Resumo:O presente artigo trata acerca do tema improbidade administrativa e prerrogativa de foro, realizando uma análise acerca da discussão existente acerca da prerrogativa de foro existente no ordenamento jurídico, e abordando a seguinte problemática: É constitucional a aplicação da prerrogativa de foro para os agentes públicos na Lei da Improbidade Administrativa (LIA)? Assim, pretende-se demonstrar a possibilidade de aplicação da prerrogativa de foro, haja vista a previsão constitucional acerca do tema, para determinados agentes. Visando ao alcance da meta anteriormente estabelecida, pretende-se tratar da Lei de Improbidade Administrativa no âmbito constitucional; apontar aspectos gerais da Improbidade Administrativa no que tange o julgamento dos agentes que cometem o ato de improbidade, expondo discussões doutrinárias e jurisprudenciais acerca do assunto. Trata-se de pesquisa de natureza bibliográfica, pois se baseou em fontes primárias e secundárias, bem como livros, periódicos, legislação, documentos eletrônicos e jurisprudências. A metodologia de abordagem foi teórica, sob método dedutivo, por uma questão que parte do geral para o particular. Será possível a aplicação da prerrogativa de foto quando se tratar de determinadas autoridades elencadas na norma constitucional.
Palavras chave: Improbidade Administrativa. Prerrogativas. Agentes.
1. INTRODUÇÃO
O presente artigo apreciará a Lei 8.429/1992 (Lei da Improbidade Administrativa), no que concerne à prerrogativa de foro destinada a determinados agentes públicos previstos na legislação brasileira.
É cediço de que se trata de um tema em voga no país devido às circunstâncias pelo qual a administração pública vem passando. Envolve a ética na gestão dos recursos públicos por parte dos agentes públicos e, dos particulares que se relacionam com a administração pública.
A Lei de Improbidade adveio de uma busca para a moralização da Administração, combatendo a corrupção dos agentes e buscando implementar instrumentos que no fim garantissem padrões éticos, eficiência e controle da gestão.
O problema do supradito é analisar se é constitucional a aplicação da prerrogativa de foro para os agentes públicos na Lei da Improbidade Administrativa (LIA).
O objetivo do presente artigo é elucidar como se dá a aplicação da prerrogativa de foro na Lei da Improbidade Administrativa, bem como analisar a previsão do foro privilegiado da Lei de Improbidade Administrativa no âmbito da Constituição Federal de 1988 e ainda de apontar aspectos gerais da Improbidade Administrativa no que tange o julgamento dos agentes que cometem o ato de improbidade, expondo discussões doutrinárias e jurisprudenciais acerca do assunto.
Justifica-se o presente artigo pela atualidade da discussão e controvérsias quanto à aplicabilidade da prerrogativa de foro na LIA (Lei de Improbidade Administrativa).
A metodologia atribuída para esse estudo quanto aos meios: trata-se de uma investigação que tem como suporte uma Pesquisa Bibliográfica. Esta por sua vez, consolida-se por meio de livros contidos na Biblioteca do ILES/ULBRA de Itumbiara, e acervo pessoal, como em buscas de livros, artigos, jurisprudências entre outros meios.
Boa parte dos estudos exploratórios pode ser definida como pesquisas bibliográficas. Salienta-se, ainda, que o método de abordagem utilizado para a elaboração desse estudo é o dedutivo, tratando-se de um raciocínio puramente formal, no qual a conclusão não fornece um conhecimento novo, ao contrário da indução, isto porque a dedução já está implícita nos princípios.
2. DESENVOLVIMENTO
Improbidade Administrativa está relacionada com a desonestidade, característica contrária àquela que deve ser observada por todos que tratam com o Estado, é também ligada à boa-fé dos agentes administradores e administrados.
O conceito etimológico da palavra Improbidade Administrativa é trazido por Rafael Carvalho Rezende Oliveira, como sendo, “o vocábulo “probidade”, do latim probitate, significa aquilo que é bom, relacionando-se diretamente à honradez, à honestidade e à integridade. A improbidade, ao contrário, deriva do latim improbitate, que significa a imoralidade, desonestidade”[1].
Desta maneira, probidade administrativa, ao contrário de improbidade, é aquilo que é bom, sendo, desta maneira, relacionada com a moralidade que deve existir no âmbito da administração pública.
Ainda com base na conceituação do tema Improbidade Administrativa, Rafael Carvalho diferencia-a de imoralidade administrativa:
Entendemos que, no Direito positivo, a Improbidade Administrativa não se confunde com a imoralidade administrativa. O conceito normativo de improbidade administrativa é mais amplo que aquele mencionado léxico. A imoralidade acarreta improbidade, mas a recíproca não é verdadeira. Vale dizer: nem todo ato de improbidade significa violação ao princípio da moralidade[2].
Depreende-se na leitura que, a Lei 8.429/92 tem o escopo de regulamentar a probidade administrativa no mais amplo sentido possível, prevendo sanções mesmo aos agentes que não atuem com imoralidade, mas com meios estranhos aos esperados daquele que atue em nome ou com o Estado.
Os atos de improbidade administrativa dividem-se em atos que acarretam o enriquecimento ilícito, lesão ao erário e violação aos princípios da administração pública, correspondentes, respectivamente, aos artigos 9º, 10, 10-A e 11 da Lei 8.429/92 – Lei de Improbidade Administrativa.
Conceituando Improbidade Administrativa, Rafael Carvalho Rezende Oliveira ensina:
Não obstante a dificuldade na conceituação da improbidade administrativa, o termo pode ser compreendido como o ato ilícito, praticado por agente público ou terceiro, geralmente de forma dolosa, contra as entidades públicas e privadas, gestoras de recursos públicos, capaz de acarretar enriquecimento ilícito, lesão ao erário ou violação aos princípios que regrem a Administração Pública[3].
Depreende-se do conceito supramencionado, que trata-se de ato ilícito praticado por agente público ou terceiro, de forma dolosa e em desfavor de entidades públicas e privadas.
Em relação ao agente, pode ser ele pertencente ao quadro efetivo da Administração Pública ou mesmo aos detentores de mandato eletivo ou investidos em cargo público, remunerado ou não. Estes são denominados agentes ativos, ou seja, são aquelas pessoas que praticam o ato improbo.
Quanto aos agentes passivos, são eles entidades públicas ou privadas, gestoras de recursos públicos, dividindo-se em entidades diretas e indiretas, conforme elenca o artigo 1º, da Lei 8.429/92:
Os atos de improbidade praticados por qualquer agente público, servidor ou não, contra a administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios, de Território, de empresa incorporada ao patrimônio público ou de entidade para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com mais de cinquenta por cento do patrimônio ou da receita anual, serão punidos na forma desta lei.
Parágrafo único. Estão também sujeitos às penalidades desta lei os atos de improbidade praticados contra o patrimônio de entidade que receba subvenção, benefício ou incentivo, fiscal ou creditício, de órgão público bem como daquelas para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com menos de cinquenta por cento do patrimônio ou da receita anual, limitando-se, nestes casos, a sanção patrimonial à repercussão do ilícito sobre a contribuição dos cofres públicos[4].
Destaque-se que, em relação às entidades privadas mencionadas no parágrafo único, no artigo 1º, da Lei 8.429/92, devem estas receber subvenções específicas vinculadas a interesses públicos e não genéricas sob a possibilidade de não incorrerem em ato improbo.
A fonte constitucional da Improbidade Administrativa está transcrita no parágrafo 4º, do artigo 37 da Constituição Federal de 1988, que dispõe: “[...] Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível. [...]”[5].
Assim, o legislador normatizou o mandamento constitucional com o objetivo de executar a previsão ali aludida, uma vez que se trata de norma constitucional de eficácia limitada, carecendo de aplicação imediata, devendo o legislador ordinário providenciar as medidas necessárias para tal fim.
O caput do artigo 37 da Constituição Federal de 1988 traz os chamados princípios constitucionais aplicáveis à Administração Pública, que são de observância obrigatória, tanto na Administração como pelos administrados. São os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.
Importante mencionar o princípio da juridicidade, que também é de grande importância para o estudo do tema, e ele é quem prevê a observância a todo o ordenamento jurídico, ou seja, deve haver uma percepção ao que está além da norma positivado, todo o direito, incluindo normas, princípios implícitos ou explícitos.
Consoante mencionado anteriormente, os atos de improbidade administrativa dividem-se em enriquecimento ilícito, dano ao erário, concessão ou aplicação indevida de benefício financeiro ou tributário e violação aos princípios da Administração Pública.
Em regra, para a caracterização de ato de improbidade administrativa, é necessário que haja a presença do elemento subjetivo doloso sob o risco de caracterizar responsabilidade objetiva. A exceção à regra é aceita quando o ato causar dano ao erário público, com previsão no artigo 10, da Lei 8.429/1992, hipótese em que poderá o agente responder por culpa.
O artigo 10 da Lei de Improbidade Administrativa estabelece:
Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei, e notadamente:
I - facilitar ou concorrer por qualquer forma para a incorporação ao patrimônio particular, de pessoa física ou jurídica, de bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1º desta lei;
II - permitir ou concorrer para que pessoa física ou jurídica privada utilize bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1º desta lei, sem a observância das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie;
III - doar à pessoa física ou jurídica bem como ao ente despersonalizado, ainda que de fins educativos ou assistências, bens, rendas, verbas ou valores do patrimônio de qualquer das entidades mencionadas no art. 1º desta lei, sem observância das formalidades legais e regulamentares aplicáveis à espécie;
IV - permitir ou facilitar a alienação, permuta ou locação de bem integrante do patrimônio de qualquer das entidades referidas no art. 1º desta lei, ou ainda a prestação de serviço por parte delas, por preço inferior ao de mercado;
V - permitir ou facilitar a aquisição, permuta ou locação de bem ou serviço por preço superior ao de mercado;
VI - realizar operação financeira sem observância das normas legais e regulamentares ou aceitar garantia insuficiente ou inidônea;
VII - conceder benefício administrativo ou fiscal sem a observância das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie;
VIII - frustrar a licitude de processo licitatório ou de processo seletivo para celebração de parcerias com entidades sem fins lucrativos, ou dispensá-los indevidamente; (Redação dada pela Lei nº 13.019, de 2014);
IX - ordenar ou permitir a realização de despesas não autorizadas em lei ou regulamento;
X - agir negligentemente na arrecadação de tributo ou renda, bem como no que diz respeito à conservação do patrimônio público;
XI - liberar verba pública sem a estrita observância das normas pertinentes ou influir de qualquer forma para a sua aplicação irregular;
XII - permitir, facilitar ou concorrer para que terceiro se enriqueça ilicitamente;
XIII - permitir que se utilize, em obra ou serviço particular, veículos, máquinas, equipamentos ou material de qualquer natureza, de propriedade ou à disposição de qualquer das entidades mencionadas no art. 1° desta lei, bem como o trabalho de servidor público, empregados ou terceiros contratados por essas entidades.
XIV – celebrar contrato ou outro instrumento que tenha por objeto a prestação de serviços públicos por meio da gestão associada sem observar as formalidades previstas na lei; (Incluído pela Lei nº 11.107, de 2005);
XV – celebrar contrato de rateio de consórcio público sem suficiente e prévia dotação orçamentária, ou sem observar as formalidades previstas na lei. (Incluído pela Lei nº 11.107, de 2005);
XVI - facilitar ou concorrer, por qualquer forma, para a incorporação, ao patrimônio particular de pessoa física ou jurídica, de bens, rendas, verbas ou valores públicos transferidos pela administração pública a entidades privadas mediante celebração de parcerias, sem a observância das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie; (Incluído pela Lei nº 13.019, de 2014);
XVII - permitir ou concorrer para que pessoa física ou jurídica privada utilize bens, rendas, verbas ou valores públicos transferidos pela administração pública a entidade privada mediante celebração de parcerias, sem a observância das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie; (Incluído pela Lei nº 13.019, de 2014);
XVIII - celebrar parcerias da administração pública com entidades privadas sem a observância das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie; (Incluído pela Lei nº 13.019, de 2014);
XIX - agir negligentemente na celebração, fiscalização e análise das prestações de contas de parcerias firmadas pela administração pública com entidades privadas; (Incluído pela Lei nº 13.019, de 2014, com a redação dada pela Lei nº 13.204, de 2015);
XX - liberar recursos de parcerias firmadas pela administração pública com entidades privadas sem a estrita observância das normas pertinentes ou influir de qualquer forma para a sua aplicação irregular. (Incluído pela Lei nº 13.019, de 2014, com a redação dada pela Lei nº 13.204, de 2015);
XXI - liberar recursos de parcerias firmadas pela administração pública com entidades privadas sem a estrita observância das normas pertinentes ou influir de qualquer forma para a sua aplicação irregular. (Incluído pela Lei nº 13.019, de 2014)[6].
O mero dano ao erário público é suficiente para a caracterização de improbidade administrativa, pouco importando o enriquecimento ilícito do agente.
A competência para o julgamento de ações de improbidade administrativa tem causado divergências jurisprudenciais e doutrinárias, uma vez que a Lei 8.429/1992 não faz menção acerca do tema “competência”, devendo, portanto, a interpretação ficar a cargo do aplicador e intérprete da norma.
A divergência é ainda maior quanto ao agente que comete o ato de improbidade administrativa, quando se tratar de ato praticado por determinadas autoridades, em razão de existir, no texto constitucional, prerrogativa de competência originária dos tribunais superiores para julgamento de crimes comuns e de responsabilidade, conforme previsão dos artigos 102, I, “b” e “c”, e 105, I, “a”, “b” e “c” da Constituição Federal de 1988:
Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:
I - processar e julgar, originariamente:
[...]
b) nas infrações penais comuns, o Presidente da República, o Vice-Presidente, os membros do Congresso Nacional, seus próprios Ministros e o Procurador-Geral da República;
c) nas infrações penais comuns e nos crimes de responsabilidade, os Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, ressalvado o disposto no art. 52, I, os membros dos Tribunais Superiores, os do Tribunal de Contas da União e os chefes de missão diplomática de caráter permanente; [...]
[...]
Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça:
I - processar e julgar, originariamente:
a) nos crimes comuns, os Governadores dos Estados e do Distrito Federal, e, nestes e nos de responsabilidade, os desembargadores dos Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal, os membros dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal, os dos Tribunais Regionais Federais, dos Tribunais Regionais Eleitorais e do Trabalho, os membros dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municípios e os do Ministério;
b) os mandados de segurança e os habeas data contra ato de Ministro de Estado, dos Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica ou do próprio Tribunal;
c) os habeas corpus, quando o coator ou paciente for qualquer das pessoas mencionadas na alínea "a", ou quando o coator for tribunal sujeito à sua jurisdição, Ministro de Estado ou Comandante da Marinha, do Exército ou da Aeronáutica, ressalvada a competência da Justiça Eleitoral;
[...] [7].
Em relação à competência, o autor Daniel Amorim Assumpção Neves, elenca duas correntes doutrinárias que se divergem sobre o tema:
Para uma corrente doutrinária, deve se admitir a aplicação extensiva, em especial em razão da gravidade das penas, que poderão ser cominadas em sede de ação de improbidade administrativa, até mesmo mais severas que as aplicáveis numa ação de natureza penal (ubieadem ratio, ibieadem legis dispositio)[8].
Para essa primeira corrente, a previsão constitucional de competência por prerrogativa de foro deve ser ampliada, ou seja, deve haver uma interpretação mais ampla mesmo que não haja previsão legal consagrada no ordenamento jurídico.
Contrariamente a esse entendimento, outra corrente doutrinária defende a interpretação literal dos dispositivos constitucionais que preveem competência originária dos tribunais superiores, de forma a ser sempre do primeiro grau de jurisdição a competência para julgar a ação de improbidade administrativa[9].
É perceptível o posicionamento positivista da segunda corrente no sentido de não se admitir extensão do que já está previsto constitucionalmente. Assim, a competência para o julgamento da ação de Improbidade Administrativa é da justiça de 1º grau.
No âmbito das jurisprudências dos tribunais superiores, a segunda corrente vinha prevalecendo, ou seja, a interpretação era no sentido restrito, sendo de competência do primeiro grau de jurisdição o julgamento da ação de improbidade administrativa. Ocorre que tal posicionamento não se consolidou em especial, ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), que caminhava para o posicionamento restritivo.
O entendimento pelo cabimento da competência originária dos tribunais superiores começou a destoar do posicionamento até então aplicado pelo STJ na reclamação 2.138/DF:
EMENTA: RECLAMAÇÃO. USURPAÇÃO DA COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. CRIME DE RESPONSABILIDADE. AGENTES POLÍTICOS. I. PRELIMINARES. QUESTÕES DE ORDEM. I.1. Questão de ordem quanto à manutenção da competência da Corte que justificou, no primeiro momento do julgamento, o conhecimento da reclamação, diante do fato novo da cessação do exercício da função pública pelo interessado. Ministro de Estado que posteriormente assumiu cargo de Chefe de Missão Diplomática Permanente do Brasil perante a Organização das Nações Unidas. Manutenção da prerrogativa de foro perante o STF, conforme o art. 102, I, "c", da Constituição. Questão de ordem rejeitada. I.2. Questão de ordem quanto ao sobrestamento do julgamento até que seja possível realizá-lo em conjunto com outros processos sobre o mesmo tema, com participação de todos os Ministros que integram o Tribunal, tendo em vista a possibilidade de que o pronunciamento da Corte não reflita o entendimento de seus atuais membros, dentre os quais quatro não têm direito a voto, pois seus antecessores já se pronunciaram. Julgamento que já se estende por cinco anos. Celeridade processual. Existência de outro processo com matéria idêntica na sequência da pauta de julgamentos do dia. Inutilidade do sobrestamento. Questão de ordem rejeitada. II. MÉRITO. II.1.Improbidade administrativa. Crimes de responsabilidade. Os atos de improbidade administrativa são tipificados como crime de responsabilidade na Lei n° 1.079/1950, delito de caráter político-administrativo. II.2.Distinção entre os regimes de responsabilização político-administrativa. O sistema constitucional brasileiro distingue o regime de responsabilidade dos agentes políticos dos demais agentes públicos. A Constituição não admite a concorrência entre dois regimes de responsabilidade político-administrativa para os agentes políticos: o previsto no art. 37, § 4º (regulado pela Lei n° 8.429/1992) e o regime fixado no art. 102, I, "c", (disciplinado pela Lei n° 1.079/1950). Se a competência para processar e julgar a ação de improbidade (CF, art. 37, § 4º) pudesse abranger também atos praticados pelos agentes políticos, submetidos a regime de responsabilidade especial, ter-se-ia uma interpretação ab-rogante do disposto no art. 102, I, "c", da Constituição. II.3.Regime especial. Ministros de Estado. Os Ministros de Estado, por estarem regidos por normas especiais de responsabilidade (CF, art. 102, I, "c"; Lei n° 1.079/1950), não se submetem ao modelo de competência previsto no regime comum da Lei de Improbidade Administrativa (Lei n° 8.429/1992). II.4.Crimes de responsabilidade. Competência do Supremo Tribunal Federal. Compete exclusivamente ao Supremo Tribunal Federal processar e julgar os delitos político-administrativos, na hipótese do art. 102, I, "c", da Constituição. Somente o STF pode processar e julgar Ministro de Estado no caso de crime de responsabilidade e, assim, eventualmente, determinar a perda do cargo ou a suspensão de direitos políticos. II.5.Ação de improbidade administrativa. Ministro de Estado que teve decretada a suspensão de seus direitos políticos pelo prazo de 8 anos e a perda da função pública por sentença do Juízo da 14ª Vara da Justiça Federal - Seção Judiciária do Distrito Federal. Incompetência dos juízos de primeira instância para processar e julgar ação civil de improbidade administrativa ajuizada contra agente político que possui prerrogativa de foro perante o Supremo Tribunal Federal, por crime de responsabilidade, conforme o art. 102, I, "c", da Constituição. III. RECLAMAÇÃO JULGADA PROCEDENTE.
(Rcl 2.138/DF, Pleno, Rel. p/ acórdão Min. Gilmar Mendes, j. 13/06/2007, DJe 18/04/2008)[10].
A Suprema Corte entendeu ser de sua competência o julgamento da ação de Improbidade Administrativa de Ministro de Estado que posteriormente assumiu cargo de chefe de missão diplomática permanente no Brasil perante a Organização das Nações Unidas (ONU), com fundamento no artigo 102, I, c, da Constituição Federal de 1988.
Assim, com o posicionamento adotado no julgamento da reclamação 2.138/DF entendeu ser o competente para a apreciação da matéria por ter o Ministro de Estado foro por prerrogativa de função e não por ser julgado em primeiro grau de jurisdição por ter se submetido a regime especial de responsabilidade.
Acerca do assunto, o Ministro do Supremo Tribunal Federal, Teori Zavascki, fez o exame dos fundamentos sob a ótica das duas correntes doutrinárias da seguinte forma:
Na Reclamação 2.138, em que ficou afastada a competência do Juízo de primeiro grau para a ação de improbidade contra Ministro de Estado, vingou, por essa maioria, a tese de inviabilidade de duplo regime sancionatório dos agentes políticos. Entendeu-se que o sistema constitucional brasileiro distingue o regime de responsabilidade dos agentes políticos dos demais agentes públicos. A Constituição não admite a concorrência entre dois regimes de responsabilidade político-administrativa para os agentes políticos: o previsto no art. 37, § 4º (regulado pela Lei 8.429/1992), e o regime fixado no art. 102, I, c (disciplinado pela Lei 1.079/1950). Se a competência para processar e julgar a ação de improbidade (CF, art. 37, § 4º) pudesse abranger também atos praticados por agentes políticos, submetidos a regime de responsabilidade especial, ter-se-ia uma interpretação ab-rogante do disposto no art. 102, I, c, da Constituição, razão pela qual somente o STF pode processar e julgar Ministro de Estado no caso de crime de responsabilidade e, assim, eventualmente, determinar a perda do cargo ou a suspensão de direitos políticos[11].
O entendimento majoritário na ocasião foi no sentido de sobreposição da competência do Tribunal Superior em razão da especificidade do artigo 102, I, c, da Constituição Federal de 1988 à previsão do artigo 37, parágrafo 4º, regulamentado pela Lei 8.429/1992, por ser o regime geral de competência do primeiro grau de jurisdição.
Têm-se o posicionamento contrário – minoritário, mas de elevada relevância que tem o seguinte entendimento trazido por Zavascki:
A corrente contrária – minoritária, porém representativa – sustentou que a Constituição não impede – ao contrário, admite expressamente (no § 4º do art. 37) – a duplicidade de regime (civil e penal) para os ilícitos de improbidade. Além disso, considerando que nem todos os atos de improbidade previstos pela Lei 8.429/1992 estão simultaneamente tipificados como crimes de responsabilidade pela Lei 1.079/1950, o duplo regime somente se configuraria, se proibido fosse, em relação às tipificações coincidentes, não quanto às demais. Mesmo para essa corrente, todavia, a Lei 8.429/1992 deve ter aplicação mitigada em relação aos agentes políticos, para os quais não seria admissível a imposição da sanção de perda do cargo ou de suspensão dos direitos políticos, ao menos em juízo de primeiro grau. Relativamente a esses agentes, a referida Lei deveria, portanto, ser adotada, mas com ablação dessas sanções. São ilustrativos dessa polemica, além dos votos proferidos naquele precedente e em outros julgados do STF, os debates que constam da ADI 2.860-0, Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 19.12.2006[12].
É perceptível o posicionamento mais flexível da segunda corrente ao delinear e ao afirmar a competência do juízo de primeiro grau de jurisdição para a ação de Improbidade Administrativa, ressalvada a imposição da sanção de perda do cargo ou de suspensão dos direitos políticos.
Ainda sobre o assunto, o Ministro do Supremo Tribunal Federal, Teori Zavascki, sobre os agentes políticos e sua submissão ao regime constitucional de responsabilidade por ato de improbidade administrativa, defende a ideia de ser incontestável a não imunidade constitucional prevista no artigo 37, parágrafo 4 º, da Constituição Federal de 1988.
Segundo o entendimento do Ministro Teori Zavascki, trata-se de uma natureza processual:
[...]. O que há, inegavelmente, é uma situação de natureza estritamente processual, que nem por isso deixa de ser sumamente importante, relacionada com a competência para o processo e julgamento das ações de improbidade, já que elas podem conduzir agentes políticos da mais alta expressão a sanções de perda do cargo e à suspensão de direitos políticos. Essa é a real e mais delicada questão institucional que subjaz à polêmica sobre atos de improbidade praticados por agentes políticos[13].
Neste sentido afirma o Ministro não estar a discussão vinculada à aplicação ou não aplicação das sanções delineadas no bojo da Lei 8.429/1992, mas apenas a competência para a aplicação de tais premissas sancionadoras.
É importante mencionar o não conhecimento da competência de instância superior para o julgamento do processo de Improbidade Administrativa quando se tratar de ex-autoridade, pois, não mais tem cabimento a prerrogativa, uma vez que é destinada apenas a ocupantes de cargo público. Logo, a competência para o julgamento da ação é do juízo de primeira instância.
COMPETÊNCIA. Ação civil pública por improbidade administrativa. Ação cautelar preparatória. Propositura contra ex-deputado federal. Foro especial. Prerrogativa de função. Inaplicabilidade a ex-titulares de mandatos eletivos. Jurisprudência assentada. Ausência de razões novas. Decisão mantida. Agravo regimental improvido. Ex-deputado não tem direito a foro especial por prerrogativa de função, em ação civil pública por improbidade administrativa.
(STF – Pet: 3421 MA, Relator: Min. CEZAR PELUSO, Data de Julgamento: 25/06/2009, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJe 04/06/2010)[14].
Aspecto semelhante ocorre com o agente que deixa o cargo enquanto caminha o processo nos tribunais superiores, pois, uma vez não mais detentor da função pública, não mais persiste a competência dos tribunais superiores.
EMENTA: COMPETÊNCIA. Ratione muneris. Foro especial, ou prerrogativa de foro. Perda superveniente. Ação de Improbidade administrativa. Mandato eletivo. Ex-prefeito municipal. Cessação da investidura no curso do processo. Remessa dos autos ao juízo de primeiro grau. Ofensa à autoridade da decisão da Rcl nº 2.381. Não ocorrência. Fato ocorrido durante a gestão. Irrelevância. Reclamação julgada improcedente. Agravo improvido. Inconstitucionalidade dos §§ 1º e 2º do art. 84 do CPP, introduzidos pela Lei nº 10.628/2002. ADIs nº 2.797 e nº 2.860. Precedentes. A cessação do mandato eletivo, no curso do processo de ação de Improbidade administrativa, implica perda automática da chamada prerrogativa de foro e deslocamento da causa ao juízo de primeiro grau, ainda que o fato que deu causa à demanda haja ocorrido durante o exercício da função pública.
(Rcl 3021 AgR, Relator(a): Min. CEZAR PELUSO, Tribunal Pleno, julgado em 03/12/2008, DJe-025 DIVULG 05-02-2009 PUBLIC 06-02-2009 EMENT VOL-02347-01 PP-00116)[15].
Toda essa divergência doutrinária e jurisprudencial é decorrente da previsão constitucional de competência trazida no artigo 102, I, b, para o processamento de crimes comuns e de responsabilidade praticados por Presidente da República, vice-presidente, membros do Congresso Nacional, e demais autoridade enumeradas no dispositivo citado acima.
Os Governadores de Estado e também do Distrito Federal, possuem prerrogativas constitucionais quanto à competência para julgamento de crimes comuns e de responsabilidade, estendendo-se também, os agentes que oficiem perante os tribunais, consoante o comando constitucional, no artigo 105, I, a, CF/88.
Os prefeitos também gozam de prerrogativa por força do disposto no artigo 29, x, da Constituição Federal de 1988.
Desta maneira, segundo Teori Zavascki, persiste a competência dos tribunais superiores para processar e julgar a ação de Improbidade Administrativa, com base em boa parte da doutrina brasileira e nos entendimentos jurisprudenciais do Supremo Tribunal Federal[16].