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Formas de recebimento dos créditos tributários regularmente constituídos.

A pretensão da Administração Pública em levar a protesto as certidões da dívida ativa

Leia nesta página:

1 – Considerações iniciais

            Recentemente, muito se tem comentado a respeito da atitude da Administração Pública Estadual e Municipal, no sentido de levar a protesto as certidões da dívida ativa. Trata-se de uma medida que, segundo a Procuradoria Estadual, por exemplo, tem por objetivo aumentar a arrecadação de débitos inscritos em dívida ativa, relativamente a devedores de ICMS e IPVA cujo débito seja de pequeno valor, e cuja cobrança judicial não compense para a Administração em razão do custo.

            Referida medida, além da polêmica que vem causando, significa, na prática, que o nome dos inadimplentes poderá ser inscrito em serviços de proteção ao crédito, como o Serasa.

            Segundo a Procuradoria Geral do Estado de São Paulo, o protesto ocorre antes da ação de execução. O contribuinte é comunicado acerca da existência do débito, sendo-lhe concedido um prazo para defesa administrativa. Em não sendo paga a dívida, ele novamente é comunicado, desta vez, de que será protestado. Após a notificação do protesto em cartório, o contribuinte teria ainda três dias para pagar, sob pena de ser seu nome negativado.

            Sabe-se perfeitamente que não há regulamentação legal possibilitando esse tipo de procedimento, isto é, o protesto de certidões da dívida ativa por parte da Administração Pública, inclusive, em 2003 a Fazenda Estadual tentou enviar um projeto de lei à Assembléia Legislativa prevendo tal regulamentação, mas não obteve êxito na época. Ocorre que, recentemente, em parecer proferido pela Corregedoria do Estado, foi profanado o entendimento no sentido de que qualquer título extrajudicial pode ser protestado, incluindo as certidões da dívida ativa, previstas no artigo 585 do Código de Processo Civil.

            Passemos adiante, a uma análise crítica e jurídica, relativamente à pretensão acima explanada, por parte da Administração Pública, tecendo breves ligações entre o regime jurídico de Direito Público, a qual esta deve se submeter por força de determinação legal, e os institutos concernentes ao Direito Privado, bem como a forma de constituição do crédito tributário e os meios que possibilitam sua execução e cobrança, para posterior recebimento, quando for o caso.


2 – Constituição do crédito tributário

            Dispõe o art. 142 do CTN:

            "Compete privativamente à autoridade administrativa constituir o crédito tributário pelo lançamento, assim entendido o procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo o caso, propor a aplicação da penalidade cabível.

            Parágrafo único. A atividade administrativa do lançamento é vinculada e obrigatória, sob pena de responsabilidade funcional."

            Constata-se que o lançamento é um procedimento administrativo pelo qual o agente público competente procede a verificação da subsunção do fato concreto à hipótese legal prevista (ocorrência do fato gerador); a valoração dos elementos que integram esse fato concreto (base de cálculo); a aplicação da alíquota prevista em lei para apuração do montante do tributo devido; a identificação do sujeito passivo; e, sendo o caso, propõe a aplicação de penalidade cabível.

            Ao final da verificação de todos esses requisitos previstos no art. 142 do CTN, haverá um documento exteriorizador dos atos emanados, que é o lançamento, instrumento que irá definitivamente constituir o crédito tributário.

            Existem três modalidades de lançamento: o lançamento direto, o lançamento misto e o lançamento por homologação. Todas elas são eleitas pela lei de regência de cada tributo. No lançamento direto ou de ofício, o agente administrativo competente promove o lançamento tributário consoante as hipóteses arroladas no art. 149 do CTN, e sem o auxílio do sujeito passivo. O lançamento misto ou por declaração ocorre quando o agente administrativo age com base nas informações prestadas pelo sujeito passivo ou por terceiro. Está previsto no art. 147 do CTN. No lançamento por homologação o sujeito passivo antecipa o pagamento do tributo e, no momento que a autoridade administrativa toma conhecimento do pagamento do tributo, expressamente a homologa, operando-se a constituição definitiva do crédito tributário e sua conseqüente extinção. É o que prescreve o art. 150 do CTN.

            Pois bem, regularmente constituído o crédito tributário, se o agente competente apurar irregularidade no recolhimento do tributo, deverá notificá-lo para pagar o débito ou impugná-lo, no prazo de 30 (trinta) dias, sob pena de inscrição em dívida ativa. Não sendo pago e nem impugnado o débito, a autoridade inscreverá em dívida ativa, tornando o crédito tributário líquido, certo e exigível, porém ainda não exeqüível. Insta registrar que após o lançamento o crédito já é exigível, mas adquire liquidez e certeza com a inscrição na dívida ativa.


3 – Dívida ativa e meios para cobrança do crédito tributário

            Dívida ativa constitui-se em um conjunto de direitos ou créditos de várias naturezas, em favor da Fazenda Pública, com prazos estabelecidos na legislação pertinente, vencidos e não pagos pelos devedores. Se o crédito for de natureza tributária teremos a dívida ativa tributária, por conseguinte, a dívida ativa não-tributária são os demais créditos da Fazenda Pública, tais como os provenientes de contratos em geral ou de outras obrigações legais.

            A inscrição em dívida ativa é ato jurídico que visa legitimar a origem do crédito em favor da Fazenda Pública, revestindo o procedimento dos necessários requisitos jurídicos para ações de cobrança.

            Constitui dívida ativa tributária a proveniente de crédito dessa natureza, regularmente inscrita na repartição administrativa competente, depois de esgotado o prazo fixado, para pagamento, pela lei ou por decisão final proferida em processo regular (art. 201 do CTN). Assim, o crédito tributário é levado à inscrição como dívida ativa depois de definitivamente constituído.

            Consoante assevera o I. Prof. Kiyoshi Harada [01]: "A inscrição na dívida ativa constitui instrumento de controle da legalidade pela administração tributária, de sorte a conferir ao crédito tributário inscrito a presunção de certeza e liquidez, assegurando às partes da relação jurídico-tributária a necessária segurança jurídica."

            A certidão da dívida ativa é um título executivo extrajudicial que permitirá à Fazenda Pública ingressar com a competente execução fiscal. De acordo com o § 3º do artigo 2º da Lei nº 6.830/80 (Lei de Execução Fiscal), a inscrição é o ato de controle administrativo da legalidade, para apurar a liquidez e certeza do crédito, tributário ou não, da Fazenda Pública, realizado por autoridade competente.

            O sujeito ativo da execução fiscal está descrito, de forma exaustiva no artigo 1º da LEF, regendo esta a execução judicial para a cobrança da dívida ativa da Fazenda Pública, que compreende a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e respectivas autarquias, aplicando-se subsidiariamente o Código de Processo Civil. A execução fiscal ou a ação de execução fiscal é uma ação especial de cobrança da dívida ativa da Fazenda Pública, que tem o seu próprio direito, isto é, sua própria regulamentação, submetendo tais entes ao regime jurídico de Direito Público.

            Em que pese a certidão relativa a esses créditos constituir título executivo extrajudicial e enquadrar-se nos moldes fixados pelo artigo 585, inciso VI, do CPC, não pode a Administração Pública, valer-se dos meios concernentes ao regime jurídico próprio daqueles que pertencem ao Direito Privado, para poder coagir eventuais devedores a pagarem os créditos tributários regularmente constituídos.


4 – Da impossibilidade de protesto de certidões da dívida ativa, por parte da Administração Pública

            Consoante prescreve o art. 1º da Lei nº 9.492/97, o protesto consiste num ato formal e solene pelo qual se prova a inadimplência e o descumprimento de obrigação originada em títulos e outros documentos de dívida.

            Entendem alguns doutrinadores, bem como, os I. Procuradores da Fazenda Estadual e Municipal que, ao estabelecer que cabe o protesto quando há inadimplência de "outros documentos de dívida", a Lei nº 9.492/97 se expressa lato sensu para se estender e alcançar todo documento representativo de dívida, notadamente a CDA.

            Data vênia, perfilhamos de opinião diversa, visto que tal entendimento não encontra embasamento em nosso ordenamento jurídico, uma vez que dissocia-se por completo do regime jurídico de Direito Público, a que deve se submeter a Administração Pública.

            Como se sabe e, consoante prescreve ao art. 3º da LEF, a dívida ativa regularmente inscrita goza de presunção de certeza e liquidez. Trata-se, a certidão de dívida ativa, de um título executivo extrajudicial que, justamente por gozar de presunção de certeza e liquidez, por si só, já preenche os requisitos do art. 1º da Lei nº 9.492/97, ou seja, prova o crédito da Fazenda Pública, ao mesmo tempo em que atesta a inadimplência e o descumprimento de obrigações por parte do devedor, o que já é mais do que suficiente para podermos dizer que, além de não haver previsão legal no sentido de permitir à Fazenda Pública levar seus títulos a protesto, simplesmente a mesma não possui interesse jurídico para tanto.

            A Fazenda Pública, consoante preceitua o regime jurídico a qual se submete, já dispõe de prerrogativas e procedimentos próprios para poder cobrar seus créditos tributários. Trata-se da Lei nº 6.830/80, Lei de Execução Fiscal. O próprio art. 1º da referida lei é categórico ao estabelecer que a cobrança da dívida ativa da Fazenda Pública será regida por lei e, subsidiariamente, pelo Código de Processo Civil.

            "Art. 1º A execução judicial para cobrança da Dívida Ativa da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e respectivas autarquias será regida por esta Lei e, subsidiariamente, pelo Código de Processo Civil."

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            Ademais, em que pese a subsidiariedade de aplicação do Código de Processo Civil, prevista na referida lei, entendemos que a Fazenda Pública dispõe de um conjunto de privilégios absolutos e infindáveis que lhe possibilita receber os créditos tributários regularmente constituídos e inscritos em dívida ativa, não podendo, agora, utilizar-se de instituto aplicável ao Direito Privado, para coagir o contribuinte devedor, a saldar seu débito sem que lhe seja possibilitado exercer o direito da ampla defesa constitucionalmente assegurado.

            Não obstante a supremacia do interesse público sobre o particular, deve-se assegurar um equilíbrio nas relações entre a Administração Pública e os administrados, equilíbrio este que se dá através do contraditório, aplicável ao processo de execução justamente para possibilitar àquele que suporta a atividade executiva meios de se opor contra eventual irregularidade na constituição do crédito tributário, como por exemplo, uma CDA viciada, que não seja líquida, certa e exigível, em razão da ocorrência de decadência do direito de o Fisco constituir o crédito tributário, pagamento, parcelamento, compensação, etc.

            Todos sabem, principalmente no âmbito da Administração Pública Federal, que muitos contribuintes vem sendo notificados de débitos completamente inexistentes por diversos motivos, seja por já terem sido pagos, seja por erro de fato, tendo que se submeter a mais nova criação do Fisco denominada "envelopamento", procedimento este que sequer possui previsão legal, consistindo num meio administrativo criado pela SRF e Procuradoria da Fazenda Nacional para solucionar problemas relacionados a cobranças indevidas.

            Não estamos aqui querendo dizer que a Administração Pública deve ficar inerte e não buscar os meios e recursos que lhe possibilitem receber seus créditos, no entanto, não pode, com esse intuito, buscar novas formas de cobrança indireta como vem fazendo com o protesto de certidões da dívida ativa.

            Outrossim, em não havendo previsão legal no sentido de possibilitar ao Fisco adotar referido procedimento, está nítido o desrespeito ao princípio da legalidade, visto que, referido princípio determina que a Administração Pública deve se submeter aos mandamentos da lei, deles não podendo se afastar, sob pena de invalidade do ato. Qualquer ação estatal sem o correspondente respaldo legal, ou que exceda ao âmbito permitido pela lei, é injurídica e expõe-se à anulação.

            Levando a protesto as certidões da dívida ativa, que em regra já prova o inadimplemento e o descumprimento de obrigação documental, sendo que a finalidade do protesto é exatamente esta, está claro que a Administração Pública está desvirtuando totalmente a finalidade do instituto do protesto, incorrendo, inclusive, se é que podemos estender a tal ponto, em excesso de exação.


5 – Conclusões

            Ainda que existam milhares e milhares de contribuintes em débito para com o Poder Público, não pode o mesmo desvirtuar a função do instituto do protesto, por ser um meio mais econômico aos cofres públicos. Caso tal situação seja confirmada, poderemos chegar ao absurdo de dizer que as sentenças proferidas contra a Administração Pública, principalmente as transitadas em julgado no sentido de determinar o pagamento de precatórios, poderão também ser protestadas.

            Não é necessário mais esclarecimento quanto ao fato de que as Administrações vêm, há tempos, postergando cada vez mais o pagamento dos precatórios alimentares, deixando muitas pessoas morrerem nas filas dos respectivos precatórios, notadamente, com a inércia do Poder Judiciário em tomar as medidas cabíveis relativamente a isso.


Notas

            01

HARADA, Kiyoshi. LANÇAMENTO POR HOMOLOGAÇÃO: EXIGÊNCIA DE NOTIFICAÇÃO PRÉVIA DO CONTRIBUINTE PARA INSCRIÇÃO NA DÍVIDA ATIVA. Tributario.net, São Paulo, a. 5, 25/10/2005.
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Sobre a autora
Aline Aparecida da Silva Tavares

advogada em São Paulo (SP), associada a Marino Válio Advogados Associados, especialista em Direito Empresarial pela Universidade Mackenzie, pós-graduada em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (IBET)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

TAVARES, Aline Aparecida Silva. Formas de recebimento dos créditos tributários regularmente constituídos.: A pretensão da Administração Pública em levar a protesto as certidões da dívida ativa. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 854, 4 nov. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7553. Acesso em: 5 nov. 2024.

Mais informações

Título original: "Formas de recebimento dos créditos tributários regularmente constituídos e a pretensão da Administração Pública em levar a protesto as certidões da dívida ativa".

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