IV - AS EVIDÊNCIAS DA CGU NA APRECIAÇÃO DAS CONTAS DE 2017 DA FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE BRASÍLIA
Um caso emblemático é a flexibilização indiscriminada de jornada de trabalho em favor dos servidores técnico-administrativos da Fundação Universidade de Brasília – FUB, com fulcro no art. 3º do Decreto nº 1.590/95, detalhado pela CGU no Relatório de Avaliação da Gestão, exercício de 2017[2].
Fiz recortes de afirmações consignadas no mencionado Relatório, em que os auditores pontuam aspectos inerentes à “flexibilização”, em cotejamento com as decisões tomadas pela cúpula da Universidade.
a) Decompõe consequências da jornada “flexível”, como aumento indireto na remuneração do servidor pela redução da carga horária diária, alertando para o cumprimento disfuncional das atribuições institucionais da entidade pública, pelo incremento de mão de obra em período de escassez de concursos públicos:
Uma diminuição sistemática da carga horária equivale a um aumento sistemático de salário, na medida em que há um aumento significativo da razão salário/horas trabalhadas. Com efeito, ocorre prejuízo ao erário público, quer pela necessidade de despender mais recursos humanos para realizar o trabalho necessário, quer pela simples diminuição dos serviços prestados.
b) Descreve trabalho pretérito – decorridos cinco anos entre a Prestação de Contas de 2012 e a de 2017 -, com constatação assemelhada às formas de instrução e de autorização da jornada “flexível” na FUB:
Não menos importante, faz-se imperioso relatar que o diagnóstico do mau uso da flexibilização da jornada de trabalho na FUB já ocorrera em Auditoria realizada por esta CGU e consubstanciada no relatório nº 2013056797 (Auditoria Anual de Contas de 2012). Em decorrência do referido trabalho, os atos autorizativos foram suspensos, à época, e uma Comissão foi instaurada para revê-los de forma mais criteriosa.
c) Sinaliza a responsabilização dos dirigentes que anuem com pedidos de “flexibilização” fora do padrão normativo:
De qualquer forma, não resta dúvida de que a atual administração, que tem autorizado sistematicamente a todas as solicitações, a despeito da atitude mais criteriosa observada na administração anterior, pode ser responsabilizada por essa generalização indiscriminada da flexibilização da jornada de trabalho para 30 horas semanais, a despeito dos ditames do Decreto 1.590/1995 e do prejuízo, quer seja na forma de 25% a menos de volume de trabalho, quer seja na necessidade de dispêndio do erário público para suprir as necessidades laborais dos diversos setores.
d) Reitera o prejuízo ao Erário, vislumbrando ulterior alegação de novas contratações de pessoal para suprimento do quadro efetivo,
Trata-se, portanto, de um conjunto de circunstâncias que, possivelmente, vem trazendo prejuízo ao erário, quer pela necessidade que impõe de contratação de mais servidores para realizar o trabalho necessário, quer pela diminuição do trabalho realizado em cerca de um quarto da acordada jornada de 40 horas semanais.
Na Tabela 4 do Relatório fica patente a universalização da jornada “flexível” na FUB: entre os anos de 2017 e 2018 foram 1.809 concessões individuais, de um total de 1.832 servidores lotados nos setores com pedidos dessa natureza, ou 98,7% do total.
Transcrevo excerto contendo sucessivos expedientes, de caráter orientativo, remetidos aos dirigentes das Instituições Federais de Ensino - IFE, que pelos apontamentos do órgão de controle interno sequer foram considerados no momento de aprovação dos pedidos no âmbito da FUB no biênio 2017-2018:
Ofício Circular nº 05/2012-DIFES/SESu/MEC, de 09/07/2012, o qual informa que “essa flexibilização, entretanto, deve se dar no interesse da Administração Pública e deve ser aplicada apenas em casos bem específicos. É necessário atentar para a ilegalidade de eventual estabelecimento de jornada prevista no art. 3º, do Decreto n.º 1.590/1995 como regra geral, indistintamente a todos os servidores de um órgão e sem atenção aos requisitos exigidos. A regra é a jornada de trabalho de 40 horas semanais. A flexibilização é exceção”.
Ofício Circular n.º 18/2015-GAB/SESu/MEC, de 29/07/2015, esclarecendo que a Advocacia Geral da União e a CGU se manifestaram por meio do Parecer nº 08/2011/MCA/CGU/AGU, de 20/10/2011, pela impossibilidade de aplicação indistinta do Art. 3º, do Decreto nº 1.590/1995 a todos os servidores sem análise do preenchimento dos requisitos exigidos.
Ofício Circular nº 1048/2016/SFC-CGU, de 18/10/2016, no qual o então Secretário Federal de Controle Interno da CGU informa que tem sido observada nos trabalhos de auditoria da CGU a ausência de estudo interno que evidencie a necessidade de adoção da exceção (jornada diferenciada); a falta de regulação interna que demonstre a coerência entre as características do público atendido pelos servidores enquadrados nos turnos ininterruptos; e a concessão desarrazoada do regime de trinta horas a servidores de um mesmo setor, mesmo que não exerçam a atividade de atendimento ao público ou trabalho noturno. Solicita também a imediata adoção de medidas necessárias à regularização das impropriedades e cumprimento do arcabouço normativo que rege o tema.
Filio-me à corrente, pelo conteúdo da constatação da CGU, que trata de expresso abuso do direito mesclado com adoção de método interpretativo que sombreia o real propósito do art. 3º do Decreto nº 1.590/95.
Ademais, os 1.809 servidores com jornada reduzida em 25% e salário aumentado em 33% comprovam a desnecessidade de novos concursos, uma vez que a IFE abdicou de 3.618 horas/dia, representando quantitativo equivalente a 603 servidores com jornada diária de 6 horas, ou 452 servidores com jornada diária de 8 horas. E se esses 1.809 servidores tivessem redução proporcional à jornada autorizada – como assim é legalmente outorgado às demais categorias do funcionalismo federal -, a economia anual estimada seria de pouco mais de R$ 60 milhões.
Mesmo diante da flagrante desnecessidade do provimento de vagas, porquanto 2 servidores com 40 horas semanais podem ser substituídos por 3 servidores com 30 horas semanais pela regra do art. 3º do Decreto nº 1.590/95, a FUB lançou recentemente os Editais de Concurso Público nºs 1, de 31 de agosto de 2016 e de 16 de outubro de 2018[3], nomeando 301 servidores técnico-administrativos, ao custo médio anual de pouco mais de R$ 29 milhões[4].
V - APLICAÇÃO DO DECRETO EM INSTITUIÇÕES FEDERAIS DE ENSINO – JULGADOS DO TCU
No exercício do controle externo dos atos dos Poderes da União, o Tribunal de Contas da União – TCU também identificou falhas na execução do art. 3 do Decreto nº 1.590/95, como foi no julgamento das contas do exercício de 2017 do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte – IFRN, com as seguintes ressalvas – itens 1.7.1 e 1.7.2 do Acórdão nº 2.719/2019 – 1ª Câmara[5]:
1.7.1. inconsistências na jornada flexibilizada concedida aos servidores do quadro técnico-administrativo, a saber, portarias de autorização inválidas; horários constantes em quadros afixados divergentes dos horários constantes em portaria de autorização; ausência de quadro afixado com o horário dos servidores;
1.7.2. execução irregular de atividades na jornada flexibilizada concedida aos servidores do quadro técnico-administrativo com apenas seis horas de serviço por dia, e não doze horas ininterruptas, por não haver outros servidores para revezamento da escala e/ou revezamento irregular com o chefe do setor;
E recentemente foi mais incisivo: no Acórdão nº 2.612/2019 – 2ª Câmara[6], com o julgamento das contas do exercício de 2016 da Universidade Federal de Santa Maria – UFSM, a Colenda Corte de Contas dá ciência à entidade “sobre as concessões indevidas de jornada de trabalho de 30 horas para servidores Técnico-Administrativos em Educação, identificadas em uma amostra de seis processos, o que afronta o disposto no art. 3º do Decreto 1.590/1995 e na IN MPDG/SEGEP 2/2018”, assim como encaminha “cópia desta deliberação e das instruções às peças 18 e 19 à Secretaria de Controle Externo da Educação, da Cultura e do Desporto (SecexEducação) e à Secretaria de Fiscalização de Pessoal (Sefip) , para que, no âmbito de suas atribuições, avaliem a pertinência de realizar ação de controle de amplitude nacional acerca da jornada reduzida de trabalho (art. 3º do Decreto 1.590/1995 e art. 17 da IN MPDG/SEGEP 2/2018) de servidores de instituições de ensino federais.”
Cito outros precedentes do TCU apontando restrições na jornada “flexível”, que afiançam minha opinião sobre a necessidade de reavaliação do art. 3º do Decreto nº 1.590/95 sob os aspectos da eficiência e efetividade na nova estrutura de funcionamento de repartições públicas federais:
Acórdãos |
Entidades |
Objetos |
3.252/2018-2ª Câmara[7] |
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Norte de Minas Gerais – IFNMG |
Prestação de Contas de 2016 |
9.005/2018-1ª Câmara[8] |
Universidade Federal de Juiz de Fora – UFJF |
Prestação de Contas de 2014 |
9.057/2018-2ª Câmara[9] |
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Sudeste de Minas Gerais – IFSudesteMG |
Prestação de Contas de 2016 |
11.856/2018-2ª Câmara[10] |
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Amazonas – IFAM |
Prestação de Contas de 2016 |
Assim sendo, os órgãos de controles interno e externo já identificaram irregularidades localizadas na implantação da jornada “flexível” prevista no art. 3º do Decreto nº 1.590/95, gerando sinal de alerta para reavaliação da norma quanto ao atendimento dos princípios da legalidade, legitimidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, segurança jurídica, interesse público e eficiência.