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Inoponibilidade das exceções ao terceiro de boa-fé nos títulos cambiais

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21/04/1998 às 00:00
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4. CLASSIFICAÇÃO DOS TÍTULOS DE CRÉDITO

           As classificações dos títulos de crédito servem apenas para fornecer uma idéia ampla do seu campo de atuação e elas são tantas que difícil, e até mesmo desinteressante, seria acrescentar outras ao exaustivo rol que, certamente, se tem por incompleto _ daí passar-se tão somente a enumerá-las.

           4.1- Classificação quanto à forma de circulação: títulos nominativos e ao portador.

           Diferentemente do que pondera a maioria dos doutrinadores pátrios que consagram a tripartição dos títulos em nominativos, à ordem e ao portador, prefere-se adotar, em face do rigor legal, a bipartição aludida no título do subitem. É que o título à ordem conceituado por Fran Martins como "aqueles que trazem o nome dos beneficiários e junto a esses, uma cláusula esclarecendo que o direito a prestação pode ser transferida pelo beneficiário a outra pessoa" (24) é sempre nominativo, não se confundindo com os nominativos não-endossáveis. É bem verdade que aqueles se transferem por simples endosso, porém cumpre lembrar que perante o emitente há, assim como nos títulos nominativos não-endossáveis, necessidade de registro de transferência dos mesmos.

           Todos os títulos que trazem o nome da pessoa indicada como beneficiária da operação de crédito a se realizar e que possuam registro nos livros do emitente, como condição jurídica para a eficácia da transferência da posse dos mesmos, são "títulos nominativos".

           O problema que exsurge é saber se o título nominativo, por exigir o registro para a sua transferência, deva ser tido como título de crédito. É de se ressaltar que a circulação não foi posta dentre os elementos dos títulos de crédito na definição clássica de Vivante. O que se procura é a modificação de riqueza; a circulação se verifica em momento posterior: pode acontecer ou não. Ocorrendo a circulação, esta se torna mais segura, muito embora difícil e incômoda, como ressalva João Eunápio Borges (25), porque a presunção de propriedade do título resulta da inscrição do nome do titular no registro do emissor e, não, da posse do documento. A perda do título não causará nenhum prejuízo ao seu dono enquanto ele não assinar o termo de transferência, situação em que permanecerá como proprietário do título muito embora tenha perdido a sua posse. Incômoda, contudo, é a circulação porque a negociação se realiza na maioria das vezes em lugar diferente do da sede do emissor, onde se encontra o livro de transferência.

           Títulos ao portador são aqueles em que o nome do beneficiário da prestação não aparece expressamente mencionado nos títulos de crédito, sendo transferíveis por simples tradição manual, assim como se dá com os bens móveis. Esse documento justifica a sua existência pelo princípio de que quem se obriga por um título não o faz unicamente com relação àquela pessoa, mas à coletividade, ao universo de pessoas que detém a cambial.

           Os títulos de crédito ao portador estavam disciplinados (a) nos arts. 1º - IV e 54 - III, do Decreto 2.044, de 1908, que respectivamente autorizavam a letra de câmbio ao portador e vedavam a nota promissória do mesmo tipo; após, (b) nos artigos 1505 a 1511 do Código Civil exigindo-se Lei federal para a autorização da emissão de títulos ao portador. Pela Lei genebrina, os artigos 1º, alínea 6ª, e 75, alínea 5ª, são requisitos essenciais da letra de câmbio e da nota promissória o nome da pessoa a quem ou à ordem de quem se deva pagá-la; condicionamento esse efetuado por razões de política monetária, não se permitindo a criação da cártula ao portador, mas admitindo sua circulação por esta modalidade (art.13, alínea 2ª).

           Hoje, não mais se permite a emissão ou a circulação de títulos ao portador.

           Não se pode esquecer que a Lei uniforme de Genebra inovou no que tange à letra de câmbio e à nota promissória, aceitando possa o sacador inserir, na cártula, a expressão não a ordem acarretando uma limitação à circulação da cambial, que passará a surtir efeitos de cessão ordinária de créditos, não podendo desta forma ser transferida por endosso (art.11, alínea 2ª).

           4.2 - Classificação quanto à origem do negócio subjacente: títulos abstratos e títulos causais.

           Nos títulos causais, há uma profunda conexão com a relação fundamental, enquanto, nos títulos abstratos, a relação cartular se desvincula completamente do negócio subjacente. A "natureza da relação fundamental não emerge do contexto do título (trad. livre)". (26)

           Prevalecendo única e exclusivamente o que neles constam, os direitos são exercidos independentemente das causas que lhe deram origem, causas essas consideradas irrelevantes; por essa razão, sequer as exceções extracartulares podem ser opostas ao terceiro adquirente de boa-fé.

           A abstração é um instrumento de que dispõe o credor para facilitar a circulação do título.

           Diz-se abstrato, porque nêle se abstrai da causa, não porque a vontade privada o tenha imposto, e sim porque a Lei o quer. É abstrato por força de Lei. Assim, além de direito autônomo, que adquire o possuidor, tem êle direito abstrato, com que a sua posição se fortalece, fazendo-o livre do contágio de quaisquer causas das relações jurídicas em que estiverem os possuidores precedentes. Diante dêle está o conteúdo objetivo de uma promessa, e uma Lei, que a faz vinculativa (27).

           A abstração é a regra para todos os títulos cambiários e cambiariformes. Os negócios jurídicos unilaterais que ocorrem são indiferentes ao que esteve à base ou determinação das declarações unilaterais de vontade que se tornaram negócios jurídicos. Não importa se o declarante unilateral de vontade esperava algum proveito, ou se não esperava, se tinha intenção de liberalidade, ou se não tinha. Nem se o declarante manifestou a vontade por existir alguma relação jurídica, ou ter de existir, em que era ou seria sujeito passivo; nem se nenhuma relação jurídica existiu, nem teria de existir em que fôsse ou tivesse de ser sujeito passivo. De tudo isso o título abstrai. (28)

           Muitos ainda entendem que títulos causais são os decorrentes de uma causa determinada, necessariamente referida no título, vinculando-a ao negócio subjacente que lhe deu vida e colocam como exemplo a duplicata mercantil _o que não se tem por incorreto; no entanto, acrescenta Newton de Lucca (29), com inteira propriedade, que o título de crédito somente será causal, se a Lei assim o determinar. Não basta, dessa forma, que a causa esteja mencionada no título: faz-se mister que haja previsão em Lei da sua vinculação ao negócio jurídico subjacente.

           4.3- Classificação quanto ao conteúdo da declaração cartular: títulos de crédito propriamente ditos, títulos de crédito impropriamente ditos e títulos de crédito impróprios.

           Tomando por base a classificação de Carvalho de Mendonça (30), por muitos combatida, estabelece-se a distinção entre títulos de crédito propriamente dito, títulos de crédito impropriamente ditos e simplesmente impróprios: (a) os primeiros atestam uma operação de crédito figurando entre os mesmos os títulos da dívida pública, as letras de câmbio, as notas promissórias, as duplicatas mercantis, as letras hipotecárias; (b) os títulos de crédito impropriamente ditos permitem a livre disposição de certas mercadorias (de que são exemplos os conhecimentos de depósito e de cargas) e a retirada pelo emissor, em favor próprio ou de terceiro a totalidade ou parcialidade de fundos disponíveis do comerciante (como acontece com os títulos de liquidação de que é exemplo o cheque); atribuem eles, ainda, um complexo de direitos conexos à qualidade de sócio, representando frações do capital social com direito de o credor exigir dividendos à época devida (ações de sociedades anônimas ou de sociedades de comandita por ações).

           Entre os títulos impróprios denominados também de títulos de legitimação, estão os bilhetes de passagem, de espetáculos e de concertos, os cupons de motel, os tickets de refeição e de estacionamento. Esses não conferem ao possuidor direito literal e autônomo, podendo se discutir em as causas extracartulares.

           Correspondem aos chamados títulos de participação as ações de sociedades anônimas que, ao atribuirem aos portadores direitos de sócios, concedem aos mesmos direito de participar não só da administração da sociedade como também dos interesses sociais.

           Consideram-se títulos de representativos os conhecimentos de frete e de depósito por representarem as mercadorias que são postas em circulação.

           4.4- Outras classificações:

           Pode-se ainda classificar os títulos de crédito em: (a) títulos principais e títulos acessórios, (b) títulos individuais e títulos em massa, (c) títulos simples e títulos complexos, (d) títulos completos e títulos incompletos, (e) títulos públicos e títulos privados e, finalmente, (f) títulos absolutos e títulos relativos.

           4.4.1 - Títulos principais e títulos acessórios:

           São títulos acessórios aqueles que pressupõem a existência de um outro principal, ao qual se agrega; têm como conteúdo um direito acessório dependente de um outro direito, em conexão com o título principal e, como exemplo tradicional, o cupon de cautela de ações da sociedade anônima (31). Os títulos principais, por consegüinte, independem de qualquer outro título para o qual existam.

           4.4.2 - Títulos individuais e títulos em massa:

           Nos títulos individuais ou singulares, revela-se a existência de um único negócio à emissão do título. Já nos títulos seriados ou em massa, uma única operação, ou várias delas, todas iguais, correspondem à emissão de vários títulos que se distinguem pela numeração que neles está mencionada (32).

           4.4.3 - Títulos simples e títulos complexos:

           Chamam-se títulos simples aqueles que outorgam ao seu portador um único direito (cambial), enquanto títulos complexos é a denominação atribuída aos títulos dos quais derivam vários direitos, verbis gratia, as ações de sociedades anônimas (que concedem direito de voto, direito aos dividendos da sociedade).

           4.4.4 - Títulos completos e títulos incompletos:

           Os títulos completos se bastam por si mesmos, pois a relação entre portador e emitente está, na totalidade, mencionada no documento cartular; inconcebível desse modo a referência a elementos extracartulares. Os referidos títulos têm o conteúdo determinado pela Lei, de que são exemplos a nota promissória, a letra de câmbio, o cheque.

           Os títulos incompletos não se bastam por si; é necessário sempre que se busque a sua integração a outros papéis, ou seja, que se recorra a outros documentos para que se possa completar a compreensão dos direitos a ele relativos. A ação é novamente aludida como exemplo; eis que as relações entre a sociedade e o proprietário do título concebem-

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           -se do estabelecido nos Estatutos sociais, referidos no próprio documento de crédito.

           4.4.5 - Títulos públicos e títulos privados:

           Newton de Lucca foi bastante oportuno ao afirmar que a classificação de um título em público ou privado depende da conceituação que o Código Civil faz das pessoas em seu livro I, título I . (33)

           Sendo assim, títulos públicos são aqueles emitidos por pessoas jurídicas de direito público: União, Estados, Distrito Federal e Municipíos e as suas respectivas autarquias (Decreto-Lei 6.016, de 22/11/43); enquanto títulos privados são os emitidos por pessoas privadas, naturais ou jurídicas, civis ou comerciais, inclusive as sociedades de economia mista que, como é de todos sabido, são entidades de direito privado subordinadas à Lei de sociedade por ações.

           4.4.6 - Títulos absolutos e títulos relativos:

           Relativos são aqueles títulos cuja posse somente é necessária para a transferência do direito e, não, para o seu exercício. Já os títulos absolutos são os cuja posse do titular é sempre imprescindível para o exercício do direito.


5. AS CONVENÇÕES DE GENEBRA: a tendência uniformizadora e a incorporação ao direito positivo brasileiro.

           Em primeiro lugar, a denominação utilizada pelo direito internacional para designar o consenso estabelecido entre as nações, relativamente a uma matéria de índole puramente técnica _ não-política _, é Convenção; matérias políticas só cabem em Tratados.

           A promulgação das Convenções assinadas em Genebra, nos anos 1930 e 1931, para a adoção de uma Lei que uniformizasse a matéria referente a letras de câmbio, notas promissórias e cheques, se verificou através do Decreto Legislativo de nº 54, de 8 de setembro de 1964, e completado pelos Decretos federais nºs. 57.595 e 57.663 respectivamente de 7 e 24 de janeiro de 1966.

           Antes dessa data, as Convenções Gerais já tinham se constituído em monumentos legislativos do Direito universal, sendo as suas regras e princípios invocados no Brasil, mas destituídos de coercibilidade por falta das solenidades necessárias (aprovação pelo Congresso Nacional, promulgação pelo Presidente da República e publicação no Diário Oficial).

           As Convenções de Genebra entraram em vigor a 1º de janeiro de 1934, após completado o número mínimo de ratificações, tendo o Brasil a elas aderido em 26 de agosto de 1942, ainda que não satisfizesse a exigência das Convenções de reproduzí-las em seu Ordenamento jurídico através de Leis internas: continuavam em vigor no País o Decreto 2.044, de 1908, e a Lei 2.591, de 1912.

           Em 1966, foram editados os atos internos do Governo Brasileiro sobre os quais ainda se discute se são aplicáveis às relações obrigacionais fundadas no direito cartular as regras constantes das Convenções de Genebra, com as reservas constantes dos Protocolos dos referidos atos, tal como se demonstra, em reprodução ipsis litteris do Decreto 2.044 em Anexo.

           Promulgadas as Convenções, revigorou o Brasil a sua atitude, no campo do Direito das Gentes de prestigiar os grandes movimentos da cultura universal e de contribuir para o aperfeiçoamento das relações internacionais, suprimindo, dessarte, os pontos de atrito existentes entre as mais variadas legislações.

           Na medida em que se aperfeiçoam os meios de comunicação entre os povos, com as conseqüentes facilidades que se criam às mudanças domiciliares dos súditos das diversas nações, vai-se reforçando a conveniência em que as Leis se apresentem mais ou menos as mesmas em todo o Mundo. É o caso da unificação do direito cambial que tem sido facilitada pelo caráter cosmopolita de seu objeto _ principalmente a letra de câmbio, havida como espécie de moeda internacional.

           Todavia não é de se esperar, hoje em dia, a realização de um direito uniforme para todo o mundo. Esse ideal é impedido categoricamente pelas reservas.

           As reservas têm por finalidade tornar expressa a intenção da parte contratante em não aderir a determinadas proposições do ato _ é uma ressalva que torna a cláusula inoperante para o Estado que a faz. Ressalte-se que todas as Altas Partes Contratantes emprestam concordância no sentido de admitir as reservas a determinados pontos da Convenção: por isso se celebra o Protocolo adicional.

           Reza o art. 1º da Lei Genebrina sobre letras de câmbio e notas promissórias:

           As Altas Partes Contratantes obrigam-se a adotar nos territórios respectivos, quer num dos textos originais, quer nas suas línguas nacionais, a Lei Uniforme que constitui o Anexo I da presente Convenção.

           Esta obrigação poderá ficar subordinada a certas reservas que deverão eventualmente ser formuladas por cada uma das Altas Partes Contratantes no momento da sua ratificação ou adesão. Estas reservas deverão ser recolhidas entre as mencionadas no Anexo II da presente Convenção.

           Todavia, as reservas a que se referem os arts. 8º, 12 e 18 do citado Anexo II poderão ser feitas posteriormente à ratificação ou adesão, desde que sejam notificadas ao secretário-geral da Sociedade das Nações, o qual imediatamente comunicará o seu texto aos membros da Sociedade das Nações e aos Estados não-membros em cujo nome tenha sido ratificada a presente Convenção ou que a ela tenham aderido. Essas reservas só produzirão efeitos 90 (noventa) dias depois de o secretário-geral ter recebido a referida notificação.

           Qualquer das Altas Partes Contratantes poderá, em caso de urgência, fazer uso, depois da ratificação ou da adesão, das reservas indicadas nos arts. 7º e 22 do referido Anexo II. Neste caso deverá comunicar essas reservas direta e indiretamente a todas as outras Altas Partes Contratantes e ao secretário-geral da Sociedade das Nações. Esta notificação produzirá os seus efeitos 2 (dois) dias depois de recebida a dita comunicação pelas Altas Partes Contratantes (34).

           A reserva não se confunde com a cláusula de adesão, que sucede à ratificação: ato pelo qual o Estado dá ciência à comunidade internacional do ajuste realizado; constitui a cláusula de adesão o meio adequado pelo qual se permite que as disposições constantes no tratado ou convenção se estenda a terceiros Estados não signatários do ato, tal como estão mencionadas nos artigos 6º e 7º do Decreto nº 57.663, de 1966.

           Após a ratificação segue-se a promulgação pela autoridade competente (no Brasil, o Presidente da Repúbica) e, finalmente, a publicação no Diário Oficial, para tornar a Convenção obrigatória no País.

           Em decorrência da promulgação dos Decretos 57.595 e 57.663, de 1966, formaram-se, desde logo, duas correntes de pensamento, entendendo uns que tais Convenções dependiam, para a sua inserção no Direito Interno brasileiro, de novo ato formal: da ordem de execução, peculiar de toda Convenção, que conferiria às mesmas perfeição e eficácia; outros achavam que a inserção se operaria com a simples promulgação e publicação dos Decretos mencionados.

           Inicialmente, segundo Mercado Júnior (35), preponderou o entendimento daqueles que, pretendendo salvar a superioridade da Lei pátria sobre a Lei uniforme reclamava a edição de novo ato. O Tribunal de Alçada Cível do Estado de São Paulo compartilhava desse entendimento, todavia o Supremo Tribunal Federal julgando diversos recursos extraordinários posicionou-se em sentido contrário a esse juízo. Eis uma decisão do Pretório Excelso, tendo como relator o Ministro Oswaldo Trigueiro:

           (...) Não me parece curial que o Brasil firme um tratado, que esse tratado seja aprovado definitivamente pelo Congresso Nacional, que em seguida seja promulgado e, apesar de tudo isso, sua validade ainda fique dependendo de novo ato do Poder Legislativo. A prevalecer esse critério, o tratado, após sua ratificação, vigoraria apenas no plano internacional, porém não no âmbito do Direito interno, o que colocaria o Brasil na privilegiada posição de poder exigir a observância do pactuado pelas outras partes contratantes, sem ficar sujeito à obrigação recíproca.

           A objeção seria ponderável se a aprovação do tratado estivesse confiada a outro órgão, que não o Congresso Nacional. Mas, se aprovação é ato do mesmo poder elaborador do Direito escrito, não se justificaria que, além de solenemente aprovar os termos do tratado, o Congresso Nacional ainda tivesse de confirmá-los, repetidamente, em novo diploma legal (...) (36) .

           No mesmo sentido, a decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul :

           Conquanto se deva reconhecer que a regra do art. 134 do Cód. de Processo Civil, execucão no fôro do domicílio do réu, desde que não designado expressamente o lugar do pagamento tenha prevalecido na jurisprudência, mesmo por fôrça da mesma do art. 54, parg. 2º, da Lei Cambial, tal matéria sofreu recentemente modificação, mercê da adesão do Brasil à Convenção de Genebra de 7-6-30, expressa pelo dec. legislativo do Congresso Nacional, de nº 54, do ano de 1964, completado pelo decreto executivo nº 57.663, de 24-1-66, que promulgou as Convenções para adoção de uma lei uniforme em matéria de letras de câmbio e notas promissórias.

           O anexo I dessa Convenção (lei uniforme relativa às letras de câmbio e notas promissórias) dispõe em seu art. 2º "...Na falta de indicação especial, o lugar designado ao lado do nome do sacado considera-se como sendo o lugar do pagamento, e ao mesmo tempo, o lugar do domicílio do sacado" (...) Assim, o lugar do pagamento, que era requisito não essencial, no regime do Decreto 2.044, passou agora a ser essencial (art. 1º, ítem, da lei uniforme _ A letra contém: "... A indicação do lugar em que se deve efetuar o pagamento"), e, não consignado expressamente na cártula, valerá como tal e também como o domicílio do sacado, aquêle, indicado junto ao seu nome.

           Resta saber se essas regras novas foram introduzidas automaticamente em nosso direito interno, vigendo também para regular as relações entre brasileiros, aqui criadas ou se apenas deverão ser consideradas válidas e eficazes para reger os dissídios de órbita do direito internacional privado. Ou, em outras palavras, se a mera promulgação dessa convenção importou na sua imediata integração no direito interno ou se ainda se faria necessária lei com êsse objetivo.

           O art. I da Convenção que estabelece lei uniforme sôbre letras de câmbio e notas promissórias (promulgada pelo decreto n. 57.663 citado) firma a obrigação, para as altas partes contratantes, de introduzir, nos territórios respectivos, quer num dos textos originais, quer nas suas línguas nacionais, a lei uniforme que constitui o anexo I da referida Convenção. Esta objetivou, normativamente, uniformizar institutos de que trata. No direito brasileiro, dá a Constituição Federal competência privativa ao presidente da República para "celebrar Tratados e Convenções internacionais ad referendum do Congresso Nacional" (art.87). Por outro lado, tem o Congresso Nacional competência exclusiva para "resolver definitivamente sôbre Tratados e Convenções celebrados com os Estados estrangeiros pelo presidente da República" (art.66,I). Assim, celebrado o tratado ou convenção por representante do Poder Executivo aprovado pelo Congresso Nacional e promulgado pelo Presidente da República, com a publicação do texto em português no órgão da imprensa oficial, tem-se como integrada a norma da convenção internacional no direito interno. Dêsse pensamento participam o Prof. TEÓFILO DE AZEREDO SANTOS ("Exposição de Motivos", do Projeto do Cód. de Obrigações, II parte), referindo-se em especial ao dec. legislativo nº 54, que iria integrar o direito interno, uma vez promulgado por decreto executivo: ANTÔNIO MERCADO JÚNIOR, em recente obra ("Nova Lei Cambial e Nova Lei do Cheque", São Paulo, 1966, págs. 116-32), e o Dr. LÉLIO CANDIOTA CAMPOS, em substancioso estudo a êsse respeito.

           A norma uniforme assim integrada em nosso direito interno, considerando o domicílio do sacado aquêle indicado ao lado de seu nome e equiparando-o ao lugar do pagamento, não conflita com a sistemática processual brasileira de determinação da competência, mas nela se insere agora, restabelecendo ademais, velha tradição que as fontes romanas e presente nas Ordenações Filipinas (PONTES, "Tratado de Direito Privado", 1-272), assim como no art. 62 do regulamento nº 737 e art. 42 do Cód. Civil (especificação convencional do domicílio da execução dos contratos escritos), espécie muito afim da ora versada, com a conotação de que a norma uniforme cogita da convenção, quando expressamente estipulada (designação expressa do lugar do pagamento); ainda, quando inexiste, fazendo então coincidir o lugar do pagamento e o domicílio com o indicado ao lado do nome do sacado. No primeiro caso, a hipótese se apresentaria idêntica à do art. 42 do Código Civil e configuraria verdadeiro fôro do contrato ou fôro de eleição _ que, contrariamente à opinião dos primeiros comentadores do Cód. de Proc. Civil (e ainda agora, de PONTES), não resultou vedado nesse diploma legal (cf. ac. do Supremo Tribunal Federal, in "Revista Forense", vol. 112, pág.102). No segundo caso, que identifica com a questão ora em exame, a norma uniforme, de caráter eminentemente material delineia conceito legal de domicílio, receptício dentro do direito processual, não como norma heterotópica, mas posta no ramo adequado do ordenamento positivo, já que domicílio é noção de direito substantivo. E assim, estabelecido pela lei qual seja o domicílio da parte que intervém em determinado negócio, segundo o critério de vinculação do agente ao lugar designado no ato, nenhum conflito se entrevê entre essa norma e a do art. 134 do Cód. de Processo Civil, apenas devendo-se entender que, nesses casos especiais, o domicílio a que se refere o citado dispositivo o é, como não poderia deixar de ser, o definido na lei substantiva, eis que a norma processual cuida tão-somente do fôro, pondo-o aí em relação com aquêle conceito, verdadeiro ato-fato jurídico.

           Nessas condições, o domicílio do executado, na falta de indicação especial do lugar do pagamento, é o mesmo mencionado junto ao seu nome (37).

           Vale notar que o Governo brasileiro fez algumas reservas às tantas vezes referidas Convenções, não incorporando ao direito nacional certas proposições, regras estas que não se reputam em vigor, podendo ou não adquirir vigência no futuro. Prevalecem, como já foi dito, as normas contidas nas Leis 2.044 e 2.591, de forma subsidiária, excluíndo dessas os pontos atingidos pelas reservas, ou seja, as Convenções de Genebra coexistem com as Leis nacionais até o ponto em que estas não contrariem aquelas.

           O que resta saber do assunto em epígrafe é se as matérias para as quais não foram adotadas reservas podem ser modificadas por Lei interna posterior.

           Rubens Requião (38), em estudos realizados concluiu que a Lei posterior não pode se sobrepor à Convenção de Genebra _ eis que não é lícito a qualquer das Altas Partes Contratantes revogar ou modificar a Convenção sem a prévia denúncia desta às autoridades competentes. Essa regra se vê contida no art. 8º do Decreto nº 57.663, que assim dispõe:

           Exceto nos casos de urgência, a presente Convenção não poderá ser denunciada antes de decorrido um prazo de 2 (dois) anos a contar da data em que tiver começado a vigorar para o membro da Sociedade das Nações ou para o Estado não-membro que a denuncia; esta denúncia produzirá os seus efeitos 90 (noventa) dias depois de recebida pelo secretário-geral a respectiva notificação.

           Qualquer denúncia será imediatamente comunicada pelo secretáro-geral da Sociedade das nações a todas as outras Altas Partes Contratantes.

           Nos casos de urgência, a Alta Parte Contratante que efetuar a denúncia comunicará esse fato direta e imediatamente a todas as outras Altas Partes Contratantes, e a denúncia produzirá os seus efeitos 2 (dois) dias depois de recebida a dita comunicação pelas respectivas Altas Partes Contratantes. A Alta Parte Contratante que fizer a denúncia nesta condições dará igualmente conhecimento da sua decisão ao secretário-geral da Sociedade das Nações.

           Qualquer denúncia só produzirá efeitos em relação à Alta Parte Contratante em nome da qual ela tenha sido feita (39).

           Além do mais _ continua Requião _ se assim não fosse entendido, por se cuidar de Lei especial como se apresenta a tantas vezes mencionada Convenção, só poderia a mesma ser derrogada por outra Lei especial.

           Entretanto o Supremo Tribunal Federal, ao se manifestar sobre o assunto, julgando o recurso extraordinário de nº 80.004, decidiu que, (1) introduzida a Lei uniforme no direito nacional, pode a mesma ser revogada ou modificada como qualquer outro diploma legal, em razão do princípio de que Lei posterior revoga a Lei anterior, inclusive porque, na Constituição Federal, não existe qualquer dispositivo que faça prevalecer o Tratado sobre a Lei e que impeça ao membro do Congresso Nacional apresentar novo projeto revogando, tácita ou expressamente, uma Lei que tenha a sua origem em um Tratado; (2) mesmo a Constituição dos Estados Unidos da América não atribui aos Tratados e às Convenções forças superiores à das Leis federais. Da mesma forma, a Constituição brasileira, ao conferir competência ao Supremo Tribunal Federal para, julgando os recursos extraordinários, declarar a inconstitucionalidade de Tratado ou Lei federal, não deu àquele força superior a este.

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Sobre o autor
André Côrtes Vieira Lopes

juiz de Direito no Rio de Janeiro

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LOPES, André Côrtes Vieira. Inoponibilidade das exceções ao terceiro de boa-fé nos títulos cambiais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 3, n. 24, 21 abr. 1998. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/747. Acesso em: 19 dez. 2024.

Mais informações

Monografia elaborada durante curso da Escola da Magistratura do Rio de Janeiro, sob a orientação do Prof. Paulo Penalva Santos.

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