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A independência dos Conselhos de Contribuintes

28/10/2005 às 00:00
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Recentemente, a Procuradoria da República ingressou com duas ações civis públicas contra decisões da 4ª. Câmara do 1º Conselho de Contribuintes, exaradas em dois processos administrativos (104-17.206 e 100.216), considerando insubsistentes os autos de infração que lhes haviam dado causa, com base em entendimento jurisprudencial consolidado e objeto da Súmula 182 do extinto Tribunal Federal de Recursos, no sentido de que autos de infração lavrados com base exclusivamente em extratos são insubsistentes.

Está a referida Súmula assim redigida: "É ilegítimo o lançamento do Imposto de Renda arbitrado com base apenas em extratos ou depósitos bancários".

Não entro no mérito da discussão, embora entenda que o Superior Tribunal de Justiça, que hospedou a jurisprudência do Tribunal a que sucedeu, esteja rigorosamente correto, na medida em que a simples movimentação bancária não é renda, renda sendo, apenas, o que se acresce ao patrimônio anterior e seja pela lei assim definida.

Não é este o aspecto que me preocupa e não é sobre ele que me debruçarei, neste artigo.

Preocupa-me a insegurança jurídica, que se instaura a luz de ações civis públicas ajuizadas para fim de questionar a legitimidade de decisões dos tribunais administrativos, cujo descabimento espero seja reconhecido pela Justiça. Com efeito, se o próprio Ministério da Fazenda, por seu órgão encarregado de rever o ato administrativo de lançamento, entendeu não configurada a incidência de qualquer tributo, não há como pretender, o Ministério Público, contra a expressa disposição do artigo 142 do CTN, subrogar-se nas funções próprias da administração tributária.

De rigor, se tivesse, o Ministério Público, por função rever o lançamento tributário, nos termos do artigo 145 do CTN - assim redigido: "Art. 145. O lançamento regularmente notificado ao sujeito passivo só pode ser alterado em virtude de: I - impugnação do sujeito passivo; II - recurso de ofício; III - iniciativa de ofício da autoridade administrativa, nos casos previstos no artigo 149" - à evidência, teriam, seus eminentes integrantes, que renunciar à sua função de "parquet".

É que, pelo Código Tributário Nacional, o lançamento de ofício é realizado privativamente por agente fiscal, nos termos do artigo 142 - assim redigido: "Art. 142. Compete privativamente à autoridade administrativa constituir o crédito tributário pelo lançamento, assim entendido o procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo caso, propor a aplicação da penalidade cabível" - e só pode ser revisto por decisão monocrática ou colegiada das autoridades julgadoras, no âmbito da Administração Tributária. Não cabe ao Ministério Público questionar tais decisões – principalmente quando fundadas em jurisprudência do Poder Judiciário – nem a ação civil pública é instrumento processual que se preste á usurpação das funções típicas da autoridade administrativa, nos termos dos referidos retro-citados dispositivos.

Na minha longa experiência na apresentação de recursos e de sustentações orais perante Tribunais Administrativos, principalmente, no Tribunal de Impostos e Taxas de São Paulo e nos diversos Conselhos de Contribuintes do Ministério da Fazenda, sempre pude constatar o elevado nível do conhecimento técnico e jurídico de seus componentes, zelando pela legalidade e pela distribuição da justiça tributária de forma rápida e democrática, já que nessa instância o contribuinte pode defender-se sem ônus. Alguns de seus integrantes foram e são eminentes mestres em direito tributário, de renome nacional e internacional, com obras publicadas, bastando lembrar os nomes de Alcides Jorge Costa, Ruy Barbosa Nogueira e José Eduardo Monteiro de Barros que, no passado, já participaram dos Tribunais Administrativos de nosso país - para não falar naqueles que lá estão.

Reconheço o valor dos ilustres membros do Ministério Público Federal. Tendo participado, como examinador, da banca examinadora de três concursos para seleção de juízes da Magistratura estadual e federal, sei que os que exercem a honrosa função de "parquet" passaram por provas semelhantes e o êxito que lograram no concurso de ingresso é a demonstração inequívoca de seu indiscutível preparo. Todavia, os tribunais administrativos são órgãos técnicos, especializados na matéria tributária, estando, indiscutivelmente, mais preparados para dirimir questões próprias desse ramo do direito e das funções que lhes atribui a lei e a Constituição.

De notar que, ao se curvarem à orientação sinalizada, há longos anos, pelo Poder Judiciário, esses órgãos da Administração, em acatamento aos princípios da legalidade, moralidade e eficiência, estão a exercer de forma escorreita o poder-dever da autotutela, em prol do interesse público, que não restaria atendido se a ilegalidade do lançamento só pudesse ser reconhecida em juízo, tendo o erário que arcar com a sucumbência, em virtude da exigência indevida.

Parece-me, pois, com a devida vênia, que a ação civil pública não pode ser utilizada como meio para que, em manifesta violação aos arts. 142 e 145 do CTN, os membros do Ministério Público cerceiem a liberdade e autonomia dos tribunais administrativos, investindo-se dos poderes privativamente ofertados aos agentes lançadores.

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Sobre o autor
Ives Gandra da Silva Martins

advogado em São Paulo (SP), professor emérito de Direito Econômico da Universidade Mackenzie, presidente do Centro de Extensão Universitária, presidente da Academia Internacional de Direito e Economia, presidente do Conselho de Estudos Jurídicos da Federação do Comércio do Estado de São Paulo

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARTINS, Ives Gandra Silva. A independência dos Conselhos de Contribuintes. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 847, 28 out. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7546. Acesso em: 19 dez. 2024.

Mais informações

Publicado originalmente na "Gazeta Mercantil" (28/09/2005).

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