A medida provisória e o processo legislativo

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Expõe-se, de maneira simples, como se dá o processo legislativo decorrente da edição de medida provisória, de acordo com os principais julgados sobre o tema.

1. Introdução.

 A Medida Provisória é o instrumento favorito do Presidente para governar. Os demais chefes do executivo, naquelas unidades federativas cujas constituições a preveem, utilizam constantemente do mesmo expediente.

  Isso porque, com um simples ato unilateral, ela passa a inovar no mundo jurídico, regulando relações, obrigando pessoas, estabelecendo procedimentos, enfim, dispondo sobre assuntos das mais variadas matérias que são passíveis de sua edição.

   Esse artifício quase milagroso não poderia vir desacompanhado de profundo estudo sobre as suas consequências e os seus necessários limites, itens sobre as quais se tratará da maneira mais simples possível, nas linhas que seguem.


2. Do legitimado. 

Conforme artigo 62, caput, o legitimado é o Presidente da República. Os demais entes federados também podem criar Medida Provisória, devendo ser observada a simetria.

Dessa forma, caso um Município crie Medida Provisória, por exemplo, a iniciativa será do Prefeito.

Um cuidado que se deve ter é que a competência para a iniciativa permanece devendo ser observada, sob pena de inconstitucionalidade formal. [1]

Assim, o Chefe do Poder Executivo não poderá, por exemplo, por meio de Medida Provisória, invadir a competência exclusiva do Poder Judiciário para a iniciativa de Lei que diga respeito à carreira de magistrados. Isso porque a Constituição Federal estipula que essa competência é reservada ao Supremo Tribunal Federal.


3. Dos pressupostos.

Os pressupostos são relevância e urgência.

A Constituição Federal não especifica como ocorrerá a configuração desses pressupostos, sendo uma questão de bom senso e análise de decisões anteriores do STF.


4. Do prazo. 

É fator que gera elevadas discussões de cunho jurídico. O artigo 62 traz as previsões sobre o assunto, estabelecendo, em resumo, que:

  • A Medida Provisória perde a eficácia, desde a edição, se não convertida em lei no prazo de sessenta dias, prorrogável por mais sessenta;

  • o termo a quo do prazo é a publicação da Medida Provisória;

  • o prazo suspende-se no recesso parlamentar;

  • não havendo apreciação em 45 dias, entra em regime de urgência, subsequentemente, em cada uma das casas do Congresso Nacional;

  • o efeito desse regime de urgência é sobrestar todas as demais deliberações da casa (trancamento de pauta);

  • Perdendo a eficácia, o Congresso deve disciplinar, por Decreto Legislativo, no prazo de sessenta dias, as relações jurídicas dela decorrentes;

  • O termo a quo desses sessenta dias para a edição do Decreto Legislativo é a rejeição ou perda de eficácia (rejeição tácita) da Medida Provisória;

  • Descumpridos esses sessenta dias do Congresso, as relações jurídicas ocorridas no período da Medida Provisória conservar-se-ão por ela regidas;

  • Aprovado projeto de lei de conversão alterando o texto original da Medida Provisória, esta manter-se-á integralmente em vigor até que seja sancionado ou vetado o projeto;

A interpretação desses dispositivos de acordo com a melhor doutrina e julgamentos do STF é que:

  • Com a conversão em lei, os quinze dias para sanção são preservados sem que isso afete a eficácia da Medida Provisória;[2]

  • Somente travam a pauta os projetos de Lei Ordinária envolvendo matérias reguláveis por Medida Provisória (ou seja, não incidentes nas vedações materiais do artigo 62).[3]

  • A Medida Provisória somente trava a pauta das sessões ordinárias. [4]

  • Em caso de convocação extraordinária do parlamento, as Medidas Provisórias serão automaticamente incluídas em pauta;[5]

  • Ultrapassados os 45 dias, tranca a pauta das duas casas. Quer dizer, se os 45 são estourados na Câmara dos Deputados, o projeto já chega no Senado trancando a pauta. Os 45 dias não são renovados quando o projeto chega no Senado;


5. Da tramitação da Medida Provisória no parlamento. 

O parágrafo oitavo do artigo 62 diz que a tramitação da Medida Provisória inicia-se na Câmara dos Deputados, passa por comissão mista para análise de admissibilidade e quanto ao mérito (decisão não vinculante), indo, em seguida, para deliberação por cada uma das casas do Congresso, em sessão separada.

Os destinos da Medida Provisória podem ser os seguintes:

  • Aprovação sem alteração.

1. O Presidente do Congresso Nacional, que é o mesmo do Senado Federal, promulga a lei de conversão. Ou seja, aprovação sem alteração não precisa retornar para o Chefe do Poder Executivo para a promulgação, cabendo a essa última autoridade somente o ato de publicar.

  • Aprovação com alteração.

1. Como visto, até a sanção ou veto, a Medida Provisória mantém os seus efeitos.

2. Essa previsão acima é objeto de muitas críticas, afinal dá a uma Medida Provisória eficácia mesmo após rejeição parcial do parlamento. Mas foi a opção do legislador, em busca de evitar o vácuo normativo entre a alteração da Medida Provisória e a sanção ou veto do projeto dela decorrente.

3. É imprescindível que as emendas guardem pertinência temática. Se o Executivo não colocou determinada matéria como de urgência e relevância, não cabe ao Parlamento fazê-lo, por meio de “emendas jabuti”. Pensar diferente seria admitir a burla ao processo legislativo. [6]

4. Logicamente, a Medida Provisória não será alterada 100%. Assim, parte será novidade, outra não. A parte novidade só vale a partir da lei de conversão, enquanto que a parte mantida valerá desde a edição da Medida Provisória.[7]

  • Não apreciação / Rejeição tácita.

1. Ocorre após o prazo de 120 dias, sem a apreciação pelas duas casas do Congresso.

2. A consequência é a mesma que a rejeição expressa e o efeito é ex tunc, retrocedendo, portanto, desde a edição da Medida Provisória.

3. O Congresso tem 60 dias para a edição de Decreto Legislativo disciplinando as relações jurídicas relativas ao período em que valia a Medida Provisória, sob pena de essa última permanecer regulando tais relações. [8]

4. E como ficam esses 60 dias entre a caducidade da Medida Provisória e o término do prazo para a edição do Decreto Legislativo? Prevalece que esses 60 dias também permanecem regulados pela Medida Provisória, sob pena de se permitir um vácuo normativo.

5. E o que vem a ser essa permanência de regulação das relações jurídicas pela Medida Provisória caducada? Isso significa que não haverá retroação de efeitos da caducidade.

6. Essa não retroação de efeitos deve ser aplicada com cuidado. A regra da Medida Provisória é a precariedade. Ela não gera direitos adquiridos. Desse modo, não poderá gerar efeitos futuros caso caduque.

7. assim, por exemplo, uma Medida Provisória rejeitada que deu aumento de salário a servidores públicos. Esse valor recebido a mais não poderá ser base de cálculo do décimo terceiro salário, na medida em que Medida Provisória não gera efeitos futuros.

8. essas relações jurídicas que permanecem reguladas pela Medida Provisória em caso de omissão do parlamento referem-se a sujeitos de direito, não à criação de órgãos. É possível inferir da doutrina de Gilmar Mendes (2017), inclusive, que a criação de órgãos parece medida incompatível com a essência de uma Medida Provisória. [9]

  • Rejeição expressa.

1. na rejeição expressa, uma das maiores peculiaridades, segundo a melhor doutrina. Mesmo com a rejeição, a Medida Provisória pode prosseguir tendo efeito por sessenta dias, caso o parlamento, nesse período, não edite o Decreto Legislativo;

2. com a rejeição, a Medida Provisória não pode ser reeditada na mesma sessão legislativa, que, no Congresso Nacional, é de 02 de fevereiro a 22 de dezembro. Trata-se do princípio da irrepetibilidade.

3. é preciso cuidado. Na Medida Provisória, o princípio da irrepetibilidade é absoluto. Ou seja, nem mesmo proposta da maioria absoluta da casa legislativa pode excepcioná-lo.

4. o princípio da irrepetibilidade não alcança a edição de Medida Provisória em período de convocação extraordinária do Congresso Nacional. [10]

5. isso quer dizer que uma Medida Provisória rejeitada no dia 05 de janeiro, em convocação extraordinária, poderá ser reeditada em 05 de fevereiro. É estranho, mas é manobra que encontra guarida no ordenamento. [11]

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6. o ponto relevante para se aferir irrepetibilidade é o momento da rejeição, não o momento da edição. Assim, uma Medida Provisória editada em 2018 cuja rejeição somente ocorreu na sessão legislativa ordinária de 2019 fica com a reedição impedida até a sessão legislativa ordinária de 2020 ou eventual convocação extraordinária do Congresso promovida após 22 de dezembro de 2019. [12]


6. Da possibilidade de o Chefe do Executivo desistir da Medida Provisória por ele editada.

Essa possibilidade não existe. A Medida Provisória tem efeitos imediatos, não se podendo simplesmente desistir dela, tal qual um projeto de lei comum.[13]


7. Da possibilidade de revogação da Medida Provisória.

Uma Medida Provisória pode ser revogada por outra.

Nessa hipótese, a contagem da Medida Provisória revogada fica suspensa, aguardando o trâmite do projeto decorrente da Medida Provisória revogadora. [14]

Dessa forma, se a Medida Provisória “X” tinha 100 dias antes da Medida Provisória “X2” a revogar – e a “X2” vindo a ser rejeitada, expressa ou tacitamente – a Medida Provisória “X” terá de volta os seus 20 dias restantes de prazo.

É lógico que um governante inclinado ao cesarismo pode jogar com essa possibilidade, manejando sucessivas Medidas Provisórias, uma revogando a outra, mudando pequenos detalhes, de modo a poder governar o máximo possível sem a participação do parlamento. Mas é preciso lembrar que o abuso das Medidas Provisórias abre a possibilidade do judicial review, de modo que, uma vez identificada essa “jogada”, surge o cabimento de ADIN.


8. Da possibilidade de criação da Medida Provisória pelos demais entes federativos.

É possível aos demais entes a criação de Medida Provisória.[15]

Ocorre que será preciso a observância do modelo federal. Quer dizer, a criação de Medida Provisória é opcional, mas, uma vez criada, haverá um modelo que obrigatoriamente será seguido. [16]


9. Da possibilidade de controle de constitucionalidade repressivo da Medida Provisória.

A Medida Provisória é sindicável, sobretudo no que toca à analise dos requisitos de relevância e urgência.[17]

Como visto, são diversos os destinos que uma Medida Provisória pode tomar. Esses destinos trazem repercussões processuais, abaixo listadas. [18]

- situação 1. Medida Provisória convertida em lei sem alteração de  texto.

A ADIN poderá continuar, mas é preciso que o autor da ação adite a ação, de modo a constar o novo objeto de impugnação;

Nesse sentido, ADI 4.048 (Gilmar Mendes. DJ: 22/08/2008) e ADI 4.049 (Ayres Brito. DJ: 08/05/2009):

Conversão da medida provisória na Lei 11.658/2008, sem alteração substancial. Aditamento ao pedido inicial. Inexistência de obstáculo processual ao prosseguimento do           julgamento. A lei de conversão não convalida os vícios existentes na medida provisória.

No mesmo sentido ADI 691 (Min. Sepúlveda Pertence. DJ: 19/06/1992):

(...) medida provisória convertida em lei sem alterações: arguição não prejudicada. Não prejudica a ação direta de inconstitucionalidade material de medida provisória a sua intercorrente conversão em lei sem alterações, dado que a sua aprovação e promulgação integrais apenas lhe tornam definitiva a vigência, com eficácia ex tunc e sem solução de continuidade, preservada a identidade originária do seu conteúdo normativo, objeto da arguição de invalidade.

- situação 2. Medida Provisória revogada por outra Medida Provisória.

Não foi encontrada doutrina propriamente sobre esse assunto. Mas é possível inferir que a ADIN não necessariamente perderia o seu objeto. A ação somente ficaria suspensa, tal qual o seu objeto.

- situação 3. Medida Provisória, objeto de ADIN, convertida em Lei, porém com alteração de texto no Parlamento.

Nessa situação, a ADIN perde o seu objeto, afinal, a situação em exame não mais será a mesma. Nessa situação, entendemos que será preciso ingressar com uma nova ADIN ou pedir a extensão do pedido para a nova Lei.

Nesse sentido, ADI 1.125 (Min. Carlos Velloso. DJ: 31/03/1995):

No caso de reedição da medida provisória, ou no caso de sua conversão em lei, poderá o autor da ação direta pedir a extensão da ação à medida provisória reeditada ou à lei de conversão, para que a inconstitucionalidade arguida venha a ser apreciada pelo STF, inclusive no que toca a liminar pleiteada.

- situação 4. ADI cujo objeto seja unicamente a inobservância dos pressupostos da Medida Provisória.

Nessa situação, é indiferente o assunto veiculado na Medida Provisória. A análise restringe-se aos seus requisitos próprios, especialmente a relevância e urgência. Nessa situação, entendemos que não há perda de objeto. Nesse sentido, ADI 1.691 (Min. Sepúlveda Pertence. DJ: 19/06/1992):

Quando uma medida provisória é convertida em lei, a arguição de inconstitucionalidade deve atacar esta e não aquela. Essa regra, porém, não se aplica a casos em que a inconstitucionalidade que se alega com relação à medida provisória diz respeito exclusivamente a ela (o de ser, ou não, cabível medida provisória para instituir ou aumentar imposto), refletindo-se sobre a lei de conversão no tocante a sua vigência para o efeito da observância do princípio constitucional da anterioridade.

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Sobre o autor
Alexandre Tito de Oliveira Mourão

Advogado desde 2008. Advogado da Terracap de fevereiro de 2008 a setembro de 2010. Assessor Jurídico na Terracap até 2016. Consultor Parlamentar concursado da Câmara de Palmas/TO de janeiro de 2019 a abril de 2020. Pós-graduado em Direito Civil, Empresarial, Público, Tributário, Eleitoral e Legislativo. Pós-graduando em Direito Imobiliário. Sócio do escritório Oliveira e Tito Mourão Advogados Associados, com atuação em Brasília e Palmas/TO.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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