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O Ministério Público e o controle externo das atividades policiais:

uma abordagem jurídica

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4.0 - O Abuso de Autoridade nas Operações e Atividades Policias e o papel do Ministério Público nesta hipótese.

Inicialmente cabe averigüar o postulado conhecido como Princípio do Promotor Natural, à luz da doutrina e da jurisprudência atuais.

O Postulado, ou, Princípio do Promotor Natural, à exemplo do Princípio do Juiz Natural, representa importante conquista da Instituição Ministério Público, e por conseqüência, de seus membros, bem como, inarredável garantia do cidadão e da Sociedade. Visa, este postulado, cercar de garantias o membro do Parquet, na consecução das finalidades institucionais, insculpidas pelo artigo 127, da Constituição da República, a saber: a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.

O fundamento do Princípio do Promotor Natural encontra guarida no Princípio Constitucional da Independência Funcional (§1º, do artigo 127, da Constituição da República), e nas garantias preconizadas pelas letras "a " a "c", do inciso I, do artigo 128, da Constituição da República, ou seja, vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de subsídios, em especial da inamovibilidade; assim como, no disposto pelo inciso LIII, do artigo 5º, da Carta Magna, ou seja, de que ninguém será processado, nem sentenciado, senão pela autoridade competente. Em outras palavras, assegura, este Princípio, uma atuação independente e livre de quaisquer pressões, ou, influências ao membro do Ministério Público, o qual, está compromissado com a lei, e sua consciência jurídica.

Assim, não está, o membro do Ministério Público, subordinado a quem quer que seja, quando das manifestações funcionais, apresentando denúncias-crime, atuando junto ao Tribunal Popular do Júri, recorrendo e apresentado razões de recurso, etc.. Nesta esteira, a Lei nº 8.625, de 12 de fevereiro de 1.993, no inciso V, do seu artigo 41, preconizou que constituem prerrogativas dos membros do Ministério Público, no exercício de sua função, além de outras previstas na Lei Orgânica respectiva: "gozar de inviolabilidade pelas opiniões que externar ou pelo teor de suas manifestações processuais ou procedimentais, nos limites de sua independência funcional".

Este diploma legal especial também contém em seu bojo disposições legais, fundamentadoras do denominado "Princípio do Promotor Natural", mesmo que implicitamente. Na letra "g", do inciso IX, do seu artigo 10, e no seu artigo 24, está preconizado, respectivamente:

"[...]Art. 10 Compete ao Procurador-Geral de Justiça:

[...]IX-designar membros do Ministério Público para:

[...]g)por ato excepcional e fundamentado, exercer as funções processuais afetas a outro membro da instituição, submetendo sua decisão previamente ao Conselho Superior do Ministério Público:[...]"

"[...]Art. 24 O Procurador-Geral de Justiça poderá, com a concordância do Promotor de Justiça titular, designar outro Promotor para funcionar em feito determinado, de atribuição daquele.[...]"

Desta feita, fica clara a intenção do legislador em vincular o ato de designação de um Promotor de Justiça, às regras normativas precedentes, e às atribuições naturais daquele membro do Ministério Público, no mínimo, de forma motivada e dependente da apreciação e aprovação do Conselho Superior respectivo, ou/e, mediante a concordância do Promotor de Justiça Natural. No âmbito do Estado de Mato Grosso, a Lei Orgânica Estadual (Lei Complementar nº 27, de 19 de novembro de 1.993), também trata de regras semelhantes àquelas logo acima expressadas, pois, nas letras "e" e "f", do inciso IX, do seu artigo 9º, vincula a escolha de membros do Ministério Público, àqueles Promotores com atribuições para, em tese, oficiar no feito "segundo as regras ordinárias de distribuição de serviços; ou, em determinadas situações, ao expresso consentimento do titular do respectivo cargo.

De outra banda, esta premissa constitucional corresponde a uma garantia do cidadão e da Sociedade, na medida em que sabe-se que, em determinado feito, atuará aquele membro do Ministério Público, previamente investido, determinado e fixado, consoante regras e critérios legais, abstratamente, reguladas e dispostas.

De outra sorte, a jurisprudência nacional, lastreada em abalizadas e respeitáveis decisões do Supremo Tribunal Federal, já sedimentou:

O postulado do Promotor Natural, que se revela imanente ao sistema constitucional brasileiro, repele, a partir da vedação de designações casuísticas efetuadas pela Chefia da Instituição, a figura do acusador de exceção. Esse princípio consagra uma garantia de ordem jurídica, destinada tanto a proteger o membro do Ministério Público, na medida em que lhe assegura o exercício pleno e independente do seu ofício, quanto a tutelar a própria coletividade, a quem se reconhece o direito de ver atuando, em quaisquer causas, apenas o Promotor cuja intervenção se justifique a partir de critérios abstratos e predeterminados, estabelecidos em lei.

A matriz constitucional desse princípio assenta-se nas cláusulas da independência funcional e da inamovibilidade dos membros da Instituição. O postulado do Promotor Natural limita, por isso mesmo, o poder do Procurador-Geral que, embora expressão visível da unidade institucional, não deve exercer a Chefia do Ministério Público de modo hegemônico e incontrastável.29

O precursor desta premissa institucional, no Brasil, Hugo Nigro Mazzilli30, doutrina31:

Há muito nos termos posicionado contra os chamados promotores de encomenda, escolhidos livremente pelo procurador-geral de Justiça, que discricionariamente os designava e afastava – já o fazíamos sob época de ditadura militar, quando não eram comuns tais críticas Na verdade, a verdadeira inamovibilidade não teria sentido se dissesse respeito apenas à impossibilidade de se remover o promotor do cargo: era mister agregar-lhe as respectivas funções.

Como temos sustentado, avulta em importância a necessidade de cargo certo para o exercício das funções de Ministério Público, abolidas as designações discricionárias do procurador-geral.

A mera designação para qualquer função de Ministério Público, é um dos instrumentos pelos quais se acentua ainda mais a concentração de poderes manejados pelo procurador-geral de Justiça, o que submete os membros da instituição e aniquila de fato e em última análise as garantias constitucionais de independência funcional e inamovibilidade.

As prerrogativas do Ministério Público não são apenas da instituição, mas, de forma reflexa, atingem seus membros, e sempre visam ao interesse público primário, sendo, portanto, indeclináveis. Assim, tanto a autonomia e a independência funcional, como a inamovibilidade, são inconciliáveis com a hierarquia funcional, porque gozam os órgãos ministeriais de independência e liberdade no exercício de suas funções. Assim erigido o Ministério Público a elevado papel constitucional – e justamente e apenas por isso tendo-lhe sido deferidas as garantias de que só gozam os magistrados -, não se pode permitir a literal burla dessas mesmas garantias com designações discricionárias pelo procurador-geral. A autonomia e a independência seriam meramente nominais se o membro do Ministério Público e os juízes estivessem sujeitos a designações discricionárias, efetuadas e cessadas ad nutum, para cumprirem em casos concretos a vontade do procurador-geral ou do presidente do tribunal. (MAZZILLI, 1.998, p. 163 e 164).

Sob outro aspecto, a Lei nº 4.898, de 9 de dezembro de 1.965, tutela penalmente os direitos e garantias individuais preconizados pelos setenta e sete incisos, do artigo 5º, da Constituição da República, no tocante à responsabilização criminal na hipótese de prática de crime catalogado como abuso de autoridade.

Este dispositivo legal, tipifica nos seus artigos 3º e 4º, as condutas descritas como comportamentos criminosos correspondentes a abuso de autoridade; e no seu artigo 5º, preconiza que considera-se autoridade, para os seus efeitos, quem exerça cargo, emprego, ou, função pública, de natureza civil, ou, militar, ainda que transitoriamente e sem remuneração.

Claramente, esta norma penal especial pode ser aplicada a qualquer serventuário público militar, ou, civil, eventualmente, responsável pela prática de crime de abuso de autoridade à liberdade de locomoção do cidadão, à incolumidade física do indivíduo (melhor seria se referir a cidadão), à liberdade individual, cerceada mediante ordem, ou, execução realizadas sem as formalidades legais, ou, com abuso de poder, ou, à honra do patrimônio de pessoa natural, ou, jurídica, quando praticado com abuso, ou, desvio de poder, ou, sem competência legal. Ademais, o parágrafo 5º, do artigo 6º, desta norma especial, refere-se, expressamente, a agentes da autoridade policial, civil, ou, militar, como autores de crime de abuso de autoridade; e o seu artigo 8º, dispõe que a sanção aplicada deverá ser anotada na ficha funcional da autoridade civil, ou, militar.

Comentando a Lei nº 4.898/65, o preclaro doutrinador Rui Stoco32, aponta:

Os delitos previstos na lei em estudo possuem dupla objetividade jurídica:

1ª)Objetividade jurídica mediata: é o interesse concernente ao normal funcionamento da Administração Pública em sentido amplo, no que se refere à conveniência da garantia do exercício da função pública sem abusos da autoridade;

2ª)Objetividade jurídica imediata: proteger as garantias individuais estatuídas pela Constituição Federal.

Neste campo, a Constituição Federal de 5.10.88, nos incisos de seu art. 5º, determina garantias concernentes à liberdade de locomoção (incs. XV e LXVIII), inviolabilidade de domicílio (inc. XI), sigilo de correspondência (inc. XII), liberdade de consciência e de crença (inc. VI), livre exercício de culto religioso (inc. VI), liberdade de associação (inc. XVII), direito de reunião (inc. XVI), incolumidade física do indivíduo (art. 5º, caput, e inc. III) e ao exercício profissional (inc. XIII). Estas garantias estão protegidas penalmente pelas normas incriminadoras da Lei 4.898, em seus arts. 3º e 4º. (STOCO et al., 2.001, p. 08).

Por sua vez, a Constituição da República, na letra "a", do inciso XXXIV, do seu artigo 5º, expressamente, garantiu a todos, e independentemente do pagamento de taxas, o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direito, ou, contra ilegalidade, ou, abuso de poder.

A propósito, cabe anotar que ressalta evidente a intenção do constituinte em tutelar e resguardar o acesso de qualquer do povo, via exercício do direito de petição, aos Poderes Públicos, quando da prática de ilícito de abuso de poder. Aliás, e muito embora o dispositivo constitucional alhures mencionado não tenha feito referência expressa ao abuso de autoridade, penso que, em sendo este ilícito ligado diretamente ao serventuário público civil, ou, militar, ou, ao agente político (membros do Poder Judiciário, do Ministério Público, ou do Legislativo), e, por sua vez, o ilícito referente ao abuso de poder, relacionado aos entes e Poderes Públicos, enquanto pessoa jurídica, e havendo relação direta entre ambos, deva haver a incidência desta norma constitucional quando da prática de crime de abuso de autoridade.

Mesmo antes do advento da Constituição da República, promulgada em 1988, editou-se a Lei nº 5.249, de 09 de fevereiro de 1.967, a qual positivou que a falta de representação da vítima, ou, ofendido, nos casos atinentes à Lei nº 4.898,de 09 de dezembro de 1.965, não obsta à iniciativa, ou, ao curso da ação pública, revogando-a parcialmente.

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Ou seja, intencionou o legislador, clara e expressamente, indicar que a ação penal, pela prática de crime de abuso de autoridade, tem natureza pública incondicionada, e que a representação aludida pelo artigo 12, da Lei nº 4.898, de 09 de dezembro de 1.965, significa uma simples notícia-crime, cuja ausência e falta não impedem a instauração e desenvolvimento do respectivo procedimento criminal. Com este posicionamento, Gilberto Passos de Freitas e Vladimir Passos de Freitas, na obra alhures citada à p. 26, asseveraram: "Pretendeu o legislador ordinário que em hipótese alguma deixasse o fato delituoso de ser apurado, convertendo-o em crime de ação penal pública incondicionada. Aliás, esta representação se constitui numa simples ‘delatio criminis’ postulatória, não impedindo a sua ausência, a iniciativa da ação penal."33

Nesta esteira, acredito possuir o Ministério Público legitimidade para, não só requisitar a instauração de inquéritos policiais, ou, procedimentos correlatos, como também, atuar, como titular da respectiva ação penal pública incondicionada, nas situações de violação, ou, ameaça a violações a direitos individuais garantidos constitucionalmente.

Doutra banda, voltando-se para o disposto pelo caput, do artigo 3º, da Lei nº 4.898, de 9 de dezembro de 1.965, verifica-se que este dispositivo refere-se à expressão qualquer atentado, em clara e indubitável indicação de que qualquer ação, ou/e, conduta, ao menos, ameaçadora aos direitos e garantias individuais, tutelados constitucionalmente, e expressados nesta norma, devem e podem ser consideradas como crime de abuso de autoridade.

Entrementes, e por raciocínio extensivo, entendo cabível o controle externo das atividades e operações policiais, pelo Ministério Público, sempre que algum direito, ou, garantia individual, constitucionalmente, assegurado, venha a ser violado, ou, ameaçado de violação, tanto por parte de serventuários públicos civis, quanto por parte de serventuários públicos militares.

Preconiza, outrossim, a Súmula 172 do Colendo Superior Tribunal de Justiça: "Compete à Justiça Comum processar e julgar militar por crime de abuso de autoridade, ainda que praticado em serviço".

Sendo assim, e como a jurisprudência tem esclarecido que compete à Justiça Comum processar, militar por crime de abuso de autoridade, ainda que praticado em serviço, inexoravelmente, conclui-se que cabe ao Ministério Público dos Estados a tomada de providências, tanto no que tange ao controle externo da atividade policial, ou, no que se refere à apresentação de denúncia-crime, requisição de instauração de inquéritos policiais, em toda e qualquer atividade, e/ou, operação policial ostensiva, e que venha a ameaçar de constrangimento, ou, lesionar, efetivamente, aos direitos e garantias individuais, constitucionalmente, tutelados.

Portanto, sempre que estes direitos fundamentais estiverem sendo objeto de violação, ou, ao menos, estiverem sendo ameaçados de violação, cabe ao Ministério Público atuar, resguardando este direito do cidadão, em face do primado do Promotor Natural.

4.1 - Responsabilidade Civil e Administrativa e o Abuso de Autoridade

O serventuário público civil, ou, militar que incorrer, de forma dolosa, ou, culposa, na prática de fato, ou, omissão, causadores de danos, fica sujeito a ser responsabilizado nas órbitas civil, administrativa, ou/e, penal.

Ocorre que, na sistemática jurídica nacional hodierna não há para o serventuário público civil, ou, militar, responsabilidade objetiva, mas, somente, subjetiva.

O parágrafo 6º, do artigo 37, da C. R., é até explícito a este respeito, ao se referir, claramente, às expressões dolo, ou, culpa: "As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa".

Assim, deve haver, além de um nexo e relação entre a conduta comissiva, ou, omissiva do serventuário público civil, ou, militar, e o resultado produzido, a comprovação de que este agente público tenha agido com dolo, ou, culpa.

Neste passo, vale ressaltar que impera, via de regra, a independência e autonomia das searas civil, administrativa e penal, no que toca à responsabilidade do serventuário público, ou, agente público, pois, é cabível a instauração de procedimentos, simultaneamente, nas três instâncias. A independência das órbitas civil e criminal está, peremptoriamente, prevista no artigo 935 do Código Civil (Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2.002), em vigor um ano a partir de sua publicação no Diário Oficial, e que ocorreu em 11/01/2.002. Este artigo tem a seguinte redação: "A responsabilidade civil é independente da criminal, não se podendo questionar mais sobre a existência do fato, ou sobre quem seja o seu autor, quando estas questões se acharem decididas no juízo criminal.’

Entretanto, e, excepcionalmente, é possível a comunicabilidade destes diferentes compartimentos estanques, quando ocorrer, por meio de processo criminal encerrado mediante o trânsito em julgado de sentença absolutória, e, portanto, de forma imutável e definitiva, a prova da inexistência do fato, ou, da negativa da autoria.

De forma diversa, a condenação na seara criminal acarreta, necessariamente, o exaurimento das demais (civil e administrativa), e a conseqüente produção de efeitos.

Opera-se, por consegüinte, a extensão dos efeitos da declaração judicial criminal para as demais instâncias, servindo, inclusive, a sentença criminal transitada em julgado como título executivo judicial hábil a servir de impulso a uma eventual ação de execução da órbita civil, consoante dispõe, expressamente, o artigo 63, do Código de Processo Penal. Este dispositivo adjetivo, por sua vez, preconiza: "Transitada em julgado a sentença condenatória, poderão promover-lhe a execução, no juízo cível, para o efeito da reparação do dano, o ofendido, seu representante legal ou seus herdeiros."

As decisões da Colenda Corte Suprema (Supremo Tribunal Federal) e de outros tribunais pátrios são pacíficas a este respeito, senão vejamos:

"Ementa: MANDADO DE SEGURANÇA - PROVA. O mandado de segurança não viabiliza dilação probatória, razão pela qual os fatos devem ser demonstrados, a priori, pelo Impetrante.

RESPONSABILIDADE ADMINISTRATIVA E PENAL – INDEPENDÊNCIA. A jurisprudência sedimentada do Supremo Tribunal Federal é no sentido da independência das responsabilidades administrativa e penal. A exceção corre à conta de situação concreta em que, no campo penal, hajam ficado patenteadas a inexistência da materialidade ou a negativa de autoria." (STF - MS 22.476/AL – Rel. Min. Marco Aurélio – DJ 03.10.97 – p. 49.230).

"EMENTA: - Pena disciplinar de demissão, corretamente capitulada, por achar-se em serviço o impetrante, quando da ocorrência da transgressão.

Cerceamento de defesa não caracterizado, perante a justificada dispensa de prova testemunhal.

Independência das esferas penal e administrativa.

Prescrição não consumada." (STF - MS 21.293/DF – Rel. Min. Octávio Gallotti – DJ 28.11.97 – p. 62.221)

"EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR PÚBLICO – DEMISSÃO APÓS PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. LEGALIDADE DA PUNIÇÃO. APLICAÇÃO DO ART. 41, PAR. 1º DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL C/C. ART. 132, I, IV, X E XI, DA LEI 8.112/90.

1.A materialidade e autoria dos fatos ilícitos deverão ser apuradas em processo administrativo disciplinar regular, assegurando ao imputado a ampla defesa e o contraditório.

2.A Administração deverá aplicar ao servidor comprovadamente faltoso a penalidade cabível, na forma do artigo 41, § 1º, da Constituição Federal c/c com o art. 132, I, IV, X e XI, da Lei nº 8.112/90.

3.Inexistência de agressão a direito líquido e certo do impetrante, uma vez que as decisões estão em perfeita consonância com a norma legal aplicada.

4.A ausência de decisão judicial com trânsito em julgado não toma nulo o ato demissório, pois a aplicação da pena disciplinar ou administrativa independe da conclusão dos processos civis e penais, eventualmente instaurados em razão dos mesmos fatos.

5.Segurança indeferida." (STF - MS 21.705/SC – Rel. Min. Maurício Corrêa -
DJ 16.04.96)

"EMENTA: Mandado de Segurança.

Não há dúvida de que são independentes s instâncias penal e administrativa, só repercutindo aquela nesta quando ela se manifesta pela inexistência material do fato ou pela negativa de sua autoria.

Não aplicação ao caso do disposto nos arts. 5º, LVII, e 41, §2º, da Constituição Federal.

Mandado de segurança indeferido." (STF - MS 21.545/SP – Rel. Min. Moreira Alves – DJ 02.04.93 – p. 5.619)

"EMENTA: ‘Habeas corpus’.

Em face da autonomia das instâncias administrativa e penal, a absolvição naquela em processo disciplinar não impede conclusão diversa no processo judicial, como ocorreu no caso.

Por outro lado, a discrepância entre os depoimentos dos engenheiros não caracterizou colidência de defesas pela sua irrelevância no ponto em que se deu.

‘Habeas corpus’ indeferido." (STF - HC 76.157-8/SP Rel. Min. Moreira Alves – DJ 23.10.98 – p. 3 – Seção I).

Também com este entendimento, os seguintes julgados: RTJ 149/99, RTJ 41/599, RT 786/704 e RTJ 150/742).

Sob outro aspecto, e no que tange à responsabilização do agente público, em face do preconizado pela Lei nº 4.898, de 9 de dezembro de 1.965, ou seja, por abuso de autoridade, deve-se realizar um enfoque diferente.

Além do tratamento penal conferido aos agentes violadores dos tipos penais preconizados pela Lei nº 4.898, de 9 de dezembro de 1.965, esta norma especial também regulou a responsabilidade administrativa e civil do serventuário público civil e militar, autor de abuso de autoridade. Dispõe o artigo primeiro desta norma: "O direito de representação e o processo de responsabilidade administrativa civil e penal contra as autoridades que, no exercício e suas funções, cometerem abusos, são regulados pela presente lei.". Ademais, os artigos 5º ao 11º definem, dentre outras disposições, as sanções administrativas a que ficarão sujeitos os serventuários públicos civis e militares, autores de abuso de autoridade, além de uma sanção civil, correspondente a uma indenização monetária (§2º, do art. 6º).

De outra banda, e no tocante ao aspecto civil dos efeitos decorrentes da prática de abuso de autoridade, cabe observar o disposto pela Constituição da República, no §6º, do seu artigo 37; o qual previu a responsabilidade objetiva do Estado, pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros; assim como, o preconizado pelo inciso X, do seu artigo 5º, no sentido de que: "são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;". E na parte final daquele dispositivo constitucional (§6º, do artigo 37), verifica-se que se estipulou o direito de regresso contra o responsável, nos casos de dolo, ou, culpa.

Deve-se frisar que a responsabilidade civil decorrente do disposto pela Lei nº 4.898/65, mais precisamente, pelo prescrito pelo art. 1º, c./c. o preconizado pelo caput, e §2º, do artigo 6º, tem natureza diversa daquela prevista pelo §6º, do artigo 37, da Constituição da República. Enquanto aquela diz respeito à responsabilidade subjetiva do serventuário público civil, ou, militar, transgressor, a título, exclusivamente, de dolo, de uma das modalidades de delitos previstos pela Lei nº 4.898/65; a responsabilidade emergente da figura elencada pelo §6º, do art. 37, da Constituição da República, refere-se à responsabilidade objetiva, proveniente da teoria do risco administrativo, do Estado em relação ao lesado, ofendido, ou/e, vítima, em razão de condutas comissivas danosas.34

A teoria do risco administrativo, acredito, também tem fundamento no estipulado pelo parágrafo único, do artigo 927, do Código Civil, a vigorar a partir de 11/01/2003, o qual tem a seguinte disposição: "Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem." (Sem grifo no original).

Pode-se asseverar que a teoria objetiva da responsabilidade civil do Estado, preconizada pelo parágrafo 6º, do artigo 37, da Constituição da República, consagrou no nosso sistema jurídico o Princípio da Responsabilidade Objetiva do Estado.

Aliás, esta construção normativa já encontrava-se prevista, sob a modalidade do denominado risco administrativo temperado, pelo artigo 107, da Constituição da República de 1.969.35

Aliás, a conhecida teoria da responsabilidade objetiva do Estado também ficou prevista pelo disposto na letra "c", do inciso XXIII, do artigo 5º, da Constituição da República, especificamente, no que se refere à responsabilidade civil por danos nucleares.

Neste passo, a responsabilidade civil das pessoas jurídicas de direito público e das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público, proveniente da incidência da teoria do risco administrativo, e, portanto, objetiva, nasce com o preenchimento, no caso fático concreto, dos seguintes requisitos e pressupostos: dano, ou, prejuízo material, ou, moral; ação administrativa; nexo de causalidade entre o dano produzido e a ação administrativa.

Entretanto, o comportamento e conduta da vítima na produção do resultado danoso, pode influenciar, dependendo do grau de sua culpa, no abrandamento, ou, mesmo na exclusão da responsabilidade estatal, com forte incidência no eventual quantum indenizatória a ser, judicialmente, arbitrado e fixado.

Evidentemente, em ocorrendo o reconhecimento probatório do nexo causal entre a ação e o resultado danoso, cabe ao Estado (pessoa jurídica de direito público, ou, pessoa jurídica de direito privado, prestadora de serviço público), o ônus de provar que houve culpa concorrente, ou, exclusiva da vítima, no evento.

Diferentemente, e por exclusão, ou seja, havendo a comprovação, ao menos, de culpa na conduta praticada pelo serventuário público civil, ou, militar, e que não configure abuso de autoridade (Lei nº 4.898), em uma ação proposta em face do Estado, surge a possibilidade de se buscar a responsabilização deste servidor na seara civil, por meio de uma ação judicial regressiva (parágrafo 6º, do artigo 37, da Constituição da República).

Além do disposto pelo parágrafo 6º, do artigo 37, da Constituição da República, a responsabilidade subjetiva do agente público, na órbita civil, tem fundamento no preconizado pelo artigo 15, do Código Civil.

Entrementes, e em havendo a produção de dano causado por comportamento omissivo estatal, a responsabilidade do Estado será subjetiva. Nesta hipótese, há um dever legal da máquina estatal em agir, e que por não ter agido, diligentemente, por obrigação legal, ensejou a produção do dano resultante. Operam-se, nesta situação, os efeitos da teoria da culpa, pois, torna-se imprescindível a existência de negligência, imprudência, ou, dolo, na conduta omissiva estatal, e que ensejou a produção do dano a terceiro. Neste aspecto, o Código Civil em vigor a partir de janeiro de 2003 (11/01/2003), é taxativo ao expressar: "Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.’36

O novo Código Civil inova ao tratar no capítulo II, do seu título IX, do livro I (parte especial), especificamente, quanto à questão da indenização.

No seu artigo 945 regula, peremptoriamente, que se a vítima tiver concorrido culposamente para o evento danoso, a sua indenização será fixada tendo-se em conta a gravidade de sua culpa, em confronto com a do autor do dano.

Outrossim, havendo a incidência de determinadas circunstâncias fáticas, tais como: estado de necessidade, força maior, pode haver a minoração do quantum a ser fixado como indenização, ou mesmo, a exclusão de toda e qualquer responsabilidade do Estado pelo dano produzido.

Portanto, em havendo uma conduta culposa, por parte do serventuário público civil, ou, militar, e que se amolde a um dos tipos preconizados pela Lei nº 4.898/65, além de não sujeitar o infrator e delinqüente a qualquer sanção penal, eis que, não se admite conduta culposa para os crimes de abuso de autoridade, também não poderá esta conduta culposa, acredito, acarretar uma sanção civil, lastreada no disposto pela Lei nº 4.898/65, pois, como ressalta o artigo 1º desta norma especial: "o processo de responsabilidade administrativa civil e penal contra as autoridades que, no exercício de suas funções, cometerem abusos, são regulados pela presente lei.".

Em sentido contrário, a assertiva realizada imediatamente acima, não representa óbice a que o lesado, vítima, ou, ofendido ajuize uma demanda judicial, em face do, e contra o autor de um abuso de autoridade, violador de um direito seu tutelado constitucionalmente e pela norma especial ora analisada, conjuntamente, contra e em face ao Estado, nos casos, exclusivamente, de dolo, e no tocante à uma conduta correspondente a abuso de autoridade.

Neste aspecto, Celso Antônio Bandeira e Mello, idem, ibidem, mais precisamente à p. 466, leciona: "Então, parece-nos incensurável o ensinamento de Oswaldo Aranha Bandeira de Mello, manifestado antes mesmo do novo Código de Processo Civil, segundo quem a vítima pode propor ação de indenização contra o agente, contra o Estado, ou contra ambos, como responsáveis solidários nos casos de dolo ou culpa."

Especificamente no campo próprio do Instituto da denunciação da lide37, há que se fazer algumas considerações peculiares.

Na hipótese do denunciante (Estado – administração), estar sendo ajuizado em ação indenizatória fundada na responsabilidade objetiva, ou seja, lastreada na teoria do risco administrativo, não caberia, a princípio, a obrigatoriedade da denunciação da lide do agente público, ou, serventuário público civil, ou, militar, responsável a título de culpa, ou, dolo, no evento produzido, por implicar em inovação de causa petendi, ou seja, novo fundamento.38

Ademais, em havendo a previsão constitucional da possibilidade jurídica de que o Estado, eventualmente, vencido na original ação indenizatória movida pelo prejudicado, venha a ajuizar uma ação regressiva em face do agente público, ou, funcionário público, responsável a título de culpa, ou, dolo, pelo resultado danoso ocasionado, visando ressarcir-se do respectivo quantum indenizatório despendido (parágrafo 6º, do artigo 37, da Constituição da República), a denunciação da lide colidiria com a função precípua deste Instituto, e que corresponde a de ação de garantia.

Ou seja, não havendo a efetiva denunciação da lide ao funcionário responsável, não haveria qualquer prejuízo ao denunciante, eis que, este poderia, futura e eventualmente, pleitear a devida ação regressiva contra aquele.

Em raciocínio oposto, nada obsta, penso, a que se proceda à denunciação da lide ao funcionário, ou, agente público, na hipótese em que o denunciante (Estado) viesse a ser processado em ação indenizatória, fundada na culpa daquele (dolo, ou, culpa), até mesmo, em atenção aos Princípios Processuais da Economia Processual e da Celeridade Processual.39

Na hipótese especial da ação reparatória referente a fato equivalente a abuso de autoridade, conforme disciplinado pela Lei nº 4.898/65, deve-se fazer a ressalva de que o fundamento para tal pleito deve corresponder a conduta, exclusivamente, dolosa, consoante as razões alhures expressadas.

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Sobre o autor
Theodósio Ferreira de Freitas

promotor de Justiça do Estado de Mato Grosso, especialista lato sensu em Direito Público

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FREITAS, Theodósio Ferreira. O Ministério Público e o controle externo das atividades policiais:: uma abordagem jurídica. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 827, 8 out. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7392. Acesso em: 25 abr. 2024.

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