INTRODUÇÃO
As políticas públicas devem ser encaradas sob enfoques multidisciplinares que busquem uma interação lógica-pragmática entre problemas e soluções da realidade social. Neste sentido, o presente trabalho busca trazer o debate recente da matéria, elencando conceitos essenciais à compreensão e estruturação do tema mediante a apresentação da perspectiva de doutrinadores clássicos, bem como a visão contemporânea brasileira acompanhada da movimentação do Poder Judiciário.
Busca-se também contrapor às perspectivas das Ciências Políticas e da Administração Pública, para trazer diretrizes na atuação dos atores estatais enquanto definidores e implementadores dessas ações, levando em consideração as infinitas necessidades sociais e os cada vez mais escassos recursos, não escapando da análise das consequências de tais prioridades.
Por fim, os mecanismos de análise da ação governamental quanto a sua eficiência e eventual necessidade de recondução, são abordados em caso de desvios em relação às balizas institucionais, além de averiguar as possibilidades de movimentação do Judiciário, que julgará tais excessos.
APANHADO HISTÓRICO
O desenvolvimento das políticas públicas, como área de conhecimento, surge na primeira metade do século XX nos Estados Unidos, caracterizada inicialmente como desdobramento da Ciência Política e, num segundo momento, passou a ser enfrentada sob uma perspectiva multidisciplinar. Agum Ribeiro (2015, p. 14-15) faz uma abordagem histórica da evolução do tema, apontando a didática de Harold Lasswell como marco inaugural no mundo acadêmico, ao relacionar as ações governamentais sob o ponto de vista científico, notadamente quanto ao processo decisório estatal. Por sua vez, a busca pela metodologia a ser empregada tem início com os estudos de Herbert Simon, que traz uma abordagem empírica e sistemática que servirá de fundamento para a ação política.
Perceber a decisão política tomada como um emaranhado de relações de cunho social e não apenas pela perspectiva racional, foi um desenvolvimento iniciado por David Easton, após as críticas formuladas por Charles Lindblom ao modelo de Simon. Embora não haja consenso sobre a conceituação do que venha a ser política pública, Agum Ribeiro (2015, p. 15) aponta a memorável definição de Thomas Dye como sendo aquilo que o governo decide fazer ou não, considerando que até mesmo as abstenções estatais podem ser consideradas políticas públicas, algo que se assemelha, em certa medida, ao conceito do Beredtes Schweigen[1] alemão, compreendendo-o como uma declaração de intenção implícita por parte do poder público.
A disciplina de Lasswell também é tido por representativa da matéria logo em relação ao título da sua obra, que evidencia o trajeto de estudo ao questionar quem recebe o quê, quando e de que maneira[2], tais interrogações guiam o estudo das políticas públicas sob uma perspectiva metodológica. Vale destacar as palavras de William Carpenter (1936, p. 1174), ao analisar a obra de Lasswell, para quem as experiências internacionais são meras referências para o desenvolvimento da política interna, de modo que somente aqueles que lidam com a cultura e história da nação terão propriedade para implementar tais ações.
A despeito disso, Celina Souza (2006, p. 24-26) destaca que as políticas públicas possuem uma natureza holística, entendida como uma organização estruturada multidisciplinar, o que permite que seja estudada sob diversos enfoques através das inúmeras ciências existentes, e ainda com maior destaque sob suas consequências em relação aos ramos da sociologia, ciência política e economia, sob esta perspectiva, ainda que se queira reduzir o âmbito de sua definição, é inegável a abrangência que o tema tem sobre diversas áreas do conhecimento.
Neste momento torna-se imperioso trazer à discussão a diferenciação de conceitos apontadas por Maria Paula Dallari Bucci (2006, p. 18-20) quanto a políticas públicas, políticas de Estado e política de governo. Afirma que as políticas públicas seriam o conjunto de medidas exigidas do Estado sob aquelas condições fáticas vivenciadas sob aquele arranjo institucional, com projeções de correção e um prazo para o futuro, nesta senda aquelas com expectativas de longo prazo seriam as de natureza estatal, enquanto que as mais eminentes seriam de cunho governamental. Por uma perspectiva mais frágil, aponta que o assento normativo pode ser compreendido como um diferenciador, de modo que possuindo como fundamento normas constitucionais, seriam evidentemente políticas de Estado, reduzindo o grau de certeza até passar pelas normas legais, ao passo que aquelas infralegais trariam meramente políticas de governo.
O CUSTO
Toda movimentação estatal insurge a imposição de custos, assim propõe o magistério de Cass Sunstein e Stephen Holmes (1999, p. 43-44), não somente os de cunho financeiro, mas também aqueles compreendidos como custos de oportunidade que escolhas jurídicas impõem umas em detrimento das outras. Vale dizer que a natureza dos direitos tutelados não os exime de tais importes, sejam aqueles que preconizam uma abstenção estatal, denominados de direitos negativos, ou os que, de outra maneira, legitimam seus titulares a exigi-los do Estado. Neste sentido, os autores sustentam que para a existência efetiva de um direito, deve haver um remédio jurídico adequado que permita sua proteção o que impõem a necessidade de um aparado institucional operacionalmente eficiente para tanto, surge como consequência disto um custo orçamentário para seu funcionamento.
Direitos somente podem assim ser considerados se houver uma maneira de exigir a atuação estatal para que sejam assegurados, de modo que a discussão passa inarredavelmente por uma questão política, dado a necessidade de recursos para sua efetivação, isso porque direitos não são embasados unicamente em valores morais ou consequências da natureza humana. Vale dizer que este raciocínio transita a meio caminho entre as ideias liberalistas, que vão desde Hobbes a Rawls, na qual os indivíduos são percebidos como livres e iguais e que, por escolha e visando a proteção de suas liberdades por um ente superior a cada um, abrem mão de parte de sua liberdade em prol do todo, quanto a visão comunitarista, defendida por Charles Taylor e Michael Sandel, que visualizam a sociedade como limitadora das liberdades individuais, em que as pessoas estão inseridas. Ao atrelar a eficiência de direitos a custos, tem-se que sua efetivação depende da cooperação institucional individual a ser concretizada através dos tributos pagos por cada um. (SUSTEIN; HOLMES, 1999, p. 224)
Flávio Galdino (2012, p. 188), ao estudar a obra de Sustein e Holmes destaca como os autores possuem a visão de que todos os direitos são positivos, isso resulta que a escassez de recursos econômicos impede a efetivação da gama de metas traçadas pela sociedade, sem impor sacrifícios de uns em detrimentos de outros, é aquilo que Guido Calabresi e Philip Bobbit (1978 apud GALDINO, 2012, p. 196) desenvolvem sob o título de escolhas trágicas, que revelam a valoração realizada pela comunidade través da definição de suas prioridades, encaradas como reflexos de seu pensamento.
O desdobramento dessas escolhas recai inevitavelmente sobre o orçamento público, onde Ana Paula Barcellos (2002, p. 236 apud FREIRE JR, 2012, p. 52) apresenta então o conceito da reserva do possível, utilizado no Brasil como um dos critérios hermenêuticos na ponderação dos conflitos de interesses, onde o parâmetro econômico como limitador material daquilo que pode ser exigido judicialmente do Estado. Neste sentido, o início do novo regime fiscal responsável influi diretamente sob a gestão das verbas na efetivação das políticas públicas, com maior enfoque ao planejamento das despesas obrigatórias de caráter continuado, grupo no qual se enquadram, de modo que sua implementação não pode comprometer o equilíbrio financeiro devendo apresentar uma estimativa trienal, além da respectiva origem dos recursos comprovando que não afetarão as metas fiscais através de uma compensação mediante corte de gastos ou aumento de receita (ABRAHAM, 2017, p. 163). A despeito disso, Freire Junior (2012, p. 62) ressalta que empecilhos formais oriundos do direito financeiro devem ser interpretados de modo a conferir maior efetividades aos direitos esculpidos na Carta Magna[3], de modo que o esforço conjunto entre órgãos de controle e do poder Judiciário deve viabilizar a consecução desta proteção.
ESTRUTURAÇÃO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS
Sob esse enfoque orçamentário, faz se primordial a classificação das políticas públicas desenvolvidas por Theodor Lowi (apud SOUZA, 2006, p. 28; SECCHI, 2012, p. 17-18), sendo uma das mais amplamente adotada, e tem como critério o impacto esperado na sociedade, subdividindo-a em quatro vertentes, quais sejam:
a) Políticas públicas distributivas, aquelas que destinam benefícios a grupos ou regiões específicas em detrimento do todo social, devido à limitação de recursos. Como exemplos dessa atividade Secchi (2012, p. 8) cita os incentivos fiscais concedidos a pequenos empreendedores como escopo na geração de emprego e renda, políticas de transferência de renda. Vale destacar que esta vertente encontra-se sob a ameaça eminente de ser utilizada de maneira eleitoreira em ações com escopo de clientelismo, assistencialismo, entre outros influxos maculados.
b) Políticas regulatórias, quando disciplinam a atuação da sociedade prioritariamente através dos policymakers, da administração pública e burocrática, sendo facilmente identificável na atuação das chamadas agências reguladoras.
c) Políticas redistributivas, atingem uma quantidade considerável de indivíduos impondo-lhes “perdas concretas e no curto prazo”, ao passo que levará a “ganhos incertos e futuro” para outro feixe social (SOUZA, 2006, p. 28), há uma realocação dos recursos de um grupo para outro, possuem pretensão universal, daí podem ser englobados as políticas tributárias.
d) Políticas constitutivas, de visão mais programática, traçam as linhas gerais pela qual devem ser desenvolvidas as demais políticas e se encontram num nível superior às demais, destacando-se aquelas que trazem a distribuição de competências e separação de poderes.
Sob o enfoque financeiro, Geraldo Julião Jr (2011 apud SILVA, 2012, p.29-30) leciona que as políticas públicas podem ser caracterizadas como políticas setoriais, quando atreladas a setores específicos da economia, podendo ser financiada através de recursos extra-orçamentários, e as políticas instrumentais, através do qual o Estado utiliza-se de suas ferramentas para atingir tais objetivos, o que implica no uso de recursos públicos diretamente.
Celina Souza (2006, p. 36) sintetiza os elementos principais das políticas públicas como sendo um conjunto abrangente de ações, que vão além de normas jurídicas, realizadas de maneira intencional pelo Estado, objetivando o alcance de certas metas formuladas através do entrelaçamento do ideário dos diversos atores sociais, tanto formais quanto informais, e materializados através da ação governamental, que produz impactos em curto prazo, embora sua intenção deve ser percebida ao longo prazo, devendo ser traçado um paralelo entre propósitos e resultados.
Sob estes fundamentos é preciso estabelecer uma metodologia para a o desenvolvimento das atividades e a consequente apuração de resultados, o que recebe o nome de ciclo de políticas públicas. A primeira destas etapas está no levantamento das questões que o governo pretende resolver, são aquelas matérias eleitas como problemas e que merecem a atenção do poder público, passando a integrar a agenda de políticas públicas, sendo definidas através de uma dinâmica multidisciplinar que leva em consideração processos político e sociais, bem como circunstâncias que escapam ao controle estatal.(SECCHI, 2012, p. 36)
Após esta etapa, são construídas as alternativas para a solução dos problemas, tendo por base a possibilidade de resolução de diversas maneiras diferentes, onde Secchi (2012, p. 37-39) aponta quatro maneiras para indução ao comportamento objetivado: i) premiação, estimulando ações determinadas através de estímulos positivos; ii) coerção, mediante estímulos negativos; iii) conscientização, utilizar-se do senso de dever moral dos indivíduos para determinar seu comportamento, através da construção ou do resgate de tais valores; e, iv) soluções técnicas, busca induzir o comportamento de maneira indireta através de métodos práticos. Pode-se utilizar, neste momento, a aferição qualitativa quanto às alternativas que podem ser incrementais, as quais não apresentam grandes alterações ao estado do problema levado à agenda estatal, ou fundamentais, quando alteram significativamente a situação, todavia, dado à complexidade de seu mecanismo, que trazem, além de risco político aos instituidores, uma necessidade de análise minuciosa de suas consequências, há uma predileção em função daquela, que possuem um grau razoável de certeza de sua efetividade, bem como implicarem em um menor custo. Neste aspecto, as ferramentas das políticas públicas, de acordo com a origem dos recursos utilizados para sua implementação, poderão ser diferenciadas por se utilizarem de instrumentos privados, ou públicos.
Feito isso, o debate passará a tratar da tomada de decisão, devendo levar-se em consideração, segundo Secchi (2012, p. 45), os obstáculos e falhas observados através de processos analíticos estruturados, sob uma perspectiva de planejamento da ação estatal para, por fim, equacionar meios e fins através de modelos de racionalidade que podem ser: a) racional, quando tenta minimizar as variáveis em busca de uma certeza na maximização dos resultados, porém este exige uma quantidade significativa de dados para promover a certeza buscada no processo decisório e que muitas vezes não podem ser providenciadas no estreito período de deliberações; b) incremental, no qual se busca meramente alterações pontuais nas novas propostas quando comparadas ao resultado das ações anteriores; e, c) “lata de lixo” (garbage can), apresentado por Celine Souza (2006, p. 30-31) como aquele em que as ações são determinadas pelas vontades institucionais e não pela necessidade de resolução em si, a gama de necessidades não seriam analisadas com cautela, mas dependentes das soluções que os policy makers possuem no momento.
Ricardo Agum, Priscila Riscado e Monique Menezes (2015, p. 28-29) aponta o início da implementação da política pública como etapa sujeita mais a entraves dos influxos da atividade política, que em relação a problemas técnicos e/ou administrativos propriamente ditos, neste sentido Secchi (2012, p. 46-47) cita os modelos de implementação de Sabatier (1986) denominados de top-down, possuindo momentos bem delimitados entre tomada de decisão e implementação, nitidamente políticos e administradores atuam em momentos distintos, e bottom-up, que permite um estrutura mais dinâmica entre burocratas e demais atores na busca pela efetivação das políticas públicas. Quanto ao primeiro há maiores possibilidades de desvirtuação do intento da respectiva ação, o que concebe a classe política um bode expiatório em caso de insucesso da política pública, porém permite avaliar com mais certeza os erros cometidos por parte da administração, de outro modo o segundo modelo busca uma visão pragmática da política, esmiuçando as falhas na sua elaboração, buscando dar contornos efetivos a ela.
Por fim, e igualmente problemático, têm-se a avaliação das políticas públicas que sofre largamente dos questionamentos resultantes das múltiplas variáveis aplicadas às políticas públicas, o que pode mitigar a análise técnica face ao caráter político da mesma. Porém duas qualidades de variáveis se apresentam entre os critérios, sendo os inputs, que são os esforços utilizados na execução da ação, e os outputs, que seriam os resultados obtidos. Desta equação Secchi (2012, p. 53) apresenta três consequências: “o problema que originou a política é percebido como resolvido; os programas, as leis ou as ações que ativavam a política pública são percebidos como ineficazes; ou o problema perdeu importância”.