O papel do ministério público na defesa do meio ambiente e a responsabilidade penal da pessoa jurídica, nos crimes ambientais no brasil

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17/07/2019 às 14:50
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2. Direito Ambiental

Por ser praticamente tudo que está a nossa volta, o meio ambiente saudável é totalmente imprescindível para a vida, não só dos seres humanos, mas de tudo que está inserido nele. Para a manutenção do meio ecologicamente equilibrado a sociedade criou mecanismos e procedimentos que foram abraçados pelo Direito para a efetiva prática defesa do meio ambiente e consequentemente de todo o planeta. Antunes (2013, p.3) vem falar um pouco mais acerca desse ramo do direito: “O Direito Ambiental é um dos mais recentes setores do Direito moderno e, com toda certeza, é um dos que têm sofrido as mais relevantes modificações, crescendo de importância na ordem jurídica internacional e nacional. Como em toda novidade, existem incompreensões e incongruências sobre o papel que ele deve desempenhar na sociedade, na economia e na vida em geral. A sua implementação não se faz sem dificuldades das mais variadas origens, indo desde as conceituais até as operacionais. Contudo, uma verdade pode ser proclamada: a preocupação do Direito com o meio ambiente é irreversível.”.

Preliminarmente, esclarecer o que é o direito do meio ambiente, ou direto ambiental, e suas características é necessário para dar seguimento ao estudo objetivado. Inicia-se com a ideia de Piva (2000, p.47) que “Direito Ambiental é o ramo do direito positivo difuso que tutela a vida humana com qualidade através de normas jurídicas protetoras do direito à qualidade do meio ambiente e dos recursos ambientais necessários ao seu equilíbrio ecológico.”.

Complementa ainda, de forma primorosa o conceito de DA o Professor Machado (2005, p. 148-149): “O Direito Ambiental é um Direito sistematizador, que faz a articulação da legislação, da doutrina e da jurisprudência concernentes aos elementos que integram o meio ambiente. Procura evitar o isolamento dos temas ambientais e sua abordagem antagônica. Não se trata mais de construir um Direito das águas, um Direito da atmosfera, um Direito do solo, um Direito florestal, um Direito da fauna ou um Direito da biodiversidade. O Direito Ambiental não ignora o que cada matéria tem de específico, mas busca interligar estes temas com a argamassa da identidade de instrumentos jurídicos de prevenção e de reparação, de informação, de monitoramento e de participação.”.

A concepção que os autores mencionados têm sobre o DA não difere muito, apenas expressão a mesma ideia com palavras divergentes, objetivando um mesmo fim.

Os princípios do Direito Ambiental estão na Constituição Federal de 1988, e segundo a doutrina majoritária são sete, sendo eles: I – Princípio do Desenvolvimento Sustentável; II – Princípio do Poluidor-Pagador; III – Princípio da Prevenção; IV – Princípio da Participação; V – Princípio da Função Socioambiental; VI – Princípio do Limite; e VII – Princípio da Cooperação entre os Povos.

2.1. Meio Ambiente e a Constituição Federal de 1988

É de grande importância a CF/88 para o meio ambiente, pois sem ela não teríamos o Direito Ambiental como conhecemos. Foi a primeira carta constitucional a mencionar o meio ambiente em seu texto, dando o devido valor e tutela necessária. “A Constituição Federal de 1988 representa um marco na legislação ambiental brasileira, pois além de ter sido a responsável pela elevação do meio ambiente à categoria dos bens tutelados pelo ordenamento jurídico, sistematizou a matéria ambiental, bem como estabeleceu o direito ao meio ambiente sadio como um direito fundamental do indivíduo. Sem olvidar que de forma inovadora, instituiu a proteção do meio ambiente como princípio da ordem econômica, no art. 170.”. (SILVA, 2013).

Com a promulgação da nossa Carta Magna de 1988, o Direito Ambiental foi elevado a um patamar jamais alcançado anteriormente por qualquer legislação, e Antunes (2013, p. 66) comenta esse fato: “Além de ser dotada de um capítulo próprio para as questões ambientais, a Constituição Federal de 1988, ao longo de diversos outros artigos, trata das obrigações da sociedade e do Estado brasileiro com o meio ambiente. Tais normas, do ponto de vista do Direito Constitucional, podem ser agrupadas como normas de (i) garantia, (ii) competência, (iii) gerais e (iv) específicas. [...] A Constituição de 1988 não desconsiderou o Meio Ambiente como elemento indispensável e que serviria de base para o desenvolvimento da atividade de infraestrutura econômica. Ao contrário, houve um aprofundamento das relações entre o Meio Ambiente e a infraestrutura econômica, pois, nos termos da Constituição de 1988, é reconhecido pelo constituinte originário que se faz necessária a proteção ambiental de forma que se possa assegurar uma adequada fruição dos recursos ambientais e um nível elevado de qualidade de vida às populações.”.

Observa-se que leis e dispositivos constitucionais não nos faltam hoje com a atual Constituição em vigor, porém tê-los e não utilizá-los ou interpretá-los de forma errônea, é o mesmo que regredir anos e anos de luta legislativa em matéria ambiental. Para confirmar e concluir esse pensamento Antunes (2013, p. 67) fala que: “A adequada compreensão do capítulo e dos dispositivos constitucionais voltados para o Meio Ambiente é essencial e exige uma atenção toda especial para disciplinas que não são jurídicas. Conceitos pertencentes à Geografia, à Ecologia, à Mineralogia, etc. passam a desempenhar um papel na interpretação da norma constitucional que era completamente impensável antes da promulgação da Constituição de 1988. Esse é, provavelmente, o maior desafio que o artigo 225 lança ao jurista. Como estabelecer a adequada mediação entre o fato científico e o fato jurídico, a norma aplicável é uma questão que vem estimulando a criatividade do jurista.”.

Hoje não se pode falar em desemparo da Lei Maior com o nosso ambiente, já que vimos que não faltam artigos reguladores e disciplinadores nessa esfera, restando assim, apenas à correta interpretação e aplicação dos mesmos.

2.2. Direito Ambiental e tríplice responsabilização

A responsabilidade ambiental foi introduzida no ordenamento jurídico brasileiro pela Lei 6.938/1981, que, no parágrafo 1º do art. 14, preceituou: “Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade.”. (JANNUZZI; BERTÉ, 2012, p. 76).

“O art. 225, § 3º, da Constituição Federal previu a tríplice responsabilidade do poluidor (tanto pessoa física como jurídica) do meio ambiente: a sanção penal, por conta da chamada responsabilidade penal (ou responsabilidade criminal), a sanção administrativa, em decorrência da denominada responsabilidade administrativa, e a sanção que, didaticamente poderíamos denominar civil, em razão da responsabilidade vinculada à obrigação de reparar danos causados a meio ambiente.”. (FIORILLO, 2013, p. 136-137).

Antunes (2013, p. 505) fala das três responsabilizações, porém elenca uma divergência que vai de encontro às ideias de muitos doutrinadores: “Aquele que causa um dano à terceiro deve arcar com os custos do malefício causado, de forma proporcional ao sofrimento imposto ao terceiro. É o que se chama responsabilidade, que, do ponto de vista do direito, se subdivide em (i) penal, (ii) civil ou (iii) administrativa. A responsabilidade ambiental é formada pelas três modalidades, sempre sejam produzidos danos ao meio ambiente; contudo, muito embora a Constituição Federal tenha mencionado no § 3º do artigo 225 a existência de uma tríplice responsabilidade ambiental, fato é que a responsabilidade civil ambiental não é unitária, como pretende boa parte da doutrina e da jurisprudência. Na verdade, muito embora o discurso ambiental esteja fundado em holismo e unitarismo, o fato é que as políticas públicas de proteção ao meio ambiente se fazem por leis específicas, as quais estabelecem sistemas próprios de responsabilidade que, em muitos casos, se apartam de modelo estabelecido pela Lei da Política Nacional do Meio Ambiente.”.

Mais um breve comentário acerca da tríplice responsabilização e também o apontamento da diferença entre elas, por Fiorillo (2013, p. 137): “Num primeiro ponto de análise, temos que os ilícitos civil, administrativo e penal encontram-se absortos num mesmo conceito: a antijuricidade. Inexiste uma distinção embrionária; todos os tipos relacionados como uma reação do ordenamento jurídico contra a antijuricidade praticada. Todavia, há diferenças entre essas três penalidades. Entre os critérios identificados da natureza dos ilícitos, podem indicar: a) o reconhecimento do objeto tutelado por cada um; e b) o reconhecimento do órgão que imporá a respectiva sanção.”.

Feito essa indagação sobre as três responsabilidades em matéria ambiental, o que poderia ser questionado é o princípio do direito bis in iden (duas vezes na mesma), porém o art. 225, § 3º da Constituição Federal, ao dispor que as condutas e atividades lesivas ao meio ambiente sujeitarão seus infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a infrações penais e administrativas, independente da obrigação de reparar os danos causados, consagrou a regra da cumulatividade das sanções, até mesmo porque, como visto, as sanções penais, civis, e administrativas, além, de protegerem objetivos distintos, estão sujeitas a regimes jurídicos diversos. (FIORILLO, 2013).

Como o objetivo principal é a proteção do meio ambiente, o Estado usa de todas as suas ferramentas para ter sucesso nessa proteção. Para isso além de imputar responsabilidade civil e administrativa também instituiu a responsabilidade penal, que necessita de culpa ou dolo, responsabilizando tanto pessoa física quanto jurídica de forma individualizada, buscando assim a redução de infrações ambientais e a tríplice responsabilização se for o caso, para não voltar cometer danos ao meio ambiente.


3. Responsabilidade penal da pessoa jurídica nos crimes ambientais

A responsabilidade pena da pessoa jurídica ainda não é um tema pacificado entre os tribunais, tão poucos entre os doutrinadores. Essa divergência também ocorre quando se fala na Lei 9.605/98 - a Lei dos Crimes Ambientais, que regulamentou a responsabilidade penal das pessoas jurídicas em face de crimes ambientais. Quanto da possibilidade/impossibilidade se tem argumentos válidos. “O acolhimento da responsabilidade penal da pessoa jurídica na Lei 9.605/1998 mostra que houve atualizada percepção do papel das empresas no mundo contemporâneo. Nas últimas décadas, a poluição, o desmatamento intensivo, a caça e a pesca predatória não são mais praticados só em pequena escala. O crime ambiental é principalmente corporativo.”. (MACHADO, 2014, p. 834).

Antes de estar instituída na Lei 9.605/1998, a responsabilidade penal das pessoas jurídicas por condutas danosas ao meio ambiente, foi instituída na Constituição Federal de 1988 em seu art. 225, § 3º. “art. 225, §3º: As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.”.

A evolução econômica e industrial trouxe muitos avanços para o homem, em contrapartida as grandes corporações hoje são os principais responsáveis por condutas lesivas ao meio ambiente, fazendo com que o constituinte discipline acerca da pessoa jurídica e suas responsabilidades em face de crimes ambientais, ainda que a efetiva aplicação de sanções penais não esteja pacificada entre os juristas. “Avanço na medida em que se constatava que as grandes degradações ambientais não ocorriam por conta de atividades singulares, desenvolvidas por pessoas físicas. Elas apresentavam-se de forma corporativa. Com isso, fez-se necessário, a exemplo de outros países (como França, Noruega, Portugal e Venezuela), que a pessoa jurídica fosse responsabilizada penalmente.”. (FIORILLO, 2013, p. 152-153).

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Observou-se que a quantidade de crimes ambientais praticados por pessoas jurídicas aumentou, assim como sua lesividade, fazendo com que se reflita mais acerca da responsabilidade penal da pessoa jurídica e consequentemente da atualização/adaptação do direito penal brasileiro. Machado (2014, p. 834-835) disserta sobre a importância da responsabilização penal: “A experiência brasileira mostra uma omissão enorme da Administração Pública na imposição de sanções administrativas diante das agressões ambientais. A possibilidade de serem responsabilizadas penalmente as pessoas jurídicas não irá desencadear uma frenética persecução penal contra as empresas criminosas. Tentar-se-á, contudo, impor um mínimo de corretivo, para que a nossa descendência possa encontrar um planeta habitável.[...] Conservar-se só a responsabilidade da pessoa física frente aos crimes ambientais é aceitar a imprestabilidade ou inutilidade do Direito Penal para colaborar na melhoria e recuperação do meio ambiente. Os tribunais brasileiros começam a confirmar sentenças reconhecendo a responsabilidade penal da pessoa jurídica.”.

Dito isso, o rumo que a sociedade tomou nos últimos anos, com seu desenvolvimento industrial, e consequentemente com maior participação das corporações em crimes ambientais, fez com que alguns doutrinadores mudassem de posicionamento, corroborando com a ideia do legislador, é o caso de Jesus (1999, p. 168-169): “[...] hoje, em vez de criticar, devemos reconhecer que a legislação penal brasileira admite a responsabilidade criminal de pessoa jurídica e procurar melhorar a nova sistemática. Em suma, alterando a posição anterior, hoje reconhecemos invencível a tendência de incriminar-se a pessoa jurídica como mais uma forma de reprimir a criminalidade.”.

Percebe-se que a aplicação de sanções penais às pessoas jurídicas é possível, pois nossa Lei Maior prevê em seu texto, habilitando o direito penal a adaptar-se e sancionar também os maiores lesadores do meio ambiente, que hoje são responsabilizados de forma branda e ineficaz no âmbito civil e administrativo.

3.1. Responsabilidade penal ambiental

Algumas condutas dependendo da gravidade ou lesividade, bem como a repercussão social e necessidade de uma intervenção mais severa do Estado, foram elevadas a categoria dos tipos penais, aplicando sanções ao agente com multas, restrições de direito ou privação de liberdade.

A Constituição Federal como sendo nossa Lei Maior deve ser dada a devida importância quanto àquilo que ela dispõe e prevê, e nesse caso a responsabilidade da pessoa jurídica em crimes ambientais. Segundo Machado (2014, p. 835): “A responsabilidade penal da pessoa jurídica é introduzida no Brasil pela Constituição Federal de 1988, que mostra mais um dos seus traços inovadores. Lançou-se, assim, o alicerce necessário para termos uma dupla responsabilidade da pessoa jurídica. Foi importante que essa modificação se fizesse por uma Constituição que foi amplamente discutida não só pelos próprios Constituintes, como em todo o País, não só pelos juristas, como por vários especialistas e associações de outros domínios do saber.”.

Como destacado anteriormente, o art. 225, §3º prevê a responsabilidade penal da pessoa jurídica, mas não foi apenas nesse artigo que a Constituição mencionou tal responsabilidade: “Não só o título VIII (Da Ordem Social), em seu Capítulo VI (Do Meio Ambiente), tratou da responsabilidade da pessoa jurídica.  O Título VII (Da Ordem Econômica e Financeira), em seu Capítulo I (Dos Princípios Gerais da Atividade Econômica), sem estabelecer os tipos de punição, aborda também o tema da responsabilidade da pessoa jurídica, em seu art. 173, §5º, prevendo que: “A lei, sem prejuízo da responsabilidade individual dos dirigentes da pessoa jurídica, estabelecerá a responsabilidade desta, sujeitando-se às punições compatíveis com a sua natureza, nos atos praticados contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular”. (MACHADO, 2014, p. 835).

“Claro está que a finalidade maior da Constituição Federal é trazer efetividade e utilidade para o direito criminal ambiental, bem como para o direito penal ambiental, estabelecendo sanções penais concretas para aqueles que, na ordem jurídica do capitalismo, lesam ou mesmo ameaçam a vida em todas as suas formas.” (FIORILLO, 2013, p. 815).

Assim, o legislador atestou toda sua vontade em defender o nosso maior bem tutelado, o meio ambiente, e também suas responsabilidades por crimes nocivos ao mesmo, até mesmo a pessoa jurídica, independentemente de interpretações diversas.

Em seu art. 3º a Lei dos Crimes Ambientais dispõe claramente a responsabilidade penal das pessoas jurídicas: “As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente conforme o disposto nesta Lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade.”. Sobre isso, Claudino (2012) destaca: “Outrossim, a lei de crimes ambientais (Lei 9.605/98) previu em seu Art. 3º que para que essa responsabilidade seja atribuída a pessoa jurídica é necessário o preenchimento de dois pressupostos, quais sejam: o delito ambiental deve ter sido cometido pelo seu representante legal ou contratual, ou por seu órgão colegiado; bem como por interesse ou em benefício da pessoa jurídica. Desse modo, se o dirigente do ente coletivo tomar uma decisão, ainda que a utilize para fins ilícitos, mas, que em nada interesse ou beneficie a empresa não há que se falar em responsabilização penal da pessoa jurídica. Diferente da responsabilidade civil ou administrativa, que é sempre objetiva, no âmbito penal a responsabilidade é subjetiva, devendo aferir-se a existência de dolo ou culpa de causar dano ao meio ambiente. Ademais, trata-se de um sistema de dupla imputação, pois a pessoa jurídica e a pessoa física são simultaneamente incriminadas, por sua conduta dolosa ou culposa.”.

De mais a mais Fiorillo (2013, p. 817-818) encerra enfatizando a importância em responsabilizar a pessoa jurídica e seus efeitos em favor de uma maior proteção ao meio ambiente equilibrado: “Com efeito, além de apontar a possibilidade de aplicação de sanções penais para as pessoas físicas, prática tradicional do Direito Penal, bem como indicar diversas modalidades de culpa em matéria ambiental (art.2º), projetou importante hipótese no sentido de responsabilizar penalmente as pessoas jurídicas (art. 3º), sejam elas de direito público ou de direito privado, inclusive com a aplicação do instituto da “desconsideração da pessoa jurídica” (art. 4º), instituto autorizador para que determinado órgão investido de poder, por força constitucional, possa num dado caso concreto não considerar [...] os efeitos da personificação ou da autonomia jurídica da sociedade evidentemente com a finalidade de atingir e vincular aquele que efetivamente teria cometido o crime ambiental: a pessoa humana. Configuram as disposições gerais da Lei n. 9.605/98 fundamental evolução no sentido de trazer utilidade aos cidadãos por meio de proteção da vida com a utilização das sanções penais ambientais.”.

Assim, além da previsão pela Constituição Federal, temos agora também a regulamentação dada pela LCA, tornando o crime ambiental mais amparado e a responsabilidade penal da pessoa jurídica mais definida.

3.2. Responsabilidade penal das pessoas jurídicas de direito público

Primeiramente, ressalta-se que são pessoas jurídicas de direito público a União, os Estados, Municípios, Distrito Federal, autarquias e fundações públicas.

Como visto até o momento, tudo que se fala acerca da responsabilidade penal da pessoa jurídica há muita controvérsia, e com os entes estatais não seria diferente. Seguindo com a possibilidade da responsabilização, Fiorillo (2013, p. 813-814) dá seu parecer: “Observados os critérios do direito penal constitucional em vigor, entendeu por bem a Carta Magna sujeitar qualquer infrator, seja ele pessoa física (portador de DNA com atributos que lhe são inerentes por força do meio ambiente cultural), seja ele pessoa jurídica (unidade de pessoas naturais ou mesmo de patrimônios, constituídas tanto no plano chamado “privado” como no plano chamado “público”, regradas por determinação da Constituição Federal em vigor e submetida a direitos e deveres), às sanções penais ambientais, desde que observada a existência de crime ambiental.”.

A Constituição Federal não faz menção à exclusão da responsabilidade penal da pessoa jurídica de direito público em seu art. 225, § 3º, apenas cita a “pessoa jurídica”, e em fazendo essa distinção por conta própria estará ferindo o princípio da isonomia. A CF/88 trata desse assunto no art. 37, § 6º: “Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: § 6º - As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.”.

“A irresponsabilidade penal do Poder Público não tem ajudado na conquista de uma maior eficiência administrativa. A tradicional “sacralização” do Estado tem contribuído para o aviltamento da sociedade civil e das pessoas que a compõem. Responsabilizar penalmente todas as pessoas de direito público não é enfraquecê-las, mas apoiá-las no cumprimento de suas finalidades.”. (MACHADO, 2014, p. 839).

Apenas o Estado é detentor do jus puniendi (o direito de punir), por consequência não pode ser responsabilizado, porque cometer crimes e aplicar a própria punição são atos incompatíveis. Corrobora com isso Shecaria (2002, p. 190-191), pois “A justificação mais precisa e mais sólida para fundar essa exclusão é, sem qualquer dúvida, a de que tendo o Estado o monopólio do direito de punir, não deve sancionar-se a si próprio, perspectiva muito exagerada que levaria a ideia às raias do absurdo.”.

Porém, não se pode defender à exclusão da responsabilização, mas sim que deva ser feita em caráter individual, que não ultrapasse do agente responsável pelo dano causado ao meio ambiente. Fiorillo (2013, p. 815) acredita que: “[...] resta evidente que, em face do princípio da individualização da pena (art. 5º, XLVI, da CF), caberá ao legislador infraconstitucional, observado o critério de competência definido no art. 22, I, da CF, fixar as sanções penais mais adequadas em decorrência de diferentes hipóteses de responsabilidade criminal ambiental: sanções penais para pessoas físicas, jurídicas de direito privado, jurídicas de direito público etc.”.

Está sendo feito de tudo para diminuir os danos ambientais e tornar mais severas as punições por tais crimes, inclusive responsabilizando àqueles que por hora são responsáveis pela fiscalização e imputação de medidas preventivas e punitivas, como são os entes públicos

3.3. As penas aplicáveis e seus efeitos

Evidente que a restrição de liberdade não é a única sanção penal existente no ordenamento jurídico brasileiro, esta concorre com outros tipos de sanções, que aí sim podem ser aplicadas as pessoas jurídicas. “As penas aplicáveis, isolada, cumulativa ou alternativamente, às pessoas jurídicas, de acordo com o disposto no art. 3º, são: I – multa; II – restritivas de direitos; III – prestação de serviços à comunidade (art. 21).”. (MAHADO, 2014, p. 839).

“Também no Capítulo II da Lei n. 9.605/98 (art. 8º) estabeleceu o legislador critério estritamente constitucional, adotando grande parte dos exemplos de pena fixados pelo art. 5º, XLVI, da Carta Magna. A prestação de serviços à comunidade (art. 9º), as penas de interdição temporária de direitos (art. 10), a suspensão de atividades (art. 11), a prestação pecuniária (art. 12) e mesmo o recolhimento domiciliar (art. 13) nada mais são que hipóteses de aplicação concreta dos preceitos fixados na Carta Magna que elaboram as bases do direito penal constitucional.”. (FIORILLO, 2013, p. 818-819).

Machado (2014, p. 839-840) ainda acha que o legislador poderia ter incluído outras penas: “Poderiam ter sido inseridas outras penas, como foram no art. 72 da Lei 9.605/1998, referente às sanções administrativas: destruição ou inutilização do produto; suspensão de venda e fabricação do produto; demolição de obra; suspensão de registro. O Poder Judiciário teria condição de tornar mais eficaz a reprimenda penal ao aumentar o leque de penalidades adaptáveis às necessidades ambientais e aos crimes cometidos.”.

 Contudo, nos resta dar atenção somente àquelas já previstas pelo legislador. E aplicar as sanções competentes às pessoas jurídicas, respeitando a letra da lei e a natureza jurídica de cada ente.

“Na pena de multa, para que seja aplicada, leva-se em conta a situação econômica do infrator. Este fato nos remete a mais uma vantagem da possibilidade de responsabilizar-se a pessoa jurídica: normalmente sua situação econômica tende a ser bem melhor do que a situação econômica de seus representantes. A crítica a esta pena reside no fato de que a multa cominada à pessoa jurídica não ganhou disciplina própria: aplica-se a regra do art. 18 da LCA, que retoma as normas do CP, o que faz com que a multa possa não ser condizente com o faturamento da empresa. Há um posicionamento contrário: para alguns juristas o legislador foi prudente ao fixar a sanção pecuniária máxima nos moldes do CP. Sustentam que os valores podem ser significativos até mesmo para empresas de grande porte e que já são suficientes para exercer a função preventiva.”. (SANSON, 2005).

Lei 9.605/09, art. 18º - “A multa será calculada segundo os critérios do Código Penal; se revelar-se ineficaz, ainda que aplicada no valor máximo, poderá ser aumentada até três vezes, tendo em vista o valor da vantagem econômica auferida”.

Machado (2014, p. 840) esclarece um pouco a multa cominada à pessoa jurídica, constatando que “A pena de multa não se confunde com a pena de prestação pecuniária, que, no caso, é pena restritiva de direito aplicável somente à pessoa física, e o pagamento do dinheiro será destinado à vítima o entidade pública ou privada com o fim social (art. 12 da Lei 9.605/1998)”. Ainda com Machado (2014, p. 840): “A pena de multa aplicada à pessoa jurídica não terá efeito direto na reparação do dano cometido contra o meio ambiente, pois o dinheiro será destinado ao fundo penitenciário. Dessa forma, é uma sanção penal que deve merecer prioridade no combate à delinquência ambiental praticada pelas corporações. Além disso, [...] é uma pena inócua, pelo seu insignificante valor.”.

“No que diz com as penas restritivas de direitos, o juiz deve agir com cuidado quando as impuser, mantendo-se atento à equidade. Para Gilberto e Vladmir Passos de Freitas (145), "essas restrições acabarão sendo as verdadeiras e úteis sanções" à proporção que remetem à reparação do dano, quando for possível. A questão que suscita dúvidas diz com o prazo de duração da pena restritiva de direitos, que, de acordo com o art. 55 do CP, limita-se à duração da pena privativa de liberdade substituída, sendo que, muitas vezes, os efeitos do crime prolongam-se mais no tempo, mas não há como impor sanção superior ao máximo permitido por Lei, devendo ser o acompanhamento da recuperação integral feito através de ação civil pública.”. (SANSON, 2005).

O art. 22 da LCA é autoexplicativo “As penas restritivas de direitos da pessoa jurídica são: I - suspensão parcial ou total de atividades; II - interdição temporária de estabelecimento, obra ou atividade; III - proibição de contratar com o Poder Público, bem como dele obter subsídios, subvenções ou doações”. “§ 1º A suspensão de atividades será aplicada quando estas não estiverem obedecendo às disposições legais ou regulamentares, relativas à proteção do meio ambiente”.  “[...] revela-se necessária quando a mesma age intensamente contra a saúde humana e contra a incolumidade da vida vegetal e animal. É pena que tem inegável reflexo na vida econômica de uma empresa”. (MACHADO, 2014, p. 841). “§ 2º A interdição será aplicada quando o estabelecimento, obra ou atividade estiver funcionando sem a devida autorização, ou em desacordo com a concedida, ou com violação de disposição legal ou regulamentar”. “No caso da interdição essa pena somente é prevista como temporária. Será imposta visando a levar a entidade e adaptar-se à legislação ambiental, isto é, a somente começar a obra ou iniciar a atividade com a devida autorização”. (MACHADO, 2014, p. 841). “§ 3º A proibição de contratar com o Poder Público e dele obter subsídios, subvenções ou doações não poderá exceder o prazo de dez anos”. “A contratação com o Poder Público, com o processo licitatório ou sem este, fica proibida pela cominação desta pena. Este dispositivo tem como consequências o impedimento de a empresa condenada apresentar-se às licitações públicas”. (MACHADO, 2014, p. 842).

Tais sanções destinadas às pessoas jurídicas atingem diretamente a corporação e seu funcionamento, obrigando-os a adaptarem-se imediatamente as condições ecológicas corretas, tendo assim um efeito instantâneo e competente.

“A prestação de serviços à comunidade consiste em custear programas e projetos ambientais, executar obras de reparação de áreas degradadas, manter espaços públicos e contribuir com entidades ambientais ou culturais públicas. A função é social, e seu cumprimento implica a educação daqueles que ainda não têm discernimento acerca da melhor forma de usufruir e preservar os recursos naturais.”. (SANSON, 2005).

Esta pena está taxada no art. 23 da LAC: “Art. 23 - A prestação de serviços à comunidade pela pessoa jurídica consistirá em: I - custeio de programas e de projetos ambientais; II - execução de obras de recuperação de áreas degradadas; III - manutenção de espaços públicos; IV - contribuições a entidades ambientais ou culturais públicas”.

As penas, de acordo com a LCA, não são atreladas aos tipos. A lei dispõe em capítulo especial, as penas aplicáveis às PJ, e não se tratam de sanções civis ou administrativas, tendo em vista que estão taxadas na Lei dos Crimes Ambientais e se aplicam às pessoas jurídicas. Mesmo que haja grande discussão quanto à responsabilização da pessoa jurídica, e consequentemente também das penas aplicáveis, renova-se a veracidade da diminuição dos crimes ambientais, ainda que as penas restritivas de direitos são as únicas ferramentas.

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