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Ensaios sobre o novo estatuto da microempresa e da empresa de pequeno porte

(Lei n.º 9.841, de 05 de outubro de 1999)

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01/07/2000 às 00:00
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7 - Penalidades

          Em capítulo denominado "Das Penalidades", o novel Estatuto da ME e da EPP prevê que aquele que, não preenchendo os requisitos bastantes à liberação de seu regime jurídico e nele insistir, ficará sujeito ao cancelamento de seu registro como ME ou EPP (art. 32, I).

Independentemente da imposição dessa sanção, se houver contraído empréstimo em razão da nova lei, o seu fraudador sujeitar-se-á à aplicação automática de multa de 20% sobre o seu valor monetariamente corrigido, a ser revertida em benefício da instituição financeira mutuante (art.32, II).

Em princípio, parece que a expressão "automática" não enfrenta com êxito o exame de constitucionalidade. Para que se possa impor sanção dessa ordem, imprescindível a observância de processo, seja administrativo, seja judicial, como forma de se assegurarem os cânones da ampla defesa e do devido processo legal.

Essa expressão deve ser entendida como geradora de procedimento, em que, somente ao final, após assegurado o exercício do contraditório(19), chegar-se-á, ou não, à aplicação da penalidade.

Comporta salientar que, na Lei n.º 8.864, em seu art. 27, III, a penalidade atribuída ao mesmo fato era mais grave. A multa era de 50% sobre o valor monetariamente corrigido dos empréstimos percebidos com base naquela Lei.

O dispositivo do art. 33 não merece maiores comentários, na medida em que sua presença, no corpo legal, é de inocuidade óbvia(20). Veja-se:

          "Art.33. A falsidade de declaração prestada objetivando os benefícios desta Lei caracteriza o crime de que trata o art.299 do Código Penal, sem prejuízo de enquadramento em outras figuras penais".


8 - Disposições Finais

Compete ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior acompanhar e avaliar a implantação efetiva das normas do Estatuto (art. 41).

Dentre as disposições finais da Lei, apresentam-se como de maior expressão aquelas atinentes ao protesto de títulos e à competência dos Juizados Especiais Cíveis, consoante desenvolvimento nas próximas linhas.

          8.1-O Protesto, quando devedora a Microempresa ou a Empresa de Pequeno Porte

Para melhor compreensão das modificações do procedimento de protesto quando o devedor for ME ou EPP, convida-se à leitura de algumas disposições acerca da matéria. Confrontam-se, a seguir, normas genéricas (1ª coluna) com normas específicas (2ª coluna):

Lei n.º 9.492/97

Art. 37. Pelos atos que praticarem em decorrência desta Lei, os Tabeliães de Protesto perceberão, diretamente das partes, a título de remuneração, os emolumentos fixados na forma da lei estadual e de seus decretos regulamentadores, salvo quando o serviço for estatizado.

§1º Poderá ser exigido depósito prévio dos emolumentos e demais despesas devidas, caso em que, igual importância deverá ser reembolsada ao apresentante por ocasião da prestação de contas, quando ressarcidas pelo devedor ao Tabelionato. (...)

------------------------------

Art.26. O cancelamento do registro do protesto será solicitado diretamente no Tabelionato de Protesto de Títulos, por qualquer interessado, mediante apresentação do documento protestado, cuja cópia ficará arquivada.

§1º Na impossibilidade de apresentação do original do título ou documento de dívida protestado, será exigida a declaração de anuência, com identificação e firma reconhecida, daquele que figurou no registro do protesto como credor, originário ou por endosso translativo. (...)

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Art.19. (...)

§3º Quando for adotado sistema de recebimento do pagamento por meio de cheque, ainda que de emissão de estabelecimento bancário, a quitação dada pelo Tabelionato fica condicionada à efetiva liquidação.

(...)

Lei n.º 9.841/99

Art.39.O protesto de título, quando o devedor for microempresário ou empresa de pequeno porte, é sujeito às seguintes normas:

I – os emolumentos devidos ao tabelião de protesto não excederão um por cento do valor do título, observado o limite máximo de R$20,00 (vinte reais), incluídos neste limite as despesas de apresentação, protesto, intimação, certidão e quaisquer outras relativas à execução dos serviços;

II – para o pagamento do título em cartório, não poderá ser exigido cheque de emissão de estabelecimento bancário, mas, feito o pagamento por meio de cheque, de emissão de estabelecimento bancário ou não, a quitação dada pelo tabelionato de protesto será condicionada à efetiva liquidação do cheque;

III – o cancelamento do registro do protesto, fundado no pagamento do título, será feito independentemente de declaração de anuência do credor, salvo no caso de impossibilidade de apresentação do original protestado;

IV – para os fins do disposto no caput e nos incisos I, II e III, caberá ao devedor provar sua qualidade de microempresa ou empresa de pequeno porte perante o tabelionato de protestos de títulos, mediante documento expedido pela Junta Comercial ou pelo Registro Civil das Pessoas Jurídicas, conforme o caso.

          Primeiramente, há de se balizar o campo normativo do art. 39, caput, do novo Estatuto. Em lugar da expressão "devedor", leia-se "devedor principal". O protesto do título é tirado contra este e, assim, somente quando for principal devedora ME ou EPP e dessa qualidade fizer-se prova, o procedimento seguirá as especificidades trazidas pelo dispositivo.

O teto dos emolumentos depende, nos termos da Lei, de prova do enquadramento como ME ou EPP, a ser realizada pelo devedor na oportunidade do pagamento. E, como fica a situação do credor que sabe ser seu devedor ME ou EPP? Deveria ele antecipar(21) as despesas em conformidade com o teto ou esse limite não lhe aproveita?

Deve-se pugnar pela aplicação constante do teto quando se sabe ser a devedora ME ou EPP. A própria Lei n.º 9.492/97, que contém as normas genéricas relativas ao protesto de títulos, ao permitir, no art. 37, §1º, que o Tabelião possa exigir "depósito prévio dos emolumentos e demais despesas devidas", acrescenta: "caso em que, igual importância deverá ser reembolsada ao apresentante do título por ocasião da prestação de contas, quando ressarcidas pelo devedor ao Tabelionato" (grifou-se). E mais: é evidente que o Tabelião não pode exigir, a título de depósito prévio, importância superior àquela que a Lei n.º 9.841/99 estabelece como limite máximo para cobrir todas e quaisquer despesas inerentes ao serviço a realizar – R$20,00 (art. 39, I).

O art. 39, inciso II, do Estatuto veda a exigência de pagamento mediante cheque de emissão de estabelecimento bancário (também conhecido por cheque administrativo), quando devedora a ME ou a EPP. E, assim como faz a Lei n.º 9.492/97 (art. 19, §3º), prevê que, "feito o pagamento por meio de cheque, de emissão de estabelecimento bancário ou não, a quitação dada pelo Tabelionato de protesto será condicionada à efetiva liquidação do cheque" (art. 39, II).

Nada obstante a patente intenção legal de que se admita o pagamento por intermédio de cheque do devedor, a realidade aponta noutro sentido. É praxe corrente nos Tabelionatos a exigência de cheque administrativo ou dinheiro. Assim, é triste a conclusão, mas, ao que se apresenta, só restará às MEs ou EPPs devedoras a opção pelo pagamento em espécie, quando não preferirem o cheque de emissão de estabelecimento bancário, pois os cheques de sua emissão podem ser recusados.

Com a especial sistemática, a ME ou EPP pode requerer o cancelamento do protesto, fundado no pagamento do título, independentemente de anuência do credor, salvo no caso de impossibilidade de apresentação do original do documento protestado.

          O Estatuto, em seu art. 40, dá nova redação aos arts. 29 e 31 da Lei n.º 9.492/97. São disposições relativas ao fornecimento, a determinadas entidades, de relação dos protestos tirados e dos cancelamentos efetuados. As modificações imprimidas não são substanciais a ponto de se poder afirmar que a Lei pretenda preservar, senão timidamente, a imagem das empresas que têm títulos protestados.

          8.2-A Microempresa nos Juizados Especiais Cíveis

          A inovação do art. 38 da Lei n.º 9.841/99 limita-se à possibilidade de os Juizados Especiais Cíveis conhecerem de relação processual que tenha por autora pessoa jurídica microempresária. No referente à propositura de ações por firma individual microempresária, o referido dispositivo não é inovador, porquanto aqueles órgãos já tinham competência para conhecê-las na sistemática única da Lei n.º 9.099/95; a firma mercantil individual microempresária é signo indicativo da própria pessoa natural no exercício da mercancia em caráter de profissionalidade.

A exclusão dos "cessionários de direitos de pessoas jurídicas", prevista ao final do citado dispositivo, é repetição de texto preexistente na Lei n.º 9.099/95. A previsão "justifica-se como antecipação para coibir as possíveis fraudes que sucederiam na prática" (Figueira Júnior e Ribeiro Lopes, 1997:168).

A lei é de clareza singular. Equipara as pessoas jurídicas microempresárias às pessoas físicas capazes, para a finalidade de submeterem seus litígios ao conhecimento dos Juizados Especiais Cíveis, aplicando-lhes a previsão do art. 8º, §1º, da Lei n.º 9.099/95.

Esse ditame encontra-se sob a Seção II, do Capítulo II, da Lei dos Juizados, e é referente às "partes", o que tem levado alguma doutrina, atenta à interpretação sistemática, a dizer que seria uma "legitimação para o processo" ou "capacidade processual". Logo, para esse setor da doutrina, o art. 38 do Estatuto da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte estabeleceria a legitimatio ad processum da Microempresa perante os Juizados.

Esse entendimento, contudo, acaba por deturpar o conceito de capacidade processual, para nele inserir aquilo que não se conseguiu explicar. Pode-se afirmar, grosso modo, que a capacidade processual(22) confunde-se com a própria capacidade civil. Ela é genérica, não podendo ser aferível perante cada procedimento em particular. E, seguindo-se essa ordem racional, não há como afirmar-se a incapacidade processual da pessoa jurídica microempresária (que é genérica) sob os auspícios da sistemática singular da Lei n.º 9.099/95 e, tampouco, dizer-se do seu surgimento somente com o novo diploma legal.

Para dar prosseguimento à explanação, mister se faz a lembrança de que a Lei dos Juizados Especiais Cíveis regula um procedimento, mas, a par disso e principalmente, cria um novo órgão jurisdicional, com competência própria.

Em verdade, quando a lei criadora de um órgão toma em conta as qualidades das pessoas, para estabelecer quem pode e quem não pode a ele se apresentar, ela está balizando as suas atribuições. Sob outro prisma: quando a lei diz se determinado órgão do Estado-Juiz pode, ou não, conhecer de relações processuais envolvendo determinadas pessoas, ela está ditando normas de competência(23).

Portanto, em atenção à teoria geral do processo, o art. 38 da Lei n.º 9.841/99 é norma de expansão da competência dos Juizados, em razão da pessoa moral microempresária (obs: a repercussão jurídica de um ou outro entendimento é idêntica).

Vale esclarecer que a fixação da competência do Juizado Especial Cível não se dá somente em atenção às pessoas, devendo ser observados, também, o território e a matéria (sobremaneira o valor da causa).

Embora seja patente a auto-aplicabilidade do art. 38 do Estatuto da ME e da EPP, alguns Juizados têm lhe negado vigência, rejeitando sua competência para conhecer de ações propostas por Microempresas, ao fundamento de carência de regulamentação pelo Poder Executivo, consoante disposto no art. 42 do Estatuto da ME e da EPP.

Tal entendimento não resiste à mais perfunctória das argumentações.

Realmente, o Estatuto da ME e da EPP necessita de regulamentação, mas ela não se refere a seu inteiro teor. Em seu corpo, há dispositivos que contêm, em si mesmos, toda sua extensão e compreensão, prescindindo, dessarte, de complemento ulterior. E, bom exemplo dessas disposições é aquela que confere às Microempresas a prerrogativa de ajuizar ações perante os Juizados Especiais Cíveis.

A propósito, a fragilidade do argumento de necessidade de intervenção do Poder Executivo, para que a norma ganhe eficácia, situa-se no fato de que, quando o art. 42 do Estatuto defere ao Executivo mero poder regulamentar, o mesmo não pode, no exercício desse poder, exorbitá-lo, legislando sobre matéria de direito processual. E, a possibilidade de os Juizados Especiais Cíveis solucionarem lides deduzidas por microempresas está prevista em lei emanada do Poder Legislativo competente (arts. 22, I e 48 da Constituição da República), o que se apresenta como instrumento suficiente à percepção do fenômeno no mundo da realidade(24).

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A rejeição sumária dessas ações nos Juizados Especiais Cíveis revela a imperdoável omissão jurisdicional, que contraria direitos e garantias previstos na Carta Política. Aliás, retira a esperança de aplicação eficaz de aparato legal criado justamente para sanar o gravoso e moroso socorro aos Juízos Comuns.

A única explicação racional para essa negativa de competência é o receio de se sobrecarregarem excessivamente os Juizados, em virtude de uma provável "síndrome da litigiosidade reprimida", que poderia avassalar o ânimo das Microempresas.


9 - Conclusões

Não obstante a existência de algumas obscuridades, a Lei é boa. Amplia o espectro das MEs e EPPs, elevando seus valores de enquadramento, o que reflete timidamente os sopros do MERCOSUL.

Repete-se a adoção da teoria da empresa, dispensando tratamento idêntico a atividades civis e mercantis, no que andou bem a escolha legislativa.

As modificações introduzidas no regime previdenciário e trabalhista são substanciais, no afã de redução de despesas das empresas de micro e pequeno porte econômico, bem como para atribuir-se caráter pedagógico à fiscalização trabalhista.

A principal novidade do capítulo do apoio creditício é, através do estímulo às exportações, a condução da ME e da EPP ao cenário do mercado regional e internacional.

Cria-se uma particularíssima sociedade anônima, que tem por finalidade específica prestar garantias a seus sócios. Na prática, prima facie, parece condenada ao insucesso, eis que enfrentará dificuldades para atrair investidores. O aporte de capital nessa sociedade importa em riscos extremos, se comparados aos de outras opções de investimento (inclusive, a Lei determina, em seu art. 27, III, a criação de um fundo de risco).

As penalidades trazidas no corpo legal são repetição do Estatuto revogado, com algumas modificações orientadas para o abrandamento do rigor.

          São significativas as alterações no procedimento do protesto tirado contra devedor ME ou EPP. E, não há como esquecer-se da nova competência dos Juizados Especiais Cíveis, para o conhecimento de ações propostas por Microempresas.

Vale a lembrança de que "o tratamento jurídico simplificado e favorecido, estabelecido nesta Lei, visa facilitar a constituição e o funcionamento da microempresa e empresa de pequeno porte, de modo a assegurar o fortalecimento de sua participação no processo de desenvolvimento econômico e social" (art. 1º, parágrafo único, Lei n.º 9.841/99).

Por fim, somente a vinda do tempo poderá dizer da efetiva aplicação da Lei.

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Sobre o autor
Marcelo Andrade Féres

professor do Centro Universitário de Brasília (UniCEUB), doutorando e mestre em Direito pela UFMG, diretor do gabinete do Advogado-Geral da União, procurador federal

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FÉRES, Marcelo Andrade. Ensaios sobre o novo estatuto da microempresa e da empresa de pequeno porte: (Lei n.º 9.841, de 05 de outubro de 1999). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 43, 1 jul. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/752. Acesso em: 24 nov. 2024.

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