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Proteção jurídica dos animais.

A dignidade animal na era do consumismo estético

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07/02/2020 às 14:53
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4 A EXPERIMENTAÇÃO ANIMAL NA ATUALIDADE 

Até o momento, muito se falou a respeito da origem da experimentação animal e da consideração da dignidade dos seres não humanos. A partir de agora, serão expostos os métodos de experimentação animal utilizados principalmente nos testes da indústria cosmética. Apesar de serem algo muito comum, é pequena a parcela da população que realmente tem conhecimento de quais são, de fato, esses testes e, menos ainda, de como são realizados. E é possível perceber que não é a indiferença, mas em grande parte é a ignorância que permite que a crueldade institucionalizada e maciça que envolve os testes continue existindo. Além dos métodos com uso de animais, serão discutidos os métodos alternativos para substituição daqueles, sem qualquer prejuízo científico. Finalmente, serão analisadas as perspectivas futuras para os testes em animais no âmbito jurídico brasileiro e internacional, que demonstram o caminho até, quem sabe, sua total abolição.

4.1 Sobre os procedimentos e as espécies utilizadas em testes da indústria cosmética 

O uso de animais na pesquisa pode se dar em diversas áreas, como será reafirmado mais à frente: farmacêutica, médica, odontológica, psicológica, militar, de produtos de higiene, calçados, alimentos, vestuário e, claro, cosmética, o foco deste estudo. Dois terços dos animais utilizados em pesquisas são destinados às pesquisas com alimentação, cosméticos, produtos de limpeza, tabaco e indústria bélica (LEVAI, 2012). A utilização de animais em laboratório apresenta três finalidades: “a educação, os testes de controle de produtos e a experimentação, em particular, no âmbito da investigação médica” (REGAN, 2004, p. 95).

Como já foi mencionado anteriormente, os testes em animais são utilizados para que um novo produto seja introduzido no mercado. Para que se possa compreender esse processo de introdução de novos produtos no mercado de consumo, deve-se entender os métodos padronizados de testagem. Para determinar quão tóxica é uma substância, são realizados os “testes de toxicidade aguda por via oral”

Nesses testes, desenvolvidos na década de 1920, os animais são forçados a ingerir certas substâncias, inclusive produtos não comestíveis, como batons e papéis. Muitas vezes, as cobaias não consomem a substância se ela for colocada em sua comida; portanto, os pesquisadores forçam-nas a ingeri-la pela boca ou mediante um tubo que inserem em sua garganta. Testes padronizados são realizados por 14 dias, mas alguns podem durar até seis meses – se os animais sobreviverem até lá. Durante esse período, eles muitas vezes exibem sintomas clássicos de envenenamento, como vômito, diarreia, paralisia, convulsões e hemorragia interna (SINGER, Peter. 2013, p. 78).

Um teste comum de toxicidade aguda é o Lethal Dose 50 (LD50), traduzido livremente por Dose Letal Para 50%. Esse teste visa encontrar a quantidade e a concentração exatas da substância que matará metade (50 por cento) dos animais do estudo. Para descobrir o nível dessa dose letal, são envenenados grupos de amostragem. Segundo Tamara Levai (2012), os animais mais utilizados nesses testes são cães e gatos.  Nesse experimento, são forçados a ingerir uma determinada quantidade de substâncias através de uma sonda gástrica que muitas vezes os matam por perfuração.

Ocorre por ingestão forçada, mas também se recorre à injeção, inalação ou a aplicação da substância na pele da cobaia. Os sintomas decorrentes variam de náuseas, dores abdominais, queimaduras no estômago, alegria, excitação, sonolência ou diarréia, até hemorragias ou convulsões. Durante os primeiros dias os animais podem morrer, face aos índices toxicológicos da substância neles aplicada. Para cada novo teste reduz-se a dose administrada a uma nova série de animais da mesma espécie e em igual número. Se 50% deles sobreviverem (eis que a dose letal dizimou a outra metade), diz-se que a experiência atingiu seus objetivos, obtendo-se um percentual que se considera aceitável para o lançamento do produto no mercado (LEVAI, 2012, p. 29).

Segundo Peter Singer (2013, p. 79), “antes do ponto em que metade das cobaias morre, todas já estão muito doentes e com sinais evidentes de sofrimento”, e os que agonizam não são liberados dos testes devido ao temor de produzir dados imprecisos.

Os testes mais conhecidos popularmente são, provavelmente, os testes Draize de irritação dos olhos. Levam este nome em homenagem ao seu inventor, John Draize, e possuem a finalidade de “medir o índice de toxicidade em cosméticos, pesticidas, produtos de limpeza, herbicidas e shampoos, utilizando-se, para tanto, os olhos dos coelhos” (LEVAI, 2012, p. 28). Esses testes são utilizados para avaliar, numa escala, o grau de irritabilidade de uma substância ao ser colocada nos olhos de coelhos.

Os animais são, em geral, postos em dispositivos imobilizadores, ficando apenas com a cabeça de fora. Isso impede que cocem ou esfreguem os olhos. A substância a ser testada (como alvejante, xampu ou tinta) é, então, colocada no olho de cada coelho. O método utilizado consiste em puxar a pálpebra inferior e colocar a substância no ‘copinho’ que se forma dessa maneira. O olho é, então, mantido fechado. Às vezes a aplicação é repetida. Os coelhos são observados diariamente quanto à inchaço, ulceração, infecção e sangramento. Os estudos podem durar até três semanas. [...] Algumas substâncias provocam dano tão grave que os olhos perdem todas as características diferenciadoras – a íris, a pupila e a córnea assumem a aparência de uma única massa infeccionada. Os cientistas não são obrigados a usar anestésicos, mas às vezes utilizam uma pequena quantidade de anestesia tópica no momento em que introduzem a substância, desde que isso não interfira no teste. Esse procedimento em nada alivia a dor resultante de duas semanas com produto para limpeza de forno no olho (SINGER, 2013, p. 80).

Quando realizados na pele dos animais, o experimento denomina-se Draize Skin Test. Em 1983, “os laboratórios que fazem testes de toxicidade usaram 55.785 coelhos, e as empresas químicas utilizaram mais 22.034” (OTA, 1986, p. 64). Pode-se supor, através desses dados, que muitos deles foram utilizados em testes Draize, embora não se encontrem disponíveis números mais detalhados.

Para realizar estudos de inalação, os animais são colocados em câmaras fechadas e forçados a inalar sprays, gases e vapores. Em estudos de toxicidade dérmica – que averiguam o grau de irritabilidade que alguma substância pode ter em contato com a pele  –  o pelo dos coelhos é raspado para que a substância seja colocada sobre sua pele. Da mesma forma em que ocorre nos estudos que envolvem os testes Draize, os animais ficam imobilizados, de modo que não conseguem coçar a área irritada pela substância. Estudos sobre imersão, em que os animais são colocados em cubas com substâncias diluídas, muitas vezes provocam afogamento antes mesmo que quaisquer resultados possam ser obtidos. Em estudos sobre injeções – feitos, no caso de cosméticos, para verificar o possível risco de ingestão do produto  –  a substância é injetada no animal, via subcutânea, intramuscular ou diretamente em algum órgão (SINGER, 2013).

Apesar do que pode parecer, não são testados apenas produtos destinados ao consumo de seres humanos. Agentes químicos utilizados na guerra, pesticidas e produtos de uso industrial ou doméstico são dados aos animais para que os ingiram ou são postos em seus olhos. O Manual de Toxicologia Clínica de Produtos Comerciais apresenta dados de experiências com animais a respeito do grau de toxicidade de centenas de produtos comerciais que incluem inseticidas, anticongelantes, líquidos de freio, alvejantes, sprays para árvores de natal, velas, produtos de limpeza de forno, desodorantes, loções refrescantes para a pele, sais de banho, cremes depilatórios, maquiagem para os olhos, extintores de incêndio, tintas, óleos autobronzeadores, esmaltes para unhas, máscaras de cílios, sprays para cabelos, tintas de parede e lubrificantes para zíper (GLEASON, 1969).

Muitos dos cientistas que realizam experimentos em animais desencorajam o uso de anestesia durante os procedimentos:

A influência da anestesia é controversa [...] e na opinião de autores é melhor que se evite a anestesia prolongada. Eles também recomendavam que um número adequado de animais seja empregado para que as variações biológicas sejam superadas (GREGERSEN, 1954, p. 489).

A Lei de Bem-Estar Animal, dos Estados Unidos, estabelece as normas de transporte, abrigo e manipulação de animais de estimação, para exibição ou para utilização em pesquisas. No que concerne à experimentação, segundo Peter Singer (2013), a lei permite que os pesquisadores façam o que lhes aprouver, pois isenta de regulamentações todos os animais utilizados em pesquisas e experimentos, pois o Comitê de Conferência do Congresso Norte-Americano “não tem a menor intenção de interferir, seja como for, nas pesquisas ou experimentos” (OTA, 1986, p. 225). Um dos artigos da lei exige, inclusive, que as empresas privadas e outras organizações legalmente registradas (agências governamentais que realizam pesquisas ou empresas de pequeno porte não precisam de registro) preencham uma declaração afirmando que os experimentos dolorosos, sem uso de anestésicos, são necessários para alcançar os objetivos da pesquisa (SINGER, 2013). Ruesch (2008, p. 91) assevera que o anestésico, afinal, serviria somente para a opinião pública.

Será necessário utilizar termos científicos para que se possa explicar as espécies de animais não humanos abarcados nos testes.  O art. 2º da Lei Arouca dispõe que a mesma se aplica aos animais das espécies do filo Chordata e do subfilo Vertebrata. Logo em seguida, o artigo 3º define que, para as finalidades da lei, os animais do filo Chordata são aqueles que possuem como características exclusivas – ao menos na fase embrionária –, a presença da notocorda, que, grosseiramente falando, se trata de um bastão dorsal flexível, presente apenas nas fases embrionárias dos vertebrados, sendo substituída, total ou parcialmente, pela coluna vertebral, e persistente nos anfioxos e lampreias, nos quais constitui o eixo de sustentação do corpo. Além disso, os seres também incluem fendas braquiais na faringe e tubo nervoso dorsal único. Como exemplo do filo Chordata temos os anfíbios, répteis, mamíferos e aves. O subfilo Vertebrata seria constituído por animais cordados (do filo Chordata) que tem, exclusivamente, um encéfalo grande encerrado em uma caixa craniana e uma coluna vertebral (BRASIL, 2008).

O Reino Animália trata-se de um grupo de seres vivos que se distingue dos demais por serem multicelulares e heterótrofos – o que significa que não produzem seu próprio alimento – pois são aclorofilados, englobando desde as esponjas marinhas até mesmo os seres humanos. O filo Chordata se encontra abarcado por esse reino, pois possui todas as características já descritas. Dentro do mesmo há três subfilos: Urochordata, Cephalochordata e Vertebrata (SOBIOLOGIA, 2008).

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Ao comparar dispositivos internacionais e a Lei brasileira, embora a esta última estabeleça determinações apenas ao subfilo Vertebrata, a Diretiva 2010/63/UE do Parlamento Europeu e do Conselho (2010), no capítulo 1, art. 1º, nº 03, no qual trata das previsões gerais, inclui também os Cephalopodes vivos em seu âmbito de regulamentação, estando abarcados por serem capazes de vivenciar dor e sofrimento. Assim, entendendo-se que a Lei brasileira é mais restrita, esta deve buscar evoluir para proteger a maior quantidade de animais possível. Tanner (2007, p. 07) certifica que os Cephalopodes possuem um sistema nervoso complexo, atividade cerebral, sendo capazes de vivenciar felicidade, tristeza, prazer e dor. Assim, podem ser considerados seres sencientes, segundo a definição já discutida de Peter Singer.

Segundo Fernanda Medeiros (2013) afirma, o grau de sofrimento psicológico e estresse é imensurável. A autora admite a controvérsia ao redor do debate, mas reafirma que não se pode mais admitir o tratamento dos animais não humanos como seres “coisificados” sem sentimentos ou mesmo sem dignidade, sem interesses a serem defendidos. Portanto, é essencial que se busque preservar essa dignidade e defender tais interesses da melhor forma e o mais rápido possível.

4.2 Sobre os métodos alternativos, seus exemplos e críticas 

No Brasil, o Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal (CONCEA), é o órgão responsável pelo reconhecimento de métodos alternativos, eliminando assim a crueldade a que estes animais são submetidos, partindo do pressuposto de que todos os seres vivos possuem direito à vida. Para isso, nosso país investe em estratégias como ciência, tecnologia e inovação para o desenvolvimento de novos métodos, garantindo a todos cosméticos inovadores, benefícios e seguros comprovados. Assim, mudanças visíveis já vêm ocorrendo nos últimos anos em relação ao tratamento dos homens para com os animais.

Pode-se observar algumas rupturas no silêncio que imperava na área da experimentação animal, com enfrentamento até mesmo judicial, das crenças e verdades até então existentes, o que tem gerado um exponencial crescimento da consideração ética dos animais não humanos, bem como da própria noção de sujeitos de direitos desses animais, tudo a projetar, em última análise, um novo olhar sobre a concepção de justiça, concebida para além dos humanos. Ditas mudanças estão diretamente relacionadas ao uso de metodologias alternativas (ou substitutivas) ao modelo animal (SANTOS, 2015, p. 42).

Os métodos alternativos sempre estiveram disponíveis, dependendo unicamente da capacidade do cientista optar por seu uso ou não (TRÉZ; GREIF, 2000, p. 76). A partir dos testes Draize, foi desenvolvido o Eyetex, seu substituto a partir da tecnologia in vitro. Do mesmo modo que seu precursor, o Eyetex serve para verificar o nível de irritação ocular, utilizando uma proteína retirada da semente do feijão capaz de reproduzir fielmente as reações de uma córnea durante o teste (TRÉZ; GREIF, 2000, p. 64).

Há também o Skintex, alternativa para o Draize Skin Test, que também serve para avaliar o grau de irritabilidade cutânea através da semente de abóbora, pois esta é capaz de simular a reação quando substâncias estranhas são aplicadas na pele. O Edipack é outro substituto da pele humana, por sua vez utilizando tecido humano clonado para testar substâncias potencialmente tóxicas, produzido pela Clonetics, na Califórnia. Ainda, o Neutral Red Bioassay, criado pela universidade de Rockfeller, consiste no uso de células humanas em culturas empregadas para calcular a absorção de um pigmento hidrossolúvel, medindo a toxicidade relativa. Por fim, o Test Skin, produzido pela Organo Genesis, também faz uso de pele humana cultivada em plástico, podendo ser aproveitada para medir a irritação cutânea (TRÉZ; GREIF, 2000, p. 64).

Uma alternativa seria a realização dos estudos utilizando-se amostras de pele ex-vivo, onde se é empregado fragmentos de pele provenientes de cirurgias plásticas eletivas, simulando e monitorando os efeitos reais de um produto aplicado in-vivo. A análise dos impactos positivos para os animais obriga a sociedade repensar sistematicamente e pesquisar novas tecnologias, além de ilustrar a necessidade de entender mais sobre o processo pelos quais os produtos são produzidos (IPUPO, 2018, p.01)

O Harvard’s Wyss Institute criou o que foi chamado de “organ-on-chip”, que se trata de células humanas cultivadas para mimetizar a estrutura e função de órgãos e sistema. Tal chip pode ser utilizado para substituir animais em testes referentes a medicamentos e toxicidade de substâncias. O método em questão se mostrou bastante eficaz em replicar a fisiologia humana e suas reações, portanto já vem sendo utilizado. Outros procedimentos in vitro já são constantemente utilizados, como por exemplo o Ceetox, que verifica o potencial alergênico de determinada substância, e o MaTek’s Epiderm, um modelo tridimensional de célula humana cultivada, que replica traços da pele humana normal, substituindo os porcos-da-índia e os coelhos em testes (PETA, 2015).

Também existem, atualmente, simuladores em computador com o propósito de reproduzir a biologia humana. O QSAR (relações de atividades estruturais quantitativas) é um software capaz de substituir experimentos em animais fazendo estimativas sofisticadas da probabilidade de a substância apresentar riscos, baseando-se na semelhança estrutural com outras substâncias e no nosso conhecimento sobre a biologia humana (PETA, 2015).

Ao método LD50, foi descoberto um método científico desenvolvido a partir do levedo da cerveja, que ao invés de matar metade dos animais testados, mata metade das células do levedo (TRÉZ; GREIF, 2000, p. 66).

Anteriormente foi mencionada a teoria dos “3R’s” (replacement, reduction, refinement, em tradução livre: substituição, redução e aprimoramento). O primeiro R, que pode ser também traduzido por “alternativas”, indica que os animais somente seriam usados na impossibilidade de uso de outros meios alternativos, como modelos em computador, cultura de tecidos etc. O segundo é referente à “redução” da quantidade de animais em experimentos, usando-se apenas o necessário para o fornecimento de dados estatísticos confiáveis. Finalmente, o terceiro se trata do “aprimoramento”, ou seja, as técnicas de uso de animais em experimentos devem ser as menos invasivas possíveis e serão aplicadas por pessoas treinadas para causar menos dor e sofrimento aos animais (SANTOS, 2015).

O Decreto nº 6.899, de 2009, foi criado para regulamentar a Lei Arouca no que tange aos métodos alternativos, matéria referente aos 3R’s. Estes métodos alternativos seriam capazes de substituir totalmente o uso de animais, reduzir o número de cobaias utilizado ou lhes causar menor sofrimento. Os métodos alternativos dividem-se em: absolutos, sem qualquer uso de animais, fazendo alusão ao primeiro dos R’s; e relativos, nos quais animais ainda são utilizados, porém de maneira reduzida ou refinada, referindo-se aos outros dois R’s (NATION RESEARCH COUNCIL, 2011, p. 05).

O referido Decreto, em seu artigo 2º, inciso II, definiu a possibilidade de que procedimentos alternativos, validados internacionalmente, substituam os métodos nos quais animais não humanos são utilizados, podendo “usar espécies de ordem ‘inferior’, empregar menor número de animais, utilizar sistemas orgânicos ex vivos para atenuar o sofrimento, in verbis, portanto, considerando “métodos alternativos”:

Todos os procedimentos validados e internacionalmente aceitos que garantam resultados semelhantes e com reprodutibilidade para atingir, sempre que possível, a mesma meta dos procedimentos substituídos por metodologias que: a) não utilizem animais; b) usem espécies de ordens inferiores; c) empreguem menor número de animais; d) utilizem sistemas orgânicos ex vivos; ou e) diminuam ou eliminem o desconforto (BRASIL, 2009).

Essa abrangência conceitual, no entanto, é muito criticada pelos defensores dos animais, especialmente por aqueles que compõem o movimento do abolicionismo animal, já mencionado. Greif e Tréz (2000, p. 68) afirmam que os 3R`s exaltaram a vivissecção ao ponto de fazer da sua primeira premissa a assertiva de que não existe avanço científico sem experimentação em animais, qualificando-a como um mal necessário.

Note-se que, se for entendido como método alternativo todo e qualquer método que substitua, reduza ou inflija menor dor, qual será o incentivo para que os centros de pesquisa, de fato, busquem métodos que não utilizem animais? Parece ilógico afirmar que se faz necessária a substituição dos testes em animais por métodos alternativos se, logo depois, afirma-se que esses métodos reduzem ou refinam. Essa lógica leva a crer que não existem pesquisas boas e com credibilidade sem o uso de animais não humanos. Portanto, Tréz e Greif  (2008, p. 436) adotam o que poderia se chamar de “princípio do 1R” e defendem como legítimo, racional e ético somente o entendimento que restringe a compreensão de alternativas ao uso de animais vivos na pesquisa e na educação às metodologias que excluem a utilização desses animais. Ou seja, para todos os fins, apenas as práticas que dispensam o uso de animais podem ser consideradas verdadeiras alternativas.

De acordo com Levai (2007, p. 76), especialmente quando se trata do desenvolvimento de novos fármacos, “invariavelmente a predição de segurança e efetividade dele dependerão da utilização de modelos animais validados e fundamentados”. E estes estudos de segurança farmacológica realizados em animais objetivam

Identificar propriedades farmacodinâmicas indesejáveis de uma substância que podem ser decisivas em relação ao uso em humanos; avaliar possíveis efeitos adversos farmacodinâmicos e/ou patofisiológicos de uma substância, observados em estudos toxicológicos e/ou clínicos; investigar mecanismos farmacodinâmicos adversos observados e/ou suspeitos (KRAMER; VALENTIN; HAMMOND, 2010, p. 277)

Muitos experimentos com animais desenvolvidos pela ciência mostraram-se, de fato, importantes ou mesmo imprescindíveis para o bem-estar de humanos e não humanos. Outros já não trazem qualquer benefício a essas espécies ou, quando trazem, são dispensáveis, demonstrando não ser razoável infligir tanta dor e sofrimento aos animais para que sejam realizados, especialmente frente aos métodos alternativos já disponíveis. É exatamente o caso dos cosméticos, testes nos quais milhões de animais são envenenados anualmente (KRAMER; VALENTIN; HAMMOND, 2010).

Peter Singer questiona a relevância e a desproporção dos testes toxicológicos aos quais são submetidos milhares de animais anualmente:

Deverão milhares de animais sofrer para que possa ser introduzido no mercado um novo batom ou uma nova cera­­? Já não temos nós um excesso da maioria desses produtos? Quem se beneficia com a sua introdução, senão as empresas que esperam lucrar com eles?  (SINGER, 2013, p. 49)

Segundo a FDA (2015), agência reguladora de remédios nos EUA, 90% das drogas experimentais falham em testes clínicos com humanos. O motivo pelo qual isso ocorre com tanta frequência é simples: os cientistas não conseguem prever os efeitos que elas terão em pessoas, baseando-se puramente nos testes de laboratório com animais. É preciso ir além destes para que se obtenha resultados concretos e seguros. Mais uma prova da desnecessidade de tais experimentos para a qualidade de vida humana no mundo contemporâneo.

“Entre dezenas de milhões de experimentos realizados anualmente, apenas alguns contribuem para pesquisas médicas importantes”, afirma Peter Singer (2013). Segundo o filósofo, a maioria dos animais é usada para testar produtos como os de beleza, que não são essenciais para a humanidade. Os testes Draize são mais um exemplo de algo que jamais ocorreria em humanos. Tal fato demonstra, mais uma vez, o sofrimento desnecessário imposto a tantos animais colocados em situação de experimentação laboratorial decorrente do especismo, teoria defendida por Singer.

Elias Zerhouni (2013, p.01) declarou que “O problema é que a experimentação animal não tem funcionado. Está na hora de pararmos de dançar ao redor do problema. Precisamos ajustar o foco e nos adaptar a novas metodologias para uso em humanos e voltar a entender a biologia de humanos”.

Zerhouni também afirma que atualmente os cientistas pioneiros seguiram em frente e buscaram desenvolver métodos para estudar doenças e para testar produtos que substituem animais e são verdadeiramente relevantes para a saúde humana – tendo em vista que em torno de apenas ¼ das pesquisas com experimentos envolvendo animais são publicadas por serem consideradas minimamente relevantes — porque experimentos em animais são cruéis, caros e geralmente não são aplicáveis para humanos (SINGER, 2013).

Tais métodos modernos incluem testes sofisticados usando células e tecidos humanos – mais conhecidos como testes in vitro –, técnicas avançadas de modelagem computadorizada – ou seja, modelos de silicone e outros materiais – e estudos com voluntários humanos.

Esses e outros métodos alternativos ao uso de animais já demonstrados não são alterados por diferenças de espécies – dificuldade encontrada quando se procura aplicar em humanos os testes realizados em animais (SINGER, 2013). Assim, não é difícil ou impossível simular sua aplicação em humanos, e geralmente tais métodos levam menos tempo e menos investimento financeiro para serem realizados, ao contrário do que se acredita.

4.3 O presente e o futuro para a experimentação animal no âmbito jurídico brasileiro e internacional

Existem divergências que envolvem o conceito de status jurídico dos animais. O Código Civil considera os animais domésticos ou domesticados como propriedade privada. Heron Gordilho (2009, p. 138) entende que o artigo 82 do Código Civil, que dispõe que “são móveis os bens suscetíveis de movimento próprio, ou de remoção por força alheia, sem alteração da substância ou da destinação econômico-social” engloba os animais, pois além dos humanos, apenas os animais possuem movimento próprio, assim “teríamos que admitir  que os animais domésticos e domesticados tem para o direito civil o status jurídico de propriedade privada”. Por sua vez, a Constituição Federal de 1988 determina que os animais são bens de uso comum do povo e essenciais à sadia qualidade de vida:

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações (BRASIL, 1988).

De todo modo, é necessário perceber que o conceito de propriedade em relação aos animais sofreu uma grande influência pela noção bíblica de que os animais foram criados para o benefício dos homens, e para muitas pessoas a Bíblia continua sendo o principal livro de referência em questões de moralidade, de modo que as atividades que provocam o sofrimento dessas criaturas não resultam em quase nenhum sentimento de culpa na maioria das pessoas (GORDILHO, 2009).

Tendo em vista que a Constituição Federal, em seu artigo 225, VIII, reconhece que os animais são dotados de sensibilidade, impondo a todos o dever de respeitar-lhes a vida, liberdade corporal e integridade física, proibindo expressamente as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem sua extinção ou os submetam à crueldade, é impossível negar que os animais não deveriam ser submetidos a tratamentos que envolvem tanto sofrimento, práticas que colocam em risco a sua função ecológica e poem em risco a preservação de sua espécie.

Michael Fox (1990, p. 64) propõe a seguinte consideração ética para a utilização de animais em pesquisas científicas: “se a dor e o sofrimento do animal forem maiores que a quantidade de dor e sofrimento que um homem suportaria nas mesmas condições, a experiência não deve ser permitida”.

No entanto, uma grande barreira na temática do Direito Animal é que, para a maioria dos juízes, o conceito de crueldade ainda se restringe às condutas intencionais de um pequeno grupo de sádicos que maltratam os animais por puro deleite próprio, o que excluiria a grande maioria das práticas cruéis que atualmente são realizadas pelas indústrias farmacêutica, alimentícia, cosmética, de roupas etc. Segundo Gordilho, a maioria dos juristas entende que os pesquisadores, os pecuaristas e os empresários da moda não são intencionalmente cruéis, uma vez que “não visam ferir os animais desnecessariamente, nem obter qualquer tipo de prazer com seu sofrimento, mas apenas descobrir a cura de doenças e produzir alimentos, roupas e cosméticos para o consumo da população” (GORDILHO, 2009).

Isto posto, é possível perceber algumas modificações positivas no cenário da experimentação animal. Em uma linha histórica linear, podemos citar alguns marcos históricos da experimentação animal na indústria cosmética. Em 1980, a marca Revlon, uma das maiores do mundo, deixa de realizar os testes Draize. Como já foi dito no primeiro capítulo, em 2013 União Europeia baniu completamente a venda efetiva de cosméticos testados em animais (PETA, 2015). No ano seguinte, São Paulo segue o exemplo. Em setembro de 2015, no Brasil, é proposta uma emenda constitucional para banir ingredientes testados em animais e a venda de cosméticos que utilizam a prática. Em fevereiro de 2017, a Guatemala se torna o primeiro país americano a banir os testes em animais na indústria cosmética (ANDA, 2018).

Cerca de 80% dos países ainda autorizam testes em animais para fabricação de cosméticos (ANDA, 2018). Por esse motivo, a União Europeia (UE) propõe à indústria cosmética internacional a proibição de testes químicos em animais antes de 2023:

Os países membros da UE já adotaram a medida de fabricar produtos sem crueldade e exploração animal desde 2013, porém a indústria europeia de cosméticos não encerrou a prática completamente e continua a manter os dois milhões de postos de trabalho que realizam as atividades cruéis mesmo após a proibição de testes em animais. Na União Europeia, a mudança aconteceu com a entrada da Diretiva Europeia 2003/15/CE: todas as substâncias usadas para fazer cremes, shampoos e perfumes devem ser estritamente sem crueldade animal, não somente o resultado final dos produtos, mas também as matérias-primas usadas na criação. No entanto, as fábricas de cosméticos que produzirem ou importaram para União Europeia (UE) deverão obrigatoriamente apresentar dados concretos ​​sobre os experimentos feitos em animais ou a comprovação de fabricação sem crueldade animal. A UE quer garantir que nenhum produto colocado no mercado tenha sido testado em animais por um país terceiro, o que hoje infelizmente ainda não acontece (ANDA, 2018).

Em 2018, um projeto que proíbe uso de animais em testes de cosméticos poderá ser votado na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE). Trata-se do Projeto de Lei da Câmara (PLC) n° 70, de 2014 e que

Altera dispositivos dos arts. 14, 17 e 18 da Lei nº 11.794, de 8 de outubro de 2008, para dispor sobre a vedação da utilização de animais em atividades de ensino, pesquisas e testes laboratoriais com substâncias para o desenvolvimento de produtos de uso cosmético em humanos e aumentar os valores de multa nos casos de violação de seus dispositivos (BRASIL, 2014).

É importante frisar que o projeto de lei não causará qualquer impacto no desenvolvimento de medicamentos e vacinas, pois se restringe apenas aos testes de cosméticos e produtos de higiene pessoal.

O texto não só proíbe testes de ingredientes e de produtos cosméticos em animais, como veda o comércio de produtos que tenham sido testados e incentiva técnicas alternativas para avaliar a segurança das formulações. Os testes em animais só poderão ser permitidos pela autoridade sanitária em situações excepcionais, em que houver 'graves preocupações em relação à segurança de um ingrediente cosmético' e após consulta à sociedade. Para isso, é necessário que o ingrediente seja amplamente usado no mercado e não possa ser substituído; que seja detectado problema específico de saúde humana relacionado ao ingrediente; que inexista método alternativo de teste. As empresas terão prazo de três anos para atualização de sua política de pesquisa e desenvolvimento e adaptação de sua infraestrutura para um modelo de inovação responsável (BRASIL, 2014).

A partir do final de 2019 não será mais permitida a comercialização no Brasil de cosméticos que tenham sido testados em animais, sendo assim, necessário que todas as empresas cosméticas se adaptem aos métodos que possuam alternativas reconhecidas, comprovando a segurança e eficácia do produto. De acordo com nova norma estabelecida pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), as empresas deverão se adequar dentro do prazo estabelecido, afim de abolir totalmente os testes em animais.

Apesar do exposto, nenhuma regra implicará o impedimento total para o homem de matar ou ferir um animal, pois nenhum direito é absoluto, e muitas vezes essas condutas podem ocorrer em legítima defesa ou estado de necessidade. “As pessoas matam os insetos e os ratos porque eles picam ou provocam doenças, mas retirar as asas de um inseto apenas pelo prazer de vê-lo sofrer seria um ato de crueldade” (ROLLIN, 1992, p. 244).

Gandhi pontua que a não-violência requer a ausência completa de má vontade em relação a tudo quanto vive, mesmo aos insetos, “pois essas formas não foram criadas para alimentar nossas tendências destrutivas” (GANDHI, 2003, p. 81). Portanto, se entendermos por crueldade o ato de fazer mal, atormentar ou prejudicar outrem através de atos dolorosos (AURÉLIO, 2018), toda e qualquer ação desumana com os animais ofende o princípio da dignidade humanam mesmo porque vários estudos apontam que as pessoas cruéis com os animais tendem a ser igualmente cruéis com outros seres humanos.

Finalmente, a experimentação animal foi e ainda é considerada pela ciência um caminho muito útil para os avanços da humanidade nas mais diversas áreas de pesquisa. No entanto, é preciso refletir sobre a necessidade de tais experimentos no campo da indústria cosmética, tendo em vista que, como já foi dito, a prática com esse fim pode ser considerada desproporcional frente ao sofrimento imposto aos animais, visto que resta demonstrada a existência da dignidade destes. Animais esses que são capazes de sentir as mais diversas emoções. Animais esses que devem ser respeitados e protegidos, por seu valor em si, como os seres autônomos que são. Sujeitos dignos de respeito, paz, compaixão e, acima de tudo, sujeitos de uma vida.

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Sobre a autora
Mariana de Freitas Farias

bacharel em Direito pela Unidade de Ensino Superior Dom Bosco

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FARIAS, Mariana Freitas. Proteção jurídica dos animais.: A dignidade animal na era do consumismo estético. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6064, 7 fev. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/75012. Acesso em: 23 abr. 2024.

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