para a sua execução, normas que devem ser executadas com muito critério e circunspecção pela autoridade" (TJSP – AP – Rel. Dalmo Nogueira – RT 439/360).

"O excesso desnecessário na busca e apreensão, a pretexto de se colher material para a formação do corpo de delito, constitui ilegalidade. Lesa o direito líquido e certo do impetrante, autorizando a concessão do mandado de segurança" (TACRIM-SP – MS – 6ª C. – Rel. Fernandes Rama – j. 29.12.81 – RT 565/341).

Mesmo no ordenamento jurídico alienígena, observa-se a vinculação de realização de buscas e apreensões a motivos justificadores, como ressaltado por Hélio Tornaghi25:

Igualmente, nos países de Common Law sempre se admitiu a busca (search), tanto na pessoa quanto na casa. Nos Estados Unidos isso é permitido pela Emenda n. 4 à Constituição que assegura a inviolabilidade da pessoa ‘contra buscas e apreensões sem motivo justificado’ [não há grifo no original]. Ali se diz que:

‘Garantia de pessoas e casas contra buscas e apreensões sem motivo justificado.

O direito do povo à inviolabilidade de suas pessoas, casas, papéis e haveres contra busca e apreensão arbitrárias não poderá ser violado; e nenhum mandado será expedido a não ser à vista de indícios de culpa confirmados por juramento ou declaração, e com a descrição do local da busca e a indicação das pessoas ou coisas a serem apreendidas.’."

Ademais, o artigo 244, logo acima ventilado, preconizou, por outro lado, que a busca pessoal não dependerá de ordem judicial, materializada em mandado judicial, além da existência de elementos fáticos indicadores da denominada "fundada suspeita" de que a pessoa a ser revistada, ou/e, abordada esteja na posse de arma proibida, ou, de objetos, ou, papéis que constituam corpo de delito, na hipótese em que a medida for determinada no curso de busca domiciliar.

Desta feita, como a efetivação de busca domiciliar exige o respeito às regras e normas processuais-constitucionais pertinentes (inciso XI, do artigo 5º, da Constituição da República), tais como: situação de flagrante delito, desastre, para prestar socorro, e/ou, em cumprimento de ordem judicial (durante o dia), e/ou, com o consentimento do morador, se houver a necessidade de realização de busca pessoal no transcorrer daquela medida (busca domiciliar), os seus pressupostos também devem estar presentes e respeitados.

Portanto, além das hipóteses expressadas pelo artigo 244, c./c. o disposto pelas letras "b" a "f" e letra "h", do parágrafo 1º, do artigo 240, ambos do Código de Processo Penal, somente é cabível a realização de buscas pessoais, mediante prévia expedição de ordem judicial específica a este respeito, materializada em mandado judicial.

Deve ser ressaltado que, excepcionalmente, eis que não se ofende o Postulado Constitucional da Reserva da Jurisdição (incisos XI, XII, LXI e outros, do artigo 5º da Constituição da República), há de se admitir a realização de buscas domiciliares, ou/e, pessoais, mediante prévia deliberação e ordem proveniente de Comissões Parlamentares de Inquérito, e independentemente, portanto, de ordem judicial, consoante o preconizado pelo parágrafo 3º, do artigo 58, da Constituição da República, o qual dispõe: "As comissões parlamentares de inquérito, que terão poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, além de outros previstos nos regimentos das respectivas Casas, serão criadas[...]para a apuração de fato determinado e por prazo certo, sendo suas conclusões, se for o caso, encaminhadas ao Ministério Público, para que promova a responsabilidade civil ou criminal dos infratores." (Sem grifo no original).

A jurisprudência, lastreada em diversos julgados provenientes do Excelso Supremo Tribunal Federal, tem firmado o posicionamento de que Comissões Parlamentares de Inquérito, ou, as denominadas CPIs, tem poder para determinar a busca e apreensão domiciliar, como se verifica da seguinte ementa:

Nos poderes de investigação, próprios das autoridades judiciais, conferidos às Comissões Parlamentares de Inquérito, pelo art. 58, § 3º, da CF, compreendem-se, ao primeiro exame, os necessários à apuração dos fatos, mediante realização e preservação das provas, neles incluídas a determinação de busca e apreensão de documentos, inclusive domiciliar. (MS 21.872-0-DF – Sessão Plenária – j. 18.05.1995 – rel. Min. Néri da Silveira – DJU 17.03.2000, in RT 779/159).

Destarte, se é, praticamente, pacífico este entendimento, não é menos verdade que a jurisprudência também tem se inclinado no sentido de sustentar que as eventuais ordens provenientes de CPIs, no regular exercício de poder de investigação, devem ser, devidamente, fundamentadas e motivadas, sob pena de serem consideradas nulas, à exemplo das exigências existentes para as decisões judiciais (inciso IX, do artigo 93, da Constituição da República).

Ademais, e apesar de possuírem competência e autonomia para tal, as Comissões Parlamentares de Inquérito incidindo em atos arbitrários, e/ou, violadores de direitos e garantias fundamentais, sujeitam-se ao controle jurisdicional, sem que isto configure em invasão indevida da esfera própria de cada Poder da República.

Por unanimidade, em 16.09.1999, o pleno do Supremo Tribunal Federal decidiu:

[...]O CONTROLE JURISDICIONAL DE ABUSOS PRATICADOS POR COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO NÃO OFENDE O PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DE PODERES. A essência do postulado da divisão funcional do poder, além de derivar da necessidade de conter os excessos dos órgãos que compõem o aparelho de Estado, representa o princípio conservador das liberdades do cidadão e constitui o meio mais adequado para tornar efetivos e reais os direitos e garantias proclamados pela Constituição. Esse princípio, que tem assento no art. 2º da Carta Política, não pode constituir e nem qualificar-se como um inaceitável manto protetor de comportamentos abusivos e arbitrários, por parte de qualquer agente do Poder Público ou de qualquer instituição estatal. – O Poder Judiciário, quando intervém para assegurar as franquias constitucionais e para garantir a integridade e a supremacia da Constituição, desempenha, de maneira plenamente legítima, as atribuições que lhe conferiu a própria Carta da República. O regular exercício da função jurisdicional, por isso mesmo, desde que pautado pelo respeito à Constituição, não transgride o princípio da separação de poderes. Desse modo, não se revela lícito afirmar, na hipótese de desvios jurídico-constitucionais nas quais incida uma Comissão Parlamentar de Inquérito, que o exercício da atividade de controle jurisdicional possa traduzir situação de ilegítima interferência na esfera de outro Poder da República. O CONTROLE DO PODER CONSTITUI UMA EXIGÊNCIA DE ORDEM POLÍTICO-JURÍDICA ESSENCIAL AO REGIME DEMOCRÁTICO. – O sistema constitucional brasileiro, ao consagrar o princípio da limitação de poderes, teve por objetivo instituir modelo destinado a impedir a formação de instâncias hegemônicas de poder no âmbito do Estado, em ordem a neutralizar, no plano político-jurídico, a possibilidade de dominação institucional de qualquer dos Poderes da República sobre os demais órgãos da soberania nacional. Com a finalidade de obstar que o exercício abusivo das prerrogativas estatais possa conduzir a práticas que transgridam o regime das liberdades públicas e que sufoquem, pela opressão do poder, os direitos e garantias individuais, atribuiu-se, ao Poder Judiciário, a função eminente de controlar os excessos cometidos por qualquer das esferas governamentais, inclusive aqueles praticados por Comissão Parlamentar de Inquérito, quando incidir em abuso de poder ou em desvios inconstitucionais, no desempenho de sua competência investigatória. OS PODERES DAS COMISSÕES PARLAMENTARES DE INQUÉRITO, EMBORA AMPLOS, NÃO SÃO ILIMITADOS E NEM ABSOLUTOS. – Nenhum dos Poderes da República está acima da Constituição. No regime político que consagra o Estado democrático de direito, os atos emanados de qualquer Comissão Parlamentar de Inquérito, quando praticados com desrespeito à Lei Fundamental, submetem-se ao controle jurisdicional (CF, art. 5º, XXXV). As Comissões Parlamentares de Inquérito não têm mais poderes do que aqueles que lhes são outorgados pela Constituição e pelas leis da República. É essencial reconhecer que os poderes das Comissões Parlamentares de Inquérito – precisamente porque não são absolutos – sofrem as restrições impostas pela Constituição da República e encontram limite nos direitos fundamentais do cidadão, que só podem ser afetados nas hipóteses e na forma que a Carta Política estabelecer. Doutrina. Precedentes. LIMITAÇÕES AOS PODERES INVESTIGATÓRIOS DA COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO. – A Constituição da República, ao outorgar às Comissões Parlamentares de Inquérito ‘poderes de investigação próprios das autoridades judiciais’ (art. 58, § 3º), claramente delimitou a natureza de suas atribuições institucionais, restringindo-as, unicamente, ao campo da indagação probatória, com absoluta exclusão de quaisquer outras prerrogativas que se incluem, ordinariamente, na esfera de competência dos magistrados e Tribunais, inclusive aquelas que decorrem do poder geral de cautela conferido aos juízes, como o poder de decretar a indisponibilidade dos bens pertencentes a pessoas sujeitas à investigação parlamentar. A circunstância de os poderes investigatórios de uma CPI serem essencialmente limitados levou a jurisprudência constitucional do Supremo Tribunal Federal a advertir que as Comissões Parlamentares de Inquérito não podem formular acusações e nem punir delitos (RDA 199/205, Rel. Min. PAULO BROSSARD), nem desrespeitar o privilégio contra a auto-incriminação que assiste a qualquer indiciado ou testemunha (RDA 196/197, Rel. Min. CELSO DE MELLO – HC 79.244-DF, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE), nem decretar a prisão de qualquer pessoa, exceto nas hipóteses de flagrância (RDA 196/195, Rel. Min. CELOSO DE MELLO – RDA 199/205, Rel. Min. Paulo Brossard).[...]A QUEBRA DO SIGILO CONSTITUI PODER INERENTE À COMPETÊNCIA INVESTIGATÓRIA DAS COMISSÕES PARLAMENTARES DE INQUÉRITO. – O sigilo bancário, o sigilo fiscal e o sigilo telefônico (sigilo este que incide sobre os dados/registros telefônicos e que não se identifica com a inviolabilidade das comunicações telefônicas) – ainda que representem projeções específicas do direito à intimidade, fundado no art. 5º, X, da Carta Política – não se revelam oponíveis, em nosso sistema jurídico, às Comissões Parlamentares de Inquérito, eis que o ato que lhes decreta a quebra traduz natural derivação dos poderes de investigação que foram conferidos, pela própria Constituição da República, aos órgãos de investigação parlamentar. As Comissões Parlamentares de Inquérito, no entanto, para decretarem, legitimamente, por autoridade própria, a quebra do sigilo bancário, do sigilo fiscal e/ou do sigilo telefônico, relativamente a pessoas por elas investigadas, devem demonstrar, a partir de meros indícios, a existência concreta de causa provável que legitime a medida excepcional (ruptura da esfera de intimidade de quem se acha sob investigação), justificando a necessidade de sua efetivação no procedimento de ampla investigação dos fatos determinados que deram causa à instauração do inquérito parlamentar, sem prejuízo de ulterior controle jurisdicional dos atos em referência (CF, art. 5º, XXXV). – As deliberações de qualquer Comissão Parlamentar de Inquérito, à semelhança do que também ocorre com as decisões judiciais (RTJ 140/514), quando destituídas de motivação, mostram-se írritas e despojadas de eficácia jurídica, pois nenhuma medida restritiva de direitos pode ser adotada pelo Poder Público, sem que o ato que a decreta seja adequadamente fundamentado pela autoridade estatal.[...] (STF – MS nº 23452/RJ, Tribunal Pleno, rel. min. Celso de Mello, j. 16.09.1999, DJU 12.05.2000, p. 20).

3.1 As Atividades Policiais e o Poder de Polícia. Identificação de violações a Direitos, em Operações e Abordagens Policiais.

Primeiramente, acredito pertinente realizar algumas considerações acerca do conceito de "polícia", em complementação ao alhures expressado, assim como acerca do denominado "poder de polícia", e de algumas de suas características.

"Polícia" pode ser conceituado como o órgão oficial estruturado em organização própria que tem a incumbência e desiderato legal de utilizar e fazer uso da força (coerção), com o fito de restabelecer, e/ou, preservar a ordem e o interesse públicos. Representa, ademais, a exteriorização, ou, expressão da coerção estatal (uso da força) comedida, ou seja, é marcada pelo uso da força (coerção) com critérios técnicos. É instituição pública com autonomia (poder efetivo) para atuar em nome do Estado, visando resguardar a ordem e o interesse públicos.

Sua atuação tem limites nas disposições pertinentes à organização estatal, ou seja, às regras e procedimentos de ação, e à lei; e sua justificativa primordial, além dos fundamentos legais, centra-se na necessidade de segurança, e sua atuação está vinculada às políticas de Segurança Pública e às táticas e estratégias policiais.

Noutra banda, além das normas legais-constitucionais brasileiras, a polícia também deve atentar para os padrões internacionais, como referência, sobre conduta policial e ética, direitos humanos e atuação em regimes democráticos (uso da força). Em outros termos, no contexto político-social atual, os órgãos policiais devem atuar no sentido de proteger e resguardar os direitos e garantias fundamentais, velando pela preservação dos direitos humanos.

Poder de Polícia pode ser conceituado como toda atividade do Estado que vise restringir, limitar, ou, impedir o exercício de bens, direitos e interesses individuais, potenciais, ou, efetivamente, propiciadores de lesão, ou, dano ao interesse público e ao bem comum.

Celso Antônio Bandeira de Mello, idem, ibidem, mais precisamente à p. 352, conceitua Poder de Polícia como: "A atividade estatal de condicionar a liberdade e a propriedade ajustando-as aos interesses coletivos designa-se ‘Poder de Polícia’[...]Refere-se, pois, ao complexo de medidas do Estado que delineia a esfera juridicamente tutelada da liberdade e da propriedade dos cidadãos."

Entrementes, já Maria Sylvia Zanella Di Pietro, idem ibidem, à p. 110, distingüiu o conceito clássico, do conceito moderno de Poder de Polícia ao doutrinar: "Pelo conceito moderno, adotado no direito brasileiro, o poder de polícia é a atividade do Estado consistente em limitar o exercício dos direitos individuais em benefício do interesse público."

Hely Lopes Meirelles, em idem, ibidem, à p. 127, definiu o conceito de Poder de Polícia como: "Poder de polícia é a faculdade de que dispõe a Administração Pública para condicionar e restringir o uso e gozo de bens, atividades e direitos individuais, em benefício da coletividade ou do próprio Estado. Em linguagem menos técnica, podemos dizer que o poder de polícia é o mecanismo de frenagem de que dispõe a Administração Pública para conter os abusos do direito individual. Por esse mecanismo, que faz parte de toda Administração, o Estado detém a atividade dos particulares que se revelar contrária, nociva ou inconveniente ao bem-estar social, ao desenvolvimento e à segurança nacional."

Segundo COOLEY, citado por HELY LOPES MEIRELLES26, poder de polícia compreende:

"O poder de polícia (police power), em seu sentido amplo, compreende um sistema total de regulamentação interna, pelo qual o Estado busca não só preservar a ordem pública senão também estabelecer para a vida de relações dos cidadãos aquelas regras de boa conduta e de boa vizinhança que se supõem necessárias para evitar conflito de direitos e para garantir a cada um o gozo ininterrupto de seu próprio direito, até onde for razoavelmente compatível com o direito dos demais".

Dependendo da seara estatal em que o Poder de Polícia será exercido, poderá haver a caracterização das chamadas polícias administrativa, ou, judiciária. Enquanto aquela (polícia administrativa) objetiva restringir o uso, gozo e o exercício de bens, atividades, ou, direitos individuais, ou, até mesmo de uma Pessoa Jurídica de Direito Público, empresa pública, ou, autarquia, que causem um dano ao interesse público, ou, ao bem comum da Sociedade; a polícia judiciária visa e objetiva reprimir a ação (comissiva, ou, omissiva) de uma pessoa, causadora de ameaça, ou, dano, ou, ofensa ao interesse público (objeto jurídico tutelado), e que abalou a ordem e paz públicas.

Maria Sylvia Zanella Di Pietro, idem, ibidem, à p. 111 e 112, posiciona-se: "A primeira se rege pelo Direito Administrativo, incidindo sobre bens, direitos ou atividades; a segunda, pelo direito processual penal, incidindo sobre pessoas. [...]a polícia judiciária é privativa de corporações especializadas (polícia civil e militar), enquanto a polícia administrativa se reparte entre diversos órgãos da Administração, incluindo, além da própria polícia militar, os vários órgãos de fiscalização aos quais a lei atribua esse mister[...]"

Celso Antônio Bandeira de Mello, Idem, Ibidem, à p. 359, diferencia polícia administrativa de polícia judiciária como: "O que efetivamente aparta Polícia Administrativa de Polícia Judiciária é que a primeira se predispõe unicamente a impedir ou paralisar atividades anti-sociaisenquanto a segunda se preordena à responsabilização dos violadores da ordem pública. [...]A importância da distinção entre Polícia Administrativa e Polícia Judiciária está em que a segunda rege-se na conformidade da legislação processual penal e a primeira pelas normas administrativas."

Hely Lopes Meirelles, Idem, Ibidem, à p. 127, afirma: "Advirta-se, porém, que a polícia administrativa incide sobre os bens, direitos e atividades, ao passo que as outras atuam sobre as pessoas, individualmente ou indiscriminadamente. A polícia administrativaé inerente e se difunde por toda a Administração Pública, enquanto que as demais são privativas de determinados órgãos (Polícias Civis) ou corporações (Polícias Militares)."

Convencionou-se atribuir ao poder de polícia as características da discricionariedade, auto-executoriedade e coercibilidade. Ademais, e embora a doutrina administrativista relacione estas particularidades ao poder de polícia de nuance, puramente, administrativa, penso que estas características também revestem os atos de polícia de segurança.

A discricionariedade corresponde à certa margem de decisão e apreciação de que é dotado o operador do poder de polícia, quanto ao melhor momento e o meio mais adequado de ação, assim como, quanto à forma mais eficaz de agir. De qualquer modo, cabe repetir que estes atos devem obediência e adequação ao Princípio Constitucional da Legalidade, mormente, considerando-se que o limite à esfera de livre apreciação e decisão do operador do poder de polícia, corresponde ao mandamento legal. Da mesma forma que o cidadão tem o exercício de seus direitos e liberdades públicas condicionados ao interesse público e bem-estar da Sociedade, o Estado, por meio do Poder de Polícia, está autorizado a cercear, e/ou, limitar o exercício destes direitos, conforme e dentro das disposições legais-constitucionais.

Diz-se que o poder de polícia tem caráter de auto-executoriedade, em função da autonomia de que é dotado o operador do poder de polícia para viabilizar a supremacia do interesse público e da lei, sobre as condutas violadoras desta ordem, independentemente, de qualquer autorização judicial, e/ou, de seara estranha à estrutura policial. Ou seja, o operador do poder de polícia possui autonomia para executar e realizar seu desiderato funcional.

Por fim, a coercibilidade do poder de polícia relaciona-se à prerrogativa do seu operador de fazer valer a sua auto-executoriedade, ou, pelo uso da força pública, legalmente, prevista, ou, por meio da imposição de aplicação de sanções de natureza, eminentemente, administrativa, como a aplicação da multa de trânsito. Esta característica nada mais representa do que a coação prevista legalmente, e institucionalizada, a que fica sujeito o cidadão que viole um dispositivo legal-constitucional.27

Conforme o Primeiro Relatório Nacional sobre os Direitos Humanos28 no Brasil, realizado pelo NEV (Núcleo de Estudos da Violência), da Universidade de São Paulo (USP), de 1999, realizado a pedido do Ministério da Justiça, há freqüentemente execuções de civis por policiais, além do uso excessivo da violência. Ainda consoante este estudo e relatório, concorrem para esta situação, a falta e ausência de integração entre a Polícia Civil e a Militar, a violência policial e a corrupção, além da falta de informação e colaboração, decorrentes do distanciamento entre a polícia e a comunidade. Sendo que, a mesma tendência foi verificada em uma pesquisa realizada em 1.999 pela Ouvidoria de Polícia e pela Secretaria da Segurança Pública do Estado de São Paulo sobre o uso da força letal por policiais. Desta pesquisa, resultou que do total das vítimas analisadas, 51% (cinqüenta e um por cento) foram atingidas por tiros nas costas e em outras partes do corpo, 36% (trinta e seis por cento) por disparos na cabeça e 19% (dezenove por cento) apenas por tiros nas costas, a indicar que o indivíduo alvejado estaria em fuga e não constituiria ameaça aos policiais. Esta pesquisa concluiu que, em média, cada vítima foi alvejada por 3,17 disparos, sendo que, mais da metade destas vítimas não tinham antecedentes criminais, nem haviam cometido infrações. Em conclusão, a publicação citada concluiu que, além da impunidade, contribuem para a persistência da violência policial, o baixo salário, a falta de condições adequadas de trabalho e a falta de perspectiva de ascensão profissional, fatores que levariam grande número de policiais militares e civis a se descuidar do treinamento e a trabalhar, no horário de folga, em empresas de segurança privada, o que seria tolerado, apesar de vedado legalmente; aumentando o desgaste profissional, o estresse e o risco de violência em ações em que se envolvem policiais.

Ademais, a jurisprudência, hodiernamente, tem apontado e registrado a ocorrência de crimes de abuso de autoridade, como se observa dos seguintes julgados:

"Levando a prova dos autos a concluir que os policiais acusados, ao se aproximarem da vítima, atentaram contra a sua incolumidade física, lesando-a a socos, sua condenação impõe-se de acordo com a Lei 4.898, de 1965" (TARS – AC – Rel. Wolney Santos – RT 446/483).

"Responde por abuso de autoridade o miliciano que, desobedecido por motorista em ordem de parar o veículo, vem, posteriormente, a agredir fisicamente o piloto" (TACRIM-SP – AC – Rel. Camargo Aranha – JUTACRIM 45/196 E 197)

"Sempre que se tolhe a liberdade de locomoção de alguém, sem que este seja preso em flagrante delito ou sem mandado regular de autoridade competente (o que eqüivale a um seqüestro), fica configurado o delito de abuso de autoridade" (TACRIM-SP – AC – Rel. Nélson Schiesari – JUTACRIM 71/301)

"Sempre que se tolhe a liberdade de locomoção de alguém, sem que este seja preso em flagrante delito ou sem mandado regular de autoridade competente (o que eqüivale a um seqüestro), fica configurado o delito de abuso de autoridade" (TACRIM-SP – AC – Rel. França de Carvalho – RT 721/442) Extraído à p. 09, 10 e 11, da obra Leis Penais Especiais e sua Interpretação Jurisprudencial, 7. ed.. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2.001. Vol. I. 2.089 p., de autoria de Rui Stoco et al..

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Sobre o autor
Theodósio Ferreira de Freitas

promotor de Justiça do Estado de Mato Grosso, especialista lato sensu em Direito Público

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FREITAS, Theodósio Ferreira. O Ministério Público e o controle externo das atividades policiais:: uma abordagem jurídica. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 827, 8 out. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7392. Acesso em: 25 abr. 2024.

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