Resumo: O presente estudo possui escopo de analisar a aplicação da Teoria da Taxatividade Mitigada do agravo de instrumento, nos autos do incidente de demandas repetitivas do recurso especial processado no Superior Tribunal de Justiça, sob o nº REsp 1.704. O julgado em questão refere-se ao rol do art. 1.015 do Código de Processo Civil e vem sendo amplamente debatido em razão da discussão acerca da taxatividade ou exemplificabilidade do mencionado artigo. As análises que serão abordadas ao longo do estudo demonstrarão que, desde a promulgação do CPC de 2015, surgiu a grande divergência não só doutrinária, mas também jurisprudencial, a qual trazia três linhas de raciocínio acerca de tal recurso, sendo elas : I ) o rol é absolutamente taxativo e deve ser interpretado restritivamente ; II ) o rol é taxativo, mas comporta interpretações extensivas ou analogia ; III ) o rol é exemplificativo. Além disso, deve-se verificar o que os doutrinadores vêm lecionando sobre o novo recurso de agravo de instrumento confrontando posicionamentos distintos dos doutrinadores acerca do novo rol do artigo 1.015 do Código de Processo Civil, bem como com as divergências doutrinárias e o entendimento proferido pelo Superior Tribunal de Justiça.
Palavra-chave: Agravo de instrumento; Teoria da taxatividade mitigada; Rol exemplificativo; Rol taxativo; REsp 1.704; Artigo 1.015 Código de Processo Civil
Sumário: Introdução; 1 Apresentação do caso; 1.1 Solução dada pelo Tribunal; 2 Análise de decisões divergentes; 3 Entendimento doutrinário; 4 Conclusão. Referências
INTRODUÇÃO
O presente estudo possui escopo de analisar a aplicação da Teoria da Taxatividade Mitigada do agravo de instrumento, nos autos do incidente de demandas repetitivas do recurso especial processado no Superior Tribunal de Justiça, sob o nº REsp 1.704.520.
O julgado em questão refere-se ao rol do art. 1.015 do Código de Processo Civil e vem sendo amplamente debatido em razão da discussão acerca da taxatividade ou exemplificabilidade do mencionado artigo.
Neste sentido, tem-se, por certo, que o rol é taxativo. Entretanto, deverá ser mitigado em caso de urgência de matéria não versada nas hipóteses do art. 1015, do CPC.
As análises que serão abordadas ao longo do estudo demonstrarão que, desde a promulgação do CPC de 2015, surgiu a grande divergência não só doutrinária, mas também jurisprudencial, a qual trazia três linhas de raciocínio acerca de tal recurso, sendo elas: I) o rol é absolutamente taxativo e deve ser interpretado restritivamente; II) o rol é taxativo, mas comporta interpretações extensivas ou analogia; III) o rol é exemplificativo.
Desta forma, diante a interposição de vários recursos sobre o tema, o Superior Tribunal de Justiça, buscando a uniformização do tema, instaurou o procedimento de demanda repetitiva que aqui se analisa.
Além disso, deve-se verificar o que os doutrinadores vêm lecionando sobre o novo recurso de agravo de instrumento confrontando posicionamentos distintos dos doutrinadores acerca do novo rol do artigo 1.015 do Código de Processo Civil, bem como com as divergências doutrinárias e o entendimento proferido pelo Superior Tribunal de Justiça.
APRESENTAÇÃO DO CASO
O julgamento do recurso repetitivo a ser analisado foi prolatado em 18 de dezembro de 2018, pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, nos autos do Recurso Especial nº 1.704.520 - MT, de relatoria da Ministra Nancy Andrighi.
Buscando contextualizar o caso, cumpre ressaltar que o recurso a ser estudado foi interposto no bojo de ação de rescisão contratual cumulada com reparação de danos patrimoniais e morais, ajuizada no Estado de Mato Grosso sob a alegação de descumprimento de contrato de franquia celebrado com cláusula de eleição de foro e de danos de natureza material e extrapatrimonial.
Foi oposta a incompetência do foro pelos réus que restou acolhida através de decisão interlocutória submetendo o processo à julgamento perante o foro da comarca do Rio de Janeiro.
Os autores interpuseram recurso de agravo de instrumento, que, após apreciação, foi negado por decisão unanimidade, sob a argumentação de que o meio processual utilizado seria incabível, vez que não estaria previsto no rol do agravo de instrumento elencado no art. 1.015, do CPC.
Irresignados, em sede de Recurso Especial, foi alegado pelos recorrentes a contrariedade ao art. 1.015, II, e 932, III, ambos do CPC, sob fundamento no sentido de que a questão debatida através do recurso interposto, com referência à competência, não poderia aguardar o reexame apenas em sede preliminar de julgamento de apelação, pois a tramitação de tal processo em juízo incompetente geraria danos à atividade judiciária e prejuízo às partes.
Ao receber o recurso o TJ/MT entendendo estar presente os requisitos de admissibilidade do recurso especial previsto no art. 1.019 e seguintes do CPC, e verificando a presença de múltiplos recursos envolvendo a mesma matéria jurídica, selecionou o processo em tela a fim de que este fosse afetado e processado sob o rito dos recursos repetitivos, conforme preceitua o art. 1.036 e seguintes do CPC.
Em manifestação, o Ministério Público, posicionou-se contra o processamento sob demanda de recurso repetitivo arguindo, em síntese, que não havia multiplicidade de recursos abordando a mesma controvérsia jurídica.
O processo então foi encaminhado ao STJ, que, por unanimidade, proferiu o seguinte acórdão de afetação:
A PROPOSTA DE AFETAÇÃO. RECURSO ESPECIAL. REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. SELEÇÃO. AFETAÇÃO. RITO. ARTS. 1.036 E SS. DO CPC/15. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONTROVÉRSIA. NATUREZA. ROL DO ART. 1.015 DO CPC/15.
1. Delimitação da controvérsia: definir a natureza do rol do art. 1.015 do CPC/15 e verificar a possibilidade de sua interpretação extensiva, para se admitir a interposição de agravo de instrumento contra decisão interlocutória que verse sobre hipóteses não expressamente versadas nos incisos de referido dispositivo do Novo CPC.
2. Afetação do recurso especial ao rito do art. 1.036 e ss. Do CPC/2015.[1]
Desta forma, o recurso repetitivo foi admitido pela Ministra Relatora Nancy Andrighi que determinou o seu regular processamento. Diante desse panorama, o julgamento do recurso em exame abarca a problemática discussão acerca do rol taxativo de interposição do agravo de instrumento e acerca da possível interpretação extensiva do mencionado rol recursal.
É essa a dúvida respondida pelo Superior Tribunal de Justiça no julgamento do Recurso Especial nº 1.704.520 - MT, decidida através de recurso repetitivo, e que se pretende aclarar no presente trabalho.
1.1 Solução dada pelo Tribunal
O recurso especial interposto e processado sob o nº 1.704.520, observado o procedimento de recurso repetitivo previsto no art. 1.036 e seguintes do CPC, tem como cerne a definição acerca da natureza jurídica do rol do art. 1.015 do CPC – Agravo de Instrumento.
Tal mecanismo recursal tinha como principal questionamento a possibilidade de interposição do agravo de instrumento fora do âmbito das hipóteses abarcadas no art. 1.015 do CPC, que até então era interpretado apenas de forma taxativa, e não extensível.
Desta forma, diante das diversas decisões que alegavam não ser possível a extensão interpretativa de tal instituto, o STJ ao julgar o recurso em tela, foi compelido a atribuir entendimento que pudesse encerrar as divergências da jurisprudência e doutrina, e manter, ainda que momentaneamente, julgamento uniforme a ser aplicado no ordenamento jurídico, verificando-se em suas razões, a possibilidade de admitir interpretação extensiva, analógica ou exemplificativa ao rol do art. 1.015 do CPC.
Preliminarmente, ao analisar o recurso especial repetitivo, surgiram-se três linhas de posicionamento, a saber: I) o rol é absolutamente taxativo e deve ser interpretado restritivamente; II) o rol é taxativo, mas comporta interpretações extensivas ou analogia; III) o rol é exemplificativo.
Sob esta ótica, a Ministra Nancy Andrighi iniciou a fundamentação em seu voto condutor.
De início, expôs que parte da corrente doutrinária argumentava que o rol seria absolutamente taxativo, vez que o Código de Processo Civil buscou trazer um rol fechado, objetivando descarregar o judiciário e evitar recursos meramente protelatórios, alegando ainda que não poderia ser ampliada a interpretação do instituto pois causaria comprometimento de todo o sistema eleito pelo CPC.
Em segunda ordem de questionamento, revelou que outra parte da doutrina vinha formalizando entendimento de que o rol poderia admitir uma interpretação extensiva, haja vista que algumas hipóteses não abarcadas pelo rol do agravo de instrumento, causariam graves danos, nos casos em que fossem decididas questões de urgência, por exemplo, questões de incompetência, sigilo processual, entre outras.
Por último, argumentou que outro terço da doutrina, defendia que o rol não era nem taxativo de forma fechada ou taxativo de interpretação extensiva, mas sim, um rol meramente exemplificativo, de modo que, a recorribilidade da decisão interlocutória, deveria ser imediata, ainda que a matéria não constasse nos incisos do art. 1.015 do CPC.
Assim, a partir de tais ponderações, a insigne Ministra extraiu as seguintes conclusões prévias, a saber:
(i) A controvérsia limita-se, essencialmente, à recorribilidade das interlocutórias na fase de conhecimento do procedimento comum e dos procedimentos especiais, exceto o processo de inventário, em virtude do que dispõe o art. 1.015, parágrafo único, do CPC, que prevê ampla recorribilidade das interlocutórias na fase de liquidação ou de cumprimento de sentença, no processo de execução e no processo de inventário.
(ii) A majoritária doutrina se posicionou no sentido de que o legislador foi infeliz ao adotar um rol pretensamente exaustivo das hipóteses de cabimento do recurso de agravo de instrumento na fase de conhecimento do procedimento comum, retornando, ao menos em parte, ao criticado modelo recursal do CPC/39.
(iii) O rol do art. 1.015 do CPC, como aprovado e em vigor, é insuficiente, pois deixa de abarcar uma série de questões urgentes e que demandariam reexame imediato pelo Tribunal.
(iv) Deve haver uma via processual sempre aberta para que tais questões sejam desde logo reexaminadas quando a sua apreciação diferida puder causar prejuízo às partes decorrente da inutilidade futura da impugnação apenas no recurso de apelação.
(v) O mandado de segurança, tão frequentemente utilizado na vigência do CPC/39 como sucedâneo recursal e que foi paulatinamente reduzido pelo CPC/73, não é o meio processual mais adequado para que se provoque o reexame da questão ventilada em decisão interlocutória pelo Tribunal.
(vi) Qualquer que seja a interpretação a ser dada por esta Corte, haverá benefícios e prejuízos, aspectos positivos e negativos, tratando-se de uma verdadeira “escolha de Sofia”.
(vii) Se, porventura, o posicionamento desta Corte se firmar no sentido de que também é cabível o agravo de instrumento fora das hipóteses listadas no art. 1.015 do CPC, será preciso promover a modulação dos efeitos da presente decisão ou estabelecer uma regra de transição, a fim de proteger às partes que, confiando na absoluta taxatividade do rol e na interpretação restritiva das hipóteses de cabimento do agravo, deixaram de impugnar decisões interlocutórias não compreendidas no art. 1.015 do CPC.
A respeito da natureza jurídica, entendeu-se que, por tratar-se de ramo do direito público, tal questionamento deveria sempre ser lido e interpretado a luz do texto constitucional.
De acordo com o diploma processual vigente, o agravo de instrumento pode ser oposto acerca das 12 questões previstas no art. 1.015.
O CPC/73 previa a recorribilidade imediata das decisões interlocutórias proferidas, porém, com a promulgação do CPC/15, o dispositivo alterado trouxe sérias discussões no judiciário, vez que extinguiu a possibilidade de socorrer-se imediatamente do Tribunal ad quem, e em seu lugar trouxe um rol taxativo, que passara a impossibilita a recorribilidade anteriormente prevista naquele codex.
Assim, confrontando quesitos em seu voto condutor, a Ministra Nancy Andrighi considerou que seria favorável um posicionamento que admitisse a interposição de agravo de instrumento à causas urgentes e questões de difícil reparação, caso estas não sejam apreciadas no momento em que forem arguidas.
Como exemplo, a insigne Ministra citou o caso de uma decisão negatória de segredo de justiça, in litteris:
Se por ventura o requerimento do segredo for indeferido, ter-se-ia pela letra do artigo uma decisão irrecorrível que somente seria contestada em preliminar de apelação, quando seria inútil, pois todos os detalhes da intimidade do jurisdicionado teriam sido devassados pela publicidade.
Por conseguinte, ao discorrer acerca da preclusão, sustentou, que se admitida a possibilidade de se impugnar decisões interlocutórias não previstas no art. 1.015 em caráter excepcional, tendo como requisito objetivo a urgência, não haveria que se falar em preclusão de qualquer espécie.
Ao final a Ministra conheceu o recurso especial repetitivo, fixando a tese jurídica de que:
O rol do art. 1.015 do CPC é de taxatividade mitigada, por isso admite a interposição de agravo de instrumento quando verificada a urgência decorrente da inutilidade do julgamento da questão no recurso de apelação.
E, concluiu modulando seus efeitos, para que a aplicabilidade seja feita apenas em decisões interlocutórias posteriores a publicação do acórdão.
Passado o mencionado voto à decisão dos demais colegiados, foi conhecido o recurso especial, por maioria, e dado provimento nos termos da Relatora.
O acórdão, por fim, restou assim ementado, ipsis litteris:
RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. NATUREZA JURÍDICA DO ROL DO ART. 1.015 DO CPC/2015. IMPUGNAÇÃO IMEDIATA DE DECISÕES INTERLOCUTÓRIAS NÃO PREVISTAS NOS INCISOS DO REFERIDO DISPOSITIVO LEGAL. POSSIBILIDADE. TAXATIVIDADE MITIGADA. EXCEPCIONALIDADE DA IMPUGNAÇÃO FORA DAS HIPÓTESES PREVISTAS EM LEI. REQUISITOS.
1- O propósito do presente recurso especial, processado e julgado sob o rito dos recursos repetitivos, é definir a natureza jurídica do rol do art. 1.015 do CPC/15 e verificar a possibilidade de sua interpretação extensiva, analógica ou exemplificativa, a fim de admitir a interposição de agravo de instrumento contra decisão interlocutória que verse sobre hipóteses não expressamente previstas nos incisos do referido dispositivo legal.
2- Ao restringir a recorribilidade das decisões interlocutórias proferidas na fase de conhecimento do procedimento comum e dos procedimentos especiais, exceção feita ao inventário, pretendeu o legislador salvaguardar apenas as “situações que, realmente, não podem aguardar rediscussão futura em eventual recurso de apelação”.
3- A enunciação, em rol pretensamente exaustivo, das hipóteses em que o agravo de instrumento seria cabível revela-se, na esteira da majoritária doutrina e jurisprudência, insuficiente e em desconformidade com as normas fundamentais do processo civil, na medida em que sobrevivem questões urgentes fora da lista do art. 1.015 do CPC e que tornam inviável a interpretação de que o referido rol seria absolutamente taxativo e que deveria ser lido de modo restritivo.
4- A tese de que o rol do art. 1.015 do CPC seria taxativo, mas admitiria interpretações extensivas ou analógicas, mostra-se igualmente ineficaz para a conferir ao referido dispositivo uma interpretação em sintonia com as normas fundamentais do processo civil, seja porque ainda remanescerão hipóteses em que não será possível extrair o cabimento do agravo das situações enunciadas no rol, seja porque o uso da interpretação extensiva ou da analogia pode desnaturar a essência de institutos jurídicos ontologicamente distintos.
5- A tese de que o rol do art. 1.015 do CPC seria meramente exemplificativo, por sua vez, resultaria na repristinação do regime recursal das interlocutórias que vigorava no CPC/73 e que fora conscientemente modificado pelo legislador do novo CPC, de modo que estaria o Poder Judiciário, nessa hipótese, substituindo a atividade e a vontade expressamente externada pelo Poder Legislativo.
6- Assim, nos termos do art. 1.036 e seguintes do CPC/2015, fixa-se a seguinte tese jurídica: O rol do art. 1.015 do CPC é de taxatividade mitigada, por isso admite a interposição de agravo de instrumento quando verificada a urgência decorrente da inutilidade do julgamento da questão no recurso de apelação.
7- Embora não haja risco de as partes que confiaram na absoluta taxatividade com interpretação restritiva serem surpreendidas pela tese jurídica firmada neste recurso especial repetitivo, eis que somente se cogitará de preclusão nas hipóteses em que o recurso eventualmente interposto pela parte tenha sido admitido pelo Tribunal, estabelece-se neste ato um regime de transição que modula os efeitos da presente decisão, a fim de que a tese jurídica somente seja aplicável às decisões interlocutórias proferidas após a publicação do presente acórdão.
8- Na hipótese, dá-se provimento em parte ao recurso especial para determinar ao TJ/MT que, observados os demais pressupostos de admissibilidade, conheça e dê regular prosseguimento ao agravo de instrumento no que tange à competência.
9- Recurso especial conhecido e provido.[2]