Uma análise dos desrespeitos aos direitos e garantias fundamentais dentro do sistema prisional brasileiro

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17/05/2019 às 23:40
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5. A RESPONSABILIDADE DO ESTADO QUANTO A PROTEÇÃO DOS DIREITOS DOS PRESOS

Depois de observados tantos desrespeitos aos direitos e garantias fundamentais dos presos, não poderíamos deixar de lado a responsabilidade do Estado quanto a proteção desses direitos e garantas fundamentais. E antes de chegarmos ao viés das instalações prisionais, precisamos antes adentrar numa questão que envolve toda a sociedade, principalmente no dia a dia: a polícia.

Nos dizeres de Soares e Guindani (2007), as polícias brasileiras são personagens da nossa história, que contêm marcas profundas de vias autoritárias e excludentes de desenvolvimento da modernidade. Tais marcas impedem que as polícias falem a língua dos direitos fundamentais, onde se preserva a dignidade da pessoa humana.

A polícia, principalmente a militar, é o representante do Estado mais próximo da maior parte da população. Entretanto, a corrupção policial e a brutalidade institucionalizada são a base para a destruição de tudo o que a sociedade acredita ser garantidor de direitos. (SOARES; GUINDANI, 2007)

É fato notório que somente haverá eficiência policial se houver uma observância rigorosa da legalidade constitucional e o respeito aos direitos humanos. A polícia, tendo como objetivo a proteção de direitos e liberdades constitucionais, deve fazer com que as leis sejam cumpridas, sem que para isso passe por cima de alguma delas.

Em treinamento, os policiais são instruídos a, primeiramente, fazer uso da moderação e a observar a proporção da força aplicada, com base na ameaça e intensidade da resistência. Entretanto, o uso da força desmedida, e que muitas vezes provoca a morte, é o que parece regra geral no dia a dia.

Ao que parece, a polícia está completamente despreparada para o combate, e parece também que o judiciário está tanto, ou mais, despreparado quanto a polícia.

Outro ponto que deve ser levado em consideração, é que a maioria dos presos, advém de uma classe social marginalizada pela sociedade, sendo pobres e desprovidos de instrução, emprego, oportunidade, e assistência social. Dessa forma, um grande número de indivíduos entra e as do sistema prisional sem a devida rede de proteção, com seus direitos negligenciados.

Sendo assim, cabe ao Estado o dever de ressarcir o indivíduo quando o faz passar por situações que desrespeitem seus direitos, da mesma forma que caberia indenização a qualquer indivíduo da sociedade quando é lesado em relações de consumo, por exemplo.

O § 6º do art. 37 da Constituição Federal (CF) estabelece que “as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa (BRASIL, 1988 – grifo nosso). Desta forma, a CF não exige que o agente esteja no exercício de suas funções, mas na qualidade de agente público, ficando assim o Estado responsável pelos atos ou omissões de seus agentes, independente de terem agido dentro de suas funções no momento do dano ao indivíduo (COSTA, 2013).

Ou seja, mesmo que o policial não esteja em horário de expediente, o dano que ele causar a um indivíduo torna-se responsabilidade do Estado.

Entretanto, para que as pessoas jurídicas de direito público e as pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público sejam responsabilizadas civilmente pelos danos causados aos indivíduos é necessário que alguns requisitos se façam presentes. De acordo com Costa (2013 – grifo nosso), os requisitos são: “a) consumação do dano a terceiro, servidor público ou não; b) ação ou omissão administrativa; c) nexo causal entre o dano e a ação ou a omissão administrativa; d) a oficialidade da atividade causal e lesiva; e) a ausência de causa excludente da responsabilidade estatal”.

Ainda nos dizeres de Costa (2013), é necessário que:

O dano possa ser caracterizado como jurídico, devendo causar lesão a algo que a ordem jurídica reconhece como garantido em favor do sujeito; e certo, ainda que atual ou futuro. Importante assinalar que nos casos de responsabilidade do Estado por atos lícitos, não basta que o dano seja apenas jurídico e certo, devendo ser, também, específico, de modo a atingir uma pessoa ou um grupo de pessoas determinadas, que sofrem dano não experimentados pelos demais membros da sociedade; e anormal, de modo a superar os inconvenientes normais da vida em sociedade. (COSTA, 2013 – grifo nosso)

Observados tais requisitos, a responsabilidade do Estado acaba por se dividir entre objetiva e subjetiva. A objetiva consiste na não exigibilidade de culpa ou dolo, necessitando apenas da relação entre a causa e o efeito, ou seja, entre o ato praticado pelo agente e o dano sofrido pelo indivíduo. A subjetiva, por outro lado, consiste na exigibilidade de dolo ou culpa, podendo ser atribuída ao serviço público que não foi realizado (omissão). Por exemplo, preso que foi assassinado na cela por outro detento. (COSTA, 2013)

Os que se encontram presos sofrem danos que os demais membros da sociedade não sofrem, bem como tais danos superam os inconvenientes normais da vida em sociedade. A depender do caso, podemos encontrar a responsabilidade do Estado de forma objetiva ou subjetiva.

Entrando agora no viés das instalações prisionais, o art. 5º, LXXV, da CF estabelece a responsabilidade de indenizar o preso quando comete erro judiciário, e até mesmo quando o indivíduo fica preso por tempo maior do que o estipulado na sentença. Como decidiu o Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento dos recursos extraordinários nº 505.393, sobre condenação desconstruída em revisão criminal, e nº 429.518, sobre prisão injusta decorrente de erro e má-fé.

Em relação ao preso que viveu em situação degradante, o STF decidiu que o Estado deve indenizar, conforme diz Recurso Extraordinário (RE) nº 580252.

Considerando que é dever do Estado, imposto pelo sistema normativo, manter em seus presídios os padrões mínimos de humanidade previstos no ordenamento jurídico, é de sua responsabilidade, nos termos do art. 37, § 6º da Constituição, a obrigação de ressarcir os danos, inclusive morais, comprovadamente causados aos detentos em decorrência da falta ou insuficiência das condições legais de encarceramento. (STF, 2014 – grifo nosso)

Com essa decisão, além de todas as previsões constitucionais e infraconstitucionais, temos a esperança de que a impunidade dos agentes do Estado diminua, e que possa proporcionar um sistema prisional justo, onde as falhas administrativas, o despreparo dos agentes penitenciários e dos policiais, e as relações violentas entre todos sejam amenizadas.

Contudo, não é apenas por parte de policiais e agentes penitenciários que os presos têm seus direitos desrespeitados. Muitas vezes esses desrespeitos ocorrem por parte de outros detentos, e esse fato não tira do Estado a responsabilidade quanto a proteção do preso.

De acordo com uma decisão da 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) em 2014, “a jurisprudência desta Corte reconhece a responsabilidade objetiva do Estado nos casos de morte de preso custodiado em unidade prisional” (STJ, 2014).

De acordo com o julgamento do RE nº 841.526 do STF, “a morte de detento em estabelecimento penitenciário gera responsabilidade civil do Estado quando houver inobservância do seu dever específico de proteção”. O caso desse julgamento refere-se a um preso que morreu por enforcamento dentro da instalação prisional, entretanto, a necropsia não concluiu se a morte ocorreu em decorrência de homicídio ou suicídio. Nesse sentido, o Procurador de Justiça sustentou que não seria possível fixar a responsabilidade do Estado já que não houve prova conclusiva quanto à causa da morte.

Ou seja, o Procurador pretendeu utilizar a culpa exclusiva da vítima ou de terceiro como causa excludente ou atenuante da responsabilidade civil do Estado, assim como considerar o fato como de caso fortuito ou de força maior.

Entretanto, o Ministro relator Luiz Fux (2016), concluiu que “Se o Estado tem o dever de custódia, tem também o dever de zelar pela integridade física do preso. Tanto no homicídio quanto no suicídio há responsabilidade civil do Estado”.

Seguindo os dizeres do relator, ao final do julgamento foi fixada a tese de que “Em caso de inobservância de seu dever específico de proteção previsto no artigo 5º, inciso XLIX, da Constituição Federal, o Estado é responsável pela morte de detento”.

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O irrestrito respeito às integridades do preso é decorrente do princípio geral do respeito a dignidade da pessoa humana. Nesse sentido, a condição de preso não retira da pessoa sua condição de ser humano, e muito menos o direito de respeito a sua dignidade.

Assim, cabe ao poder público o dever de zelar para que a execução da penal ocorra de forma humanizada, garantindo os direitos fundamentais dos presos, sob pena de responsabilização civil por ação ou omissão que cause dano ao indivíduo. (AMARAL, 2017)

Mesmo com tantos problemas no sistema prisional, com a quantidade de desrespeitos aos direitos e garantias fundamentais dos indivíduos, ainda não encontramos solução para os problemas com a criminalidade. Nos dizeres de Foucault (2014) “conhecem-se todos os inconvenientes da prisão, e sabe-se que é perigosa, quando não inútil. E, entretanto não “vemos” o que pôr em seu lugar. Ela é a detestável solução, de que não se pode abrir mão”.


6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Entendemos o sistema prisional como o conjunto das instalações prisionais (penitenciárias, colônias agrícolas, casa do albergado, centro de observação, hospital de custódia e cadeia pública) que têm a finalidade de executar a pena do indivíduo. Por outro lado, a execução penal tem o objetivo de efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para que o condenado seja integrado socialmente de forma harmônica.

Para que o objetivo da execução penal seja alcançado é necessário que o princípio da dignidade da pessoa humana seja observado com máxima atenção, principalmente por estar previsto em diversas leis, nacionais e internacionais.

De acordo com a Constituição Federal de 1988, em seu art. 1º, inciso III, a dignidade da pessoa humana é um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito. De acordo com o art. 3º da Lei de Execução Penal, os direitos que não foram atingidos pela sentença devem ser assegurados ao preso. Ou seja, o respeito à dignidade do indivíduo não deve ser deixado de lado pelo fato deste ter sido condenado por algum crime.

No que tange a legislação internacional, o respeito a dignidade do ser humano está previsto no art. 11 da Convenção Americana de Direitos Humanos e no §1º do art. 10 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e políticos. E tantos outros tratados internacionais que não foram citados no presente estudo.

O princípio da dignidade da pessoa humana é a base de toda a legislação brasileira, inclusive a legislação referente aos direitos dos presos. Entretanto, os direitos dos presos têm sido jogados por terra como foi citado do decorrer do presente estudo. Questões como superlotação, falta de assistência material, à saúde, judiciária e educacional, desrespeito as integridades física, psíquica e moral, levam os detentos a promoverem rebeliões e fugas como forma de “grito de socorro”, como forma de protesto, por serem as únicas formas que esses indivíduos encontram de serem vistos e ouvidos.

Ante as inúmeras inobservâncias dos direitos dos presos, cabe ao Estado o dever de indenizar os indivíduos pelos danos sofridos no período em que se encontraram sob sua custódia. E, nos casos em que não puder indenizar o próprio indivíduo (quando este morreu, por exemplo), ao Estado cabe o dever de indenizar as famílias dos presos que tiveram seus direitos desrespeitados, principalmente se sofreram algum dano.

Esse entendimento de que cabe ao Estado o dever de indenizar encontra-se na Constituição Federal, em seu art. 5º, inciso LXXV, no que tange a erro judiciário e a quem ficou preso por período acima que o fixado na sentença. E em relação a outros atos de ação ou omissão do Estado, tal entendimento encontra-se em decisões do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal.

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Sobre a autora
Lynxana Aguiar

Advogada, atuante nas áreas cível e trabalhista; Assessora acadêmica, realizando orientação e correção de trabalhos acadêmicos; Especialista em Direito e Processo Penal pela ESA-PE em parceria com a Uninassau; Fui membro das Comissões de Direitos Humanos e Direito Penal da OAB/PE subseção Olinda e da Comissão de Relações Acadêmicas da OAB/PE; Fui estagiária da FOCCA - Faculdade de Olinda, atuando na Câmara de Conciliação, Mediação e Arbitragem; Voluntária no TJPE, em mutirões de justiça e cidadania; Voluntária em projetos sociais realizados pela FOCCA - Faculdade de Olinda.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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Apresentado como Trabalho de Conclusão de Curso (TCC).

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