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Das diversas formas de fraude à legítima e os respectivos meios de impugnação judicial disponíveis aos herdeiros necessários

06/03/2023 às 16:25
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Nas relações familiares, é possível perceber uma série de práticas antiéticas que objetivam burlar a proteção legal conferida ao direito de herança, principalmente à legítima, obrigatoriamente destinada aos herdeiros necessários.

Resumo: As práticas ilegais e antiéticas não são exclusividade da administração pública ou do mundo corporativo. Estão presentes em todos os tipos de relações humanas. Esse artigo busca fazer um panorama das principais modalidades de fraudes à legitima e os principais meios de impugná-las judicialmente a partir da observação da jurisprudência dos principais tribunais de justiça brasileiros. No Brasil, a herança é um direito constitucional fundamental previsto no artigo 5°, inciso XXX, da Carta de 1988. Nesse sentido, discorreu-se sobre a doação inoficiosa, sobre a venda de ascendentes para descendentes, a fraude à legitima por meio de transferência de cotas sociais e sobre a possibilidade de fraude à legitima por meio de planos de previdência complementar - PGBL/VGBL. Concluiu-se que todos esses ardis são passíveis de anulação, desde que devidamente instruídos e observados os prazos prescricionais de cada caso, conforme fixado na jurisprudência. Qualquer um dos herdeiros necessários prejudicados são legitimados para intentar a anulação, sem necessidade de formação de litisconsórcio com os demais herdeiros prejudicados.

Palavras-chave: Herança, Ascendente, Descendente, Fraude, Anulação

Sumário: Introdução. 1. Aspectos Gerais Sobre a Divisão da Herança. 2. Fraude à Legítima Por Meio da Doação Inoficiosa. 3. Fraude à Legítima Por Meio de Venda de Ascendente Para Descendente. 4. Fraude à Legítima Por Meio de Transferência ou Subscrição de Cotas Sociais. 5. Fraude à Legítima Por Meio de Planos de Previdência Privada ou Complementar - PGBL/VGBL. Conclusão. Referências Bibliográficas.


Introdução

Atualmente a corrupção tem sido um dos temas mais ventilados no cotidiano dos brasileiros, principalmente em razão do nosso cenário político e a alta propagação da informação via redes sociais. No entanto, as práticas ilegais e antiéticas não são exclusividade da administração pública ou do mundo corporativo. Estão presentes em todos os tipos de relações humanas.

Nas relações familiares, infelizmente, é possível perceber uma série de práticas ilegais e antiéticas que objetivam burlar a proteção legal conferida ao direito de herança, principalmente à legítima, obrigatoriamente destinada aos herdeiros necessários.

Se o objetivo é o de privilegiar um determinado descendente com parcela maior de patrimônio, há maneiras legais para que isso seja feito, seja por meio de doação (com as consequências relativas à colação), ou através de disposição testamentária, sem que seja exigido o consentimento dos demais descendentes, contanto que a parte doada ou transmitida por disposição testamentária não seja superior a 50% do patrimônio do ascendente. Mas tudo deve ser feito “à luz do dia”, sob pena de anulação ou nulidade.

Nesse sentido, esse artigo busca fazer um panorama das principais modalidades de fraudes à legitima e os principais meios de impugna-las judicialmente a partir da observação da jurisprudência dos principais tribunais de justiça brasileiros.

Antes de adentrar especificamente na análise das modalidades de fraudes à legítima far-se-á uma contextualização acerca da divisão da herança de modo a proporcionar um melhor entendimento do texto como um todo, sem a pretensão de aborda por completo o assunto, porquanto não seria suficiente e nem é o objetivo desse trabalho.


1. Aspectos gerais sobre a divisão da herança

Pode-se afirmar que todos os parentes (art. 1.591 e 1.592, Código Civil) desfrutam da qualidade de herdeiro, por essa razão são chamados de herdeiros legítimos, ou seja têm a legitimidade para receber a herança.

Entre os figurantes da ordem de vocação hereditária, a lei nomeia determinadas pessoas como “herdeiras necessárias”, porque necessariamente recebem a metade do patrimônio do falecido. Dependendo do regime de bens é assegurada ao cônjuge e ao companheiro uma fração da herança, mesmo que presentes herdeiros das classes antecedentes: descendentes e ascendentes.

A legislação brasileira, seguindo a ordem de convocação dos herdeiros à sucessão, os divide em classes e lhes confere tratamento diferenciado. Os descendentes e ascendentes são classificados como herdeiros necessários, enquanto os parentes colaterais figuram na classe dos herdeiros facultativos.

Além dos parentes, o cônjuge e o companheiro também são herdeiros legítimos e necessários.

Os parentes mais próximos preferem aos mais distantes e uns excluem os outros. Os primeiros convocados são os descendentes. Os filhos recebem a totalidade da herança. Os netos só herdam quando não há filhos sobreviventes. Somente quando inexistirem descendentes – filhos, netos ou bisnetos – a herança se transmitirá aos ascendentes. O cônjuge só é chamado a receber a integralidade da herança quando o falecido não tiver nem descendentes nem ascendente.

É de relevo destacar que a existência de herdeiros necessários não impede que haja a disposição de bens por meio de testamento, no entanto, devem ser observadas algumas limitações atinentes ao direito de testar. De tal modo, quem tem herdeiros necessários só pode dispor, por testamento, da metade dos seus bens. A metade do acervo hereditário que não pode ser disponibilizada por testamento é denominada de legítima.

O Código Civil não deixou dúvidas acerca da definição da legítima e reafirmou a importância desse direito aos herdeiros necessários quando consignou expressamente que a legítima lhes pertence de pleno direito, in verbis:

Art. 1.846. Pertence aos herdeiros necessários, de pleno direito, a metade dos bens da herança, constituindo a legítima

Por obvio, não havendo herdeiros necessários, não há falar em legítima, tampouco em limitação testamentária.

Os herdeiros necessários são herdeiros legítimos, mas nem todos os herdeiros legítimos são herdeiros necessários.

Descendentes, ascendentes, cônjuge e companheiro, além de legítimos, também são herdeiros necessários. Os parentes colaterais são herdeiros legítimos, mas não são herdeiros necessários. Isso quer dizer que os colaterais não estão abrangidos pelos dispositivos legais de proteção à legítima.

Ou seja, só recebem a herança se inexistirem herdeiros necessários e, via testamento, não forem destinados todos os bens aos herdeiros testamentários ou legatários, ou seja, restam excluídos da sucessão se:

  • (a) houver herdeiros necessários;

  • (b) o testador dispuser de todo o seu patrimônio sem os beneficiar; ou

  • (c) expressamente o testador os afastar da sucessão, sem que precise justificar a exclusão.

Percebe-se que a fraude à legitima visa retirar dos herdeiros necessários o direito garantido por lei a no mínimo cinquenta por cento do patrimônio do falecido.

Resumidas essas questões gerais acerca da divisão da herança, passa-se a discorrer sobre as principais modalidades de fraudes à legítima e as formas de impugna-las judicialmente.


2. Fraude à legitima por meio da doação inoficiosa

É premissa básica do direito civil brasileiro que qualquer pessoa pode dispor livremente de seu patrimônio, porém essa liberdade é relativizada pela necessidade de garantir a própria subsistência do doador (artigo 548 do Código Civil), pela inviabilidade de fraudar credores, e pela necessidade de proteger e garantir os interesses de seus herdeiros necessários (artigo 549 do Código Civil).

Uma das modalidades mais comuns de fraude à legítima dar-se por meio da doação inoficiosa, esta considerada quando a parte doada exceder à de que o doador, no momento da liberalidade, poderia dispor em testamento (artigo 549 do Código Civil).

Como dito alhures, quem tem herdeiros necessários só pode dispor até a metade de seus bens, caso exceda a parte a qual pode ser disposta, poderá haver ação de anulação ou de redução, conforme o caso.

É importante destacar que caso a doação seja realizada de ascendente para descendentes estar-se-á diante de um adiantamento do que lhes cabe por herança (CC, art. 1.171), e, por conseguinte, os referidos bens ficarão afetos a consequências posteriores, aferidas no momento da abertura da sucessão, e que podem vir a acarretar, inclusive, a nulidade do negócio jurídico, ou seja, a doação de ascendente a descendente não é proibida e nem é exige a concordância dos demais herdeiros. Isto porque, o beneficiário terá que trazer à colação o que recebeu, quando do falecimento do doador.

O meio de impugnação da doação inoficiosa é a ação de redução da doação (CC, art. 2.007) e/ou ação de sonegados (CC, art. 1.992) e a ação declaratória de nulidade, cujos legitimados para o pleito são os herdeiros necessários que possam sofrer prejuízo com eventual excesso da doação da parte que supera o disponível (art. 1.789, CC).

A ação poderá ser proposta, ainda, por qualquer interessado na declaração da nulidade, pelo Ministério Público e até mesmo de ofício pelo magistrado, dependendo do caso.

No que se refere ao prazo prescricional para o ajuizamento da adequada ação judicial, a partir do Código Civil de 2002, passou a ser de 10 anos, tendo em vista que não há uma regra específica, aplicando-se, portanto, o artigo 205 do mencionado código. Este é o entendimento prevalente na jurisprudência brasileira, veja-se:

DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE DOAÇÃO E PARTILHA. BENS DOADOS PELO PAI À IRMÃ UNILATERAL E À EX-CÔNJUGE EM PARTILHA. DOAÇÃO INOFICIOSA. PRESCRIÇÃO. PRAZO DECENAL, CONTADO DA PRÁTICA DE CADA ATO. ARTS. ANALISADOS: 178, 205, 549 E 2.028 DO CC/16.

1. Ação declaratória de nulidade de partilha e doação ajuizada em 7/5/2009. Recurso especial concluso ao Gabinete em 16/11/2011.

2. Demanda em que se discute o prazo aplicável a ação declaratória de nulidade de partilha e doação proposta por herdeira necessária sob o fundamento de que a presente ação teria natureza desconstitutiva porquanto fundada em defeito do negócio jurídico.

3. Para determinação do prazo prescricional ou decadencial aplicável deve-se analisar o objeto da ação proposta, deduzido a partir da interpretação sistemática do pedido e da causa de pedir, sendo irrelevante o nome ou o fundamento legal apontado na inicial.

4. A transferência da totalidade de bens do pai da recorrida para a ex-cônjuge em partilha e para a filha do casal, sem observância da reserva da legítima e em detrimento dos direitos da recorrida caracterizam doação inoficiosa.

5. Aplica-se às pretensões declaratórias de nulidade de doações inoficiosas o prazo prescricional decenal do CC/02, ante a inexistência de previsão legal específica. Precedentes.

6. Negado provimento ao recurso especial.

(REsp 1321998/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 07/08/2014, DJe 20/08/2014)

No que tange ao termo inicial, o Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento no sentido de que o termo inicial para a contagem do prazo prescricional é a data da doação e não a data em que foi aberta a sucessão, pois foi o momento em que o doador descumpriu a limitação legal, veja-se:

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RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. DOAÇÃO INOFICIOSA FEITA POR ASCENDENTE A DESCENDENTES. AÇÃO ANULATÓRIA. PRESCRIÇÃO. TERMO INICIAL. REGISTRO DAS DOAÇÕES. PRECEDENTES.

1. Esta Corte Superior de Justiça há muito firmou entendimento no sentido de que, no caso de ação de nulidade de doação inoficiosa, o prazo prescricional (...) conta-se a partir do registro do ato jurídico que se pretende anular.

(...)

3. Recurso especial provido para restabelecer a sentença.

(REsp 1049078/SP, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 18/12/2012, DJe 01/03/2013)

Assim, pode-se afirmar que a ação de redução ou de declaração de nulidade da doação inoficiosa pode ser objurgada pelos herdeiros necessários do autor da herança, pelo Ministério Público ou de ofício pelo magistrado, a qualquer tempo, já que consiste em nulidade absoluta, portanto imprescritível, entretanto seus reflexos patrimoniais observam o prazo prescricional de dez anos, contados do momento da liberalidade.


3. Fraude à legítima por meio de venda de ascendente para descendente

Como dito alhures, a doação de ascendente a descendente não encontra óbice legal, tampouco exige a anuência dos demais herdeiros. Isto porque, o beneficiado terá que trazer à colação o que recebeu, quando do falecimento do doador.

Do mesmo modo, a venda de bens aos descendentes, também não é proibida, entretanto os demais herdeiros precisam expressamente concordar com a transação. Esta é a forma que a legislação busca garantir o equilíbrio na divisão dos bens entre os herdeiros necessários.

Destarte, com o objetivo de pacificação social e da estabilidade familiar a legislação brasileira resguarda a igualdade, pelo menos patrimonial, entre os descendentes perante o ascendente, de modo que deve haver um tratamento equânime entre os descendentes, evitando-se privilégios em detrimento de outros.

Assim, na venda de ascendente para descendente, a falta de concordância dos descendentes que não figurem contratualmente como adquirentes acarreta presunção de vício de consentimento e presunção de fraude, os quais têm direito de ação para buscar a anulação da venda.

Entretanto, na tentativa de contornar o dever de respeitar a igualdade de direitos entre os descendentes, o que se observa, é que em vez de doar ou vender com a concordância dos demais herdeiros, o titular dos bens, entre outros ardis, promove a venda simulada por interposta pessoa que, posteriormente, transfere o bem ao herdeiro privilegiado.

Conforme destacado por Maria Berenice Dias, a tendência da doutrina e da jurisprudência é distinguir a venda direta e a venda simulada, por interposta pessoa, aplicando tratamento distinto entre essas duas situações.

Quando se trata de transação feita por meio dos denominados laranjas, ocorre simulação e a venda é nula. O prazo é decadencial, de quatro anos e flui a partir da abertura da sucessão.

A venda direta de ascendente a descendente sem a concordância dos demais herdeiros é anulável, portanto suscetível de confirmação, bastando para seu convalescimento que os outros descendentes e o cônjuge deem posteriormente o seu acordo.

O prazo para se buscar a anulação é decadencial de dois anos, contados a partir da conclusão do ato, conforme o dispõe o art. 179 do Código Civil, in verbis:

Art. 179. Quando a lei dispuser que determinado ato é anulável, sem estabelecer prazo para pleitear-se a anulação, será este de dois anos, a contar da data da conclusão do ato.

No mesmo sentido, o Enunciado nº. 368, do CJF/STJ, assevera que “o prazo para anular venda de ascendente para descendente é decadencial de dois anos (art. 179 do Código Civil)”.

Este tem sido também o entendimento do Superior Tribunal de Justiça e de diversos Tribunais de Justiça Estaduais.

Para o ajuizamento da ação, não há que se falar em litisconsórcio necessário, não havendo, portanto, necessidade de todos os descendentes estarem no polo ativo da ação. Basta a presença de um deles, pois a sentença tem eficácia erga omnes, destarte aproveita a todos, independentemente ou não de terem atuado no polo ativo da relação jurídica processual. Deste modo, o litisconsórcio é facultativo unitário.

Ou seja, qualquer um dos descendentes que não tenha dado a sua concordância para o contrato tem legitimidade para agir.

Por fim, questão interessante que cabe ser destacada é a possibilidade de solicitação de informações pelo juízo à Receita Federal do Brasil acerca da possibilidade econômica do herdeiro adquirente no momento da realização do negócio jurídico. Tal possibilidade decorre do fato de que o destinatário da prova é o juiz e a ele incumbe decidir ou não sobre a necessidade ou não de sua produção. Portanto, caso essa questão seja relevante no caso concreto cabe a solicitação ao juízo para que oficie à Receita Federal do Brasil.


4. Fraude à legítima por meio de transferência ou subscrição de cotas sociais

Esse tipo de ardil ocorre nos casos em que o patrimônio do ascendente está representado em cotas de capital de sociedades empresarias as quais são transferidas a um descendente sem a anuência dos demais.

Tal hipótese se equipara à venda de ascendente para descendente, se ocorrer a título oneroso, ou a doação inoficiosa, se ocorrer a título de liberalidade. Ambas as hipóteses dão ensejo à ação de anulação por qualquer um dos herdeiros prejudicados pelo negócio jurídico.

A mesma consequência ocorre nos casos em que a transferência de patrimônio se dá por meio do aumento da participação societária do descendente a partir da integralização de aumento de capital social, em maior proporção do que o ascendente, de modo que este tenha diminuída sua participação societária em favor dos descendentes que sejam sócios gerando uma participação maior do patrimônio que está em nome da sociedade empresária.

Assim, é possível buscar no poder judiciário a anulação das alterações societárias através das quais os descendentes aumentaram indevidamente as suas participações societárias, ainda que tenham sido efetivadas sob a forma de integralização de aumento de capital social, desde que o prejuízo fique devidamente comprovado.


5. Fraude à legítima por meio de planos de previdência privada ou complementar- PGBL ou VGBL

Os contratos de previdência privada buscam em um primeiro momento resguardar a segurança financeira do participante, com a complementação da sua aposentadoria. Deste modo, constituem-se em acúmulos de recurso, uma vez que vertidos a um fundo de investimento, a fim de capitalizar o capital aportado, restituível ao investidor.

Os planos de PGBL (Plano Gerador de Benefícios Livres) e VGBL (Vida Gerador de Benefícios Livres) são, respectivamente, planos de previdência complementar aberta e seguro de pessoas, que, após certo período de acumulação de recursos, proporcionam aos investidores, ou aos beneficiários por estes indicados, o pagamento de renda mensal (vitalícia ou por período determinado), ou de uma soma de dinheiro em parcela única, também denominada pecúlio.

Embora o PGBL seja classificado como um plano de previdência privada complementar e o VGBL como um seguro de vida, ambos funcionam de modo semelhante, sendo a única distinção relevante entre eles o tratamento tributário dado a cada um.

A estrutura dos planos de PGBL e VGBL permite ao titular contratar duas opções diferentes de benefícios, para si ou para seus beneficiários: a primeira delas consiste no pagamento de uma renda continuada, à qual fará jus o próprio titular, mediante sobrevivência ao período contratado, ou, caso venha a falecer antes, os beneficiários indicados no plano. Alternativamente, é possível que o titular estipule nestes planos o pagamento de parcela única, consistindo na soma dos aportes efetuados pelo titular, acrescidos dos rendimentos do Fundo de Investimento, descontadas as despesas de manutenção.

A segunda forma de contratação para pagamento dos benefícios, sob a forma de parcela única, é a maneira utilizada para fugir das regras cogentes do direito sucessório brasileiro.

Atualmente muito se discute acerca da natureza jurídica dos contratos de previdência privada, se de investimento ou de seguro de vida.

Percebe-se que diversas decisões judiciais no âmbito dos Tribunais de Justiça Estaduais consideram que os planos de PGBL e VGBL têm natureza jurídica de seguro de vida e, consequentemente não estariam sujeitos às regras que protegem à legítima.

Além disso, o artigo 79 da Lei 11.196/2001 estabelece que o resgate de saldos investidos por meio desses planos de previdência privada independe da abertura de inventário ou procedimento semelhante.

No entanto, há precedentes minoritários na 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça que consideram os Planos de PGBL/VGBL mais assemelhados à investimentos do que seguros, possibilitando a penhora para fins de saldar dívidas trabalhistas, veja-se:

RECURSO ESPECIAL. EX-DIRETOR DE BANCO. INTERVENÇÃO. POSTERIOR FALÊNCIA. INDISPONIBILIDADE DE TODOS OS BENS DOS ADMINISTRADORES (LEI N. 6.024/74, ART. 36). FUNDO DE PREVIDÊNCIA PRIVADA. PGBL. NATUREZA DE POUPANÇA PREVIDENCIÁRIA. IMPENHORABILIDADE (LEI N. 6.024/74, ART. 36, § 3º; CPC, ART. 649, IV). INOCORRÊNCIA. VERBA QUE NÃO DETÉM NÍTIDO CARÁTER ALIMENTAR.

1. O art. 36 da Lei n. 6.024/74 estabelece que a indisponibilidade atinge todos os bens das pessoas nele indicadas, não fazendo distinção seja acerca da duração do período de gestão, seja entre os haveres adquiridos antes ou depois do ingresso na administração da instituição financeira sob intervenção ou liquidação extrajudicial ou em falência.

2. Essa rígida indisponibilidade, que, de lege ferenda, talvez esteja a merecer alguma flexibilização por parte do legislador, tem como fundamento a preservação dos interesses dos depositantes e aplicadores de boa-fé, que mantinham suas economias junto à instituição financeira falida, sobre a qual pairam suspeitas de gestão temerária ou fraudulenta.

3. Por outro lado, consoante se vê do § 3º do mesmo art. 36, os bens considerados impenhoráveis, como é o caso daqueles relacionados no art. 649, inciso IV, do CPC, não se incluem no severo regime de indisponibilidade de bens imposto pela Lei 6.024/74 aos administradores de instituição financeira falida. 4. O saldo de depósito em PGBL - Plano Gerador de Benefício Livre não ostenta nítido caráter alimentar, constituindo aplicação financeira de longo prazo, de relevante natureza de poupança previdenciária, porém susceptível de penhora. O mesmo sucede com valores em caderneta de poupança e outros tipos de aplicações e investimentos, que, embora possam ter originalmente natureza alimentar, provindo de remuneração mensal percebida pelo titular, perdem essa característica no decorrer do tempo, justamente porque não foram utilizados para manutenção do empregado e de sua família no período em que auferidos, passando a se constituir em investimento ou poupança.

5. Assim, a lei considera irrelevante o fato de os valores em fundo de plano de previdência privada terem sido depositados antes de o recorrente ter ingressado na gestão do Banco Santos, na qual permaneceu por apenas cinquenta e dois dias.

6. Recurso especial a que se nega provimento.

Embora se reconheça que se trata de entendimento minoritário, interpretação do STJ quanto à natureza jurídica dos planos de previdência complementar como investimento passíveis de penhora permite fazer inferências sobre consequências de sua utilização para fins de direito sucessório, principalmente quando houve prejuízo aos herdeiros necessários.

Nesse sentido, caso o segurado/investidor realize contribuições sucessivas, de pequeno valor em relação ao seu patrimônio total, as quais individualmente não superariam o que poderia dispor em testamento, mas que, somadas, podem alcançar grandes valores, superando a legítima no momento da abertura da sucessão, certamente seria o caso de ajuizamento de ação de redução ou anulatória por fraude à legitima.

Destaca-se o alerta de CARLOS ANDRÉ GUERRA BARREIRO para a possibilidade de utilização dos planos de previdência complementar como instrumentos de fraude à legítima:

Neste aspecto, há que se observar alguns fundamentos básicos para que injustiças não ocorram em razão de exageros cometidos por pessoas desavisadas ou mesmo mal intencionadas. É o caso, por exemplo, da utilização dos planos de caráter previdenciário como instrumento de burla ao direito de legítima ou desvio de finalidade.

Não pode um indivíduo se desfazer da totalidade de seus bens e vertê-los a um plano de caráter previdenciário com a finalidade de nomear como beneficiárias outras pessoas que não seus herdeiros necessários, sob pena de se ter este ato anulado judicialmente, pois o judiciário pode entender que houve clara intenção de se fraudar o direito à legítima, beneficiando um (ou uns) em prejuízo do direito de outro(s).

No mesmo sentido o magistério de SIDNEY SARAIVA APOCALYPSE, entendendo que a utilização destes planos como instrumento de planejamento sucessório deve ser feita com atenção:

Sabe-se (...) que o direito à herança é garantia constitucional. Deliberações que impliquem impedimento ao exercício desse direito certamente não são reconhecidas pelo Direito, ainda que o legislador infraconstitucional delas não tenha se ocupado, proibindo, como proibiu, por exemplo, que a herança seja objeto de contrato, ou que alguém possa doar bens em excesso à parte que poderia dispor em testamento. Consequentemente, negócios jurídicos que impliquem infirmar o direito à herança não são validos como instrumentos de planejamento sucessório, como por vezes se busca induzir. (...) É o que se pretende também atingir com as propaladas virtudes do PGBL, mediante promessa de imunização do patrimônio assim afetado pelo regime jurídico do direito das sucessões. Ainda que possível a designação de beneficiários do PGBL, sem que recursos assim afetados sejam inventariados, é nossa opinião que tal patrimônio não goza da prometida imunidade, submetendo-se, sim, ao direito das sucessões.

Por óbvio, a aferição de que, através de contribuições periódicas sucessivas e inferiores à metade de seu patrimônio, houve fraude à legitima deve se dar após a abertura da sucessão. E deve ser assim porque nos planos de PGBL/VGBL só é possível determinar o beneficiário final do capital estipulado no momento da sua realização, tendo em vista a possibilidade de alteração dos beneficiários pelo segurado/investidor a qualquer momento.

Deste modo, falecendo o titular de um plano de PGBL/VGBL, e, caso o valor total do capital estipulado, quando comparado aos bens a serem partilhados, exceder a metade do valor total do patrimônio na abertura da sucessão, o excedente deverá ser reduzido e distribuído entre seus herdeiros necessários.


Conclusão

O objetivo principal do presente artigo foi demonstrar os diversos tipos de fraude à legitima.

Nesse sentido, discorreu-se sobre a doação inoficiosa, uma das modalidades mais comuns de fraude à legítima, sobre a venda de ascendentes para descendentes, a fraude à legitima por meio de transferência de cotas sociais e sobre a possibilidade de fraude à legitima por meio de planos de previdência complementar.

Concluiu-se que todos esses ardis são passíveis de anulação, desde que as ações sejam devidamente instruídas e observados os prazos prescricionais de cada caso, conforme fixado na jurisprudência.

Qualquer um dos herdeiros necessários prejudicados são legitimados para intentar a anulação, sem necessidade de formação de litisconsórcio com os demais herdeiros prejudicados.

Destacou-se que, se o objetivo é o de privilegiar um determinado herdeiro com parcela maior de patrimônio, há maneiras legais para que isso seja feito, seja por meio de doação (com as consequências relativas à colação), ou através de disposição testamentária, sem que seja exigido o consentimento dos demais descendentes, contanto que a parte doada ou transmitida por disposição testamentária não seja superior a 50% do patrimônio do ascendente. Mas tudo deve ser feito com transparência, sob pena de anulação ou nulidade.

Por fim, apontou-se a possibilidade de provocar o juízo processante para que oficie à Receita Federal do Brasil acerca da existência de lastro financeiro e econômico do herdeiro adquirente de bens dos ascendentes no momento da realização do negócio jurídico. Tal possibilidade decorre do fato de que o destinatário da prova é o juiz e a ele incumbe decidir ou não sobre a necessidade de sua produção.


Referências Bibliográficas

  • APOCALYPSE, Sidney Saraiva. PGBL. A falácia da blindagem patrimonial e do planejamento sucessório. Cadernos de Direito Tributário e Finanças Públicas. São Paulo: Revista dos Tribunais. Coord. Dejalma de Campos. Vol. 66/2006.

  • BARREIROS, Carlos André Guerra. Previdência privada: vantagens de se aderir a este sistema, in Revista de Previdência nº 4 – Universidade do Estado do Rio de Janeiro – Faculdade de Direito, Abril/2006.

  • BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil: Texto constitucional promulgado em 5 de outubro de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm. Acesso em: 22 jun. 2018.

  • BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2002/l10406.htm. Acesso em: 22 jun. 2018.

  • BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.049.078/SP, Relator: Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 18/12/2012. Superior Tribunal de Justiça. Disponível em: http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?livre=registro+e+doa%E7%F5es+e+descendentes+e+inoficiosa&&b=ACOR&thesaurus=JURIDICO&p=true. Acesso em 07 jun. 2018.

  • BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.321.998/RS, Rel. Ministra Nancy Andrighi, julgado em 07 ago. 2014. Superior Tribunal de Justiça. Disponível em: http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?processo=1321998&&b=ACOR&thesaurus=JURIDICO&p=true. Acesso em 07 jun. 2018.

  • CAHALI, Francisco José; HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes.

  • CAMBLER, Everaldo Augusto. Curso Avançado de Direito Civil. 2ª edição revista e atualizada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.

  • Dias, Maria Berenice. Manual de direito das famílias I Maria Berenice Dias. -- 10. ecl. rev., atual. E ampl. -- São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015.

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Sobre o autor
Idenilson Lima da Silva

Advogado em Brasília – DF. Graduado em Direito pelo Instituto de Educação Superior de Brasília (2009) e especialização em Direito, Estado e Constituição pela Universidade Candido Mendes (2013). Ex-Auditor do TCU. Procurador do Distrito Federal da Procuradoria-Geral do Distrito Federal - PGDF.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Idenilson Lima. Das diversas formas de fraude à legítima e os respectivos meios de impugnação judicial disponíveis aos herdeiros necessários. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 28, n. 7187, 6 mar. 2023. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/74583. Acesso em: 3 dez. 2024.

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