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A prova proibida no processo penal:

as conseqüências de sua utilização

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18/10/2005 às 00:00
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CAPÍTULO 2 – DA PROVA NO PROCESSO PENAL

            Conceito, finalidade e objeto da prova

            O Processo Penal visa, em síntese, a declaração da existência ou inexistência da responsabilidade criminal do réu e a conseqüente imposição de sanção, acaso se convença o magistrado da responsabilidade penal daquele indivíduo que se vê processado. Para tanto, deve o juiz convencer-se acerca da veracidade ou falsidade das afirmações feitas pelas partes (autor e réu) ao longo do processo, o que é feito por meio da prova.

            O conceito de prova, portanto, envolve aspectos variados, não sendo unívoco. No campo jurídico, pode-se conceituar a prova como sendo o instrumento de que se valem as partes para demonstrar ao juiz elementos que o convençam acerca dos fatos controvertidos da causa.

            Assim, a prova consiste, em síntese, na demonstração da existência ou veracidade daquilo que se alega em juízo [23]. Neste contexto, Júlio Fabrini Mirabete [24] leciona que:

            (...) ‘provar’ é produzir em estado de certeza, na consciência e na mente do juiz, para sua convicção, a respeito da existência ou inexistência de um fato, ou da verdade ou falsidade de uma imputação sobre uma situação de fato, que se considera de interesse para uma decisão judicial ou a solução de um processo.

            Tanto assim é que o fim prático e finalidade primeira da prova é o convencimento do magistrado, já que este terá que solucionar a lide com base nos elementos trazidos aos autos pelas partes litigantes.

            Desse modo, o objeto da prova é tudo aquilo que deverá ser demonstrado ao juiz, pelas partes, a fim de que adquira aquele o conhecimento necessário para solução da questão sob apreciação. É de se ressalvar que somente serão objeto de prova os fatos relevantes sobre os quais versa a lide, devendo fazer, a parte, prova dos fatos incontroversos, com bem ensina Paulo Rangel [25]:

            No processo penal os fatos, controvertidos ou não, necessitam ser provados, face os princípios da verdade real e do devido processo legal, pois, mesmo que o réu confesse todos os fatos narrados na denúncia, sua confissão não tem valor absoluto, devendo ser confrontada com os demais elementos de prova dos autos.

            Ficam, porém, excluídos da atividade probatória os fatos axiomáticos ou intuitivos (fatos que por si mesmos são evidentes), os fatos notórios (por todos conhecidos) e os fatos presumidos (pelo fato de a lei presumi-los verdadeiros, não necessitam de prova). [26]

            2.Meios de Prova

            Se as partes trarão ao magistrado os elementos que possibilitarão a este formar sua convicção acerca dos fatos alegados, terão elas que lançar mão dos chamados meios de prova.

            Os meios de prova, por sua vez, hão de ser entendidos como todos aqueles meios utilizados pelo juiz para o conhecimento acerca da verdade dos fatos, estejam ou não previstos em lei. Isso porque o art. 332 do Código de Processo Civil assevera que todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, são hábeis a provar a verdade dos fatos da causa.

            Os doutrinadores brasileiros, em sua quase totalidade, entendem que, ante o fato de viger, no Processo Penal, o princípio da verdade real, razão não há a permitir que se limitem os meios de prova utilizáveis, podendo todos, inclusive os inominados, ser usados com ampla liberdade. Mas, como já aduzido anteriormente, sabido é que o Processo Penal busca não a verdade, mas a certeza, de modo que a imputação penal recaia sobre o indivíduo que tenha cometido o ato ilícito, de vez que a verdade se faz impossível de ser percebida pelo julgador.

            Referido princípio da liberdade probatória, a que se refere a doutrina, não é, porém, absoluto, uma vez que quando a lei exigir que a prova se faça deste ou daquele modo, é assim que a prova terá que ser feita, tal é o exemplo constante do artigo 155 do Código de Processo Penal, ao dispor que a prova quanto ao estado das pessoas será efetuada conforme estabelece a lei civil.

            Configuram-se exemplos de meios de prova, a saber: o depoimento do ofendido, o depoimento da testemunha, a confissão, a inspeção judicial, o indício.

3.Princípios que regem a instrução probatória

            Mirabete leciona [27] que a instrução probatória encontra-se regida por princípios que lhe são peculiares, a saber: auto-responsabilidade das partes, audiência contraditória, aquisição ou comunhão da prova, oralidade, concentração, publicidade e, afinal, princípio do livre convencimento motivado.

            Pelo princípio da auto-responsabilidade das partes infere-se que estas assumirão as conseqüências de sua inatividade, erro ou negligência. Tanto é assim que se, por exemplo, deixar o autor de fazer prova da materialidade do fato ou de sua autoria, o juiz não terá outra perspectiva a não ser proferir sentença absolvendo o réu.

            O princípio da audiência contraditória, ou simplesmente princípio do contraditório, reza que toda prova admite contraprova, fazendo-se necessária, após a produção de determinada prova, a oitiva da parte adversa.

            Já o princípio da aquisição ou comunhão da prova estabelece que a prova produzida por uma das partes passará a pertencer ao processo e, assim, a todos os sujeitos processuais, como adverte Paulo Rangel [28]:

            O princípio da comunhão da prova é um consectário lógico dos princípios da verdade real e da igualdade das partes na relação jurídico processual, pois as partes, a fim de estabelecer a verdade histórica nos autos do processo, não abrem mão do meio de prova levado para os autos.

            O princípio da oralidade, segundo o qual deve haver predominância da palavra falada em detrimento da escrita, traz como conseqüência o princípio da concentração, já que se busca concentrar toda produção probatória em audiência, sendo certo que vige também o princípio da publicidade, na medida em que públicos devem ser todos os atos processuais, à exceção das causas que tramitam em segredo de justiça.

            Pelo princípio do livre convencimento motivado, tem-se que o magistrado julgará apreciando livremente as provas produzidas pelo autor e pelo réu, conforme estatui o art. 157 do Código de Processo Penal brasileiro, que traduz o sistema de avaliação da prova intitulado persuasão racional, como adiante se verá.

4. Sistemas de avaliação das provas

            Por sistemas de avaliação das provas há de se entender o critério utilizado pelo magistrado para valorar as provas constantes dos autos, com vistas ao alcance da certeza e da busca do conhecimento dos fatos, dando-se, assim, a um juiz com jurisdição, que, entretanto, não sabe, mas precisa saber, o Poder de dizer o direito no caso concreto, com o escopo pacificador.

            Três são os principais sistemas de avaliação de provas instituídos hodiernamente pelas legislações em todo mundo: o da certeza moral do juiz ou sistema da íntima convicção, o da certeza moral do legislador ou sistema da prova legal e o da persuasão racional ou livre convencimento motivado.

            Pelo sistema da certeza moral do juiz ou íntima convicção, fica a cargo do magistrado decidir sobre o valor das provas produzidas, sua admissibilidade e seu carreamento aos autos. Este sistema estabelece que o juiz encontra-se livre para avaliar as provas, tornando-se, por isso mesmo, desnecessária a motivação de sua decisão. No ordenamento jurídico pátrio encontra-se resquício deste modo de apreciação da prova nos julgamentos efetuados perante o Tribunal do Júri, eis que os jurados (que integram o conselho de sentença) julgam por íntima convicção, sem que seja necessária fundamentação, além do sim ou do não dados como resposta aos quesitos formulados.

            Já, quanto ao sistema da prova legal ou íntima convicção do legislador, é a própria lei que impõe ao julgador o valor a ser conferido a cada prova e institui hierarquia entre elas, não dando, assim, margem de escolha ao juiz. Exemplo deste sistema de avaliação de prova imperava durante a idade média, em que se atribuía mais valor ao depoimento de um padre que ao de um homem sem vivência religiosa, mais valor era dado ao depoimento de um homem em detrimento do testemunho de uma mulher etc.

            O sistema, porém, hoje predominante e adotado pelo Código de Processo Penal, no artigo 157, é o sistema do livre convencimento motivado, também nominado sistema da persuasão racional. Aludido sistema estabelece que é permitido ao magistrado valorar livremente as provas produzidas pelas partes, sendo certo que todas as provas são relativas, até mesmo a confissão, não tendo, por isso mesmo, nenhuma delas valor decisivo ou maior prestígio sobre as demais.

            Sobre o tema ora em apreço, salienta Mirabete [29] que "fica claro, porém, que o juiz está adstrito às provas carreadas aos autos, não podendo fundamentar qualquer decisão em elementos estranhos a eles: o que não está nos autos não está no mundo (...)".

            Assim, o magistrado ficará restituído à sua própria consciência, eis que formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida, apenas devendo fundamentar sua decisão, exigência, inclusive, estatuída pela Constituição da República vigente, como reza o artigo 93, inciso IX.

            5.O direito à prova e seus limites

            Diz-se que o procedimento probatório configura o conjunto de atos praticados pelas partes com vistas à formação do convencimento do magistrado, tendendo, assim, a estabelecer a certeza dos fatos da lide [30]. Este procedimento divide-se em quatro distintas fases, a saber: proposição das provas; admissão das provas; produção das provas e valoração das provas.

            A proposição das provas é a indicação de provas, pelas partes, no instante da postulação em juízo. A admissão da prova ocorre quando o magistrado manifesta-se sobre a admissibilidade do meio de prova, para o que verifica se a prova proposta pela parte é legal ou, ainda que atípica, se é ela moralmente legítima, do contrário será inadmissível no processo, como a seguir será estudado. Por sua vez, a produção se dá quando as partes submetem as provas indicadas ao crivo do contraditório, de modo que se dá a valoração do material probatório pelas próprias partes litigantes. Já a valoração da prova encerra o momento final do procedimento probatório, de vez que o juiz valorará as provas na sentença, apreciando-as e motivando sua decisão.

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            A doutrina faz a importante observação, no que se refere ao problema da admissibilidade ou não da prova ilegal, seja prova ilícita ou ilegítima, no Processo Penal, como se evidencia a seguir, em comentário de Paulo Rangel:

            (...) se houver admissibilidade de prova ilegal (ilícita ou ilegítima) a sentença não poderá valorá-la. Se o fizer, será nula de pleno direito. Pois, flagrante será o ERROR IN PROCEDENDO. Porém, se a valoração for de direito e se calcar em provas legais e moralmente legítimas e houver erro, será de julgamento (ERROR IN JUDICANDO), admitindo a reforma ou modificação da decisão. [31]

            Deste modo, tem-se que a liberdade da prova, esta entendida como o direito que têm as partes de provar, por qualquer meio idôneo e legítimo, os fatos que alegam, não é irrestrita, já que encontra limitações impostas pela Constituição e por leis infraconstitucionais. Destarte, embora o direito à prova seja assegurado constitucionalmente, observa-se que não é este direito absoluto.

            Paulo Rangel assevera que esta limitação à liberdade probatória encontra fundamento quando a lei, ponderando valores, vem a considerar certos interesses de maior valor que a simples prova de determinado fato [32]. Neste sentido, os princípios constitucionais de proteção e garantia da pessoa humana estariam a impedir que a busca da verdade se dê mediante meios que fossem reprováveis dentro de um Estado Democrático de Direito.

            No Código de Processo Penal, pode-se arrolar como exemplo desses limites probatórios o impedimento para depor de pessoas que devam guardar segredo em razão de sua função, ofício, ministério ou profissão (norma insculpida no art. 207 do CPP).

            Por isso mesmo que a prova não pode ser coletada de modo absoluto, extrapolando direitos e garantias fundamentais dos indivíduos. Assim, proíbe-se a utilização, no processo, das provas científicas que possam vir a atingir a integridade da pessoa humana, vedando-se, por essa razão, a utilização da hipnose, do detector de mentiras ou qualquer tipo de tortura, com vistas à obtenção da confissão do acusado.

            Outro aspecto que também merece ser considerado diz respeito às regras morais, dentro das quais deve se reger o processo, a atividade do juiz e das partes litigantes. Tanto é assim que o artigo 332, do Código de Processo Civil, estatui que os meios de provas considerados moralmente legítimos, inobstante não descriminados em lei, serão hábeis a provar os fatos da causa.

            No Processo Penal, ante o fato de estar em jogo a liberdade do acusado, torna-se ainda mais necessária a imposição de limites aos meios de prova. Assim, é certo que a observância de regras preestabelecidas e de um rito anteriormente determinado constitui, sem dúvida alguma, valor de garantia para o indivíduo que se vê processado.

            O limite do direito à prova, como se verifica, é uma espécie de parâmetro do qual a atividade probatória não pode afastar-se, sob pena de ilicitude ou ilegalidade da prova colhida com infringência à limitação.

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Sobre a autora
Maíra Silva da Fonseca Ramos

Procuradora da Fazenda Nacional desde 2007.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RAMOS, Maíra Silva Fonseca. A prova proibida no processo penal:: as conseqüências de sua utilização. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 837, 18 out. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7432. Acesso em: 29 mar. 2024.

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