10. Da possibilidade de convalidação de Medida Provisória com vícios em sua edição.
Prevalece que não é possível convalidar Medida Provisória com vícios. Ou seja, mesmo que ela percorra todo o processo legislativo de conversão, poderá ser declarada inconstitucional, com efeitos desde a origem (ab ovo). [19]
11. Da tramitação por comissão mista.
Esse não é requisito facultativo. Não é possível, tal qual antes se fazia, a simples designação de relator para apresentação de parecer. É imprescindível a efetiva constituição e consequente parecer próprio da comissão mista, que reunirá membros da Câmara e do Senado para apreciar tanto a admissibilidade quanto o mérito da norma.[20]
12. Da conclusão
O processo de amadurecimento da espécie legislativa Medida Provisória mostra um intuito de resistência ao seu uso indiscriminado.
Se de um lado o Poder Executivo pretende conferir celeridade a suas políticas, de outro, o parlamento busca manter o seu papel institucional de preservar em si o protagonismo na elaboração das leis.
Na tarefa de encontrar um meio-termo entre esses dois propósitos, a atuação do Supremo Tribunal Federal foi fundamental. A partir de seus julgados, a Medida Provisória foi ganhando contornos mais bem definidos, contornos estes que representaram a orientação maior para a presente pesquisa.
13. Das referências
MENDES, Gilmar. Curso de Direito Constitucional. 2017. 12ª edição. Saraiva. São Paulo.
MORAES. Alexandre. Direito Constitucional. 2018. 34ª edição. Atlas. São Paulo.
LENZA. Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 2019. 23ª edição. Saraiva. São Paulo.
MS 27.931. Julgamento em 29 de junho de 2017. Relator: Ministro Celso de Mello.
ADI 5.127. DJ: 11/05/2016. Relatora: Ministra Rosa Weber.
ADI 2.010. Julgamento em 30 de setembro de 1999. Relator: Ministro Celso de Mello.
ADI 2.984. DJ: 14/05/2004. Min. Elllen Gracie.
ADI 2.391. DJ: 16/03/2007. Relatora: Ministra Ellen Gracie.
ADI 4.029. DJE 27.06.2012. Ministro Relator: Luiz Fux.
ADI 4.048. DJ: 22/08/2008. Ministro Gilmar Mendes.
ADI 4.049. DJ: 08/05/2009. Ministro Ayres Brito.
ADI 691. DJ: 19/06/1992. Min. Sepúlveda Pertence.
ADI 1.125. DJ: 31/03/1995. Min. Carlos Velloso.
ADI 1.691. DJ: 19/06/1992. Min. Sepúlveda Pertence.
Notas
[1] “Não será cabível regular por medida provisória matéria que a Constituição reserva à iniciativa legislativa exclusiva de outro Poder que não o Executivo”. MENDES, Gilmar. Curso de Direito Constitucional. 2017. 12ª edição. Fl. 954).
[2] Além disso, estabelece o pg. 12 do art. 62 da Constituição Federal que “aprovado projeto de lei de conversão alterando o texto original da Medida Provisória, esta manter-se-á integralmente em vigor até que seja sancionado ou vetado o projeto”. O dispositivo assegura ao Presidente da República os quinze dias úteis para o exame do projeto de lei de conversão, antes de se decidir sobre sanção ou veto. Assim, não fica o Chefe do Executivo premido a ter de decidir sobre a sanção ou veto do projeto de lei de conversão, por exemplo, em apenas vinte e quatro horas, no caso de somente faltar um dia para a caducidade da Medida Provisória. O dispositivo, de toda sorte, cria uma hipótese de prorrogação da vigência da Medida Provisória para além do prazo de cento e vinte dias. MENDES. Gilmar. Ibid. Fl. 964).
[3] MS 27.931. Julgamento em 29 de junho de 2017. Relator: Ministro Celso de Mello.
[4] Segundo Gilmar Mendes, a decisão entendeu que o sobrestamento determinado não prejudica senão as sessões ordinárias da Câmara. MENDES. Gilmar. Ibid. 962.
[5] Art. 57. (...) § 8º - Havendo medidas provisórias em vigor na data da convocação extraordinária do Congresso Nacional, serão elas automaticamente incluídas na pauta da convocação. É importante não confundir “sessão extraordinária” com “sessão legislativa extraordinária”. A primeira refere-se a evento fora do calendário normal do congresso, o que não se confunde com o recesso. De acordo com a defesa de Michel Temer no MS 27.931, aparentemente acolhido pelo STF, somente as sessões ordinárias teriam o bloqueio da Medida Provisórias. A sessão legislativa extraordinária, por sua vez, ocorre quando o Congresso é convocado no período de recesso para deliberar. Quanto a esse momento, não há dúvida que a Medida Provisória entra imediatamente em pauta, tendo em vista previsão constitucional expressa.
[6] 1. Viola a Constituição da República, notadamente o princípio democrático e o devido processo legislativo (arts. 1º, caput, parágrafo único, 2º, caput, 5º, caput, e LIV, CRFB), a prática de inserção, mediante emenda parlamentar no processo legislativo de conversão de medida provisória em lei, de matérias de conteúdo temático estranho ao objeto originário da medida provisória. ADI 5.127. DJ: 11/05/2016. Relatora: Ministra Rosa Weber.
[7] As emendas significam recusa da Medida Provisória nos pontos em que alteram a sua normação. Nas partes em que a Medida Provisória foi alterada, as normas valerão para o futuro, a partir da vigência da própria lei de conversão. Na parte em que a Medida Provisória foi confirmada, opera-se a sua ratificação desde quando foi editada. MENDES. Gilmar. Fl. 965.
[8] (...) uma hipótese de ultra-atividade da Medida Provisória não convertida em lei, mas apenas para a disciplina das relações formadas com base na mesma Medida Provisória e durante a sua vigência. MENDES. Gilmar. Ibid. fl. 966).
[9] Se o que se preservam são as relações jurídicas durante o período de vigência da Medida Provisória, o dispositivo constitucional deve ser entendido como a alcançar situações de inter-relacionamento entre sujeitos de direito e não normas institutivas de órgãos e pessoas jurídicas. A rejeição de Medida Provisória que cria um órgão seria inócua, com prejuízo do princípio de que em matéria própria de legislação há de se conferir preponderância à vontade do legislativo, se se entendesse que a própria criação do órgão é ato que se aproveita da ultra-atividade da Medida Provisória de que trata o pg. 11 do art. 62 da Constituição Federal. MENDES. Gilmar. Ibid. FL. 966.
[10] A norma insculpida no art. 67 da Constituição – que consagra o postulado da irrepetibilidade dos projetos rejeitados na mesma sessão legislativa – não impede o Presidente da República de submeter, à apreciação do Congresso Nacional, reunido em convocação extraordinária (Constituição Federal, art. 57, § 6º, II), projeto de lei versando, total ou parcialmente, a mesma matéria que constituiu objeto de medida provisória rejeitada pelo Parlamento, em sessão legislativa realizada no ano anterior. ADI 2.010. Julgamento em 30 de setembro de 1999. Relator: Ministro Celso de Mello.
[11] Observe-se que a sessão legislativa seguinte pode ocorrer no mesmo ano em que se dá a rejeição da Medida Provisória ou do projeto de lei, já que é possível que a Medida Provisória seja rejeitada, por exemplo, no mês de janeiro, durante sessão legislativa extraordinária, ocorrida por força de convocação do Congresso Nacional, o que enseja que a medida seja editada no início da sessão legislativa ordinária, no mês seguinte. MENDES. Gilmar. Ibid. fl. 961.
[12] A Medida Provisória pode ser reeditada na sessão legislativa seguinte àquela em que ocorreu a rejeição (e não na seguinte àquela em que foi editada), já que o fenômeno relevante a ser tomado em conta é a manifestação negativa do Congresso (ou o decurso do prazo para aprovação da medida. MENDES. Gilmar. Ibid. fl. 961.
[13] A partir do momento em que o Presidente edita a Medida Provisória, ele não mais tem controle sobre ela, já que, de imediato, deverá submetê-la à análise do Congresso Nacional, não podendo retirá-la de sua apreciação. LENZA. Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 2019. Fl. 703.
[14] Porque possui força de lei e eficácia imediata a partir de sua publicação, a medida provisória não pode ser "retirada" pelo presidente da República à apreciação do Congresso Nacional. (...) Como qualquer outro ato legislativo, a medida provisória é passível de ab-rogação mediante diploma de igual ou superior hierarquia. (...) A revogação da medida provisória por outra apenas suspende a eficácia da norma ab-rogada, que voltará a vigorar pelo tempo que lhe reste para apreciação, caso caduque ou seja rejeitada a medida provisória ab-rogante. Consequentemente, o ato revocatório não subtrai ao Congresso Nacional o exame da matéria contida na medida provisória revogada. ADI 2.984 Relatora: Min. Elllen Gracie. DJ: 14/05/2004.
[15] Conforme já estudado em tópico anterior, o Supremo Tribunal Federal considera as regras básicas de processo legislativo previstas na Constituição Federal como modelos obrigatórios às Constituições Estaduais. Tal entendimento, que igualmente se aplica às Leis Orgânicas dos Municípios, acaba por permitir que no âmbito estadual e municipal haja previsão de medidas provisórias a serem editadas. (grifos nossos). MORAES. Alexandre. Direito Constitucional. 2018. Fl. 758.
[16] Adoção de medida provisória por Estado-membro. Possibilidade. Arts. 62 e 84, XXVI, da CF. EC 32, de 11-9-2001, que alterou substancialmente a redação do art. 62. (...) Inexistência de vedação expressa quanto às medidas provisórias. Necessidade de previsão no texto da Carta estadual e da estrita observância dos princípios e limitações impostas pelo modelo federal. ADI 2.391. DJ: 16/03/2007. Relatora: Ministra Ellen Gracie.
[17] A Medida Provisória enquanto espécie normativa definitiva e acabada, apesar de seu caráter de temporariedade, estará sujeita ao controle de constitucionalidade, como todas as demais leis e ato normativos. O controle jurisdicional das medidas provisórias é possível, tanto em relação à disciplina dada a matéria tratada pela mesma, quanto em relação aos próprios limites materiais e aos requisitos de relevância e urgência. A essa última forma de controle jurisdicional, o posicionamento do Supremo Tribunal Federal, desde a Constituição anterior e a respeito dos antigos Decretos-leis, é inadmiti-lo, por invasão da esfera discricionária do Poder Executivo, salvo quando flagrante o desvio de finalidade ou abuso de poder de legislar. A hipótese, portanto, é possível para evitar arbitrariedade, porém, excepcional. Nossa Corte Suprema entende que “os requisitos de relevância e urgência da matéria seriam passiveis de controle pelo STF, desde que houvesse demonstração cabal da sua inexistência.
(...)
Portanto, os requisitos de relevância e urgência, em regra, somente deverão ser analisados, primeiramente, pelo próprio Presidente da República, no momento da edição de Medida Provisória, e, posteriormente, pelo Congresso Nacional, que poderá deixar de convertê-la em lei, por ausência dos pressupostos constitucionais. Excepcionalmente, porém, quando presente desvio de finalidade ou abuso de poder de legislar, por flagrante inocorrência da urgência e relevância, poderá o Poder Judiciário adentrar a esfera discricionária do Presidente da República, garantindo-se a supremacia constitucional. Como ressaltado pelo Ministro Celso de Mello, “a mera possibilidade de avaliação arbitrária daqueles pressupostos (relevância e urgência), pelo Chefe do Poder Executivo, constitui razão bastante para justificar o controle jurisdicional. O reconhecimento de imunidade jurisdicional, que pré-excluísse de apreciação judicial o exame de tais pressupostos, caso admitido fosse, implicaria consagrar, de modo inaceitável, em favor do Presidente da República, uma ilimitada expansão de seu poder para editar Medidas Provisórias, sem qualquer possibilidade de controle, o que se revelaria incompatível com o nosso sistema constitucional. MORAES. Alexandre. Ibid. fl. 758.
[18] O Supremo Tribunal Federal já fixou o entendimento de que, se a Medida Provisória, no caso de não manifestação do Congresso, vier a ser reeditada, ou vier a ser convertida em lei, será necessário que o autor adite pedido de extensão da ação direta proposta à nova medida provisória ou à lei de conversão, para que a inconstitucionalidade arguida possa ser apreciada, inclusive no tocante à medida liminar requerida. Tal posicionamento decorre da circunstância de que a ação direta de inconstitucionalidade perde o seu objeto quando o ato normativo impugnado deixa de vigorar, o que ocorre com a medida provisória que, para não ter sua eficácia temporária desconstituída ex tunc, necessita de que seu conteúdo seja objeto de nova medida provisória ou de lei de conversão, hipóteses em que o ato normativo em vigor será essa nova medida provisória ou a lei de conversão.
A conversão da Medida Provisória em lei, sem alterações em seu conteúdo, não acarretará a prejudicialidade da ação direta de inconstitucionalidade material da mesma, posto que sua aprovação e promulgação integrais apenas transformaram-se em espécie normativa definitiva, com eficácia ex tunc e sem solução de continuidade, preservado seu conteúdo original.
Ressalte-se, porém, que haverá necessidade do autor da ação direta aditar seu pedido, juntando o texto definitivo da lei de conversão.
Observe-se, ainda, que a conversão da Medida Provisória em lei não afastará a possibilidade de análise judicial da presença dos indispensáveis requisitos formais necessários à edição das medidas provisórias, cuja ausência acarretará sua nulidade, sem possibilidade de convalidação. O STF passou a entender que a lei de conversão não convalida os vícios existentes na medida provisória. MORAES. Alexandre. Ibid. 758.
[19] A questão torna-se mais sutil quando se indaga da possibilidade de uma Medida Provisória que sofra de vício de inconstitucionalidade – por exemplo, por dispor sobre direito penal – vir a ser confirmada pelo Congresso Nacional, transformando-se em lei. Nesse caso, apenas a Medida Provisória será inconstitucional? Pode a lei que a confirmou ser considerada válida a partir de sua edição? A lei de conversão, nesse caso, há de ser tida por inconstitucional, contaminada que está pelo defeito da Medida Provisória de que resulta. Havendo a confirmação da Medida Provisória, o STF entende especiosa a distinção entre lei de conversão e a própria Medida Provisória. A lei de conversão não é impermeável aos vícios da Medida Provisória. Afinal, aquela é a ratificação desta. A Medida Provisória foi o fato deflagrador do processo legislativo da lei que a ratificou. Se o processo legislativo está maculado, na sua origem, por ter sido provocado por um ato que a Constituição tem como inválido, não é possível dissociar a lei daí resultante do grave vício ocorrido no seu nascedouro. MENDES. Gilmar. Ibid. fl. 965).
[20] 4. As Comissões Mistas e a magnitude das funções das mesmas no processo de conversão de Medidas Provisórias decorrem da necessidade, imposta pela Constituição, de assegurar uma reflexão mais detida sobre o ato normativo primário emanado pelo Executivo, evitando que a apreciação pelo Plenário seja feita de maneira inopinada, percebendo-se, assim, que o parecer desse colegiado representa, em vez de formalidade desimportante, uma garantia de que o Legislativo fiscalize o exercício atípico da função legiferante pelo Executivo. ADI 4.029. DJE 27.06.2012. Ministro Relator: Luiz Fux.