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Ensaios sobre o novo estatuto da microempresa e da empresa de pequeno porte

(Lei n.º 9.841, de 05 de outubro de 1999)

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01/07/2000 às 00:00
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Sumário: 1-Um pouco de história; 2-Definição de Microempresa (ME) e Empresa de Pequeno Porte (EPP); 3-Enquadramento, Desenquadramento e Reenquadramento; 4-Regime Previdenciário e Trabalhista; 5-Apoio Creditício e Desenvolvimento Empresarial; 6-Sociedade de Garantia Solidária; 6.1-Contrato de Garantia Solidária; 7-Penalidades; 8-Disposições Finais; 8.1-O Protesto, quando devedora a Microempresa ou a Empresa de Pequeno Porte; 8.2-A Microempresa nos Juizados Especiais Cíveis; 9-Conclusões


1 - Um pouco de história

A partir de 1979, durante o último regime militar, o Governo Brasileiro inicia "uma política de desburocratização, não só no meio de seu antiquado, viciado e dificultoso sistema de administração pública, como também no setor privado, para agilizar os organismos econômicos e financeiros" (Requião, 1995:59).

Nos idos de 1984, visando liberar um sistema de tutela diferenciada ao microempresário, o ordenamento pátrio incorpora a Lei n.º 7.256/84 (Estatuto da Microempresa), sancionada pelo então Presidente da República João Figueiredo.

Surgida em plena tormenta de transição de regimes, a Lei cumpriu satisfatoriamente seu papel, podendo notar-se que suas sucessoras aproveitaram sua estrutura, modificando algum conteúdo. Acolhia benefícios tributários, administrativos, previdenciários, trabalhistas, creditícios e de desenvolvimento empresarial.

Eram excluídas de seu regime jurídico algumas atividades civis e comerciais, assim como as sociedades por ações (art. 3º da Lei n.º 7.256/84)(1). Estas, de forma a coibir fraudes, pois muitas atividades civis poderiam se mascarar sob a forma de S/A, para obter as graças do Estatuto(2).

Teve vigência duradoura, quase dez anos.

Durante esse período, nasce a Constituição da República de 1988, que erige a princípio geral da atividade econômica o tratamento diferenciado, favorecido e simplificado, a ser dispensado pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (arts. 170, IX e 179 da Constituição da República).

Com o advento dos blocos econômicos e a inserção do Brasil no MERCOSUL, inicia-se o debate sobre projetos de tratamento isonômico das micro, pequenas e médias empresas sulistas(3).

Em 1994, outro diploma legal - Lei n.º 8.864, de 28/03/94, Estatuto da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte. Suas principais inovações são: a criação da EPP, de sorte a propiciar um regime de transição quando do desenquadramento da microempresa, evitando o repentino aumento dos custos de suas atividades; e a abrangência ampla das atividades civis, o que demonstra a opção legal pela teoria da empresa, em desprestígio dos atos de comércio. Não subsistem, para esse sistema, as restrições às S/A.

Através da Lei n.º 9.317/96, ganha vida o regime tributário do SIMPLES, "Sistema Integrado de Pagamento de Impostos e Contribuições das Microempresas e Empresas de Pequeno Porte", que enseja a possibilidade de pagamento de diversos tributos mediante único recolhimento mensal.

O Grupo Mercado Comum(4) do MERCOSUL, pela Resolução n.º 59/98, aprova o documento "Políticas de Apoio às Micro, Pequenas e Médias Empresas do MERCOSUL – Etapa II".

          Orientado pelas determinações do bloco do sul, o Brasil cria o novo Estatuto da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte, Lei n.º 9.841/99. E, não dando margem a conflito de normas no tempo (como ocorrido com o diploma anterior), seu art. 43 revoga expressamente as Leis n.º 7.256/84 e n.º 8.864/94 (ex-Estatutos da Microempresa).

          Vale ressaltar que a Lei n.º 9.841/99 não revoga a Lei n.º 9.317/96, que instituiu o SIMPLES. Porém, esta sofreu modificação posterior àquela, levada a efeito pelo art. 14 da MP n.º 1.990-30, de 11/04/2000, no sentido da adoção de outros valores de receita bruta anual, impeditivos da opção pelo seu sistema.(5)

O art. 42 da Lei n.º 9.841/99 incumbiu o Poder Executivo de regulamentá-la no prazo de 90 (noventa) dias, contados da data de sua publicação. Um pouco tardio, mas substancioso, o devido decreto vem expedido pelo Presidente da República em 19/05/2000 (Decreto n.º 3.474, publicado no Diário Oficial da União de 20/05/2000, p.1 e2).


2 - Definição de Microempresa(ME) e Empresa de Pequeno Porte(EPP)

O novo Estatuto elevou os valores de enquadramento do porte econômico das empresas(6). Considera-se microempresa a pessoa jurídica ou firma individual mercantil que tiver receita bruta anual igual ou inferior a R$244.000,00 (duzentos e quarenta e quatro mil reais). E, empresa de pequeno porte, aquela que tiver receita superior à mencionada, mas nunca maior que R$1.200.000,00 (um milhão e duzentos mil reais) (7).

Esses valores serão atualizados pelo Poder Executivo com base na variação acumulada pelo IGP-DI, ou por índice oficial que venha a substituí-lo (art.2º, §3º, do novo Estatuto). O grande pecado cometido pela Lei, nesse ponto, foi ter-se silenciado quanto à periodicidade dessa atualização, o que remete o tema à discricionariedade administrativa.

O diploma legal dispensa tratamento uniforme a todas as pessoas jurídicas, não distinguindo entre sociedades comerciais e civis, o que demonstra afeição à teoria da empresa. Todavia, algumas daquelas são excluídas de seu regime, se se subsumirem às hipóteses taxativas de seu art. 3º.


3 - Enquadramento, Desenquadramento e Reenquadramento

A Lei n.º 9.841/99 outorga um tratamento jurídico diferenciado e simplificado em favor de duas categorias de pessoas: microempresa e empresa de pequeno porte.

O Estatuto utiliza-se das expressões enquadramento, desenquadramento e reenquadramento para refletir a situação da pessoa perante seu regime jurídico.

Atendidos os limites de receita bruta anual por ele especificados, as pessoas jurídicas e as firmas mercantis individuais se enquadram na condição de microempresas ou de empresas de pequeno porte.

As microempresas, caso se desenquadrarem por excederem o limite de receita bruta anual para elas previsto, reenquadram-se, passando à condição de empresa de pequeno porte. Se estas se desenquadrarem, reenquadram-se, ou para a categoria de microempresas, se passam a ter receita bruta anual própria destas; ou para empresa comum, excluída do regime do Estatuto, se passam a ter receita bruta anual superior a R$1.200.000,00 (um milhão e duzentos mil reais).

Contudo, a Lei n.º 9.841/99 eliminou o sistema de desenquadramento automático previsto no Estatuto anterior (art. 8º, §2º, Lei n.º 8.864/94). Agora, para que tenha lugar a perda da condição de ME ou EPP, em razão do excesso de receita bruta, é necessário que se verifique esse fato durante dois anos consecutivos(8) ou três anos alternados, em um período de cinco anos (art. 8º, §2º, Lei n.º 9.841/99).

Uma vez enquadradas no regime jurídico do novo diploma legal, as pessoas morais (MEs ou EPPs) não mais carecem de visto de advogado, para que seus atos e contratos constitutivos sejam admitidos a registro (art. 6.º da Lei n.º 9.841/99). Sob uma perspectiva temporal diminuta, a medida representa inegável economia ao empresariado, dispensando o desembolso de honorários de serviços advocatícios preventivos. Todavia, a longo prazo, a opção da Lei pode reverter em prejuízo às MEs e EPPs, pois a probabilidade de dispêndio com curativos, ou seja, gastos com demandas judiciais envolvendo atos e contratos que se formaram sem assessoramento jurídico, é muito maior.

O Decreto n.º 3.474/2000 faculta à pessoa jurídica ou à firma individual mercantil o registro como microempresa e empresa de pequeno porte, que será efetuado à vista de comunicação instrumentalizada especificamente para esse fim (arts.3º e 5º).

Da apreciação dos termos do Decreto, percebe-se que o registro não é constitutivo da condição de microempresa ou empresa de pequeno porte, mas meramente declaratório. Preenchidos os requisitos legais, a pessoa jurídica ou a firma individual faz jus ao tratamento diferenciado, independentemente do registro. Este é considerado, tão-somente, instrumento de prova daquela condição. (9)

Alguma doutrina poderia argumentar o caráter constitutivo do registro com base no art. 20, §2º, do Decreto n.º 3.474/2000, que estabelece que, com o seu cancelamento, a empresa se vê sem os benefícios da Lei n.º 9.841/99. Contudo, esse entendimento não pode prevalecer.

O dispositivo citado encontra-se sob o capítulo "Da Aplicação das Penalidades", o que lhe imprime um caráter de sanção. Portanto, a exclusão do regime jurídico diferenciado decorrente do cancelamento do registro é sanção aplicável aos seus transgressores. Somente as empresas infringentes da Lei podem sofrer essa penalidade. O ditame não guarda qualquer relação de pertinência com o tema da natureza do registro.


4 - Regime Previdenciário e Trabalhista

O Estatuto traz capítulo denominado "Do Regime Previdenciário e Trabalhista", em que seu primeiro artigo (art.10), notadamente, orienta o Poder Público a trilhar os caminhos da simplificação e da desburocratização dos procedimentos previdenciários e trabalhistas, quando do envolvimento de Microempresas ou Empresas de Pequeno Porte.

A disposição é salutar e, ao contrário do que parece, pode ganhar fundamental relevância, em sendo bem aplicada pela Administração Pública. O seu conteúdo libera ao Administrador a opção de instrumentalizar, infra-legalmente, a simplificação almejada. A par disso, dispensa a Lei, em seu art.11, o cumprimento de várias obrigações acessórias constantes da Consolidação das Leis do Trabalho (arts. 74, 135, §2º, 360, 429 e 628, §1º).

Prioriza o Estatuto a orientação das Microempresas e Empresas de Pequeno Porte pelos órgãos de fiscalização trabalhista e previdenciária.

A grande novidade desse capítulo é o estabelecimento do sistema legal de dupla visita da fiscalização trabalhista, para efeito de autuação da ME e da EPP.

Esse critério de dupla visita veda, salvo exceções expressas, a autuação em primeiro momento. A empresa fiscalizada deve ser orientada no sentido da cessação do desrespeito à legislação trabalhista. Em segunda oportunidade, somente no caso de subsistirem as afrontas à lei, deverá se proceder à respectiva autuação.

Da leitura conjunta do caput e do parágrafo único, do art. 12, da Lei n.º 9.841/99, sobressalta o caráter pedagógico(10) de que se reveste a norma. A fiscalização trabalhista não deve mais ser temida pela ME e EPP. Ao contrário, deve ela ser vista como uma aliada no trato das relações de emprego.

A fiscalização deve visitar as MEs e EPPs para instruí-las, e não para sancioná-las. Somente quando da constatação ulterior do desrespeito à orientação, terá lugar o apenamento.

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A aplicação dessas disposições em sua integral dimensão trará significativo contributo às economias das empresas a elas sujeitas.


5 - Apoio Creditício e Desenvolvimento Empresarial

Nessa parte do Estatuto, o Poder Executivo ganha papel fundamental nas políticas desenvolvimentistas, principalmente no fomento creditório.

Diz a Lei que as instituições financeiras oficiais, que operam com crédito para o setor privado, manterão linhas especiais às MEs e às EPPs.

A novidade do capítulo tem lugar no apoio às atividades de exportação (art. 17). Para concessão desse apoio, a Lei remete os conceitos de ME e EPP aos parâmetros de enquadramento aprovados pelo MERCOSUL (Resolução n.º 59/98), conforme quadro que se segue:

INDÚSTRIA

TAMANHO PESSOAL OCUPADO VENDAS ANUAIS US$
De – até De - até De - até
MICRO 1-10 1-400.000
PEQUENA 11-40 400.001-3.500.000
MÉDIA 41-200 3.500.001-20.000.000

 COMÉRCIO E SERVIÇOS

TAMANHO PESSOAL OCUPADO VENDAS ANUAIS US$
De – até De - até De - até
MICRO 1-5 1-200.000
PEQUENA 6-30 200.001-1.500.000
MÉDIA 31-80 1.500.001-7.000.000

A propósito, cumpre assinalar que a classificação(11) acima é endereçada somente à norma de apoio creditório à exportação, não operando efeitos para os demais capítulos da Lei, salvaguardadas as hipóteses de penalidades (arts. 32 e 33). Vale, ainda, a lembrança de que esses valores de enquadramento vêm expressos em moeda nacional no art. 13 do Decreto nº 3.474/2000 (é esta a disposição a ser observada quando da concessão do beneficio).

Uma dúvida poderia surgir quando da aplicação da norma. Destina-se ela a implementar ajuda creditícia a toda e qualquer atividade exportadora, ou somente àquelas dirigidas aos países do MERCOSUL?

Mostra-se correto o entendimento de que esses incentivos do crédito devem ser percebidos em toda e qualquer atividade de exportação, respeitado o enquadramento como ME ou EPP, independentemente dos países destinatários.

Os parâmetros estabelecidos pelo MERCOSUL têm a tarefa de uniformizar o trato do suporte créditício às empresas, visando, em última análise, a efetiva igualdade de oportunidades dentro do bloco econômico. Não se pode pretender a liberação do regime jurídico privilegiado, a partir da observância dos destinatários da exportação, pois, neste caso, restaria ocorrida a violação ao princípio maior da isonomia, tão indesejada pelo Direito.

Quanto ao desenvolvimento empresarial, a Lei dita o direcionamento de verbas às MEs e EPPs. Dispõe, ainda, sobre vários outros privilégios, merecendo menção as facilidades de acesso aos serviços públicos de metrologia e certificação de conformidade e o tratamento diferenciado quando atuarem no mercado internacional.

O art. 24 prevê uma especial atenção às microempresas e às empresas de pequeno porte, devendo a política de compras governamentais dar-lhes prioridade, nos termos de regulamentação ulterior ( prevista no art. 42).


6 - Sociedade de Garantia Solidária

O novo Estatuto da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte (Lei n.º 9.841/99), em seu art. 25 e ss., prevê a Sociedade de Garantia Solidária(12), que é pessoa jurídica de direito privado, organizada sob a forma de sociedade anônima, e que tem por objeto prover garantia a seus sócios participantes, mediante a celebração de contratos.

Com efeito, a lei distingue entre sócios participantes e sócios investidores(13). Estes efetuarão aporte de capital na sociedade exclusivamente para auferir rendimentos. Aqueles primeiros serão em número mínimo de 10 (dez), devendo ser todos Microempresas e/ou Empresas de Pequeno Porte (art. 25, parágrafo único). Somente a estes sócios participantes a sociedade poderá conceder garantias.

A distribuição das ações, na Sociedade de Garantia, sofre restrições censitárias. Os sócios investidores, em conjunto, não poderão ser titulares de ações que representem mais de 49% do capital social e, em conseqüência, os sócios participantes terão sempre a maioria acionária, não podendo, individualmente, deter mais de 10% do capital social.

Ela se sujeita, ainda, a restrições subjetivas, ora qualitativas, ora quantitativas.

Os óbices qualitativos têm lugar no art. 25, parágrafo único, inciso I, ao exigir-se que os sócios participantes sejam, somente, MEs e/ou EPPs. Costuma-se dizer que a sociedade anônima é a sociedade de capital por excelência. Não se pode deixar de observar que, ao exigir aquelas qualidades de determinada categoria de sócios, a Sociedade de Garantia Solidária, embora se revista da forma de S/A, tem sua índole capitalista mitigada. Outra disposição que autoriza esse entendimento é a "proibição de que as ações dos sócios participantes sejam oferecidas como garantia de qualquer espécie" (art. 26, III).

A restrição quantitativa encontra-se na obrigatoriedade do número mínimo de 10 (dez) sócios da categoria de participantes.

Comporta indagar-se: qual o número mínimo de sócios necessário para a constituição dessa sociedade?

A pergunta pode suscitar dúvidas, em razão do art. 25, parágrafo único, em que se estabelece que "a sociedade de garantia solidária será constituída de sócios participantes e sócios investidores" (grifou-se).

A esse respeito, apresentam-se duas respostas plausíveis. A primeira delas, e mais acertada, é no sentido de que devem concorrer, no mínimo, dez sócios, número representativo do mínimo legal de sócios participantes (MEs e/ou EPPs). Isso, em se entendendo dispositiva a norma do referido ditame legal. A própria lei, ao estabelecer que cada qual dos dez sócios participantes (mínimo legal dessa categoria) concorrerá com, no máximo, 10% do capital social, enseja a possibilidade de criação de uma sociedade com dez sócios e capital distribuído igualmente entre eles. Dispensada, destarte, na sociedade, a integração de sócio investidor.

A reunião de dez Microempresas e/ou Empresas de Pequeno Porte, para constituir uma Sociedade de Garantia Solidária, há de ser vista como o quantum satis. Elas não podem se privar da criação dessa pessoa jurídica, que lhes será tão útil ao exercício de suas atividades, em virtude da inexistência de pessoa disposta a figurar como sócia investidora.

A razão de ser dessa sociedade é, primordialmente, envidar um patrimônio idôneo a fazer frente às necessidades de garantia, que tanto embaraçam o exercício das atividades das MEs e das EPPs. Essa finalidade pode, perfeitamente, ser atingida por intermédio de sociedade de garantia solidária composta por dez pessoas enquadradas como MEs e/ou EPPs.

Lado outro, se se imprimisse imperatividade ao conteúdo do art. 25, parágrafo único, deveria haver o número mínimo de 12 (doze) sócios. Chegar-se-ia a esse resultado pela adição de dois sócios investidores ao imperativo mínimo de 10 (dez) sócios participantes. Os dois investidores justificar-se-iam por ser o menor número inteiro extraível do plural da expressão "e sócios investidores".

Sem embargo à inteligência da segunda tese, há de prevalecer aquela primeira resposta, em atenção aos sólidos argumentos anteriormente articulados.

Passa-se, agora, ao trato do nome comercial a ser atribuído às Sociedades de Garantia Solidária.

O novel diploma legal é silente quanto à matéria, devendo o intérprete recorrer à Lei das S/A. Portanto, a sociedade de garantia solidária terá denominação social acompanhada das expressões "companhia" ou "sociedade anônima", escritas por extenso ou abreviadamente, vedada a menção da primeira ao final (art.3º da Lei n.º 6.404/76).

O art. 42 do Estatuto da ME e da EPP prescreve que o Poder Executivo regulamentará a Lei no prazo de noventa dias contados da data de sua publicação. Poder-se-ia imaginar que, com essa regulamentação, viriam as diferenças específicas a se juntarem à denominação das Sociedades de Garantia Solidária, o que não é de se admitir. Nome comercial é matéria de Direito Comercial e somente o Legislativo Federal é competente para sobre ele dispor (arts. 22, I e 48, caput, da Constituição da República). Donde prevalecerão, em qualquer caso, as regras da Lei das S/A(14).

No estatuto da Sociedade de Garantia, coexistirão as matérias especialmente elencadas no art. 26 da Lei n.º 9.841/99 e todas as demais que se mostrarem com elas compatíveis, a partir da obediência às normas da Lei das S/A.

Não se pode olvidar que o art. 26, IV, traz a estrutura orgânica da Sociedade de Garantia. A Assembléia Geral será o órgão máximo da sociedade e elegerá o Conselho Fiscal e o Conselho de Administração. Este, a seu turno, indicará a Diretoria Executiva.

A Assembléia Geral da Sociedade de Garantia Solidária poderá experimentar dificuldades na tomada de suas deliberações. O antagonismo das categorias legais de seus acionistas – as MEs e/ou EPPs como sócias participantes e os sócios investidores - implica em difícil identificação do interesse social. Outro problema é o fato de os sócios participantes figurarem em pólo oposto ao da companhia nos seus contratos de garantia solidária, o que será o bastante para gerar conflitos de interesses no seio da Assembléia(15).

Deve-se, ainda, colocar outra indagação: poderia o estatuto prever ações preferenciais, sem direito de voto?

A resposta é afirmativa. A Lei n.º 9.841/99 não veda a criação dessa espécie de ações na Sociedade de Garantia Solidária e, portanto, não toca ao intérprete a possibilidade de proibi-las(16). O texto legal porta, outrossim, restrições pertinentes ao capital social, ao vedar que os sócios investidores sejam titulares, em conjunto, de ações representativas de mais de 49% do capital social. Todavia, não há confundir-se domínio de ações e controle da sociedade, principalmente num contexto de dissociação entre propriedade e gestão, como o percebido nas S/A desde o início deste século. A propósito, a previsão estatutária de ações preferenciais, sem direito de voto, em determinados episódios da vida, pode ser meio idôneo a atrair sócios investidores, que pretendam o controle da sociedade.

Ainda reportando-se às ações, é inegável a dificuldade de se manter a distribuição do capital social nos termos da Lei (os sócios participantes devem deter, no mínimo, 51% das ações), sem a adoção de formalidades. Prima facie, a única medida capaz de bem se desincumbir da tarefa é a criação de classes de ações. Portanto, independentemente da espécie (se ordinárias ou preferenciais), o estatuto social há de valer-se da previsão de classes de ações de participantes e de ações de investidores, para respeitar as proporções legais. É o resultado da soma dos atributos da classe da ação e das qualidades do titular que vai determinar os direitos do sócio.

Sobreleva esclarecer a situação do sócio participante que, desenquadrando-se, venha a ser excluído do regime da Lei n.º 9.841/99. O estatuto da sociedade deverá prever a hipótese como motivo de seu afastamento do quadro societário, ou facultar sua permanência, porém, na condição de sócio investidor. No referente ao contrato de garantia solidária firmado entre a sociedade e o sócio participante que ulteriormente vier a ser excluído, ele não será afetado, pois é ato jurídico perfeito, subsistindo sua plena eficácia.

Após essa breve exposição sobre aspectos que podem se tornar polêmicos quando da aplicação da Lei n.º 9.841/99, cumpre perquirir sobre a novidade da Sociedade de Garantia Solidária. Seria ela um tipo societário inovador no Direito Brasileiro?

Depreende-se, do exame da legislação, que a Sociedade de Garantia Solidária é um novo e especial modelo de sociedade anônima. Prevê-se sua finalidade específica: prestar garantia solidária exclusivamente a seus sócios participantes – MEs e EPPs (art. 25, caput).

Diferentemente da regra de dois sócios nas S/A, exige-se, para sua constituição, o mínimo de dez sócios (ou 12, conforme o grau de obrigatoriedade que se emprestar à norma).

A nova sociedade sofre várias ingerências normativas que não existem no regime jurídico da Lei das S/A, merecendo especial atenção aquelas relacionadas à interação entre sócios, capital, objeto e finalidade sociais.

Há diversas outras normas especiais impositivas, que a tornam uma particularíssima sociedade nova, cuja constituição a lei veio autorizar.

Essas disposições especiais que interagem de forma prevalente e, ao mesmo tempo, harmônica com a Lei das S/A, modificam o status quo e chancelam o caráter de novidade da Sociedade de Garantia Solidária.

Entretanto, não se pode deferir-lhe a compreensão de um novo tipo social, porquanto ainda ligada umbilicalmente à sociedade anônima, dependendo sua vida do tipo societário desta.

Por fim, valem duas lembranças. A primeira delas é a de que a Sociedade de Garantia Solidária rege-se por leis e usos do comércio (art. 2º, §1º, Lei n.º 6.404/76). E, a segunda, diz respeito à paradoxal impossibilidade de enquadramento da nova sociedade como ME ou EPP. Ela será excluída do regime privilegiado, seja por serem suas sócias pessoas jurídicas, seja pelo concurso de pessoa física titular de firma mercantil individual (art. 3º, Lei n.º 9.841/99).

          6.1-Contrato de Garantia Solidária

Para concessão de garantia a seus sócios participantes, a nova sociedade se vale do contrato de garantia solidária (art. 28). É um contrato típico(17) e tem natureza mercantil(18).

Por intermédio desse contrato, a sociedade concede a garantia e, em contraprestação, é remunerada (à concessão de garantia a lei imprime o caráter de serviço, o que trará repercussão para o Direito Tributário).

Com efeito, mister se faz a diferenciação entre sócio remisso e sócio participante inadimplente de obrigações contratuais. Este é o que contrata com a sociedade o serviço de concessão de garantias, sem, no entanto, pagar a correlata prestação. E, aquele é o sócio que não integraliza suas ações subscritas.

A prova do contrato pode ser realizada pelos meios admitidos no Código Comercial (art.122 e ss.). Todavia, para uma maior segurança da relação firmada entre as partes, aconselha-se a sua elaboração por escrito. Inclusive, mostra-se conveniente a presença de assinaturas das partes e de duas testemunhas, para que o contrato se revista de exeqüibilidade, nos termos do art. 585, II, do Código de Processo Civil.

Segundo disposto no art. 28, parágrafo único, da Lei n.º 9.841/99, a sociedade pode exigir contragarantia do sócio participante beneficiário. Entretanto, no mais das vezes, ela não faz frente à garantia prestada pela companhia, pois, em ostentando garantias idôneas às suas necessidades, o sócio participante não careceria do socorro do contrato.

O contrato de garantia solidária, numa especulação dentro da limitada realidade fenomenológica do instituto, pode ser visto como "parente próximo" das cartas de fiança prestadas por instituições financeiras, em que se estabelece relação jurídica assemelhada entre as partes.

A nova modalidade contratual representa uma opção para que as empresas possam se esquivar das altas taxas remuneratórias do mercado financeiro.

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Sobre o autor
Marcelo Andrade Féres

professor do Centro Universitário de Brasília (UniCEUB), doutorando e mestre em Direito pela UFMG, diretor do gabinete do Advogado-Geral da União, procurador federal

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FÉRES, Marcelo Andrade. Ensaios sobre o novo estatuto da microempresa e da empresa de pequeno porte: (Lei n.º 9.841, de 05 de outubro de 1999). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 43, 1 jul. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/752. Acesso em: 25 dez. 2024.

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