O direito ao esquecimento na sociedade informacional

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06/07/2019 às 22:45
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A discussão sobre o direito ao esquecimento tem crescente relevância nos tempos atuais, em um contexto de Sociedade Informatizada. Faz-se mister debater e entender como este direito pode ser aplicado no cenário contemporâneo, no âmbito da internet.

 Introdução

O estudo acerca do direito ao esquecimento tem fundamental importância, uma vez que este é decorrente de garantias constitucionais, como a privacidade e a intimidade, além de estar fortemente relacionado ao princípio da dignidade da pessoa humana e à vedação de penas perpétuas. Todavia, é preciso considerar que este direito é limitado pela liberdade de expressão e de informação.

A discussão sobre a temática do direito ao esquecimento adquire crescente relevância nos tempos atuais, em um contexto de Sociedade Informatizada. Tamanha importância decorre da necessidade cada vez maior de que se discuta de que forma esta garantia poderá ser salvaguardada. No cenário contemporâneo, existe quantidade massiva de informações sendo veiculadas na web, sobretudo com o advento das mídias sociais e o progressivo aumento do acesso à internet entre diferentes camadas da população.

Desse modo, não é apenas a discussão relativa à ponderação de qual direito constitucionalmente protegido deve preponderar que está presente neste debate, é preciso considerar ainda a questão fática a respeito de como e mesmo se seria possível garantir este direito nos dias atuais. Esta questão apresenta-se, uma vez que a sociedade contemporânea se vê inserida em um contexto de ampla divulgação de informações, tornando, portanto, dificultosa qualquer tentativa de fazer com que determinado conteúdo seja suprimido, ainda que esta medida se faça necessária para que direitos fundamentais sejam respeitados.

Assim sendo, é primordial que se discuta o direito ao esquecimento para que se possa entender qual a melhor forma de aplicá-lo ou de, ao menos, mitigar o quadro atual de impossibilidade de impedir a divulgação de informações, considerando o que a jurisprudência vem decidindo acerca do tema.

Direito ao Esquecimento - Definição

A origem do direito ao esquecimento remonta ao direito penal, visto que este representa uma forma de assegurar o respeito à vedação constitucional da pena de caráter perpétuo, além de ser fundamental para viabilizar a ressocialização do preso. Contudo, com o decurso do tempo, sua aplicação foi alcançando outros ramos do direito.

A expressão “direito ao esquecimento” não se encontra expressamente prevista no ordenamento jurídico brasileiro, porém ainda assim o mesmo está tutelado na legislação pátria. Existem disposições a esse respeito relativas à seara penal e ao direito do consumidor. Quanto ao primeiro caso, há a mencionada vedação constitucional da pena de caráter perpétuo, contida no art. 5º, XLVII, alínea “b” da CRFB/1988, assim como a possibilidade de reabilitação criminal, estabelecida no art. 93 do Código Penal. Já em relação a outra hipótese, ela se encontra presente no art. 43, §1° do Código de Defesa do Consumidor, que impede que os cadastros de dados dos consumidores contenham informações negativas sobre estes referentes a período superior a 5 anos.

No que tange ao que pode ser englobado pela definição de direito ao esquecimento, é relevante destacar o que diz a Organização de Direitos Humanos Internacional ARTIGO 19:

O “direito ao esquecimento” geralmente se refere a uma solução que, em algumas circunstâncias, permite aos indivíduos demandarem a buscadores o cancelamento da lista de informações que aparece sobre eles após uma busca por seu nome. Também pode se referir às demandas a sites hospedeiros para apagar certas informações[1].

Merecem destaque ainda as palavras de Anderson Schreiber no tocante  a essa temática: “o que o direito ao esquecimento assegura é a possibilidade de se discutir o uso que é dado aos fatos pretéritos, mais especificamente o modo e a finalidade com que são lembrados[2]”.

Desse modo, conclui-se que este direito representa uma garantia assegurada às pessoas de exercerem certo grau de controle em relação às informações divulgadas a seu respeito. No entanto, a expressão “direito ao esquecimento” é discutível e passível de críticas quanto à questão terminológica.

Ainda que fosse viável retirar totalmente determinado conteúdo da internet e impedir a propagação de algum fato, esse termo seria problemático. Tal fato justifica-se porque não seria possível fazer com que aqueles que tiveram contato com a matéria removida da rede, efetivamente esquecessem o que observaram antes.

O ato de esquecer não é uma ação realizada pelo corpo humano de forma consciente, acontece de forma gradual com o decurso do tempo e em alguns casos pode nem chegar a ocorrer. Nessa lógica, não seria realizável uma tentativa de compelir as pessoas a esquecerem de algum conteúdo ao qual tiveram acesso. O que está ao alcance de ser feito e busca-se, portanto, ser garantido pelo direito ao esquecimento é impedir que determinada notícia continue sendo divulgada pelas mídias sociais, de forma que algum dia se torne um assunto “esquecido” pela sociedade e não possa mais prejudicar a pessoa que solicitou a exclusão daquele conteúdo da rede.

Todavia, além de tal solução não ser completa, no sentido de não poder garantir um esquecimento total por razões de ordem prática, há ainda problemas relativos ao modo pelo qual um conteúdo poderá ser retirado da internet. Não obstante que um material deixe de ser encontrado quando procurado em provedores de pesquisa, isso não significará que este conteúdo não constará em diversos sítios eletrônicos que ainda poderão ser acessados normalmente. E não se pode deixar de mencionar a questão da determinação sobre o que pode ser alvo do direito ao esquecimento, uma vez que a Carta Magna brasileira assegura a liberdade de expressão e estas duas garantias precisam ser ponderadas, tendo em vista que o direito ao esquecimento também se relaciona em grande medida a princípios constitucionais, tais como o direito à privacidade e à intimidade.

A Privacidade na Sociedade da Informação

  

O direito à privacidade sofreu diversas modificações ao longo do tempo, principalmente após o surgimento da internet. O mesmo deixou de ser apenas o direito a ser deixado sozinho para passar a englobar o controle de dados como um aspecto fundamental dessa garantia constitucional. Tal alteração pode ser explicada pela mudança de paradigma provocada pelo advento da Sociedade Informacional, que trouxe a informação para um lugar de destaque. Com isso, o compartilhamento excessivo de notícias, fatos e dados em geral passou a ser regra nos tempos atuais.

Além de possibilitar o exercício do direito à informação e da liberdade de expressão, é muito democrática a facilidade que as pessoas possuem para divulgar o que desejam em rede para acesso dos demais. No entanto, esta característica da Sociedade Informacional também pode ser uma questão problemática, tendo em vista que quando um conteúdo é disponibilizado na internet, ele deixa de estar sob o controle daquele que inicialmente divulgou a informação. De acordo com Viktor Mayer-Schönberger:

uma vez que alguém partilha informação, essa pessoa essencialmente perde controle sobre a mesma. Se eu permito que outros acessem minha informação, eu tenho que confiar que eles não vão usá-la de forma contrária à minha vontade. Se eles quebrarem minha confiança, não há muito que eu possa fazer a respeito[3].

Com isso, alguns problemas adquirem especial dimensão, visto que é possível que haja ampla divulgação de informações falsas e dados de caráter privado, de forma a afetar imensamente a vida e dignidade das pessoas expostas. Dentro desse contexto, é coerente que exista um questionamento acerca da efetividade do direito ao esquecimento na sociedade atual. Tal incerteza se deve ao fato de que uma vez que um conteúdo é disponibilizado em rede, o mesmo pode ser transmitido de forma tão ampla que é faticamente impossível garantir que essa informação será completamente removida da internet, de modo a deixar de atentar contra o direito à privacidade.

Dentro desta lógica, existem algumas técnicas para armazenamento de informações que muitas vezes são desconhecidas pelos usuários da internet, mas que demandam especial atenção. Tais recursos, que podem ser chamados de mecanismos de memória eterna, têm enorme relação com a impossibilidade de apagar completamente algum dado que tenha sido disponibilizado em rede.

 A primeira dessas técnicas que pode ser apontada é o backup. Esse  mecanismo consiste em fazer uma cópia de segurança para oferecer uma espécie de proteção aos usuários ante a possibilidade de perda de algum dado. Além deste recurso, pode-se citar ainda o cache, que é uma técnica “para auxiliar a navegação entre páginas web na Internet, sendo utilizado para armazenar, seja no computador ou no smartphone, o caminho (path) quando o usuário acessa uma página de um website qualquer[4]”. Tal recurso possibilita que sejam realizados rastreamentos e salva o conteúdo de todas as páginas de sítios eletrônicos acessados, de forma que na hipótese de o site não estar disponível, ainda assim seja viável conectar-se ao mesmo. Com isso, o cache possibilita que páginas que já foram excluídas sejam acessadas. O funcionamento destas ferramentas evidencia o quão impraticável é a retirada completa de um conteúdo da internet, uma vez que o mesmo tenha sido disponibilizado em rede. Assim, estes instrumentos resultam em consequências negativas no sentido de impossibilitarem o esquecimento.

Evidencia-se, portanto, que no âmbito da internet, uma vez que um dado tenha sido disponibilizado em rede, nem mesmo a pessoa a quem tal informação se refere pode exercer controle sobre o mesmo. Desse modo, ela não tem o poder de impedir que esta informação seja acessada por outros, ainda que para este fim, recorra-se ao Judiciário. Pode-se afirmar inclusive que esta medida não é muito efetiva na Sociedade Informacional, tendo em vista que “ao se colocar algo que seja veiculado pela Internet, o conteúdo pode ser duplicado, remetido para outra área de armazenamento, enviado para outro computador, entre outras ações, ou seja, o conteúdo nunca se perde[5]”.

Merecem destaque, nesse sentido, as palavras de Carlos Henrique Pazzinatto e Cinthia Obladen de Almendra Freitas a esse respeito:

Assim, a facilidade de veiculação de conteúdo está justamente criando um novo problema, ou seja, a eternização das informações e o não respeito ao direito de esquecimento, tornando-se um obstáculo intransponível, visto que, em verdade, mesmo que se tenha a prerrogativa geral da possibilidade de tirar o conteúdo indesejado da Internet, este ficará disponível em algum mecanismo de memória, podendo ser acessado novamente a qualquer momento, copiado, disponibilizado e assim por diante[6].

Existem, no entanto, exceções relativas a situações nas quais o direito ao esquecimento deverá ser mitigado quando em confronto com outros interesses fundamentais. Dentro dessa perspectiva, podem ser citados dois casos, em que se permite o tratamento atual, ainda que não pretendido, de dados passados, que são: “(a) a presença de valor existencial de igual ou superior relevância ao do interessado e (b) tratamento dos dados com conteúdo histórico, cuja divulgação encontra-se inserida em uma das vertentes da liberdade de expressão[7]”.

Além destas, pode-se apontar ainda a possibilidade de existir perigo para a vida de terceiros, caso em que o direito ao esquecimento deverá dar lugar a outros valores de importância essencial. Todavia, observa-se que uma análise casuística é muito relevante neste contexto para que seja feita a ponderação e verifique-se qual direito fundamental garantido na Constituição deve prevalecer no caso concreto.

No que tange à vulnerabilidade dos usuários da rede mundial de computadores, pode-se dizer que a mesma é agravada pela constante exposição resultante do uso das redes sociais. Existe uma enorme fragilidade provocada pela própria ação daqueles que utilizam a internet para se revelarem aos demais. Deste modo, cada texto, imagem ou vídeo que é divulgado a público são informações que as pessoas disponibilizam na web, sem ter consciência de que não mais terão controle sobre elas.

Dentro desta lógica, um conteúdo que em determinado momento tenha sido divulgado por uma pessoa a respeito de outra ou de si mesma pode em um futuro próximo não mais ser uma representação acurada deste indivíduo, porém ainda assim ser utilizado para determinar o caráter dessa pessoa. Tal fato justifica-se ante a aludida impossibilidade de excluir totalmente alguma informação da internet. Logo, a vulnerabilidade dos usuários da rede mundial de computadores se acentua devido ao seu desconhecimento quanto às consequências da sua exposição exacerbada.

Ademais, há que se considerar ainda que muitos dados divulgados pelas pessoas em rede não constituem uma representação precisa sobre as mesmas. No entanto, tal fato não impede que as mesmas venham a ser julgadas por estas informações, seja na criação de perfis que as empresas fazem ou por outras pessoas no estabelecimento de relações sociais.

Com isso, muitas vezes, a pessoa é obrigada a se deparar com a divulgação de um conteúdo em relação ao qual a mesma sente enorme constrangimento ou do qual se arrepende. Em tais situações, uma vez que as informações tenham sido disponibilizadas em rede, quaisquer ações no sentido de impedir a propagação destes dados não serão efetivas, devido às características supramencionadas do funcionamento da internet.

Além disso, há que se ressaltar que as pessoas têm o direito de não mais serem constrangidas com a divulgação de alguma informação concernente a sua vida particular, independente da propagação da mesma ter sido autorizada inicialmente. Nas palavras de Carlos Henrique Pazzinatto e Cinthia Obladen de Almendra Freitas:

As pessoas mudam com o tempo e não é justo que algo que as incomoda, seja este assunto subjetivo ou objetivo, permaneça ‘ativo’, pois a pessoa não pode sofrer punição da coletividade, principalmente a repressão moral, sobre algo que lhe ocorreu há muitos anos ou que simplesmente, não deveria ter sido exposto ao público[8].

Consequentemente, o direito ao esquecimento adquire nova dimensão, passando a ser diferente do que equivalia quando era concernente, sobretudo, à esfera penal.

Na Sociedade Informacional, existem razões de ordem fática que impedem que o direito ao esquecimento seja efetivado, ainda que se reconheça a necessidade de apagar algumas informações de caráter particular divulgadas a público.

Por conseguinte, os atos realizados pelos usuários na rede mundial de computadores acabam adquirindo caráter perpétuo. E esta eternização desconsidera o fato de que a personalidade das pessoas sofre mudanças com o decorrer do tempo. Com isso, os indivíduos se percebem sendo avaliados por ações que não mais os representam. Assim, todo esse quadro resulta em uma relativização do direito à privacidade na Sociedade Informacional.

A esse respeito:

Na Internet não há ainda ‘prescrição’ ou ‘validade’ dos arquivos. Pelo contrário, é como se fosse um livro da verdade, que tinha páginas faltando, mas que os próprios mecanismos e algoritmos dão cabo de preencher suas lacunas, reproduzindo a qualquer momento aquilo que estava outrora esquecido[9].

Diante desse quadro, existe a necessidade crescente do Direito se adequar às mudanças provocadas pelo advento da Sociedade Informacional para tentar assegurar, ainda que minimamente, o direito à privacidade.

Um exemplo que demonstra bem esse quadro de desrespeito cada vez maior à privacidade são os inúmeros casos existentes no Brasil e no mundo de vídeos de relações íntimas de casais, sobretudo famosos, que uma vez disponibilizados em rede, não puderam mais ser retirados. O apelo ao Judiciário não é eficaz e mesmo com o decurso do tempo, as características intrínsecas da internet impedem que aquele conteúdo deixe de estar disponível ao acesso de todos.

Esta situação certifica a impossibilidade de eliminar algum conteúdo da internet e a consequente inviabilidade do direito ao esquecimento ser aplicado na Sociedade Informacional. Nesse mesmo sentido, é relevante destacar as palavras de Pazzinatto e Freitas:

Conclui-se, portanto, que a retirada de conteúdo de um determinado site, seja por escolha própria ou determinação judicial, não é eficaz, visto que outros sites ou aplicativos, ou mesmo usuários da Internet, podem ter copiado e deixado arquivado tal conteúdo no seu computador de uso pessoal. A qualquer momento este conteúdo pode voltar a circular na rede mundial de computadores, enfraquecendo mecanismos de defesa ou até mesmo frustrando a aplicação das decisões do poder Judiciário (em que pese possam dificultar a divulgação e a transmissão de replicação de conteúdo) mesmo que se apliquem penalidades[10].

Assim sendo, não apenas é de suma importância que haja um esforço no sentido de garantir um mínimo de privacidade, como também é imprescindível que este direito se adapte às mudanças da Sociedade Informacional. Permitir que as pessoas fiquem permanentemente sujeitas aos efeitos de informações que não mais desejam ver serem veiculadas seria um tratamento degradante, vedado pela Constituição Federal.

Mesmo nos casos do direito penal, em que o indivíduo cometeu crimes, não se poderia permitir que ele seja penalizado de maneira eterna. Logo, o mesmo também não poderia se aplicar às pessoas em geral, que não devem se manter sendo punidas incessantemente por fatos passados que não são de interesse público.

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Portanto, “o desafio da privacidade, como asseguradora do livre desenvolvimento da vida privada, é fornecer à pessoa subsídios para o controle de informações que ela pretende manter ao seu alcance[11]”. A garantia desse controle é necessária para que o indivíduo possa desenvolver sua própria personalidade conforme julgar melhor. Se todos forem obrigados a ver expostos os fatos a seu respeito, isso significará que não mais se permitirá que as pessoas superem o seu passado e as escolhas que não mais as representam.

A Aplicação do Direito ao Esquecimento pela Jurisprudência

 

Conforme supramencionado, é possível verificar a proteção do direito ao esquecimento em diversos dispositivos do ordenamento jurídico brasileiro, inclusive na própria Constituição Federal. No entanto, essa proteção é concernente, sobretudo, à esfera penal e não se dá de forma expressa, uma vez que a locução “direito ao esquecimento” não se encontra expressa na legislação pátria.

Ainda assim é possível vislumbrar esta garantia no Direito brasileiro. Contudo, diante da falta de regulamentação a este respeito, há uma ausência de critérios objetivos para definir os casos em que o direito ao esquecimento é aplicável. É essencial, portanto, que se recorra à jurisprudência com o escopo de analisar de que forma este direito vem sendo empregado.

Ante a omissão legislativa, a interpretação da jurisprudência adquire especial relevância para se entender de que maneira o direito ao esquecimento é aplicado e quais os critérios utilizados para que o mesmo seja cabível. É natural que as decisões acerca deste tema envolvam ponderação entre direitos e é essencial que esta seja feita de modo que se respeitem a proporcionalidade e a razoabilidade. Desse modo, nenhum direito fundamental deve ser preterido em favor de outro e deve-se assegurar que estes sejam harmonizados tanto quanto for possível, ainda que apenas um deles prepondere, dependendo das peculiaridades de cada caso.

A esse respeito:

Não há especificamente regulamentação sobre o direito ao esquecimento, mas decisões que nos podem levar ao delineamento de situação em que, aplicando-se a razoabilidade e a proporcionalidade, ter-se-á a possibilidade de excluir informações, preservando-se a pessoa e os direitos fundamentais[12].

Ademais, há que se considerar ainda a existência do Enunciado nº 531 da VI Jornada de Direito Civil, segundo o qual: “a tutela da dignidade da pessoa humana na sociedade da informação inclui o direito ao esquecimento[13]”. Este enunciado é referente ao art. 11 do Código Civil, que trata dos direitos da personalidade. A justificativa do mesmo é a seguinte:

Os danos provocados pelas novas tecnologias de informação vêm-se acumulando nos dias atuais. O direito ao esquecimento tem sua origem histórica no campo das condenações criminais. Surge como parcela importante do direito do ex-detento à ressocialização. Não atribui a ninguém o direito de apagar fatos ou reescrever a própria história, mas apenas assegura a possibilidade de discutir o uso que é dado aos fatos pretéritos, mais especificamente o modo e a finalidade com que são lembrados[14].

Embora este Enunciado da VI Jornada de Direito Civil não tenha força normativa, o mesmo é importante na medida em que estes enunciados visam facilitar a interpretação de dispositivos do Código Civil de 2002.

No que tange à jurisprudência, quando se analisa o tratamento dado ao direito ao esquecimento pelos tribunais brasileiros, existem dois casos que merecem destaque especial. Esse relevo particular justifica-se uma vez que estes foram os julgados nos quais pela primeira vez o STJ enfrentou este tema.

O primeiro deles é concernente ao caso que ficou conhecido nacionalmente como “Chacina da Candelária”[15]. A demanda judicial foi originada porque um dos sujeitos que inicialmente havia sido apontado como coautor da sequência de homicídios realizados em 1993 em localidade próxima à Igreja da Candelária, no Rio de Janeiro, teve sua imagem exposta em programa televisivo. O autor da ação já havia sido absolvido por negativa de autoria muitos anos antes da exibição do programa e quando este foi apresentado em rede nacional, o autor alegou ter sofrido intenso abalo moral, uma vez que a situação foi relembrada na comunidade em que estava inserido, assim como sua suposta ligação com o crime. Devido aos danos sofridos em sua vida profissional e pessoal, o autor pleiteou o pagamento de indenização por parte da emissora que veiculou o programa em questão.

O Juízo de primeira instância julgou improcedente o pedido indenizatório, mas esta decisão foi reformada em sede de apelação. No acórdão se entendeu que seria possível contar o ocorrido na chamada “Chacina da Candelária” sem que houvesse necessidade de mencionar o nome do autor da ação, o que constituiu um abuso do direito de informar, assim como a violação da imagem deste.

O Superior Tribunal de Justiça,  por sua vez, no julgamento do Recurso Especial nº 1.334.097 – RJ, também entendeu ser cabível o pagamento de indenização. No acórdão em questão, reconheceu-se a existência de vínculo fundamental entre liberdade de imprensa e democracia. Contudo, embora a Constituição Federal tenha assegurado a informação sem censura em seu art. 5º, IX, a mesma legitimou a dignidade da pessoa humana, em seu art. 1º, III como um dos fundamentos da República, de forma que este princípio deve ser utilizado como uma lente pela qual são interpretados os demais direitos. Além disso, no julgamento deste caso, também se asseverou que a história da sociedade é patrimônio imaterial do povo, porém no que tange ao jornalismo policial, é preciso analisar o caso concreto de maneira mais cuidadosa. A anuência para que crimes e seus envolvidos pudessem ser noticiados por tempo indefinido representaria um desrespeito à dignidade da pessoa humana.

Por isso, uma vez que aqueles que foram condenados e já cumpriram a pena têm direito ao esquecimento, o mesmo não poderia ser negado àqueles que foram absolvidos. Naturalmente, estariam ressalvados os fatos históricos, cuja narrativa fosse inviável sem que fosse feita menção aos envolvidos. Portanto, ainda que a chamada “Chacina da Candelária” seja considerada um fato histórico, a mesma poderia ter sido retratada de forma fiel sem que houvesse necessidade de expor o autor da ação, cuja dignidade foi ofendida com a exibição de seu nome e imagem no programa televisivo.

Já o segundo caso diz respeito ao homicídio cometido contra Aída Curi[16], ocorrido no ano de 1958, com enorme repercussão no Brasil à época dos fatos. Os irmãos de Aída Curi ajuizaram ação de reparação por danos morais, materiais e à imagem contra emissora que divulgou em programa televisivo a vida, morte e pós-morte da vítima depois de muitos anos do acontecimento do crime. Os autores argumentaram que o delito havia sido esquecido com o decorrer do tempo, mas a ação de exibir em rede nacional todo o ocorrido teria implicado em uma “exploração da tragédia familiar passada”, o que foi feito em detrimento do pedido dos autores para que o crime não fosse retratado após tantos anos.

No entanto, o Juízo de primeiro grau julgou improcedente o pleito dos autores e em sede de apelação, a sentença foi mantida. Nessa sequência, foram interpostos recursos especial e extraordinário. No mérito da causa de pedir, os recorrentes alegaram ter havido a violação do direito ao esquecimento pela emissora ao veicular tal reportagem.

No acórdão deste caso, admitiu-se que assim como os condenados que já cumpriram suas penas, as vítimas de crimes e seus familiares também possuem o direito ao esquecimento. Como consequência, estas pessoas têm direito a não serem expostas a lembranças dolorosas de fatos passados. Todavia, não se pode deixar de considerar o aspecto da historicidade. No caso em questão, o crime que à época teve enorme repercussão no Brasil não poderia ser retratado sem menção a Aída Curi. Portanto, o direito ao esquecimento, ainda que admitido tanto para ofensor como ofendido, não incidiria neste caso, tendo em vista que a atividade da imprensa de retratar um episódio significativo para o país não seria possível sem alusão à vítima.

Ademais, entendeu-se que com o passar do tempo, o esquecimento vai sendo adquirido pelos familiares, de forma que a lembrança de fato passado pode provocar desconforto, mas não o mesmo impacto de antes. Por isso, concluiu-se que uma vez que a reportagem só foi ao ar 50 anos depois do crime, não seria possível vislumbrar um abalo moral que gerasse responsabilidade civil. Logo, se a indenização pleiteada fosse concedida, haveria desproporcionalidade entre o prejuízo causado à liberdade de imprensa e a lembrança, que depois de tanto tempo não seria capaz de provocar desconforto tão intenso como outrora.

Desse modo, a partir de uma avaliação feita sobre esses casos, é possível fazer algumas observações. A primeira se refere à relevância do elemento da historicidade para avaliar se o direito ao esquecimento pode ser aplicado. Nos dois casos, se considerou que os acontecimentos retratados no programa televisivo tinham importância histórica para o Brasil, porém enquanto o primeiro poderia ser representado sem menção à pessoa tida como um dos envolvidos e posteriormente absolvida; no segundo caso, entendeu- se que o relato não seria possível sem que se falasse na vítima. Dentro dessa lógica, se faz necessário analisar em cada caso se o fator da historicidade está presente, pois o mesmo impede o acolhimento do direito ao esquecimento.

Contudo, esses julgados do STJ acabam por não serem tão relevantes no que tange à aplicação do direito ao esquecimento na internet. Tal fato se justifica, uma vez que esta Corte entendeu que tais julgados se restringem a analisar a aplicação deste direito quando referente às publicações feitas na mídia televisiva. Essa interpretação resulta do entendimento de que esta questão possui um contexto diferenciado quando se trata da rede mundial de computadores.

Este entendimento do STJ reconhece, portanto, que a internet possui características particulares que a diferenciam da mídia televisiva e que por isso, não se pode entender que o direito ao esquecimento se aplica do mesmo modo em ambos os contextos. Dessa forma, essa interpretação reforça a ideia de que é muito mais dificultoso, senão completamente inviável, garantir que o direito ao esquecimento seja aplicado na web, visto que conforme supramencionado, uma vez que uma informação seja disponibilizada em rede, não é mais possível exercer controle sobre a mesma.

O caso referente à divulgação televisiva do assassinato de Aída Curi chegou ao Supremo Tribunal Federal no Recurso Extraordinário nº 1.010.606, com repercussão geral reconhecida. O relator, ministro Dias Toffoli, considerou que essa questão apresenta relevância jurídica e social, envolvendo valiosos interesses, visto que trata de tema relativo à harmonização de relevantes princípios constitucionais. Assim, em junho de 2017 foi realizada audiência pública para discutir a aplicabilidade do direito ao esquecimento.

Esta discussão envolveu a participação de 18 especialistas, dentre os quais é importante ressaltar duas falas em especial. A primeira delas foi a do professor Anderson Schreiber, representando o Instituto Brasileiro de Direito Civil. Em seu discurso, explicou que o direito ao esquecimento é reconhecido em diversos países como um direito a não mais ser perseguido por fatos pretéritos que já não representam a identidade atual da pessoa. Esta garantia se trataria de um direito contra uma recordação opressiva de fatos passados que projetem o ser humano na esfera pública de forma equivocada, impedindo que o mesmo seja reconhecido pelo público como quem realmente é. Por esse motivo, Schreiber criticou os diferentes contornos que o significado de direito ao esquecimento adquiriu no Brasil com a decisão do STJ, que o entendeu como o “direito de não ser lembrado contra a sua vontade” e sendo compreendido deste modo, esta proteção se tornaria um direito de propriedade sobre os acontecimentos pretéritos, de forma que a recordação pública dos eventos dependeria da vontade da pessoa envolvida. Deste modo, este entendimento representaria uma ameaça para a pesquisa histórica e para aquelas realizadas na internet, tendo em vista que isso faria com que qualquer usuário pudesse moldar de acordo com sua vontade os resultados relativos à busca por seu nome.

O caminho para impedir esse quadro seria aplicar esta garantia de maneira criteriosa, atentando sobretudo, para a situação objetiva que demonstre que aquela exposição do sujeito efetivamente compromete a realização da sua personalidade. O professor ressaltou ainda a necessidade de aplicação da técnica da ponderação, buscando o menor sacrifício possível para ambos os interesses protegidos pela ordem jurídica brasileira. Essa discussão é repleta de aspectos favoráveis à liberdade de informação e de outros que corroboram o direito ao esquecimento. Com isso, a ponderação entre estes de acordo com os vários critérios disponíveis na doutrina é atividade judicial e o STF tem a oportunidade de corrigir a definição de direito ao esquecimento dada pelo STJ, afastando essa noção da mera vontade do retratado; assim como de extrair os critérios que devem pautar este tema. Os critérios que forem fixados pela Corte Suprema determinarão o que vai preponderar nesses casos e vão se converter em deveres de conduta que serão observados para determinar a legitimidade do exercício da liberdade de expressão.

Outro discurso realizado nesta audiência pública que merece destaque é o do Professor Dr. Carlos Affonso Pereira de Souza, representando o Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro. Em sua fala, o expositor apresentou dilemas e desafios da figura do direito ao esquecimento. Uma questão exposta foi o fato de que devido à arquitetura da rede, a lembrança é regra e o esquecimento exceção. Além disso, embora a decisão a ser realizada pelo STF diga respeito a um programa televisivo, certamente será um julgado que enviará aos tribunais de instâncias inferiores orientações sobre este tema que ocasionarão impactos no âmbito da web.

Mais um ponto explicado foi que a internet propicia uma situação particular em que as informações tendem a perdurar ao longo do tempo, ainda que se tornem inutilizadas, além de permitir que as mesmas sejam consolidadas, organizadas e estejam disponíveis para serem acessadas de modo único. Por isso, é preciso indagar se o Judiciário, por intermédio do direito ao esquecimento, vai restringir essas facilidades advindas da rede mundial de computadores. Ademais, o professor questionou se é possível decidir ex ante o que é ou não relevante para estar disponível na web, assim como o que tem ou não interesse público. Existe também uma questão problemática relativa à efetividade, visto que se deve pensar na implementação global do direito ao esquecimento. Esta é uma dificuldade, tendo em vista que ainda que cada Estado estabeleça limites referentes aos seus cidadãos, a web atravessa fronteiras e um mecanismo global de remoção de conteúdos geraria problemas relativos à liberdade de expressão.

Outro relevante caso levado à análise do STJ que também se relaciona com o direito ao esquecimento no âmbito da internet é o Recurso Especial nº 1.316.921 - RJ[17]. Embora a expressão “direito ao esquecimento” não tenha sido mencionada no acórdão, este julgado adentra esta discussão. Trata-se de caso envolvendo a apresentadora Xuxa Meneghel, que moveu ação contra a empresa Google Brasil Internet Ltda, pleiteando que a mesma removesse de seu site de pesquisas os resultados alusivos à busca por qualquer expressão que associasse seu nome à prática de pedofilia. O Juiz de primeiro grau determinou que a empresa ré se abstivesse de disponibilizar resultados associando o nome da apresentadora à pedofilia. A empresa Google impugnou esta decisão por meio de agravo de  instrumento,  que  foi  parcialmente  provido, o que resultou em uma restrição da liminar apenas às imagens referidas pela agravada, sem que houvesse exclusão de resultados quando realizada a pesquisa por algum usuário.

Em sede de recurso especial, o STJ reconheceu que o provedor de pesquisa não gerencia os sites indicados nos resultados disponibilizados, pois apenas aponta em quais links será possível encontrar as expressões pesquisadas. Assim, os mecanismos de busca facilitam o acesso e a divulgação de páginas que podem possuir conteúdo ilícito, porém uma vez que estas são públicas e estão disponíveis na web, elas aparecem nos resultados de busca dos provedores. Com isso, os sites de pesquisa não poderiam ser obrigados a excluir resultados derivados de determinadas expressões ou que indiquem uma imagem ou conteúdo específico, porque tal medida atentaria contra o direito da coletividade à informação. Concluiu-se, portanto, que a partir da ponderação dos direitos envolvidos nesse caso, a tendência seria garantir prioritariamente a liberdade de informação e se for identificado um ilícito veiculado por alguma página da internet, deve-se demandar o autor deste ilícito e não o provedor, que apenas facilita o acesso a este site, disponível ao alcance de todos.

Outro julgado do STJ relevante para o direito ao esquecimento é o referente à Reclamação nº 5.072[18] ajuizada pela empresa Google. Esta buscava a reforma de acórdão que manteve a condenação ao pagamento de indenização por danos morais, em virtude da vinculação de nome de parte interessada a materiais sobre juízes pedófilos em seu mecanismo de busca. A decisão liminar havia determinado à empresa a retirada de seus registros da internet de determinada página, além da suspensão dos resultados de sua ferramenta de pesquisa quando feita a associação entre o nome da parte e o tema da pedofilia. A reclamante argumentou que a decisão não poderia ser cumprida, uma vez que a mesma não possui controle em relação a sites de terceiros, que poderiam estar reproduzindo o conteúdo aludido. A empresa Google pugnou, assim, pela concessão da medida liminar para suspender os efeitos da decisão reclamada.

No julgamento desta Reclamação, a Segunda Seção do STJ entendeu que os provedores não tem como atividade inerente ao serviço prestado a filtragem do conteúdo das pesquisas. Os mecanismos de busca realizam suas pesquisas em um “universo virtual” de acesso público, o que significa que sua função é apenas identificar as páginas na web em que se encontram determinadas informações buscadas pelos usuários, ainda que as mesmas possuam conteúdo ilícito. Nesse sentido, os provedores de pesquisa apenas facilitam o acesso às páginas, sem ter controle sobre os dados contidos nas mesmas, pois uma vez que estas são públicas e estão presentes na rede, elas aparecerão como resultados nos mecanismos de busca. Deste modo, os provedores não poderiam ser obrigados a excluir de seu sistema resultados da pesquisa por determinados termos ou que apontem para uma foto ou texto específico, visto que isso representaria um desrespeito ao direito da coletividade à informação. Portanto, se uma pessoa preencher os requisitos indispensáveis para a exclusão de uma página virtual, ela deverá acionar o responsável pela veiculação do conteúdo que deseja excluir e não o provedor, que apenas facilita o acesso ao mesmo.

Estes julgados tem especial relevância, tendo em vista que foram objeto de análise do STJ, no entanto essa mesma questão também tem sido enfrentada por Cortes estaduais. Cita-se, por exemplo, um caso[19] analisado pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, que embora tenha sido julgado em 2012,  antes de o STJ ter se posicionado a respeito dos casos supramencionados, é relevante para observar de que forma as Cortes estaduais vinham entendendo esta questão.

No referido caso, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro julgou pleito em que a parte autora demandava que as rés instalassem “filtros” em seus mecanismos de busca para evitar a associação do nome da autora a notícias de supostas lesões a seus clientes, o que prejudicaria a imagem profissional desta. A decisão concedeu a antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional para determinar que as empresas rés aplicassem filtros em seus motores de busca para impedir pesquisas realizadas na web envolvendo o nome da autora, uma vez que entendeu-se existir a possibilidade de ocorrer dano de difícil reparação.

No acórdão, verificou-se a existência de conflito entre o direito à intimidade e a Sociedade da Informação e entendeu-se que deveria prevalecer a primeira, de modo que não se permita que a livre circulação de informações por tempo indeterminado possa gerar danos à vida privada. Com isso, prevaleceriam o direito à imagem, à personalidade e o direito ao esquecimento, todos reconhecidos como garantias fundamentais do ser humano.

Diante do que vem sendo decidido pelos tribunais brasileiros, podem ser extraídas algumas conclusões. A primeira é que o direito à informação, embora garantido na Carta Magna, não é absoluto e deve ser ponderado no caso concreto com outros direitos fundamentais concernentes ao feito. Além disso, não obstante seja o direito ao esquecimento reconhecido pela jurisprudência, é preciso se atentar para o aspecto da historicidade, que estando presente vai prevalecer em relação ao direito individual das pessoas de não serem lembradas de algum fato. Salienta-se ainda que a despeito de o STJ já ter analisado a questão do direito ao esquecimento, esta Corte apenas se pronunciou em relação a mídia televisiva, pois considerou que a mesma se diferencia no âmbito da internet devido a questões de ordem técnica.

Assim, em virtude das dificuldades práticas que impedem que uma pessoa possa efetivamente demandar no Judiciário a retirada de algum conteúdo da web, uma solução buscada foi acionar o provedor de pesquisa para pleitear que o mesmo não apresentasse resultados quando determinada expressão fosse pesquisada. No entanto, apesar de haver Tribunais Estaduais como o do Rio de Janeiro que interpretaram que se pode acionar o provedor com tal pleito, o mesmo entendimento não é partilhado pelo STJ, conforme se verificou no julgamento da Reclamação nº 5.072. Desta forma, acaba existindo grande dificuldade prática para definir de que modo pode ser aplicado o direito ao esquecimento ou mesmo se essa aplicação é viável.

Assim sendo, ressalta-se a substancial relevância da realização da ponderação entre direitos fundamentais no julgamento de casos relativos ao direito ao esquecimento. Apesar desta garantia estar relacionada a outras constitucionalmente protegidas como a privacidade, a intimidade e a dignidade da pessoa humana, é possível que o direito à informação prepondere diante do interesse da coletividade de ter ciência a respeito de determinado fato, como acontece quando se verifica que o conteúdo é histórico ou de interesse público.

Proposta para mitigar a inviabilidade prática de aplicação do direito ao esquecimento

 

As alterações ocorridas na privacidade na Sociedade Informacional acabam por impedir que o direito ao esquecimento seja concretizado efetivamente. Todavia, tendo em vista que este direito possui estreita relação com outras garantias asseguradas na Carta Magna, verifica-se que o mesmo tem enorme relevância e não poderia ser desconsiderado ante as impossibilidades técnicas concernentes ao funcionamento da web. Logo, diante do quadro narrado referente à impossibilidade de se garantir que um conteúdo que esteve disponível na internet seja apagado, ainda assim é necessário buscar maneiras de tentar empregar o direito ao esquecimento em alguma medida, mesmo que de forma parcial.

Dentro desta lógica, existe um quadro problemático, uma vez que no âmbito da internet, a privacidade é relativizada em grau elevado e o esquecimento total e definitivo não é possível. No entanto, não se pode permitir que este contexto impeça a busca por mecanismos que mitiguem a situação atual, de modo a garantir que os direitos fundamentais sejam respeitados.

Conforme explicado, o entendimento do STJ é no sentido de que uma vez verificada a existência da veiculação de conteúdo ofensivo ou ilícito, a pessoa prejudicada deveria demandar que o autor do ato ilícito retire os dados da web em vez de acionar o provedor, que apenas facilita o acesso às páginas virtuais disponíveis na rede mundial de computadores. Esta decisão, no entanto, desconsidera as dificuldades fáticas que impedem que um indivíduo lesado pela veiculação de determinadas informações possa demandar o responsável por essa disseminação de seus dados.

É preciso salientar que uma vez que um conteúdo é disponibilizado na internet, o mesmo pode ser amplamente disseminado em diversos sites, de modo que ainda que seja possível identificar o responsável pela divulgação daquele conteúdo, acionar apenas ele não seria efetivo. Isso justifica-se, pois o autor do ilícito não tem controle sobre todas as páginas da internet que contém aqueles dados. Além disso, também há casos em que a própria pessoa a quem aquela informação se refere dispôs os dados em rede, porém ao verificar que o material estava sendo utilizado de forma contrária ao que pretendia inicialmente, decide excluí-lo, mas não tem mais poder sobre o mesmo.

Logo, independente de quem tenha dado causa a veiculação de conteúdo ofensivo ou ilícito, acionar apenas essa pessoa não é efetivo. Quando se considera que a informação pode estar presente em milhares de sites, vê-se que não é faticamente possível acionar cada página que hospeda determinado conteúdo para pleitear sua exclusão. Ademais, ainda que fosse viável demandar cada sítio eletrônico, aqueles dados poderiam ter sido salvos por outros usuários e poderiam voltar a ser disponibilizados em outras páginas virtuais.

Com isso, o entendimento do STJ de que se deve acionar apenas a pessoa que gerencia a página virtual teria uma efetividade muito ínfima quando se considera o modus operandi da internet. Uma decisão nesse sentido só seria eficaz na hipótese de o conteúdo que se deseja excluir estar disponível em apenas um ou poucos sites e ainda assim tal medida não seria uma garantia de que aqueles dados não seriam divulgados novamente em um momento posterior.

Diante deste quadro, verifica-se que na Sociedade Informacional, uma demanda para aplicar o direito ao esquecimento acaba por não ser viável. Não é possível demandar ao Judiciário que cada um dos muitas vezes inúmeros sítios eletrônicos retire uma informação da rede de forma definitiva. Ao mesmo tempo, pleitear ao provedor que deixe de apresentar resultados ante a busca por determinadas expressões também não seria uma solução para a aplicação do direito ao esquecimento, pois como exposto pelo STJ, esta medida apenas dificultaria o acesso, visto que as páginas continuariam disponíveis para todos.

Contudo, ainda que esta última opção não seja uma solução perfeita para a problemática do direito ao esquecimento, esta é possivelmente a melhor escolha, ainda que também suscite problemas. Nenhuma proposta que se apresente seria totalmente efetiva para determinar que um conteúdo ofensivo ou ilícito deixe de poder ser acessado na web. No entanto, considerando que muitas vezes é por meio dos provedores de pesquisa que grande parte das pessoas tem acesso àquelas informações, ao impedir que as mesmas sejam mostradas como resultado das buscas feitas pelos usuários, a disseminação destes dados será em grande medida dificultada.

De acordo com as informações constantes da StatCounter Global Stats[20] referentes à utilização mundial de provedores de busca, 87,27% dos usuários utilizam o Google para fazer suas pesquisas, seguidos de 4,7% que empregam o Yahoo! e 4,58% que fazem uso do Bing. Desse modo, acionar o provedor mais operado pelos usuários já seria uma medida determinante no sentido de impedir que aquelas informações sejam acessadas pelas pessoas em geral.

Embora a demanda de não apresentar mais resultados ao provedor seja apenas uma medida paliativa, que não se pretende como solução perfeita para a questão, essa é a medida mais efetiva no sentido de assegurar ainda que minimamente a aplicação do direito ao esquecimento. Verifica-se esta necessidade, uma vez que este é um direito que está fortemente relacionado com garantias previstas na Constituição Federal e não se pode deixar de aplicá-lo em virtude das especificidades técnicas do funcionamento da internet.

Além disso, por mais que se reconheça que os provedores não tem obrigação de “filtrar” seus resultados, visto que os mesmos não cometeram qualquer violação, essa imposição se faz necessária para impedir que direitos fundamentais como a privacidade, a intimidade e a dignidade da pessoa humana sejam violados em prol da liberdade de expressão e do direito à informação. Os interesses dos mecanismos de busca de não limitarem seus resultados não podem preponderar em relação ao direito das pessoas de não continuarem a sofrer consequências negativas por informações de caráter particular suas estarem à disposição de todos na web.

Dessa forma, os dados continuariam disponíveis na internet, o que mudaria é que os usuários que buscassem aquele conteúdo não mais seriam direcionados pelos provedores para aquele site. Uma consequência negativa, porém, seria o grande poder atribuído aos buscadores de determinar o que os indivíduos poderiam encontrar, o que não poderia deixar de ser considerado como um mecanismo de censura. Existe, portanto, uma situação contraditória, na qual “o ator privado tem interesse na informação e nos dados armazenados, mas é, também, o executor do interesse público quando vier a cumprir os comandos legais propostos[21]”.

Conclusão

 

Diante do exposto, considera-se, portanto, que a melhor abordagem para o problema da impossibilidade de aplicação do direito ao esquecimento na Sociedade Informacional seria que as pessoas pleiteiem a não apresentação de suas informações pelos provedores de pesquisa. Ainda que tais pedidos direcionados ao provedor em vez de aos detentores da URL com a informação cuja divulgação se busca impedir não seja uma medida que efetivamente garantiria o direito ao esquecimento, esta se mostra a melhor opção. Como supramencionado, a demanda àqueles que gerenciam os sites com dados que não deveriam estar disponibilizados a público muitas vezes não é realizável em virtude do alto número de sítios com o mesmo conteúdo, além da possibilidade deste ser novamente divulgado por alguém que tenha salvado a informação. Na hipótese de demandar o buscador, por outro lado, considerando o fato de que conforme os dados fornecidos, o Google é a plataforma de buscas mais utilizada, mesmo que o conteúdo se mantivesse disponível em rede de forma pública, seu acesso seria em grande medida dificultado.

Contudo, reconhece-se que esta medida não pode ser considerada como uma forma diversa de aplicação do direito ao esquecimento. Trata-se apenas de medida paliativa, que tem por escopo mitigar essa impossibilidade prática que existe nos dias atuais de remover completa e definitivamente algum conteúdo da internet. Desse modo, a pessoa que se ver ofendida em virtude da divulgação de uma informação pode ter a possibilidade de minimizar tanto quanto possível os danos causados a sua privacidade e intimidade, que são direitos fundamentais que não podem deixar de ser considerados em prol do direito à informação.

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