A ilegalidade da custódia hospitalar de presos civis realizadas pelos policiais militares da Paraíba

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27/05/2019 às 17:43
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3. DA ILEGALIDADE DE EMPREGAR POLICIAIS MILITARES EM CUSTÓDIA DE PRESOS CIVIS.

Diante do que já foi exposto sobre como é a Polícia Militar, seu tipo de serviço principal como a polícia ostensiva, sua alocação como órgão da Administração Pública direta, e observando que este órgão deve obediência as normas Constitucionais e Administrativas e exposto, também, que atualmente este órgão vem empregando seus servidores, policiais militares, em serviço de custódia de presos civis diuturnamente sempre que há um preso em um hospital seja necessitando de atendimento ambulatorial rápido ou de um internamento hospitalar prolongado há de observa que é patente um emprego ilegal da função policial militar neste tipo de serviço.

Reveste-se de ilegalidade porque, primeiramente, nossa Constituição declara que cabe a Polícia Militar o serviço de Polícia Ostensiva e preservação da ordem Pública no artigo 144, §515. Ainda na Constituição em seu artigo 5º, II diz que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei16, ou seja, não há uma lei, seja nacional ou estadual, que determine como função policial militar o serviço de custódia. No artigo 37 também da Constituição diz que: “A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte...” . Decorre daí que se não há uma lei específica autorizando o uso dos policiais militares no citado serviço é uma afronta direta ao princípio constitucional da Legalidade e isso além de poder gerar a nulidade do ato poderá até responsabilizar seus executores, é o que corrobora Diógenes Gasparine:

O princípio da legalidade significa estar a Administração Pública, em toda a sua atividade, presa aos mandamentos da lei, deles não se podendo afastar, sob pena de invalidade do ato e responsabilidade de seu autor. Qualquer ação estatal sem o correspondente calço legal, ou que exceda ao âmbito demarcado pela lei, é injurídica e expõe-se à anulação.

Sabe-se, ainda, que a Administração Pública contrapõe-se ao particular no sentido de que “[...] a este é facultado fazer tudo que a lei permite e tudo que a lei não proíbe já a àquela só pode fazer o que a lei autoriza e, ainda assim, quando e como autoriza”. (GASPARINE, 2003, p.8).

Além das limitações Constitucionais do serviço de Polícia, há ainda as atividades que compõe a função da Polícia militar tanto na Constituição Estadual da Paraíba como na Lei Complementar número 87 de 02 de dezembro de 2008 no qual dispõe sobre a organização Estrutural e Funcional da Polícia Militar do Estado da Paraíba. (PARAIBA, 1989).

Na Constituição do Estado da Paraíba há uma delimitação da função da Polícia Militar da Paraíba como em seu artigo 48:

A Polícia Milita do Estado da Paraíba e o Corpo de Bombeiros Militar do Estado da Paraíba, forças auxiliares e reservas do Exército, são instituições permanentes e organizadas com base na hierarquia e disciplina.   § Cabe à Polícia Militar do Estado da Paraíba, comandada por oficial do último posto da ativa da Corporação, nomeado para exercer, em comissão, o cargo de Comandante Geral da Polícia Militar, executar, em harmonia e cooperação com outros órgãos: I – a polícia ostensiva em todas as suas formas; II – as ações de preservação da ordem pública;  III – as atividades de defesa civil;  IV –a segurança pessoal do Governador e do Vice-Governador, bem como de seus familiares e dos locais de trabalho e de residência por eles utilizados;  V – assessoria militar às Presidências dos Poderes Legislativo e Judiciário, do Tribunal de Contas do Estado e do Ministério Público Estadual, bem como à Prefeitura Municipal da Capital do Estado. (PARAIBA, 1989).

Na Lei Complementar número 87 de 02 de dezembro de 2008, que é a lei que dispõe sobre a organização Estrutural e Funcional da Polícia Militar da do Estado da Paraíba também há o rol de atividades em que a Polícia Militar pode atuar, as várias facetas em que se desdobra o policiamento ostensivo e a preservação da ordem pública. (PARAÍBA, 1989)

Em seu capítulo III, da competência, há diversas atividades pertencentes ao policiamento ostensivo no qual a polícia militar desempenha seu serviço como nas modalidades a pé, em cavalos, com uso de motocicletas, quadriciclos, bicicletas, com uso de barcos, helicópteros ou carros, contudo nenhuma traz a menção da custódia de presos civis, do que depreende-se que não há previsão legal na presente Lei Complementar realizada pela PM. (PARAÍBA, 1989)

Outra ilegalidade do qual decorre o ato de conduzir e custodiar o preso temporário pelos policiais militares é que descumpre a lei processual penal que nos artigos 304 e 308 exortam a apresentação imediata à autoridade policial e na falta desta à mais próxima conforme in verbis:

Artigo 304: Apresentado o preso à autoridade competente, ouvirá esta o condutor e colherá, desde logo, sua assinatura, entregando a este cópia do termo e recibo de entrega do preso, [...] Artigo 308: Não havendo autoridade no lugar em que se tiver efetuado, o preso será logo apresentado à do lugar mais próximo. (BRASIL,1948)

Após o atendimento à norma processual, de apresentação imediata à autoridade policial, esta sim caberá tomar providências de encaminhar o preso provisório à custódia hospitalar junto a SEAP (Secretaria de Estado e Administração Penitenciária). (BRASIL,1948).

Conforme se percebe, as normas aplicadas direta e indiretamente à atividade policial militar não preceituam a custódia policial de presos civis o que daí somente pode concluir logicamente que esta prática constitui ato ilegal.

3.1 DO DESVIO DE FUNÇÃO

O desvio de função pública se caracteriza quando o servidor público de carreira é empregado em função diversa da qual fora investido através de concurso público para provimento de cargo ou função pública.

É isso que acontece com os policiais militares quando são empregados no serviço de custódia hospitalar de presos civis, ou seja, o desvio de função, outra ilegalidade que ocorre na prática da atividade de custódia já mencionada. O que acontece é que a Administração Pública, com seu poder, obriga o servidor público a trabalhar em funções diversas da sua atribuição legalmente constituída e do qual foi investido pelo concurso do qual fora aprovado, porque às vezes falta a administração pública servidores suficientes e especializados para determinadas funções fazendo com que sejam retirados servidores de outras categorias para suprir a falta dos servidores próprios, agindo, a Administração Pública, como pessoa de má-fé uma vez que se acomoda nessa situação que lhe é mais favorável em detrimento do servidor que muitas vezes é prejudicado e é a parte mais fraca numa relação com o Poder Público.

Vale salientar que nossos Tribunais Superiores já se posicionaram a cerca do desvio de função no qual ensejou a Súmula 378 do STJ que diz: “Reconhecido o desvio de função, o servidor faz jus às diferenças salariais decorrentes”. Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima – 22/4/2009.

Diante desses fatos, há também, de ressaltar que já existe decisão corroborando o fato de que quando um policial militar faz a custódia hospitalar de presos civis está fazendo o serviço de agente penitenciário conforme se vê no julgado do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro:

TJ-RJ - APELACAO / REEXAME NECESSARIO REEX 00002353520108190026 RJ 0000235-35.2010.8.19.0026 (TJ-RJ)

Data de publicação: 19/03/2014

Ementa: APELAÇÃO. POLICIAL MILITAR ESTADUAL. DESVIO DE FUNÇÃOCOMPROVADO. FUNÇÃO TÍPICA DE AGENTE PENITENCIÁRIO. DIREITO AO RECEBIMENTO DE DIFERENÇAS REMUNERATÓRIAS. INCORPORAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. DESPROVIMENTO DO RECURSO. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA EM REEXAME NECESSÁRIO. 1. Agravo retido desprovido, por não se configurar a alegada continência, já que as ações possuem causas de pedir distintas, uma vez que nestes autos o autor requer o reconhecimento do desvio de função de Policial Militar para Agente Penitenciário e naqueles autos o autor requer o recebimento da gratificação de que trata as Leis nº 1.659 /90 e 3.694 /2001 e sua incorporação. 2. As atividades inerentes à carreira dos policiais militares não incluem as tarefas de guarda, custódia e vigilância dos recolhidos em estabelecimentos prisionais, de modo que o seu exercício por estes profissionais revela nítido desvio de função. 3. O Supremo Tribunal Federal firmou entendimento no sentido de que o servidor público, que atue em desvio de função, não possui direito ao reenquadramento, mas tem direito a perceber a diferença de remuneração referente ao cargo que ocupa, enquanto exercente de tal cargo, bem como no sentido de que não há direito adquirido à incorporação de vencimentos de cargo exercido de forma irregular. 4. Matéria pacificada pelo Superior Tribunal de Justiça, por meio da Súmula 378. 5. Constatado que o autor prestou serviços em cargo diverso do que lhe permitiu o ingresso no serviço público, faz jus às diferenças vencimentais daí decorrentes, sob pena de enriquecimento sem causa por parte da administração pública. 6. Aplicação do disposto no art. 1º-F da Lei nº 9.494 /97, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 11.960 /2009, impondo juros de mora a contar da citação e atualização monetária da verba desde quando deveria ter sido paga até o advento da Lei 11.960 /09, quando será reajustada uma única vez. 7. Isenção do ente público estatal ao pagamento das custas judiciais e taxa judiciária, não...

Encontrado em: DÉCIMA SÉTIMA CAMARA CIVEL 19/03/2014 12:38 - 19/3/2014 Autor: Estado do Rio de Janeiro. Reu: Cledison Ribeiro de Oliveira APELACAO / REEXAME NECESSARIO REEX 00002353520108190026 RJ 0000235-35.2010.8.19.0026 (TJ-RJ) DES. ELTON MARTINEZ CARVALHO LEME.

Confirma, também, nas folhas de número 148 da íntegra do acórdão da supracitada ementa:

Note-se que incumbe à Polícia Militar o policiamento ostensivo e a segurança pública, nos termos do art. 144, caput e § 5º, da Constituição Federal. As atividades inerentes à carreira dos policiais militares não incluem as tarefas de guarda, custódia e vigilância dos recolhidos em estabelecimentos prisionais, de modo que o seu exercício por estes profissionais revela nítido desvio de função. (grifo nosso)

3.2 A VISÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO

O Ministério Público, conforme preceitua a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 127 conceitua que: “[...] é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”.  (BRASIL, 1988)

O órgão ministerial que é o responsável pela fiscalização da Lei, já questionado sobre tal matéria, acerca do serviço de custódia realizado pelos policiais militares e a diminuição desses agentes nas ruas para sua função de policiamento ostensivo, se pronunciou com uma recomendação, já que o parquet não tem poder coercitivo para impor sua vontade, ao Comandante da Polícia Militar da Paraíba no intuito de deixar de empregar os policiais militares nesse serviço de custódia conforme descreve o trecho de reportagem da G1, 2015:

Em agosto de 2015, O Ministério Público da Paraíba expediu uma recomendação ao Comando da Polícia Militar para que os policiais militares não mais fizessem a custódia de presos civis em hospitais, clínicas, laboratórios, residências ou outros locais não sujeitos à administração militar. A recomendação foi feita por meio do Núcleo de Controle Externo da Atividade Policial (Ncap). Com a recomendação, a autorização de custódia de presos por policiais militares em hospitais públicos só poderia ser feita quando se tratasse de presos militares. O Ncap recomendou ainda ao secretário de Administração Penitenciária que gerenciasse agentes penitenciários para realização de custódias de presos em clínicas, hospitais ou similares, de acordo com o que dispõe o Ministério da Justiça quanto às atribuições dos órgãos de segurança pública. Na época, a coordenadora do Ncap, promotora Ana Maria França, disse que a recomendação foi resultado de inquéritos civis públicos instaurados a partir de denúncias dando conta das condições insalubres a que se sujeitavam policiais militares retirados do serviço de policiamento ostensivo para exercício de custódia de presos em hospitais. (G1, 2015).

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Apesar de o Ministério Público ter emanado essa recomendação, por ter visto essa problemática da custódia sendo realizada pelos policiais militares e a falta que estes fazem no patrulhamento nas ruas, o Comandante da Polícia Militar da Paraíba não acatou a recomendação e continua ainda a proceder de forma errônea e ilegal esse serviço.

Nota-se, destarte, que se o próprio órgão responsável pela fiscalização da lei já demonstrou total incompatibilidade do serviço que os policiais prestam hoje nas custódias hospitalares é porque realmente fica comprovado total desvio de função e emprego ilegal dos profissionais em serviço estranho ao seu labor delineado pela norma constitucional além das outras alhures informada infraconstitucional.

3.3 QUEM É O RESPONSÁVEL PELA CUSTÓDIA HOSPITALAR DE PRESOS CIVIS?

É fato notório, pela sociedade brasileira e paraibana que quando se trata de presídio, guarda de presos (ou custódia) e escolta de presos sempre nos vem à baila o agente penitenciário. Aqui na Paraíba a pasta responsável para tratar sobre penitenciária é a SEAP (Secretaria de Estado e Administração Penitenciária) e na parte executiva estão os agentes penitenciários que estão nos quadros desta secretaria. As atribuições dos agentes penitenciários da Paraíba ainda não estão normatizados, ou seja, ainda não há uma lei orgânica que delimite suas funções conforme extrato de reportagem:

A categoria reivindica um Plano de Cargos, Carreira e Remuneração (PCCR). Não temos nenhuma norma que disciplina as atribuições do agente penitenciário. Não temos nada que diga os deveres, prerrogativas e muito menos os direitos. Os agentes penitenciários hoje não têm direito a mudança de cargo e promoções. O PCCR regulamentaria isso”, justificou o presidente do Sindseap. (grifo nosso).

O que há hoje, para nortear a função do agente penitenciário é o edital do concurso Nº. 01/2008/SEAD/SECAP; para provimento do cargo que em seus ditames na parte: “Das atribuições” afirma que:

Das atribuições do cargo 2.1.1 O Agente de Segurança Penitenciária desempenhará atividades de Guarda, Vigilância e Movimentação de presos, a fim de assegurar a disciplina e a ordem nas dependências da Unidade Prisional, bem como, controle verificação e fiscalização na portaria dos presídios da entrada de pessoas, veículos e volumes.

O termo guarda também pode ser traduzido como custódia, conforme dito alhures, e além de descrito no edital do concurso, já é notório também pela prática que vem sendo realizada no tocante a custódia de presos por agentes penitenciários nos hospitais do Estado sempre que um apenado do presídio que já encontra-se cumprindo pena por sentença penal transitada em julgado necessita de cuidados médicos e internação, ou seja nesses casos é designado dois agentes penitenciários para custodiar o preso no hospital até que ele receba alta média e possa regressar ao presídio. Esta é a prática desses agentes penitenciários. A diferença entre a custódia realizada por agentes penitenciários e por policiais militares está no fato de os primeiros só custodiam os presos que já estão cumprindo pena em presídio por já ter tido sentença penal transitada em julgado enquanto os segundos custodiam presos que ainda não foram apresentados à autoridade policial.

Também há, no que tange à custódia, a portaria nº 077/GS/18 de 28 de fevereiro de 2018 em que já no cabeçalho designa o serviço aos agentes:

Dispõe sobre a criação do Grupo Especial de Custódia Hospitalar no âmbito da Gerência Executiva do Sistema Penitenciário da Secretaria de Estado de Administração Penitenciária da Paraíba.

A presente portaria veio justamente suprir, temporariamente, a falta de norma detalhada e organizada no tocante a destinação dos agentes penitenciários como detentores exclusivos da função de custodiar presos conforme preceitua o cabeçalho do decreto acima e seus artigos e parágrafos conforme in verbis:

Art. 1. Instituir o Grupo Especial de Custódia Hospitalar (GECH) do Sistema Penitenciário do Estado da Paraíba, na estrutura da gerência.

§ 1º O Grupo Especial de Custódia Hospitalar é o grupamento especializado de suporte ao trabalho das unidades prisionais para a custódia dos reclusos que se encontrem em situação de internação hospitalar; Art. 2.O Grupo Especial de Custódia Hospitalar será composto por agentes de segurança penitenciária do quadro efetivo da Secretaria de Estado da Administração Penitenciária do Estado da Paraíba, sendo sua coordenação geral diretamente subordinada à Gerência Executiva do Sistema Penitenciário – GESIPE. Art. 3. Compete ao Grupo Especial de Custódia Hospitalar:

I – Realizar as custódias hospitalares de responsabilidade do Sistema Penitenciário, mantendo total observância às normas de segurança e respeitando a dignidade da pessoa humana.

Conclui-se então que é dessa categoria de servidores que está a inteira responsabilidade das custódias hospitalares de presos civis, ou seja dos agentes penitenciários da Paraíba, que estão lotados na SEAP.

Aliado ao edital do concurso para agentes penitenciários, a supracitada portaria, e ainda à recomendação do Ministério Público do Estado da Paraíba, não tem como negar que a função de custódia de presos civis nos hospitais pertence aos agentes penitenciários.

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