A responsabilidade civil por danos morais em redes sociais

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31/07/2019 às 14:14
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A grande liberdade deixa a falsa impressão de que a internet seria uma Terra sem lei. Neste viés os operadores do direito devem busca suprimir a lacunas, responsabilizando os agentes infratores envolvidos na ocorrência de dano moral no mundo virtual.

Resumo: O avanço da tecnologia fez surgiu um novo mundo, onde as fronteiras simplesmente deixaram de existir. Esse mundo restou configurado com a descoberta da internet, uma ferramenta magnífica de interação, com infinitas aplicações e utilidade. Deveras, toda sociedade apresenta conflitos, e o mundo virtual não está livre desta problemática. Deste modo, todo individuo que fira o princípio geral de não causar dano a outrem, comete ato ilícito, seja por uma ação ou omissão. O prejuízo/dano causado pode ser de ordem material ou moral. Este segundo aspecto somado as interações por meio de redes sociais é o foco do presente trabalho. A grande liberdade somada à falta de regulamentação específica, deixam a falsa impressão de que a internet seria uma “terra sem lei”. Neste viés, os operadores do direito devem busca suprimir a lacuna legal, na busca pela responsabilização civil de todo os agentes infratores envolvidos na ocorrência de dano moral no mundo virtual. Em suma, trata-se de um tema ainda pouco explorado, e que se insere em um campo – informática – que se encontra em evolução constante, fazendo-se necessário a evolução dos institutos jurídicos para que acompanhe esta evolução, sob pena de restarem defasados.

Palavras-chave: Responsabilidade Civil; Dano Moral; Redes Sociais.

Sumário: 1. Introdução. 2. A questão da responsabilidade civil. 2.1. Incursão histórica. 2.2. Responsabilidade civil: conceito. 2.3. Responsabilidade civil - elementos constitutivos. 2.3.1. Ato ilícito. 2.3.2. O dano. 2.3.3. Nexo de causalidade. 2.4. Dano moral. 2.5. A proteção constitucional à honra e a imagem. 3. Internet e redes sociais. 3.1. As principais redes sociais. 3.2. A facilidade de acesso. 3.3. O perígo do anonimato e os perfis fake. 3.4. Os Termos de Serviço. 4. Dano moral em redes sociais. 4.1. A falta de regulamentação específica. 4.2. O Marco Civil da Internet. 4.3. A possibilidade de aplicação do Código de Defesa do Consumidor. 4.4. A responsabilidade penal. 5. Análise da jurisprudência. 5.1. A responsabilidade exclusiva do usuário infrator. 5.2. A responsabilidade objetiva dos provedores dos sites de relacionamento. 5.3. A responsabilidade subjetiva dos provedores dos sites de relacionamento. 5.4. O posicionamento adotado pelo STJ. Direito comparado. Breves considerações. 6. Conclusão. 7. Referências.


1. INTRODUÇÃO

O contínuo avanço tecnológico tem levado o homem a transitar por novas experiências. A criação, implementação e desenvolvimento da internet revolucionou a forma de comunicação. Hoje, em velocidade incrível, pode-se saber tudo que está ocorrendo no mundo, conversar com pessoas de todas as partes, fazer pesquisas, compras, e uma infinidade de outras comodidades proporcionadas por esta incrível ferramenta.

E o homem, como animal social, necessita estar em constante comunicação, sendo-lhe inerente a necessidade de se relacionar, e a rede mundial de computadores fez romper as barreiras territoriais permitindo a integração de todo o planeta.

Com a popularização dos computadores e da internet, a cada dia cresce o número de usuários e de pessoas com acesso a essas tecnologias. É neste contexto que foram criados os sites de relacionamento, também chamados de redes sociais ou ainda de mídias sociais. Tratam-se de sites especialmente desenvolvidos com mecanismos que permitem a interação entre as pessoas, ligando-as por algum interesse em comum.

Resta inegável a presença cada vez maior do computador/internet nas atividades do dia-a-dia, e como consequência disto, as pessoas ficam mais tempo conectadas. De modo que o mundo virtual tornou-se seu principal meio de interação com as outras pessoas. Trata-se de um mundo onde as informações circulam em velocidade frenética. Estar conectado é uma exigência social para que se possa participar de tudo que acontece. Vez que uma pessoa que não possua uma rede social, uma conta de email, ou ainda não navegue nas páginas da internet, acaba por se tornar um excluído socialmente.

Carece de especial destaque as redes sociais, que são instrumentos não só de diversão, mas, também, meio de se informar, fazer amigos, contatos profissionais, compartilhar experiências, ou seja, a gama de benesses é vasta e variada. Contudo, em contraponto a todos esses benefícios, há uma grande exposição dos dados dos usuários, como seus nomes, suas fotos, seus gostos e rotinas.

A problemática surge quando do mau uso de tais sites.

Uma pessoa mal-intencionada pode causar danos irreparáveis à honra e imagem, publicando informações que visem atingir a moral de alguém. A informação postada pode ser vista por milhares de pessoas em todo o mundo em questão de segundos e as consequências podem ser incalculáveis.

Inconteste a facilidade de acesso e a possibilidade do anonimato, estes usuários infratores sentem-se livre para liberar suas frustrações, ódios, vingança ou simplesmente atacar a imagem de alguém. De fato, estas duas características formam os principais fatores que dificultam identificação dos responsáveis, quando da ocorrência de um dano.

Assim, surge a grande questão da responsabilização.

A falta de legislação específica e uma jurisprudência desprovida de uniformidade deixa tal questão sem resposta. Cabe aos magistrados, em cada caso concreto, se valer das aplicações de normas gerais e princípios basilares da Constituição, buscando dar solução ao conflito, diante da inafastabilidade de apreciação inerente ao poder judiciário.

A busca pelo aperfeiçoamento do ordenamento jurídico reclama uma regulamentação específica para os ilícitos praticados nas redes sociais. E nesta linha, o presente trabalho visa apontar o problema, descrevendo-o, analisando o posicionamento adotado por nossos Tribunais, verificando como a problemática é tratada no direito comparado, e trazendo conceitos basilares para a efetiva solução do problema.

Tudo isto com o fito de despertar a sociedade pra a necessidade de aperfeiçoamento de no ordenamento jurídico. Afinal, este tem de acompanhar a evolução social, garantindo o equilíbrio das relações entre os indivíduos.


2. A QUESTÃO DA RESPONSABILIDADE CIVIL

2.1. INCURSÃO HISTÓRICA

As primeiras noções acerca do tema responsabilidade remontam ao direito romano. Tal vocábulo, segundo GAGLIANO e PAMPLONA FILHO (2010, p.43/44), tem origem no latim respondere, de spondeo, cujo significado é garantir, responder por alguém, prometer, ou seja, aquele que se responsabiliza pela obrigação.

Extrai-se, deste modo, a necessidade da restauração do equilíbrio social gerado por uma ação (fato social) de um indivíduo que causou dano, seja ele moral ou patrimonial. Neste sentido, GONÇALVES (2009, p.9) leciona que “o interesse em restabelecer a harmonia e o equilíbrio violados pelo dano constitui a fonte geradora da responsabilidade civil”.

Nos tempos atuais a melhor doutrina, dentre os quais se destacam os autores Paulo Nader, Pablo Stolze Gagliano, Rodolfo Pamplona Filho, Maria Helena Diniz, Carlos Roberto Gonçalves e Sergio Cavalieri Filho, entendem que a responsabilidade civil está assentada em três elementos: a culpa, o dano e o nexo causal. Porém, nos primórdios das sociedades, não havia a cogitação da culpa. Em tal época, havendo a ocorrência do dano, o indivíduo lesionado respondia a este, de forma imediata, ou seja, o próprio indivíduo buscava a reparação, geralmente calcado na responsabilidade corporal/física, dotada de brutalidade e selvageria. Tais conflitos regiam-se pela denominada vingança privada, basilado pela própria lógica do direito natural. Fundamento este que dera origem, posteriormente, a Lei de Talião e seu famoso brocardo “olho por olho, dente por dente” (GONÇALVES 2009, p.7).

Num segundo momento, como bem aponta GAGLIANO e PAPLONA FILHO (2010, p.52), surge a ideia de composição. Supera-se a ideia de vingança como forma de restituição pelo dano, para adota à compensação econômica. Cabe ressaltar que, neste ponto, ainda imperava a vingança privada e, portanto, o quantum devido a título de compensação pelos danos sofridos ficava a critério da vítima.

Com as conquistas históricas e o avançado social, já com uma figura de Estado bem delineado e dotado de poderes, as leis passam a vedar a autotutela, passando a composição de mera voluntariedade à obrigatória, conforme apontado por GONÇALVES (2009, p.7). Devido a este marco, agora os valores das indenizações passaram a ser tarifados, ou seja, com essa modificação, o Estado cria faixas de valores a serem pagos como forma de ressarcimento, tendo por base de fixação a extensão do dano. Deste período podemos destacar o Código de Ur-Nammu, o Código de Manu e a Lei das XII Tábuas.

Porém, é no Direito Romano que a ideia de reparação ganha contornos mais modernos. Naquela época, ocorreu uma ruptura, fazendo-se uma distinção entre o que é pena e o que é reparação. Nesta linha GONÇALVES (2009, p. 12) afirma “o Estado assumiu assim, ele só, a função de punir. Quando a ação de punir passou para o Estado, surgiu a ação de indenização. A responsabilidade civil tomou lugar ao lado da responsabilidade penal”.

Posteriormente, seguindo esta linha de evolução, surge a Lei Aquilia, GAGLIANO e PAMPLONA FILHO (2010, p. 53) analisando-a mencionam “com a edição da Lex Aquilia, cuja importância foi tão grande que deu nome à nova designação da responsabilidade civil delitual ou extracontratual”. Neste diapasão NADER (2010, p. 52) aponta que tal lei reafirma a noção de reparação do dano, dando-lhe um princípio mais geral, porém ainda casuístico. É neste momento que se passou a analisar o elemento culpa, bem como surge os primeiros laivos do conceito moderno de injúria, tido a época como o elemento caracterizador da culpa.

Já no Código de Napoleão (Code Napoléon) a responsabilidade civil ganhou um sentido mais amplo, com critérios abstratos, genéricos e, consequentemente, bem mais operacionais, apesar das várias críticas que sofreu em razão do uso de palavras que gerava variedade de interpretações.

O famoso Código alemão, conhecido com BGB, de 1896, criou o primitivo conceito de ato ilícito. Estabelecia, o BGB, que o dever de reparação dos danos causados dependia da voluntariedade da conduta ou de culpa. Tendo aplicação tanto aos danos provenientes dos contratos, quanto dos danos provenientes de atos ilícitos.

O direito brasileiro, à época sob a vigência das Ordenações Filipinas, sofria demasiadamente com a insuficiência legislativa, e por isso buscava amparo no Direito Romano e Canônico. Deste modo, aplicava-se a responsabilidade aquiliana nos exatos moldes do Code Napoléon e do Código Criminal de 1830. Restava, desta forma, contemplado o instituto da plena reparação.

Ainda navegando pelos idos históricos de nosso ordenamento jurídico, o Código Beviláqua de 1916, trouxe grande inovação. Vejamos o brilhante enunciado de Paulo Nader sobre o tema:

Integravam o suposto ou hipótese da norma jurídica os seguintes elementos: a) conduta por ação ou omissão; b) prejuízo a outrem ou violação de direito; c) dolo, imprudência ou negligência do agente. Como disposição ou consequência a norma estabelecia o dever de reparação do dano. (NADER, 2010, p.57)

Apesar do grande avanço, o Código ainda não fazia qualquer distinção entre dano de natureza moral e os de natureza patrimonial e, consequentemente, também, nada dizia sobre a possibilidade de cumulação destes.

Com o advento do Código Civil de 2002 a responsabilidade ganhou características mais amplas e abstratas, trazendo em seu bojo a definição de ato ilícito no art. 186. e o dever de reparar o dano previsto no art. 927, consagrando, por sua vez, a Teoria Subjetiva (contemplando a análise dos elementos conduta, dano, nexo causal e culpa), e abrangendo o dano de natureza moral e o dano de natureza patrimonial.

Em que pese à regra ser a aplicação da Teoria Subjetiva, o atual código traz, ainda, a possibilidade da aplicação da Teoria do Risco (parágrafo único do art.927), assim, estabelece o código que independe de prova da culpa o dever de indenizar quando a atividade desenvolvida pelo autor do dano implica por sua própria natureza risco ao direito de outrem. Tal posicionamento é adotado pela maioria da doutrina, dentre os qual podemos mencionar Carlos Roberto Gonçalves. O renomado tratadista, discorrendo sobre o tema, leciona:

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A inovação constante do parágrafo único do art. 927. do Código Civil é significativa e representa sem dúvida, um avanço, entre nós, em matéria de responsabilidade civil. Pois a admissão da responsabilidade sem culpa pelo exercício de atividade que, por sua natureza, representa risco para os direitos de outrem, de forma genérica como constar do texto, possibilitará ao Judiciário uma ampliação dos casos de dano indenizável (GONÇALVES, 2009, p.34)

A presença da reponsabilidade civil no Código de 2002 não se deu ao acaso, mas sim, como fruto do processo de constitucionalização do direito. De fato, nossa atual Constituição, promulgada em 1988, garantiu o devido destaque ao instituto, tendo em vista sua plena relevância. Tal postulado encontra-se disposto no artigo 5°, inciso X, o que reafirma sua importância, haja vista, sua posição organizacional dentro do corpo da Lex Maior. Encontra-se dispostos dentro do capítulo dos Direitos Fundamentais. O tema será tratado de forma mais abrangente em momento próximo.

2.2. RESPONSABILIDADE CIVIL - CONCEITO

Para que se possa entender qualquer instituto jurídico, faz-se necessário primeiramente, conhecer seus conceitos. Com a responsabilidade civil não é diferente. Deste modo com a maestria e clareza, conceitua-se:

A noção jurídica de responsabilidade pressupõe a atividade danosa de alguém que, atuando a priori ilicitamente, viola uma norma jurídica preexistente (legal ou contratual), subordinando-se, dessa forma, às consequências do seu ato (obrigação de reparar) (GAGLIANO; POMPLONA FILHO, 2010, p. 51).

Assim, pode-se organizar estas premissas pela seguinte ordem: ocorre a violação de um dever jurídico, e isto configura, consequentemente, um ato ilícito que, por sua vez, causa um dano, nascendo, assim, um novo dever jurídico, qual seja, o da reparação do dano, diante da impossibilidade de retornar ao status in natura.

Nesse sentido, a melhor doutrina, já firmou entendimento sobre o assunto, senão vejamos:

A responsabilidade civil implica duas ordens de deveres: uma, de natureza primária, em que se exige do agente o cumprimento de determinado dever, como pode conduzir a causa de seu cliente com zelo e dedicação; outra, de ordem secundária, quando o agente descumpre o dever, gerando com a sua conduta uma lesão, ao patrimônio ou à pessoa, a ser reparada mediante indenização pecuniária (NADER, 2010, p.08).

A elucidativa transcrição da obra de Paulo Nader corrobora em muito para a conceituação do instituto. Trazendo a baila uma descrição da estrutura basilar deste, discriminando-o em duas ordens de deveres. A primaria inserida no campo do dever e a secundaria, de caráter consequente ao não cumprimento do dever, que acabar por gera a necessidade de reparação. Cabe ressaltar o posicionamento, objetivo, do renomado mestre ao defender que a reparação tem que ser feita mediante indenização pecuniária, tenha o dano ocorrido na esfera patrimonial ou pessoal.

2.3. RESPONSABILIDADE CIVIL - ELEMENTOS CONSTITUTIVOS

Dissecando-se o instituto da responsabilidade civil, analisamos que sua composição se fragmenta em três elementos, quais sejam: a conduta, seja ela positiva ou negativa; o dano e o nexo de causalidade. Assim como é possível extrair do artigo 186 do Código Civil pátrio, in verbis:

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito (LEI 10.406 - CÓDIGO CIVIL, 2002, s.p).

Em sua renomada obra – Código Civil Anotado -, Maria Helena Diniz, com o peculiar saber que lhe é inerente, leciona:

Para que se configure o ato ilícito, será imprescindível que haja: a) fato lesivo voluntário, causado pelo agente, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência (...); b) ocorrência de um dano patrimonial e/ou moral (...), sendo que pela Súmula 37 do Superior Tribunal de Justiça serão cumuláveis as indenizações por dano material e moral decorrentes do mesmo fato (...); e c) nexo de causalidade entre o dano e o comportamento do agente (DINIZ 2010, p. 208).

Em regra, os três elementos constitutivos da responsabilidade civil hão de estar presentes para se que possa configurar o dever de indenizar. Com bem apresenta a renomada Autora, há um cadenciamento de atos e consequências, que devem estar indubitavelmente ligados. Deste modo, faz-se necessário tecer alguns breves comentários sobre cada um destes três elementos:

2.3.1. Ato Ilícito

O primeiro elemento constitutivo da responsabilidade civil é o ato ilícito, “fato gerador da responsabilidade civil” (CAVALIERI FILHO, 2010, p.7), também chamado por Maria Helena Diniz de “ação”. A renomada tratadista, com seu notável saber jurídico, discorrendo sobre o instituto, leciona:

A ação, elemento constitutivo da responsabilidade, vem a ser o ato humano, comissivo ou omissivo, ilícito ou lícito, voluntário e objetivamente imputável, do próprio agente ou de terceiro, ou o fato de animal ou coisa inanimada, que cause dano a outrem, gerando o dever de satisfazer os direitos do lesado. (DINIZ, 2010, p. 40).

Desde modo, pode-se inferir que o ato ilícito pode ser conceituado como a conduta humana seja ela uma ação (conduta positiva) ou uma omissão (conduta negativa), de caráter voluntário, ou seja, com um animus, uma liberdade de escolha do agente, que tem a capacidade de entender a aquilo que faz e acaba por gerar, consequentemente, efeitos jurídicos, danos, na esfera patrimonial de outrem.

Corroborando com tal postulado, imprescindível a citação literal da obra de Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho, que argumentam:

Em outras palavras, a voluntariedade, que é a pedra de toque da noção de conduta humana ou ação voluntária, primeiro elemento da responsabilidade civil, não traduz necessariamente a intenção de causar o dano, mas sim, e tão somente, a consciência daquilo que se está fazendo. E tal ocorre não apenas quando estamos diante de uma situação de responsabilidade subjetiva (calcada na noção de culpa), mas também de responsabilidade objetiva (calcada na ideia de risco), porque em ambas as hipóteses o agente causador do dano deve agir voluntariamente, ou seja, de acordo com a sua livre capacidade de autodeterminação. Nessa consciência, entende-se o conhecimento dos atos materiais que se está praticando, não se exigindo, necessariamente, a consciência subjetiva da ilicitude do ato (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2010, p. 70).

Os doutos doutrinadores analisam a voluntariedade da ação, traduzindo-a como o discernimento daquilo que o indivíduo está fazendo. Traçam, ainda, um paralelo entre a questão da responsabilidade subjetiva, onde há análise do elemento culpa, e a responsabilidade objetiva, calcada na teoria do risco, deste modo, sem a análise da culpa.

VENOSA (2010, p.25), implementado a temática, explica que no âmbito da responsabilidade civil, o ato volitivo tem que está atrelado à ilicitude, e ainda que de um modo generalista a ilicitude compõe-se de uma sucessão de atos ilícitos ou uma conduta culposa. Ressaltando que dificilmente a ilicitude será gerada por um único ato. Deste modo, o posicionamento esposado pelo douto doutrinador reafirma o caráter voluntário da ação, que acaba, diretamente, causando a transgressão de uma norma.

As próprias bases da responsabilidade subjetivam repousam sobre as análises realizadas no ato ilícito, quando da verificação do elemento subjetivo culpa. Assim, verificando-se que a ação de um individuo violou um dever jurídico e que este agiu com culpa, inevitavelmente, surge a obrigação de indenizar, haja vista o próprio teor do artigo 186 do Código Civil Pátrio de 2002. Por sua banda, na responsabilidade civil objetiva, ainda subsiste o elemento ato ilícito, mas não há a averiguação da culpa.

Contrapondo-se a esse ideário, GAGLIANO e PAMPLONA FILHO (2010, p.73) afirmam “sem ignorarmos que a antijuridicidade, como regra, acompanha a ação humana desencadeadora da responsabilidade civil, entendemos que a imposição do dever de indenizar poderá existir mesmo quando o sujeito atua licitamente”. Este posicionamento, acarreta a implicação de existência da responsabilização no âmbito civil sem que o ato praticado seja considerado ilícito.

De fato, a posição adotada pelos doutos metres encontram garrida no Código Civil de 2002, especialmente no que concerne aos direitos de vizinhança. A titulo de exemplo podemos citar o disposto do artigo 1.285, do retro citado Código, que dispõe: “O dono do prédio que não tiver acesso a via pública, nascente ou porto, pode, mediante pagamento de indenização cabal, constranger o vizinho a lhe dar passagem, cujo rumo será judicialmente fixado, se necessário”. Assim, resta inconteste o dever de indenizar pelos danos que causar, ainda que o ato seja legitimado pela norma.

2.3.2. O Dano

O segundo elemento constitutivo é o dano. Também denominado por Paulo Nader como prejuízo. E, segundo VENOSA (2010, p. 39) pode ser entendido como a lesão a um bem jurídico tutelado, este pode ser de ordem individual ou coletiva, patrimonial ou extrapatrimonial.

O conceito apresentado pelo venerável professor elenca o dano como lesão que atinge um bem jurídico, este bem por sua vez, pode ter como titular um único indivíduo ou uma coletividade de pessoas. E, ainda, ser enquadrado na esfera de bens materiais e imateriais. Diante disto, tem-se que independente de sua natureza ou titularidade, o dano é que acaba por gerar o dever de indenizar, ou seja, sem a lesão a um bem não haveria o direito a reparação.

Nesta estreita, “não pode haver responsabilidade civil sem a existência de um dano a um bem jurídico, sendo imprescindível a prova real e concreta dessa lesão” (DINIZ, 2010, p. 61). Assim, independente de sua extensão, o dano é susceptível de reparação, não havendo qualquer distinção entre danos pequenos, médios ou grandes.

Em breve síntese, o dano é uma violação de um direito alheio, seja na esfera patrimonial, cuja avaliação é mais simplificada e técnica, ou no campo moral, cuja mensuração é demasiadamente complexa. Paulo Nader, com a clareza que lhe é peculiar afirma:

[...] o dano é conditio sine qua non para a responsabilidade civil. Não importa se o agente atuou dolosa ou culposamente, nem se positivado o nexo de causalidade entre a conduta e o efetivo produzido, se o postulante não lograr a comprovação do prejuízo o ex adverso não poderá ser condenado à reparação (NADER, 2010, p.74).

O dano é o pressuposto central da responsabilidade civil, devendo sempre ser provado, deste modo “sem dano ou sem interesse violado, patrimonial ou moral, não se corporifica a indenização” (VENOSA, 2010, p.40), pensamento esse também esposado por Maria Helena Diniz, Sérgio Cavaliere Filho, Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho.

Cumpre destacar, principalmente, que o dano pode atingir a esfera extrapatrimonial, ou seja, atingir a direitos e interesses personalíssimos, em especial os direitos da personalidade. Dentre os quais se inserem a imagem, a honra e a moral, que são diretamente objeto do presente estudo. Direitos, estes, inatos ao ser humano, que não são valorados em expressão econômica, porém quando maculados, cabe ao julgador mensurar um valor em pecúnia com o fito de gerar uma indenização compensativa.

2.3.3. Nexo de Causalidade

O terceiro e o último elemento constitutivo da responsabilidade civil é o nexo de causalidade. Fazendo uma junção entre a clássica doutrina de Silvo Sálvio Venosa e a hodierna de Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho, podemos idealizar sua definição como o vínculo ( a ligação, a relação, o elo, o liame) que une a conduta do agente ao dano (VENOSA, 2010, p. 56) (GAGLIANO E PAMPLONA FILHO,2010, p. 127). Um conceito um tanto simplório, porém, suficiente para os objetivos ora colimados.

A grande discursão dentro deste instituto fica por da identificação sobre qual teoria a esfera civil teria adotado. De fato, GAGLIANO e PAMPLONHA FILHO ( 2010, p. 128/134) aponta a existência de três teorias, quais sejam, A Teoria da Equivalência das Condições (conditio sine qua non), desenvolvida pelo jurista alemão VON BURI; A Teoria da Causalidade Adequada, desenvolvida pelo filósofo alemão VON KRIES e A Teoria Da Causalidade Direita ou Imediata (também conhecida como Teoria da Interrupção do Nexo Causal ou Teoria da Causalidade Necessária), desenvolvida no Brasil pelo renomado professor Agostinho Alvim. Sendo as duas últimas foco de divergência entre a doutrina.

Ferrenhamente defendida por Sergio Cavalieri Filho, a segunda teoria, a da Causalidade Adequada, sustenta que somente as condições adequadas a produção do resultado concorrem a este. O renomado professor, valendo-se das preciosas lições do eminente Des. Martinho Garcez Neto, citada em sua obra:

“A teoria dominante na atualidade é a da causa adequada, segundo a qual nem todas as condições necessárias de um resultado são equivalentes: só o são, é certo, em concreto, isto é, considerando-se o caso particular, não porém em geral ou em abstrato, que é como se deve plantar o problema [...]” (CAVALIERI FILHO, 2010, p. 50)

Discordando de tal entendimento, encontramos o posicionamento de GAGLIANO e PAMPLONA FILHO (2010, p.135), que entendem “que o Código Civil brasileiro adotou a teoria da causalidade direta ou imediata (teoria da interrupção do nexo causal), na vertente da causalidade”. Os supracitados doutrinadores, baseiam seus postulados na análise do artigo 403 do Código Civil brasileiro, vejamos

Ainda que a inexecução resulte de dolo do devedor, as perdas e danos só incluem os prejuízos efetivos e os lucros cessantes por efeito dela direto e imediato, sem prejuízo do disposto na lei processual. (CÓDIGO CIVIL, 2002, s.p).

Deste modo, “causa para esta teoria, seria apenas o antecedente fático que, ligado por um vínculo de necessariedade ao resultado danoso, determinasse este último como uma consequência sua, direita e imediata” (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2010, p.132). Posicionamento este, também adotado por Carlos Roberto Gonçalves, e que, entendemos ser mais adequando ao nosso ordenamento.

2.4. DANO MORAL

Em nosso ordenamento jurídico o grande marco do dano moral se deu com o advento da Constituição Federal de 1988. A previsão expressa em seu artigo 5° inciso X, dotou o instituto da relevância que lhe era devida.

Em suma o dano moral é um dos institutos mais complexos dentro do campo da responsabilidade civil, tendo em vista a grande gama de subjetividade que o cerca, tanto em seu próprio conceito, quanto na dificuldade de se mensurar sua extensão e a respectiva indenização. Deste modo, em sua brilhante obra, Programa de Responsabilidade Civil, Sergio Cavalieri Filho apresenta uma síntese conceitual que delineia os contornos do dano moral, definindo-o como:

Dano moral seria aquele que não tem caráter patrimonial, ou seja, todo dano não material. Segundo Savatier, dano moral é qualquer sofrimento que não é causado por uma perda pecuniária. Para os que preferem um conceito positivo, dano moral é dor, vexame, sofrimento, desconforto, humilhação – enfim, dor da alma. (CAVALIERI FILHO, 2010, p.82)

A definição do renomado tratadista abarca a ideia de prejuízo no campo dos direitos da personalidade do indivíduo, ou seja, um dano que atinge o ânimo psíquico, a moral, a imagem, o amor próprio e intelectual da vítima. São os direitos inatos, atinente ao homem, tutelados não só pela legislação ordinária, mas também, pela própria Constituição, como já ressaltado anteriormente.

Em que pese o termo ‘dano moral’ ser adotado por praticamente todo os doutrinadores, GAGLIANO E PAMPLONA FILHO (2010, p.98) explicam que o termo “dano não material” seria o mais adequado para se referir aos bens imateriais, justificando que seria um “ contra ponto ao termo ‘dano material’, como faces da mesma moeda, que seria o ‘patrimônio jurídico’ da pessoa física ou jurídica”.

Partindo da premissa que não há como mensurar a dor de alguém, haja vista a impossibilidade de se dosar o sofrimento, especialmente quando a lesão atinge aquilo que de mais íntimo tem o indivíduo, surge uma grandiosa problemática quando da mensuração da extensão do dano, para fins de se buscar sua reparação. Nesta estreita, a doutrina majoritária, hoje, tem entendido que o dever de indenizar pela ocorrência de um dano moral representa uma forma de compensação de cunho pecuniário, cujo fito é minimizar a tristeza infligida.

Há que se ponderar no caso concreto a configuração do dano moral para se evitar uma verdadeira enxurrada de ações pleiteando indenizações por meros aborrecimentos. O entendimento esposado pela grande maioria da doutrina, a exemplo de Carlos Roberto Gonçalves, Silvio Salvo Venosa, Paulo Nader, dentre outros, é que para a consubstanciação do dano moral, deve-se tomar como paradigma, o homem médio, desconsiderando aqueles mais sensíveis que se aborrecem ante a qualquer mero dessabor do cotidiano e, ainda, aqueles que são dotados de pouca sensibilidade, já aclimatados as intemperes.

Outro aspecto do dano moral, afeto pela subjetividade é a quantificação econômica do dano. Em verdade não há como medir a dor de alguém, mas tão somente compensa-la, financeiramente pelo que sofrera. NADER (2010, p. 86), ponderando sobre o tema, cita a singular obra de Washington de Barros Monteiro, “a indenização por danos morais não visa à reparação, pois não há como a vítima se tornar indene; condena-se com dupla finalidade; a de proporcionar a vítima uma compensação e para se desestimular condutas desta natureza”.

Assim, a indenização, ao trazer a compensação econômica, não restaura o bem atingido, mas, tão somente, implementa um ganho material na vida do indivíduo, gerando uma “satisfação” pelo dano que sofrera. Com uma valoração educativa implícita, afinal a perca pecuniária em desfavor do autor de dano, lhe desestimula a prática de condutas lesivas, e acaba por servir de exemplo para a sociedade.

Atualmente, o posicionamento adotado pelo Superior Tribunal de Justiça, materializado na Súmula 227 (Pessoa Jurídica - Dano Moral - A pessoa jurídica pode sofrer dano moral), amplia os efeitos de aplicação do dano moral as pessoas jurídicas. Neste caso o dano afeta a reputação da empresa, e desta forma acabar por prejudicar sua principal função, notadamente, gerar lucros, ou seja, um prejuízo acaba materialmente consubstanciado, afastando o dano moral subjetivo por não ser dotada de capacidade afetiva. Além disso a própria Constituição Federal, 1988, não faz qualquer distinção entre as pessoas físicas e jurídicas, quando dispôs sobre o dever de indenizar, ou seja, têm-se um direito fundamental que abrange os dois grupos de pessoas sem qualquer distinção.

2.5. A PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL À HONRA E A IMAGEM

A Constituição é o ápice do ordenamento jurídico e, portanto, deve garantir os direitos mínimos da vida humana. Sua principal tarefa é garantir ao indivíduo os meios sociais necessários para um desenvolvimento digno e sadio. Em seu corpo, a Lex Mater, elenca os direitos e garantias mais fundamentais ao homem, ponderando o indiscutível dever do Estado de propiciar efetividade e eficácia a tais garantias.

Fixadas tais premissas, infere-se pela necessidade de dar efetividade a tais postulados, não bastando o mero existir, pois tal fato seria letra morta, e sim o somatório do estatuído na Carta Magna acrescido do auto aplicabilidade dos direitos fundamentais, que devem, e podem, ser exigidos de pronto por qualquer pessoa.

Neste contexto, é de clareza solar a proteção dada por nossa Lei Maior à honra e a imagem, se não vejamos:

Art. 5° (...)

V – é assegurado o direito de resposta proporcional ao agravo, além da indenização por dano moral, material ou à imagem.

X - São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; (CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL, 1988, s.p)

A preocupação constitucional em preservar a honra e a imagem do individuo é inquestionável, garantindo sua reparação quando maculadas ou indenizadas quando impossível for a restituição ao status quo ante, ou seja, a norma sustenta a reparação da ordem jurídica lesionada, seja ela por meio de uma indenização pecuniária, seja por outros meios satisfativos como por exemplo o direito de resposta.

Discorrendo sobre o tema, MORAIS (2010, p.51), afirma que “a abrangência desse direito fundamental é ampla, aplicando-se em relação a todas as ofensas, configurem ou não infrações penais”.

Como dito alhures, a abrangência da proteção à imagem e a honra passou a englobar, também, as pessoas jurídicas, afinal é de fácil percepção que uma empresa que tem sua imagem/reputação maculada, venha a ter grandes prejuízos. Afinal, as informações nos dias de hoje circulam com grande facilidade e velocidade, e um consumidor tendo uma má impressão de um estabelecimento, sem dúvida há de acabar por preferir consumir os produtos de um outro.

Em outro viés, existem pessoas em razão da própria exposição fática que se encontram, seja em virtude dos cargos que ocupam ou da profissão que exercem, devem ter tais direitos interpretados de forma mais restritiva e menos energética, para completa elucidação deste ponto, analisemos:

Por outro lado, essa proteção constitucional em relação àquelas que exercem atividades políticas ou ainda em relação aos artistas em geral deve ser interpretada de uma forma mais restrita, havendo necessidade de uma maior tolerância ao se interpretar o ferimento das inviolabilidades à honra, à intimidade, à vida privada e à imagem, pois os primeiros estão sujeitos a uma forma especial de fiscalização pelo povo e pela mídia, enquanto o próprio exercício da atividade profissional dos segundos exige maior e constante exposição à mídia. Essa necessidade de interpretação mais restrita, porém, não afasta a proteção constitucional contra ofensas desarrazoadas, desproporcionais e, principalmente, sem qualquer nexo causal com a atividade profissional realizada (MORAIS, 2010, p.54).

Mas o que vem a ser a honra? Um questionamento difícil de ser explicado tendo em vista o grande subjetivismo que tal conceito implica. Contudo, trazemos à baila a definição dada por SILVA (2010, p. 209): “A honra é o conjunto de qualidades que caracterizam a dignidade da pessoa, o respeito dos concidadãos, o bom nome, a reputação”.

Em sua formulação o autor perpassa os campos do direito, abarcando a sociologia e a própria antropologia, demonstrando a importância da honra não só como um valor íntimo e interno, bem como um valor externo, apurado e vigiado pela sociedade. O homem é um animal social, vive de suas interações, e seus valores ante a sociedade são, inquestionavelmente, suas portas de contato com esta. Assim, uma vez maculada sua honra algumas portas, inevitavelmente hão de se fechar.

A honra ao longo da história sempre foi vista como um sinônimo de vida digna. E não são raras a passagens nas quais era dado o direito de reparar a sua macula com o derramamento de sangue. Em que pese nos tempos hodiernos tal possibilidade, de “lavar a honra” com sangue, não ter qualquer cabimento, ela ainda é um bem intrínseco ao ser humano e merecedor de extrema proteção.

A evolução nos deu conhecimentos capazes de criar máquinas poderosas, mas não suplantou aquilo que é inato ao ser humano. Deste modo, a própria honra, que faz partes destes direitos inatos, não pode ser dissociada de individuo pelo uso da tecnologia ou em seus domínios.

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Monografia apresentada ao curso de graduação em Direito, como requisito parcial para a obtenção do Título de Bacharel em Direito.

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