A possibilidade de execução provisória da pena à luz do Supremo Tribunal Federal: uma análise de seu reflexo na prescrição penal

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O presente artigo propõe uma reflexão para o necessário debate e senso crítico, analisando fundamentos justificadores para a execução dos efeitos da sentença condenatória, ainda que não tenha ocorrido o trânsito em julgado, sob o enfoque da lei penal.

  1. INTRODUÇÃO

Desde a promulgação da Carta Magna de 1988, o Supremo Tribunal Federal adotava o entendimento de ser possível a execução provisória da pena antes do trânsito e julgado da sentença penal condenatória. Em 2009, o posicionamento foi revisto no HC 84.078/MG, de relatoria do Min. Eros Grau, oportunidade em que mesmo o réu sendo condenado em um acórdão de segunda instância deveria aguardar o trânsito em julgado do mesmo para que a pena aplicada tivesse o condão de iniciar a execução. Entretanto, em 2016, revendo seu posicionamento nos autos do HC 126.292/SP, o Tribunal retornou ao seu antigo entendimento, em votação acirrada – tendo como relator o Min. Teori Zavascki -, possibilitando a execução provisória da pena, sem a necessidade de trânsito em julgado do acórdão.

O objeto central, portanto, deste artigo é a análise da execução provisória e seus reflexos na prescrição penal, considerando que a Carta Magna prevê vedação expressa no texto constitucional, por força do disposto no art. 5º, inciso LVII, o qual estabelece a não culpabilidade do agente até que haja uma sentença penal condenatória com a formação em caráter definitivo da coisa julgada.

O STF possui o dever de guarda e zelo da Carta política; nesse aspecto, o direito penal como medida última de proteção a bens jurídicos tutelados – visto que sua incidência só será possível ante a insuficiência dos demais ramos do direito -, cuida ao amparo de forma mais incisiva, interferindo no direito de locomoção previsto constitucionalmente.

É cediço que, embora seja um ramo autônomo, o Direito Penal e Processo Penal brasileiro, por ser uma norma infraconstitucional, deve ter como parâmetro a carta política; não podendo contrariar suas normas e princípios fundamentais. (SARLET, 2012). Por essa razão, não há como desvencilhar a aplicação da Lei Penal das questões versadas no texto constitucional, pois esta serve como parâmetro para a atuação legítima daquela. Assim, não raras vezes, a mais alta Cúpula do poder judiciário vem recebendo excessivas demandas recursais visando a análise de matéria infraconstitucional e reexame fático probatório necessário ao deslinde processual.

Nessa circunstância, acerca da decisão em prol da possibilidade de execução da pena após acórdão confirmatório de sentença, um dos argumentos apontados por aqueles favoráveis à execução supra foi com base na restrição da competência do Tribunal extraordinário; pois sua análise limita-se a questões de direito sem exercer juízo valorativo acerca da justiça ou injustiça versada na decisão proferida pelo tribunal a quo.

A execução da pena em caráter provisório trará reflexos fundamentais nas questões práticas; de modo que, aqueles que a julgaram possível, baseiam-se em argumentos jurídicos aplicados a outros países, a própria seletividade do sistema com base na condição econômica e dando prevalência à dinâmica social em detrimento da legalidade e positivação da norma jurídica.

Sendo assim, em tempos de crise política e clamor social em virtude da demasia pautada na impunidade daqueles que, não raras vezes, infringem as Leis do Estado, defrontamo-nos ao questionamento acerca dos princípios constitucionais, abrangidos pela dignidade humana, bem como, seus efeitos extensivos e práticos, aplicáveis a todos – sujeitos de direito.

Ao longo do trabalho e para a compreensão deste, será analisada a aplicação da pena, pois, privar o indivíduo de sua liberdade não nos permite afirmar, por si só, haver sanção penal; afinal, o aspecto diferenciador reside no fundamento que deu ensejo a tal medida. Ora, a privação da liberdade não necessita da espera pelo trânsito em julgado da sentença condenatória; em contrapartida, o cumprimento da prisão-pena exige a imutabilidade da sentença para resguardar a segurança nas relações jurídicas, evitando – ainda – a ingerência Estatal sobre as relações individual arbitrariamente.

O questionamento a ser respondido no presente trabalho, será a análise da constitucionalidade do julgado com base na decisão proferida no HC supra e os reflexos advindos da possibilidade de execução provisória da pena no tocante à prescrição penal – instrumento hábil a extinguir a punibilidade do agente caso o Estado se omita na sua punição ou em executar a pena a qual lhe foi imposta. Por fim, verificar-se-á a hermenêutica utilizada por meio da mutação constitucional para justificar a mudança de paradigma da Suprema Corte, abordando uma perspectiva técnico-jurídica da decisão.

  1. DA PENA: CONCEITO, FINALIDADE E LIMITES DE SUA ATUAÇÃO.

O direito penal consiste em uma atuação baseada no princípio na intervenção mínima, ou seja, sua ação será legitimada à proteção dos bens jurídicos quando os demais ramos do direito se mostrarem ineficazes ou insuficientes para lhes garantir a devida tutela jurisdicional.

Dessa forma, imperioso destacar os tipos de sanções penais e suas vertentes, sendo estas: privativas de liberdade, penas restritivas de direito e multa, como forma de punição àquele causador do fato típico, ilícito e culpável, bem como as medidas de segurança, aplicáveis aos inimputáveis que praticarem fato definido em lei como crime.

A pena privativa de liberdade, portanto, consiste na forma mais gravosa de punição estatal frente à desobediência as suas normas, tendo como consequência, a restrição da liberdade do indivíduo, com o objetivo de sancioná-lo e, ao mesmo tempo, na busca de um caráter preventivo, sendo a pena – esta de caráter retributivo e preventivo – adotado pela sistemática do Código Penal, em seu art. 59. Neste sentido, Nestor Távora (2016, p. 109):

A prisão é o cerceamento da liberdade de locomoção, é o encarceramento. Pode advir de decisão condenatória transitada em julgado, que é a chamada prisão pena ou, ainda, ocorrer no curso da persecução penal, dando ensejo à prisão sem pena, também conhecida por prisão cautelar, provisória ou processual.

Deste modo, sua aplicação é pautada a um razoável rigor legal, tendo em vista a esfera de liberdade por ela atingida, devendo – deste modo – serem observados princípios necessários à sua legitimação, quais sejam: Princípio da legalidade, da intranscendência e da proporcionalidade da pena.

O primeiro não admite sua aplicação por meio de mera conveniência e oportunidade, pois sua aplicação deve estar delimitada na lei penal e, ainda, em conformidade com os princípios que norteiam sua aplicabilidade; não permitindo analogia em desfavor do acusado. O segundo - a intranscendência -, condiciona sua aplicação ao causador pelo injusto ou da infração penal, não podendo esta – em hipótese alguma – ser direcionada a outrem, senão aquele responsável pela infração delituosa. Ainda, o princípio da proporcionalidade condiz com o princípio do devido processo legal, tendo em vista que sua restrição nada mais é do que a limitação da pena ao injusto causado pelo delito, devendo sua ação ser proporcionalmente sancionada, respeitando a dignidade humana e o Estado democrático de direito nas sanções por ele aplicada.

A aplicabilidade das penas se baseia na justificativa de minimizar as reações sociais aos delitos, ou seja, uma forma de limitar ou reduzir a violência, pautada em uma técnica judicial que, embora não esteja no plano ideal, evite a repressão e os arbítrios por meio de convencionalismos e comoções sociais. Por outro lado, ressalta Ferrajoli (2006, p. 62):

A falta de correspondência entre culpados, processados e condenados, e, em particular, a “cifra da injustiça”, formada pelas, ainda que involuntárias, punições de inocentes, cria, de outra parte, complicações gravíssimas e normalmente ignoradas ao problema da justificação da pena e do direito penal.

A rigor, todo instituto possui uma base principiológica que o legitime; em se tratando de institutos processuais penais, existem princípios que fundamentam sua efetividade e aplicação, principalmente, por tratar-se de ramo destinado a proteção dos direitos baseados em uma esfera de valoração que outros ramos do direito seriam insuficientes ao seu amparo.

No Brasil, a criminalidade se alarga em um conceito disseminado na ideia de impunidade, tendo em vista a prática delinquente em todas as classes sociais. Todavia, os chamados crimes de “colarinho branco” – em termos práticos – não possuem o mesmo tratamento incisivo da norma, tampouco a submissão ao cárcere, sendo esta – por vezes – camuflada a uma troca de favores baseada em alianças e reforços políticos ou, ainda, ao recebimento da conhecida “propina” por parte daqueles que, em uma sociedade capitalista e vertical, prevalecem os detentores do poderio econômico. Dessa forma, destaca Cesare Beccaria: “A certeza do castigo, ainda que moderado, despertará sempre uma impressão maior, do que o receio mais cruel, ligado a esperança da impunidade”.

Nesta seara, faz mister destacar a vulnerabilidade da aplicação da Lei Penal em um sistema fincado sob os parâmetros de uma constituição analítica direcionada a uma normatização que, teoricamente, busca o mais alto nível de concretude e eficácia aos direitos inerentes àqueles atingidos por um ordenamento jurídico no País, no entanto, sua aplicabilidade prática restringe-se a existência de normas que regulamentem seus conteúdos dentro de uma viabilidade do plano em tese.

Evidentemente, o questionamento em pauta direciona a demora ou até mesmo inviabilidade da aplicação da Lei no âmbito penal por meio de inúmeros fatores correlacionados, variando entre a questão social, a extensão analítica do próprio ordenamento o qual deixa margens para estratégias jurídicas que – não raras vezes – são utilizados com um caráter meramente protelatório dentro de uma viabilidade admitida pelo próprio ordenamento, a exemplo clássico: A infinidade de recursos cabíveis em todos os graus de jurisdição e, por fim, as consequência advindas da inércia processual, como a própria prescrição da pretensão punitiva.

A consequência lógica dos argumentos supra gira em torno do caráter remoto da aplicabilidade da Lei durante o trâmite processual, acarretando prejuízo a máquina judiciária e ampliando a impunidade em um caráter bipartido – em virtude de não ter a vítima o amparo como consequência lógica do injusto sofrido, e seu caráter ameaçador referente ao poder punitivo estatal, tornando-o cada vez mais frágil. 

  1. INSTITUTO CAUTELAR: PRISÃO PREVENTIVA

A existência dos chamados institutos cautelares, muito embora façam restrição à liberdade do indivíduo, não deve ser considerada como pena, mas como uma medida acautelatória que deverá ser determinada em situações específicas e diante do preenchimento de requisitos legais ao seu cumprimento. 

Nesse sentido, esclarece Aury Lopes Jr (2014, p. 806-807):

 Aqui o fator determinante não é o tempo, mas sim a situação de perigo criada pela conduta do imputado. Fala-se, nesses casos, em risco de frustração da função punitiva ou graves prejuízos ao processo, em virtude da ausência do acusado, ou no risco ao normal desenvolvimento do processo criado por sua conduta (em relação a conduta de prova.

As medidas cautelares, as quais se faz espécie a prisão preventiva, difere-se da pena privativa de liberdade, haja vista o caráter temporário desta em restringir a liberdade do indivíduo, sob o argumento de imperiosa necessidade, ainda que exclusivamente para assegurar a aplicação da lei penal, ressaltando não haver afronta ao princípio da presunção de inocência, tendo em vista a natureza cautelar do instituto de resguardar a concretização do jus puniendi.

Neste contexto, a prisão preventiva encontra respaldo jurídico ao teor do art. 312 do Código de Processo Penal Brasileiro, onde estabelece os pressupostos necessários a sua aplicação, tendo por base a garantia da ordem pública ou da ordem econômica, a conveniência da instrução penal ou para assegurar a aplicação da Lei Penal, em caso de haver provas da existência do crime e indícios suficientes de autoria. Neste sentido, mister destacar as palavras do mestre Paulo Rangel (2013, p. 740):

A medida cautelar tutela o processo e não o direito material discutido neste processo. [...] Portanto, a medida cautelar serve de instrumento para se atingir o fim colimado pelo processo de conhecimento, qual seja: A solução do caso penal.

Ante aos argumentos supra, não há complicações no conceito entre prisão-pena e prisão preventiva, pois a decretação da primeira presume-se a existência de um devido processo legal e uma sentença penal condenatória e, ainda, necessariamente transitada em julgado. Por outro lado, a prisão cautelar visa coibir a periculosidade ligada ao processo ou a inviabilidade da aplicação da Lei Penal e não ao direito em si, ou seja, não há que se falar na culpabilidade do agente para fins de aplicação de prisão preventiva.

Noutro giro, em que pese seja a prisão preventiva o foco deste capítulo, não há como omitir que além desta, existem outras medidas cautelares – diferentes da prisão – que podem ser aplicadas. Todavia, em virtude da gravidade da restrição à liberdade, a decretação da preventiva deve ser necessariamente fundamentada e será aplicada, quando insuficiente for as demais medidas. (TÁVORA, 2015).

  1. DA EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA PENA

Nomenclatura que vem ganhando força na seara criminal, a execução provisória da pena estabelece a possibilidade de ser antecipada a pena privativa de liberdade direcionada ao acusado que possui condenação em primeira e segunda instância.

Nesse sentido, não há que se falar em natureza acautelatória, mas sim de aplicação – mesmo provisória e passível de mudança – da pena imposta mediante sentença, ainda que não tenha o trânsito em julgado.

Mas o que vem a ser o trânsito em julgado de uma sentença? Aqui, muito embora a maioria dos operadores do direito não possua dúvidas, imperioso destacar sua relevância jurídica. Nesse sentido, estabelece o art. 283 do Código de Processo Penal, in verbis:

Art. 283. Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva. (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).

O Código de Processo Civil nos informa o que são títulos executivos judiciais, sendo a sentença condenatória um deles, ou seja, pode ser executada e fazer cumprir sua determinação ainda que haja pendência recursal; no âmbito cível, a execução provisória pode ocorrer desde haja o levantamento de dinheiro sem garantia real ou fidejussória.

No entanto, na seara criminal e a sua intervenção na liberdade, o trânsito em julgado possui caráter primordial para a segurança nas relações jurídicas, a previsibilidade na aplicação da Lei Penal e o caráter de imutabilidade; sendo certa a garantia ao acusado do devido processo legal, contraditório e ampla defesa. Se assim não o fosse, a partir de qualquer prolação de sentença condenatória poderia haver a imediata restrição ao direito de ir e vir, sem observar as consequências advindas desta decisão e a possibilidade de reanálise fático probatório pela segunda instância ordinária.

O processo envolve uma série de atos, sendo – portanto - o caminho para se chegar a uma finalidade e devida aplicação da Lei. A Constituição Brasileira, além de composições normativas, possui princípios que norteiam as demais normas.

Dessa forma, em âmbito penal, a observância ao devido processo legal, a legalidade e a presunção de inocência são de suma importância para legitimar o perfazimento do processo. Segundo Aury Lopes Jr (2014, p. 122): “Presunção de inocência impõe um verdadeiro dever de tratamento – na medida em que exige que o réu seja tratado como inocente -, que atua em duas dimensões: interna ao processo e exterior a ele”.

Nessa senda, a discussão que, em tese, possui confronto com o que estabelece o art. 5º lastreado no texto constitucional, o qual afirma que ninguém será considerado culpado até que advenha sentença penal condenatória com trânsito em julgado, foi objeto de discussão no STF em 2009 HC 84.078/MG tendo como relator o Ministro Eros Grau; oportunidade em que foi determinada a impossibilidade da execução provisória da pena.

No entanto, o entendimento anterior já previa a regulamentação da progressão de regime para aqueles que tinham sua pena executada provisoriamente e aos presos provisórios; foi editada em 2003 as súmulas 716 e 717 pela Suprema Corte afirmando que não haveria impedimento no tocante à progressão de regime aos presos provisoriamente, sendo que esta possibilidade se estenderia àqueles presos em celas especiais. Eis o que diz o teor das súmulas:

Súmula 716 - Admite-se a progressão de regime de cumprimento da pena ou a aplicação imediata de regime menos severo nela determinada, antes do trânsito em julgado da sentença condenatória.

Súmula 717 - Não impede a progressão de regime de execução da pena, fixada em sentença não transitada em julgado, o fato de o réu se encontrar em prisão especial.

No entanto, em 2016, a sistemática volta a ser objeto de discussão no plenário do Supremo Tribunal Federal, no HC 126.292/SP, onde fora mudado completamente o parâmetro do decisum anterior, restando configurado a possibilidade da execução supra.

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Um dos principais argumentos trazidos é a procrastinação dos recursos, segundo afirmação do Min. Roberto Barroso, a infinita interposição recursal acarreta uma seletividade ao sistema penal, pois, se sobressaem aqueles com razoáveis condições financeiras para contratar advogados, enquanto que os demais, logo menos vivenciam o cárcere.

Noutro giro, ainda que a essência da decisão tenha efeito social relevante, a forma como esta se deu não possui argumentos tecnicamente jurídicos a seu favor, tendo em vista, a evidente ofensa ao texto constitucional – não deixando este – margem a interpretação hermenêutica.

4.1 A PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA COMO CLÁUSULA PÉTREA E A SUPREMACIA CONSTITUCIONAL.

O princípio da presunção da inocência constitui um dos princípios basilares do sistema penal brasileiro; tendo marco, principalmente, ao final do século XVIII quando na Europa Continental viu-se a necessidade de imposição contra o sistema processual penal inquisitório. Nessa época o sistema havia desprovimento de qualquer garantia. (FERRAJOLI, 2006).

De acordo com a Convenção Americana de Direitos Humanos, toda pessoa acusada de um delito será presumida inocente até o momento em que se comprove sua culpa. Infere-se do texto, portanto, que não há exigência do trânsito em julgado da sentença condenatória pelo disposto no Pacto de São José da Costa Rica. Neste sentido, nas palavras da Ministra Ellen Gracie no julgamento do HC 86.886/RJ (j. 6.09.2005), [...]“em país nenhum do mundo, depois de observado o duplo grau de jurisdição, a execução de uma condenação fica suspensa, aguardando referendo da Suprema Corte”.

O texto da Carta Maior, no entanto, não encontra similaridade ao supratranscrito. Neste contexto, defrontamo-nos com a supremacia das normas constitucionais, pois, a Carta maior – redigida pelo poder constituinte originário cuja titularidade emana do povo – possui fundamento máximo que orienta as demais normas infraconstitucionais.

Nos ensinamentos de Tourinho Filho (2015, p. 122):

Enquanto não definitivamente condenado, presume-se o réu inocente. Sendo este presumidamente inocente, sua prisão, antes do trânsito em julgado da sentença condenatória, somente poderá ser admitida a título de cautela.

 Este é o posicionamento ao qual se coaduna com o art. 283 do Código de Processo Penal, o qual estabelece a impossibilidade de prisão, salvo em caso de flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade competente em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado, ou no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva.

Para Paulo Rangel (2013), a Constituição não faz menção à presunção de inocência mas declara que para considerar alguém culpado é imprescindível o trânsito em julgado de sentença condenatória. Em suas palavras: “Não adotamos a terminologia presunção de inocência, pois, se o réu não pode ser considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, não pode ser presumidamente inocente. ”

Para este autor, sendo o réu presumidamente inocente ou presumidamente culpado, não influenciaria no texto constitucional, pois, a depender da decisão do magistrado – seja pela condenação (e então incidiria a presunção de culpa) seja pela absolvição (fazendo incidir a presunção de inocência), essa dinâmica seria construída concretamente, sem influenciar no texto em abstrato da carta magna.

De acordo com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, ao editar a súmula nº 09, não há que se falar em afronta ao princípio da presunção de inocência a exigência da prisão provisória. A decretação de prisão ainda no curso da instrução probatória não fere o art. 5, LVII da CF/88, pois a fundamentação para a restrição ao direito de ir e vir se dá com base em uma natureza acautelatória; a afronta seria cabalmente vislumbrada em caso de aplicação de sanção-pena sem um juízo definitivo de culpa, com base nas provas contidas aos autos e a formação do título executivo judicial, com a sentença condenatória e o trânsito em julgado.

5A POSSIBILIDADE DE EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA PENA À LUZ DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL: UMA ANÁLISE DE SEU REFLEXO NA PRESCRIÇÃO PENAL

5.1 DA PRESCRIÇÃO

A prescrição no direito penal constitui uma restrição ao dever de punir e de executar a pena imposta ao infrator pelo Estado.

Em que pese divergência contida na doutrina acerca de sua natureza jurídica – se de direito material ou processual – sua previsão se encontra ao teor do texto normativo do Código Penal Brasileiro, de modo que, para o ordenamento jurídico, trata-se de instituto pertencente ao direito material. Nesse sentido, Cézar Bittencourt (2012, p. 763): Assim, pode-se definir a prescrição como a perda do direito de punir do Estado pelo decurso do tempo, em razão do seu não exercício, dentro do prazo previamente fixado. 

Dentro de um contexto democrático de Estado de direito, evidencia-se a legitimidade da prescrição como instituto contrário ao exercício eterno do ius puniendi Estatal, de modo a não ultrapassar limites legais, tendo como consequência, ações arbitrárias enquadrando o acusado sob um viés investigativo interminável. Conforme preleciona Cezar Roberto Bitencourt (2012, p. 887) “Esse direito que se denomina pretensão punitiva, não pode eternizar-se como uma espada de Dámocles pairando sobre a cabeça do indivíduo”.

Neste diapasão, a prescrição – como instituto do direito material – possui força de matéria de defesa e trata-se de causa extintiva da punibilidade; é o que estabelece o art. 107, IV, do CP. Sendo assim, uma vez reconhecida, tem-se extinta a punibilidade do agente com resolução de mérito, não podendo o Estado prosseguir com ação para imputar um crime a alguém, nem de fazer cumprir a pena quando extinta em razão da prescrição.

Ressalte, ainda, que por se tratar de matéria de ordem pública, o qual transcende a esfera individual; tendo o escopo de disciplinar os interesses sociais - da coletividade - não sendo passível de tratamento com base na mera e livre iniciativa, poderá ser analisado de ofício pelo magistrado sem que haja manifestação da parte – não prejudicando o princípio da inércia.  Neste giro, Gladson Rogério de Oliveira Miranda (2003):

 Entende-se, assim, por questões de ordem pública, as matérias de interesse de toda a sociedade, situadas acima das disposições dos sujeitos de uma relação jurídica, devendo ser, assim, analisadas de ofício pelo órgão jurisdicional, independentemente de qualquer pedido expresso das partes de uma relação processual.

Ainda, há duas vertentes da prescrição, sendo esta, gênero que se divide em duas espécies, quais sejam: Prescrição da pretensão punitiva, que ocorre antes do trânsito em julgado para ambas as partes, e a prescrição da pretensão executória, que ocorre após o trânsito em julgado da sentença penal condenatória para ambas as partes. A primeira se trata de espécie a qual possui a seguinte subdivisão: Prescrição da pretensão punitiva abstrata, retroativa e intercorrente (BITTENCOURT, 2012).

Apesar do enfoque ao presente artigo ser dado apenas referente a uma das espécies supra – prescrição da pretensão executória -, faz mister destacar breves comentários acerca das espécies acima, com o objetivo meramente didático, permitindo uma ordem cronológica aos estudos do instituto em comento. 

A prescrição da pretensão propriamente dita ou em abstrata leva em consideração o máximo da pena cominada em lei, prevista abstratamente no Código Penal; atentando-se para os limites estabelecidos no art. 109 do CP. (BITTENCOURT, 2012 p. 766). Todavia, a prescrição retroativa se baseia na pena imposta na sentença; aqui – portanto – será levada em consideração a pena in concreto. O STF, com a edição da súmula 146 afirma que “a prescrição da ação penal regula-se pela pena concretizada na sentença, quando não há recurso da acusação”. Conforme menciona Rogério Greco (2015, p. 857):

Contudo, caso não tenha havido recurso do Ministério Público, ou depois de ter sido ele improvido, como a pena aplicada não poderá ser elevada em face do princípio que impede sua reforma para pior (non reformatio in pejus), a contagem do prazo prescricional já poderá ser levada a efeito com base na pena concretizada na sentença.

Nesse mesmo sentido, Damásio afirma que a prescrição retroativa se baseia na pena ao caso concreto, “sob o fundamento da pena justa; (DAMÁSIO, 2014), pois, se uma vez proferida sentença a acusação se abstém de interpor recurso, infere-se que a pena aplicada fora suficiente e proporcional à reprimenda do crime praticado pelo réu, sendo assim, sua aplicação “deve servir de parâmetro para a prescrição. (BITTENCOURT, 2012).

No que se refere à última espécie da prescrição da pretensão punitiva, a prescrição intercorrente (ou superveniente), assim como na modalidade supra, leva em consideração a aplicação concreta da pena – por meio de sentença. Nesse sentido, Bittencourt esclarece a semelhança existente entre ambas; apontando que a diferença se configura na medida em que a primeira possui efeito retroativo, ou seja, volta-se para o passado; e a intercorrente, por sua vez, é direcionada a períodos posteriores à sentença condenatória recorrível.

O presente estudo limitar-se-á apenas a uma de suas espécies; o enfoque será dado à prescrição da pretensão executória com o objetivo de problematizar a atual possibilidade de antecipação da pena privativa de liberdade, intitulada: Execução provisória da pena, decidida no HC 126.292/SP, pelo Pretório Excelso.

5.2 O TERMO INICIAL DA PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO EXECUTÓRIA 

Para adentrar na análise das nuances da prescrição no tocante à executoriedade da pena, faz mister destacar a descrição do art. 110 do Código Penal; in verbis:

Art. 110 - A prescrição depois de transitar em julgado a sentença condenatória regula-se pela pena aplicada e verifica-se nos prazos fixados no artigo anterior, os quais se aumentam de um terço, se o condenado é reincidente. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984).

§ 1º - A prescrição, depois da sentença condenatória com trânsito em julgado para a acusação, ou depois de improvido seu recurso, regula-se pela pena aplicada. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984). [Grifo nosso].

Conforme a lei em comento, o termo inicial da contagem da prescrição da pretensão executória é o trânsito em julgado da sentença penal, no caso, para a acusação.

A grande celeuma em discussão gira em torno de haver a conformidade da acusação com relação a pena imposta ao réu e o mesmo não ocorrer para a defesa; ficando esta dedicada à incessante interposição de recursos para os Tribunais Superiores.

Imperioso destacar o posicionamento do Professor Rogério Greco (2015, p. 857):

 A doutrina, de forma geral, considera a hipótese do art. 110 do Código Penal como a de prescrição da pretensão executória. Contudo, discordamos desse ponto de vista, uma vez que somente podemos falar em prescrição da pretensão executória quando o Estado já tiver formado o seu título executivo judicial, o que somente acontece após o trânsito em julgado para ambas as partes e, ainda, com a efetiva possibilidade de execução do título executivo judicial formado por meio do trânsito em julgado da sentença penal condenatória. Caso contrário, mesmo que, aparentemente, tenha havido a concretização da pena que fora aplicada ao agente, se o Estado não teve, por um instante sequer, a possibilidade de fazer valer sua decisão condenatória, executando a pena infligida ao condenado, a prescrição não poderá ser considerada como da pretensão executória, mas, sim, da pretensão punitiva.

Por outro lado, o posicionamento de Pierpaolo Botinni reside na ideia de que a prescrição incide como instituto ligado ao direito material, “o qual incide, com toda a força, o limite da legalidade”. Afirma, ainda, a impossibilidade em admitir a analogia ou, tampouco, a extensão da lei “para além dos contornos literais”, ou uma interpretação distinta ao sentido proposto e expresso no texto normativo. (BOTTINI, 2016).

Cumpre advertir que, no tocante à matéria penal, o princípio da legalidade possui imprescindibilidade para a segurança nas relações jurídicas e respeito aos princípios norteadores na legitimidade conferida ao Poder Punitivo Estatal.

Sob esse prisma, a decisão conhecida do STF (HC 84.078/MG, Rel. Min. Eros Grau):

O Estado não pode iniciar a execução da pena em homenagem ao princípio da presunção da inocência. Se existe um recurso da defesa, a condenação não é definitiva, e enquanto ela não for definitiva, a sanção não pode ser aplicada. No entanto, segundo a lei, começa a correr o prazo de prescrição da pretensão executória. Assim, a partir do trânsito em julgado para a acusação o Poder Público deveria executar a sanção, sob pena de perder seu direito de punir. Por outro lado, não pode iniciar esta execução antes do julgamento final do recurso da defesa e da condenação irrecorrível.

Como já destacado, o princípio da presunção de inocência não se restringe a um conceito principiológico ou de comando programático, pelo contrário, possui atuação no âmbito probatório e na forma de tratamento. (GOMES, 2016). Falar em execução provisória da pena anterior a um juízo de certeza, a uma decisão que carece de segurança jurídica; e mais, que seja capaz de privar a liberdade individual, sem sequer, possuir o caráter mínimo assegurado pela imutabilidade após decorrido o prazo recursal e o consequente surgimento de um título executivo ao Estado, permitindo que este a execute de forma legítima, é ato – se não inconsequente – movido a um clamor social, baseado em argumentos metajurídicos, que – não raras vezes – traz (ou busca) benefícios a sociedade. Todavia, não se pode ignorar o texto legislativo em prol de decisões movidas a uma impunidade comumente vivenciada na atual conjuntura do sistema penal.

Assim, conclui-se que o artigo 110 ao mencionar que a prescrição irá se regular pela pena aplicada após a decorrência do trânsito em julgado para a parte acusatória, estabelece que com o fim da incidência da pretensão punitiva estatal, o termo inicial da pretensão executória irá retroceder ao momento em que houve o trânsito em julgado da sentença para a acusação.

5.3 A PUBLICAÇÃO DE ACÓRDÃO CONFIRMATÓRIO DE SENTENÇA CONDENATÓRIA E O INÍCIO DO CUMPRIMENTO DA PENA PROVISÓRIA COMO MARCO INTERRUPTIVO DA PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO EXECUTÓRIA.

O entendimento lastreado no HC 126.292/SP, discutido em sessão plenária pelo STF, sustenta a antecipação do cumprimento de pena por meio da aplicação provisória desta; no entanto, a possibilidade para sua aplicação exige a confirmação de sentença penal condenatória em segunda instância pelo acórdão.

Nessa trilha, o artigo 117 do Código Penal, estabelece normativamente os marcos interruptivos para a contagem e incidência da prescrição. Sendo assim:

Art. 117 – O curso da prescrição interrompe-se: (Redação dada pela Lei nº 7.20, de 11.7.1984).

[...]

IV – pela publicação da sentença ou acórdão condenatórios recorríveis;

V – pelo início ou continuação do cumprimento da pena.

O “acórdão condenatório” mencionado no texto legal possui duas acepções na doutrina mediante correntes distintas. Para a primeira corrente a referência ao acórdão de cunho condenatório é aquele que inova no mundo jurídico, que reforma totalmente uma decisão anterior; exemplo: Em tendo sido o réu absolvido na primeira instância, o acórdão o condena, modificando integralmente o conteúdo do decisum; corrente esta a qual nos filiamos. Entretanto, para a segunda corrente, a qual se filia Rogério Greco (2015, p. 581), “é condenatório tanto aquele acórdão que reforma decisão absolutória anterior como o que confirma condenação precedente”.

 Aqui, para o ensejo ao início do cumprimento provisório da pena, considerar-se-á o acórdão confirmatório de sentença penal. Há a necessidade do não acolhimento total da apelação interposta por parte da defesa, confirmando, em sede de segunda instância a condenação proferida pelo Tribunal a quo; sendo assim, se o acusado foi inicialmente absolvido e posteriormente condenado na segunda instância, não há que se falar em aplicação provisória da pena tendo em vista a recorribilidade recursal.

Importante ressaltar que, em havendo a sentença de primeira instância, dada a ausência de recurso por parte da acusação – neste momento iniciará a prescrição da pretensão punitiva intercorrente (ou superveniente) -, e posteriormente o trânsito em julgado para a defesa, o início da prescrição da pretensão executória não iniciará sua contagem da publicação do acórdão ou do trânsito em julgado para ambas as partes (defesa e acusação), mas sim, o termo inicial retroagirá ao momento da prolação da sentença, sendo este, o marco para a sua incidência.

Nesse sentido, o Ministro Teori Zavascki, relator do HC 126.292/SP, se posicionou a favor da aplicação provisória da pena e afirmou não haver afronta ao princípio da presunção de inocência em virtude da execução provisória da pena quando houver condenação e confirmação desta em sede de acórdão.

A possibilidade da execução provisória da pena privativa de liberdade era orientação que prevalecia na jurisprudência do STF, mesmo na vigência da Constituição Federal de 1988. Nesse cenário jurisprudencial, em caso semelhante ao agora sob exame, esta Suprema Corte, no julgamento do HC 68.726 (Rel. Min. Néri da Silveira), realizado em 28/6/1991, assentou que a presunção de inocência não impede a prisão decorrente de acórdão que, em apelação, confirmou a sentença penal condenatória recorrível, em acórdão assim ementado: “Habeas corpus. Sentença condenatória mantida em segundo grau. Mandado de prisão do paciente. Invocação do art. 5º, inciso LVII, da Constituição. Código de Processo Penal, art. 669. A ordem de prisão, em decorrência de decreto de custódia preventiva, de sentença de pronúncia ou de decisão e órgão julgador de segundo grau, é de natureza processual e concernente aos interesses de garantia da aplicação da lei penal ou de execução da pena imposta, após o devido processo legal. Não conflita com o art. 5º, inciso LVII, da Constituição. De acordo com o § 2º do art. 27 da Lei nº 8.038/1990, os recursos extraordinário e especial são recebidos no efeito devolutivo. Mantida, por unanimidade, a sentença condenatória, contra a qual o réu apelara em liberdade, exauridas estão as instâncias ordinárias criminais, não sendo, assim, ilegal o mandado de prisão que órgão julgador de segundo grau determina se expeça contra o réu. Habeas corpus indeferido”. Ao reiterar esses fundamentos, o Pleno do STF asseverou que, “com a condenação do réu, fica superada a alegação de falta de fundamentação do decreto de prisão preventiva”, de modo que “os recursos especial e extraordinário, que não têm efeito suspensivo, não impedem o cumprimento de mandado de prisão” [Grifo nosso]. (BRASIL, 2016).

O princípio da legalidade, em âmbito penal, possui relevância primordial na aplicação e condução da marcha processual. Sua aplicação possui ligação direta com o princípio do in dubio pro reo e na vedação de analogia in malam partem; não se pode fazer uso de interpretação extensiva ou analógica em prejuízo do acusado, eis que deverá prevalecer a aplicação da Lei – ainda que careça de “bom português”.

Em direito penal, a legalidade é a âncora do sistema, da segurança jurídica.

[...]

Assim, por mais que as regras legais da prescrição executória estejam equivocadas e mal redigidas — e a nosso ver estão — ainda assim, é a lei. Mais: é a lei penal. Se ela é falha, que o legislador seja instado a modifica-la, aprimorá-la. A desconsideração de seu texto, ainda mais em prejuízo do réu, não parece a melhor saída para corrigir seus defeitos. (BOTTINI, 2015).

O cuidado que se deve ter é quanto ao momento em que o acórdão terá ou não efeito prático no marco interruptivo para a incidência da prescrição. Como destacado a importância do princípio da legalidade na seara penal, o art. 117 estabelece que como marco interruptivo da prescrição da pretensão executória, o início da execução, que até então, só incidia após o trânsito em julgado da sentença penal condenatória para ambas as partes; embora retroagindo ao trânsito em julgado para a acusação, consoante entendimento do art. 112, I, CP. Assim, com a decisão proferida pelo pretório excelso, o que se buscou foi evitar a constante interposição de recursos de cunho procrastinatório que visam, precipuamente, a ocorrência da prescrição da pretensão punitiva. Contudo, ao julgar o HC 126.292/SP, o Tribunal não abordou o efeito da execução provisória da pena referente ao reflexo incidente na prescrição penal.

O inciso V do art. 117 do Código penal, estabelece o início do cumprimento de pena como uma causa interruptiva da prescrição penal. Nessa vertente, vale destacar que este se perfaz com a execução do título executivo judicial obtido em sentença penal condenatória transitada em julgado, dada a sua imutabilidade.

Por outro lado, a execução provisória permite que o acusado inicie o cumprimento de sua pena, sem o exaurimento do princípio da presunção de inocência. A proposta dos Ilustres Ministros da Suprema Corte, que se posicionaram a favor da execução provisória, foi no sentido de afirmar que a presunção de inocência se manteve íntegra, sendo observada durante cada ato da instrução processual e, inclusive, no momento da prolação da sentença de primeiro grau. Porém, em havendo a confirmação daquela, inicia a presunção de culpa do réu, de modo que, qualquer eventual julgamento pelas instâncias superiores (STJ e/ou STF) restará inviabilizado o reexame fático probatório; tendo este se exaurido nas instâncias ordinárias, concluindo – assim – pela harmonia da execução provisória da pena e a presunção de inocência, assegurado constitucionalmente.

O ponto a ser observado é o reflexo da prescrição, se interrompe ou não, a partir do início do cumprimento da pena; pois, dado o caráter provisório da execução e a possibilidade de alteração no julgamento, a interrupção traria prejuízo incalculável ao réu; e mais, acarretaria em decisão sensível e fundada em argumento políticos, haja vista que se assim o fosse, o poder de julgamento – em matéria penal - concedido aos Tribunais Superiores seria ad eternum. A finalidade do instituto supra busca, justamente, prevenir a arbitrariedade e omissão do Estado na punição do indivíduo, desde que ocorra a legitimidade para sua execução, ou seja, “revestida pela qualidade de imutabilidade da coisa julgada” (PACELLI, 2015).

No plenário, o Ministro Dias Tófolli levantou questionamento relevante referente ao estabelecimento que se dará o cumprimento provisório da pena, in verbis:

Ora, admitida a execução provisória da pena, onde seriam recolhidos os presos a ela submetidos? Em meu sentir, constituiria flagrante injustiça permitir que o preso submetido à execução provisória de pena permanecesse recolhido em cadeias públicas ou delegacias. (Medida cautelar na Ação declaratória de constitucionalidade 43 Distrito Federal – Rel. Min. Marco Aurélio).

Ademais, o artigo 283 do Código de Processo Penal reforça a ideia de aplicação de sanção após o trânsito em julgado da sentença condenatória, sendo a prisão cautelar a única forma de restringir a liberdade do réu - no curso de investigação ou do processo criminal.

Cabe advertir, a título de reforço argumentativo, que os efeitos da pena, previstos nos arts. 91 e 92 do Código Penal, estabelecem restrições ou obrigações que deverão ser cumpridas pelo réu em caso de condenação em definitivo, sendo assim, não sendo a execução provisória uma espécie de prisão preventiva, ou prisão em flagrante, como é possível – juridicamente – sua aplicação antes do advento da formação da coisa julgada?

Imperioso destacar trecho do voto do Min. Dias Tóffoli na ADC 43 do Distrito Federal:

Trânsito em julgado, portanto, significa que se tornaram imutáveis os efeitos da sentença condenatória, pela preclusão ou pelo exaurimento do legítimo exercício do direito à interposição dos recursos cabíveis – sublinhe-se “legítimo”, para bem estremá-lo do ilegítimo, enquanto abusivo ou procrastinatório.

Com efeito, estendendo a discussão para além das questões fáticas, não há como deixar de arguir a importância da decisão proferida pela Suprema Corte e seus reflexos na comunidade jurídica; pois, com a devida vênia, há uma carência no tocante a termos técnicos, legais e jurídicos para a total concordância e constitucionalidade da decisão prolatada pelo Pretório Excelso.

Entretanto, não nos cabe aqui debruçarmos acerca da constitucionalidade ou inconstitucionalidade da decisão, mas levantar questionamentos que se mantiveram omissos durante o julgamento pelos Doutos Ministros da Cúpula Constitucional.

Assim, ainda que superado óbice do caráter provisório da sanção penal para a incidência da prescrição, em se tratando de decisão que não possua caráter de imutabilidade, parece-nos que a natureza jurídica desta possibilidade executória se aproxime a uma vertente de natureza cautelar – daí, por que não manter a prisão preventiva sob o fundamento de assegurar a aplicação da Lei penal, ao teor do art. 312 do CPP, já que o argumento está pautado tão somente no caráter assecuratório da aplicação da Lei penal?

Com a decisão proferida pelo STF, há um caráter concreto, por força do efeito erga omnes, a qual servirá de parâmetro para a decisão de todas as instâncias ordinárias. Essa possibilidade, que desde o HC 84.078/MG (cuja relatoria foi do Min. Eros Grau) não vinha admitindo a execução provisória com base em argumentos constitucionais e principiológicos, corroborando com a ideia de Estado Democrático de Direito; no HC 126.292/SP, embora o entendimento tenha efeito distinto, a afirmação é a de que “o Supremo precisa ouvir a sociedade” e o ativismo judicial, neste caso, busca um fim na sensação de flagrante impunidade vivenciada atualmente, malgrado a existência das súmulas 716 e 717 do Supremo Tribunal Federal.

Diante de todo o exposto, em havendo a execução provisória da pena não haverá a interrupção da prescrição da pretensão executória; isto porque o Estado não possui a formação do título executivo judicial, haja vista a inexistência do trânsito em julgado da sentença penal condenatória – o que fora exaustivamente tratado no presente artigo.

Por fim, ainda que superado tal óbice para dissentir dos argumentos acima, em sendo a execução provisória da pena considerada como parâmetro para o marco interruptivo do prazo prescricional recairia sob afronta direta ao inciso V do art. 117 do Código Penal e a consequente violação ao princípio da legalidade, uma vez que o início do cumprimento de pena previsto no artigo da referida lei presume o caráter definitivo da decisão a qual aplicou a pena imposta; interpretação em sentido contrário em prejuízo do réu não se coaduna com a jurisprudência e os liames da democracia a qual se pauta o ordenamento jurídico brasileiro e os princípios constitucionais do in dubio pro reo e analogia in malam partem.

 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O direito penal age na esfera individual com o fim de resguardar os direitos mais relevantes previstos na Constituição, aplicando a sanção cabível e suficiente a reprimir o ato previsto como crime cometido pelo agente. Por outro lado, não se pode ignorar o viés preventivo que a sanção se propõe, a evitar a reiteração na prática dos atos delitivos.

Vale lembrar que, além da prisão, pena existem medidas de natureza acautelatória que, embora prive o indivíduo de sua liberdade, não atribui a este o caráter de culpabilidade, pois – neste caso – a proteção reside na instrução processual, no resguardo aos meios hábeis ao deslinde processual com o fim de assegurar os meios de provas e o devido processo legal. Os institutos cautelares possuem total legitimidade, de modo que sua aplicação não fere a presunção de inocência.

Nesse viés, o princípio da legalidade serve como corolário na seara penal, sua incidência determina a aplicação da lei em sua integralidade, limitando o poder punitivo do Estado. Os mecanismos interpretativos existem como medida excepcional e – somente só – em casos de interpretação in bonam partem, ou seja, que traga benefícios ao réu. Por outro lado, uma interpretação da lei em sentido diverso em prejuízo do acusado, não é admitido no ordenamento jurídico brasileiro.

A decisão proferida no HC 126.292/SP pelo pretório excelso gerou grande discussão no âmbito acadêmico entre os profissionais e operadores do direito, sobretudo, por tratar-se de decisão cujo principal argumento diz respeito a questões sociais; o descrédito do sistema de justiça punitivo para a sociedade e a seletividade penal movida pela procrastinação dos recursos. A atuação do poder judiciário - principalmente na seara criminal – não pode ser discricionária, baseada no livre convencimento. Não há como negar a problemática vivenciada com relação aos crimes e o senso de impunidade; embora não seja esse o foco do presente estudo, são questões jurídicas que transcendem para evidências fáticas diante de um sistema que, infelizmente, é seletivo – e não só referente ao detentor do poder econômico, mas com relação a cor, ao grau de instrução e influências políticas.

Entretanto, executar provisoriamente a pena, ignorando o texto legal e as consequências práticas advindas dessa decisão não nos parece ser o melhor caminho a ser trilhado. Sendo assim, a execução provisória não possui o condão de interromper o marco prescricional, seja na publicação do acórdão confirmatório de sentença, seja no início do cumprimento da pena; ora, não seria o mesmo que prender preventivamente? A natureza mais se assemelha com uma cautelar, no entanto, o Tribunal decidiu sob um novo paradigma com o intuito de haver uma fundamentação concreta a prisão decretada, que não fosse simplesmente para assegurar a aplicação da Lei Penal.

A prisão preventiva, como já destacada, possui conformidade com a Lei penal, pois sua decretação está vinculada ao expresso texto normativo. O cumprimento de pena, todavia, só será possível com a formação da coisa julgada. Em havendo a execução provisória, subsiste um caráter de mutabilidade da decisão; se posteriormente o Tribunal decidir pela absolvição do acusado que solução dará ao tempo de liberdade que lhe foi tirado? E mais, em virtude de uma pena que não lhes cabia? A preventiva atua com fundamento na ordem social e econômica, resguardando a coletividade de indivíduos com razoáveis indícios de periculosidade que, de alguma forma, trará prejuízos ao decorrer do processo investigativo, não havendo que se falar em sanção-pena.

Em contrapartida, falar em execução da pena em caráter provisório é condicionar o indivíduo ao cumprimento desta sem retirar a possibilidade de alteração na decisão; nessa senda, permitindo a interrupção do prazo prescricional seria concentrar em caráter absoluto, todo o poder punitivo nas mãos do Estado, representado pelo Poder judiciário, que não vislumbraria o tempo como uma maneira de limitar o tempo exacerbado para a análise desses recursos por parte das instâncias extraordinárias.

Por fim, não há como deixar de considerar o ativismo judicial do STF ao restabelecer a execução provisória concorrendo a uma série de fatores políticos e sociais; de modo que, ainda que antes do julgamento no HC 126.292/SP, já havia regulamentação da progressão de regime ao preso que tinha sua pena executada de forma provisória – Súmulas 716 e 717 -, sua forma de aplicação não se mostra suficiente para a interrupção do prazo na prescrição penal, que só ocorre com o transita em julgado da sentença penal condenatória para ambas as partes.

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