A manutenção da atividade empresarial sobre a perspectiva da função social: uma análise do instituto da recuperação judicial à luz do decreto-lei nº 7.661 de 1945, lei nº 11.101/05 e proposições do projeto de lei nº 10.220/2018

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11/08/2019 às 17:54
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4ASPECTOS GERAIS DO PROJETO DE LEI Nº 10.220/2018

 

No dia 09 de setembro de 2017, o então Ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, divulgou planos de implementar uma nova lei de falências e recuperação judicial no Brasil. Para ele, os processos, que ainda duram, em média, aproximadamente 5 anos5, precisavam cair para um prazo entre 3 e 4 anos[10]. Nesse diapasão, o presidente Michel Temer enviou ao Congresso Nacional projeto de lei que visa reformar a lei 11.101/2005. Referida proposta ganhou o número PL 10.220/2018 e encontra-se em fase de formação de Comissão Especial para análise.

Certamente, há ainda muito o que discutir sobre o tema, envolto em polêmicas e interesses os mais diversos. De todo modo, resta em claríssimo tom que o projeto se trata de proposta de reforma legislativa bastante extensa, que interfere em dezenas de dispositivos de lei. Considerando a limitação do presente trabalho à matéria da Recuperação Judicial, selecionou-se os seguintes pontos para análise:

4.1 COMPETÊNCIA

O projeto propõe concentrar a recuperação judicial (e também a extrajudicial, assim como a falência) com passivo superior a 300.000 salários-mínimos na capital do Estado ou do Distrito Federal onde se localizar o principal estabelecimento da empresa em recuperação. Atualmente, a teor do artigo 3º da lei falimentar, é competente para homologar o plano de recuperação extrajudicial, deferir a recuperação judicial ou decretar a falência o juízo do local do principal estabelecimento do devedor ou da filial de empresa que tenha sede fora do Brasil.

Ao que parece, o objetivo da lei consiste em concentrar as recuperações judiciais de maior repercussão em varas especializadas na matéria. O ponto negativo que pode-se destacar seria o risco de se dificultar, pela distância, o acesso dos credores (notadamente, os credores pessoas físicas, como empregados, e microempresas) ao juízo da recuperação.

4.2 PUBLICIDADE E DIVULGAÇÃO NA INTERNET

A medida do projeto acompanha tendência verificada no CPC/2015, de priorizar a publicidade e divulgação dos atos da recuperação pela internet, em sítio específico para este fim, deixando de lado a tradicional publicação de editais no Diário Oficial.

Nesse sentido, passariam a ser divulgados em sítio eletrônico: (i) a relação de credores elaborada pelo administrador judicial a partir das habilitações e divergências apresentadas pelos credores; (ii) o quadro geral de credores consolidado pelo administrador judicial com base nas decisões proferidas nas impugnações; (iii) a convocação da assembleia geral de credores. Ademais, o deferimento do processamento da recuperação judicial também será sucedido de ampla divulgação e publicidade, por meio de registro eletrônico em cadastro no CNJ. Exige-se do administrador judicial, por fim, que mantenha sítio eletrônico na internet, para divulgação dos principais documentos e informações acerca da recuperação judicial.

Tal inovação, a prima facie, é positiva, pois não só desburocratiza as publicações na recuperação judicial, como poderá evitar custos associados à publicação de editais.

4.3 AJUIZAMENTO DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL COMO FATO GERADOR DO STAY PERIOD E EXCLUSÃO DO LIMITE TEMPORAL RÍGIDO

De acordo com a lei em vigor, a suspensão de ações e execuções contra a empresa em recuperação, assim como do curso da prescrição, conhecida como stay period, é deflagrada pelo despacho liminar do juiz que admite o processamento da recuperação judicial, conforme visto nos tópicos anteriores deste trabalho.

Segundo o projeto, essa suspensão seria antecipada para o momento da apresentação do pedido de recuperação judicial, e não do despacho que admite o processamento. Em contrapartida, há previsão de que, caso o juiz identifique que o devedor atuou como dolo ou má-fé no pedido de recuperação judicial, fará constar o fato da sentença, para que seja considerado em futuros pedidos.

Desaparece, ainda, a limitação rígida de 180 dias para o stay period, passando a se prever que a suspensão perdurará até o encerramento da recuperação judicial. Nesse caso, o legislador busca, de fato, poupar o devedor da morosidade na recuperação judicial.

4.4 PROCESSO COMPETITIVO PARA A ESCOLHA DO ADMINISTRADOR JUDICIAL

Dentre as propostas, o projeto também busca estabelecer, com o deferimento do processamento da recuperação judicial, uma espécie de processo simplificado para a escolha do administrador judicial, em vez da nomeação direta de profissional de confiança do juiz, como ocorre atualmente.

Nesse sentido, o projeto dispõe que eventuais interessados deverão apresentar propostas em que indicarão o valor da remuneração, a forma e o prazo de pagamento, o escopo do trabalho e a sua avaliação sobre o grau de complexidade do trabalho e os cursos para o desempenho das funções de administrador judicial. O devedor e os credores poderão se manifestar sobre as propostas e, ao final, o juiz decidirá, fixando o valor da remuneração do administrador judicial.

Há previsão, ainda, de recurso contra a decisão que fixar a remuneração do administrador judicial, o qual poderá ser interposto pelo credor que houver se manifestado. Em tal aspecto, vê-se que a medida seria, em verdade, uma maior burocracia ao sistema.

4.5 DISCIPLINA DO VOTO ABUSIVO

O voto abusivo acontece quando o voto de algum credor é desconsiderado porque realizado com abuso de direito. Neste caso, conflitam dois interesses: o do credor, que tem o direito de votar conforme seu próprio juízo de conveniência, e o do devedor em recuperação, que pode ser vítima de pressões injustas dos credores com maiores créditos e, portanto, maior poder em assembleia.

O projeto estabelece que o voto será considerado abusivo quando o credor dele se valer para obter vantagem ilícita, ou para exclusivamente prejudicar devedor ou terceiro, ou quando este é exercido por conta, ordem ou no interesse total ou parcial de outro que não o próprio credor, ou quando o credor tiver ajustado com devedor ou terceiro, de maneira a se excluir dos efeitos das disposições do plano de recuperação judicial.

O assunto merece ser disciplinado, mas a proposta apresentada ainda necessita, de fato, ser aprimorada, sendo insuficiente para um tratamento seguro sobre o tema. Em que pese a dificuldade de disciplinar objetivamente a matéria, ainda resta espaço muito amplo para uma análise casuística, sem critérios bem definidos.

4.6 EXTINÇÃO DAS QUATRO CLASSES LEGAIS DE CREDORES

Sabe-se que a lei 11.101/2005, em sua configuração atual, estabelece quatro classes de credores: (I) titulares de créditos derivados da legislação do trabalho ou decorrentes de acidentes de trabalho; (II) titulares de créditos com garantia real; (III) titulares de créditos quirografários, com privilégio especial, com privilégio geral ou subordinados e (IV) titulares de créditos enquadrados como microempresa ou empresa de pequeno porte. Tais classes são extintas pelo projeto, que estabelece que as classes serão definidas conforme estabelecido pelo próprio plano de recuperação judicial.

A proposta ainda prevê que os credores de cada classe devem possuir interesses homogêneos, delineados em função da natureza ou da importância do crédito, ou de outro critério de similitude justificado pelo proponente do plano e aprovado pelo juiz. Créditos derivados da legislação trabalhista ou decorrentes de acidentes de trabalho, entretanto, não poderão ser alocados pelo plano em classes que envolvam créditos de outra natureza.

Referida disciplina causa demasiada preocupação, pois abriria margem para que a alocação de classes seja manipulada para favorecer indevidamente a aprovação de planos de recuperação judiciais. Ainda que seja previsto o controle judicial sobre as classes que vierem a ser delimitadas pelo plano, tal regime ensejaria insegurança jurídica e provavelmente seria fonte de muita controvérsia no curso da recuperação judicial, com repercussões significativas sobre o resultado da assembleia de credores. Fugindo, assim, do intuito maior da reforma.

4.7 AMPLIAÇÃO DO PRAZO PARA A APRESENTAÇÃO DO PLANO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL

O projeto propõe a ampliação do prazo de apresentação do plano, de sessenta para noventa dias, contado da data do deferimento do processamento da recuperação judicial.

A ampliação, contudo, pode ser menor do que se imagina (de sessenta dias úteis para noventa dias corridos), na medida em que atualmente há diversos precedentes estabelecendo a contagem dos prazos na recuperação judicial em dias úteis, por aplicação subsidiária do art. 219 do CPC – em que pese recente julgado do STJ sinalizar em sentido contrário[11]. A proposta legislativa em análise, por sua vez, estabelece que todos os prazos previstos na lei 11.101/2005 – incluindo o que ora se discute – serão computados em dias corridos, preservando-se, contudo, a contagem em dias úteis para os recursos interpostos na recuperação judicial, extrajudicial e falência.

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4.8 CONTAGEM DE PRAZOS E CABIMENTO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO 

Por fim, como já visto no tópico anterior, o projeto acolhe a orientação recente do STJ, segundo a qual os prazos da lei 11.101/2005 devem ser computados em dias corridos. Ficam ressalvados os prazos recursais, assim como os prazos processuais previstos em outras leis, que continuarão a ser contados em dias úteis. Além disso, a proposta legislativa, de forma que nos parece acertada, explicita que caberá agravo de instrumento contra todas as decisões proferidas na recuperação judicial (assim como na recuperação extrajudicial e na falência), salvo se a lei 11.101/2005 regular a questão de forma diversa.


5 CONCLUSÃO

 

Com a realização deste trabalho, projetam-se algumas considerações acerca do tema proposto. Em sua fase introdutória foi destacado que o objetivo geral do presente trabalho seria de estudar o instituto da recuperação, desde sua origem, conceitos, evolução histórica e as contraposições entre o Decreto-Lei nº 7.661 de 1945 e a Lei nº 11.101/05. Não obstante, foi perseguida também uma análise perfunctória sobre a mudança que ensejou a promulgação da atual lei falimentar.

Pois bem, na análise procedida, verificou-se que antes de chegar ao princípio da manutenção da atividade empresarial, que possui como égide a função social exercida pela empresa, observou-se que o instituto falimentar passou, no decorrer de seu desenvolvimento histórico, por diversos estágios e reformulações. Durante a pesquisa, constatou-se que além da falência ser vista, em sua origem, como forma de punição do devedor (e posteriormente, adquirir um caráter mais sócio-econômico), a extinta concordata, embora tivesse a finalidade de ajudar o devedor, era facilmente manejada, muitas vezes de má-fé, pelas empresas, o que findava pela pouquíssima chance de solução dos casos postos para apreciação jurisdicional.

Constatou-se, ademais, que as modificações propostas pela Lei nº 11.101/05 de fato aproximaram o direito de crédito e a execução coletiva à função relevante das empresas, como a geração de empregos, pagamento de tributos, geração de riquezas, distribuição de renda, entre outros. No entanto, conclui-se que a recuperação extrajudicial, em específico, é passível de diversas críticas, pela simplificação temerária de uma matéria de grande complexidade.

Por fim, no que atine ao Projeto de Lei nº 10.220/2018, conclui-se que o mesmo, em que pese seu objetivo de simplificar e diminuir o tempo de duração dos processos judiciais, acaba por burocratizar, ainda mais, escolhas que via de regra não tumultuavam os casos (complexos por si), tal como a escolha do administrador judicial. Necessitando, pois, de melhor aprofundamento e reformulação.


6 REFERÊNCIAS

ALMEIDA, Amador Paes de. Curso de Falência e Recuperação de Empresa. 27ª ed. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2013.

COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de direito comercial: direito de empresa. 20. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008.

PROJETO DE LEI 10.220/2018. Câmara dos Deputados. Disponível em: http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2174927. Acesso em: 01 de outubro de 2018

BRASIL. Lei nº 11.101, de  9 DE FEVEREIRO DE 2005.Regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária. Acesso em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/lei/l11101.htm>.

____________. Decreto-Lei nº 7.661, de DE 21 DE JUNHO DE 1945. Lei de Falências. Acesso em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del7661impressao.htm>

____________. Lei nº 13.105, de  16 DE MARÇO DE 2015. Código de Processo Civil. Acesso em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13105.htm.

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