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Os reflexos das mudanças do Código Penal no Direito de Família

13/11/2005 às 00:00
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A Lei n. 11.106, de 28 de março de 2005, alterou e revogou diversos artigos do Código Penal, mormente os relacionados aos crimes contra os costumes. Os incisos VII e VIII do artigo 107 do Código Penal, intimamente ligados aos crimes contra os costumes, também foram revogados.

A revogação desses incisos restringiu o alcance do artigo 1520 do Código Civil que permitia o casamento entre nubentes que ainda não haviam completado a idade núbil, qual seja, dezesseis anos, desde que tivesse a finalidade de evitar imposição ou cumprimento de pena criminal ou em caso de gravidez. No Código de 1916, a idade núbil para a mulher dava-se aos dezesseis anos e, para o homem, a partir dos dezoito.

Com a revogação dos referidos incisos, o casamento entre nubentes antes da idade núbil só será possível em caso de gravidez e desde que haja autorização judicial. A doutrina diz que não importa qual dos nubentes seja menor de dezesseis anos, e assim parece correto, haja vista que a lei não faz distinção e, pelo novo código (art. 1517), a idade núbil é a mesma, tanto para o homem quanto para a mulher.

O artigo 1520 do Código Civil era interligado aos referidos incisos revogados. Com a revogação destes, uma parte do artigo 1520 do Código Civil não terá mais aplicação, ou conforme se entenda, passará a ser ineficaz.

Se o casamento da vítima com o agente nos crimes contra os costumes quando praticados mediante violência ou grave ameaça não mais extingue a punibilidade; e, se o casamento da vítima com terceiro nos crimes definidos nos capítulos I II e III do Título VI da parte especial do Código Penal (quando não há violência ou grave ameaça), também não extingue a punibilidade, a norma do artigo 1520 do Código Civil não tem mais vigência, ao menos parcialmente.

Agora, salvo na hipótese de gravidez, não há a possibilidade de se permitir que uma menor de dezesseis anos case-se com um homem de dezoito, tenha ele cometido ou não, um crime contra o costume contra ela. Isso porque este casamento não extinguirá a punibilidade do agente. Outrossim, ela não poderá casar-se com um terceiro pois este casamento também não extinguirá a punibilidade do ofensor.

De outro lado, figure-se a hipótese de uma mulher de dezoito anos obrigar um garoto de quinze anos a ter com ela ato libidinoso diverso da conjunção carnal, ou seja, a mulher maior de dezoito anos pratica atentado violento ao pudor contra um menor de dezesseis anos. Pela lei, na hipótese remota de ocorrer gravidez e desde que haja autorização judicial, o casamento entre ambos poderá se realizar porque apesar de um dos nubentes não possuir idade núbil, houve gravidez.

O inciso VII do Código Penal raramente era aplicado pois não é comum a vítima, após ser violentada sexualmente, casar com o ofensor.

O inciso VIII teve mais aplicação prática mas também não se justificava extinguir a punibilidade de um criminoso porque a vítima dele se casou com um terceiro. Neste último caso, dizia-se que a finalidade da lei era proteger a nova família que estava se formando e desestimular o pretenso marido da mulher violentada de desistir do casamento ao saber que sua noiva tivera relação sexual.

A nosso ver, ambos os incisos revogados eram do tempo em que o vigoravam no Brasil outros costumes, tempo em que os pais das donzelas "defloradas" torciam para que suas filhas conseguissem marido apesar de não serem mais "mulher honesta". Havia um interesse social em ver essas mulheres casadas e, por isso, permitia-se o casamento de pessoas em tenra idade. Segundo Maria Helena Diniz " Nessas hipóteses, o magistrado, para coibir a desonra, ou pôr termo ao processo criminal, supre a idade da menor, ordenando, conforme as circunstâncias, a separação de corpos até os cônjuges alcançaraem a idade legal ( CC, art. 214, parágrafo único), e impondo a separação de bens, que é nesse caso, o regime obrigatório ( CC, art. 258, parágrafo único, IV)." [01]

Esses comentários referem-se ao Código de 1916. Com o novo Código, o magistrado não precisa ordenar a separação de corpos.

Sabe-se que o casamento é uma instituição que traz grandes responsabilidades aos cônjuges e exige efetivo amadurecimento psicológico. Por isso, o matrimônio antes dos dezesseis anos só deve ser permitido em hipóteses restritas. Pela legislação atual, a única hipótese será em caso de gravidez.

O legislador estabelece a idade núbil a partir de critérios sociais, biológicos, culturais. Na antiguidade, o critério para se estabelecer a idade núbil era a capacidade de procriação.

No Brasil, a idade núbil vem sendo estabelecida de acordo com as mudanças da sociedade e conforme o legislador entende haver aptidão física e psicológica.

"Como se percebe, a visão do casamento repousava, primariamente, na procriação, uma vez que relevava a questão da puberdade.

Sob a orientação canônica, no Brasil do século XVIII, a idade para o casamento era fixada em quatorze anos para o homem e doze para a mulher.

Com o advento do Decreto nº 181, de 24.01.1890 (Lei do Matrimônio), que regulou o casamento civil entre nós, exigia-se que os nubentes tivessem uma idade núbil, ali estabelecida de dezesseis anos para o homem e de quatorze para a mulher (art. 7º § 8º).

De se observar que ali, como nas demais normas, a fixação de uma idade núbil já atentava, estreme de dúvidas, ao amadurecimento físico e psicológico dos futuros esposos, que ao convolarem núpcias, constituem nova célula na sociedade. [02]

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Destarte, com a revogação dos incisos VII e VIII do artigo 107 do Código Penal, o artigo 1520 restou esvaziado, passando agora somente ser possível o casamento e, por analogia, a união estável, antes dos dezesseis anos, em caso de gravidez e desde que haja autorização judicial.

Note-se que essa possibilidade tem cabimento seja o homem ou a mulher menor de dezesseis anos. Assim, em tese, é possível, caso haja gravidez e autorização judicial, o casamento entre uma mulher maior de dezoito anos e um garoto de quatorze ou vice-versa. Cada caso concreto será analisado pelo magistrado que analisará a conveniência do casamento para os nubentes e para a criança que irá nascer.


Notas

01 Curso de Direito Civil Brasileiro 5º volume Direito de Família. 16 ed. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 76.

02 BARBOSA JÚNIOR, Jesuíno. O casamento de inúbeis na sociedade moderna. Considerações acerca do Livro IV, Capítulo II do Novo Código Civil. Jus Navigandi, Teresina, a. 4, n. 41, mai. 2000. Disponível em: http://jus.com.br/artigos/521. Acesso em: 23 out. 2005.

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Sobre o autor
César Malta Marangoni

defensor público do Estado de Minas Gerais

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARANGONI, César Malta. Os reflexos das mudanças do Código Penal no Direito de Família. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 863, 13 nov. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7521. Acesso em: 24 abr. 2024.

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