O princípio da presunção de inocência, também chamado de princípio da não-culpabilidade, é um mandado de otimização, sem sentido pré-determinado, cuja interpretação é extensa, de ordem constitucional e normalmente aplicado ao direito penal. Sua previsão legal encontra-se no art. 5º, inciso LVII, da Constituição Federal, determinando que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”, onde apoia-se nos princípios da dignidade humana e do devido processo legal, visto que ninguém terá sobre si a etiqueta de “criminoso” sem um processo concluído, onde esteja comprovada a culpa do réu, permitindo só então que sobre ele recaia o peso do poder punitivo do Estado. Trata-se, portanto, de um princípio extremamente importante no ordenamento jurídico, embora, em termos leigos, costume ser esquecido.
Primeiramente, é interessante trazer à tona os desdobramentos diretos deste princípio: o primeiro é a forma de tratamento que o acusado deverá sofrer. Em verdade, o princípio da presunção de inocência deverá conduzir toda a sociedade, mas em especial aqueles que estiverem diretamente envolvidos no processo a tratarem o acusado como inocente, sem julgamento prévio de suas ações, evitando que, sobre ele, instale-se o estigma de condenado antes da sentença irrecorrível. É fato que a mídia costume ignorar tal princípio em favor de publicidade, ocasionando frequentemente o clamor popular para que o acusado seja diretamente condenado como se a condenação fosse prova da eficácia do sistema jurídico, muito embora a Constituição assuma posição contrária. Ademais, tal princípio também tem aspecto de regra probatória, visto que coloca nas mãos do acusador o ônus da prova, sendo incabível ao acusado provar a própria inocência, visto que é presumida. Por fim, o estado de inocência conferido ao acusado também conduz o procedimento penal como um todo, salientando que, num estado garantista, tal estado só poderá ser rompido uma vez que a sentença seja absolutamente inabalável, com o objetivo de resguardar os direitos do imputado até o último instante.
Tão vital é o princípio da inocência em nosso ordenamento jurídico, inclusive, que é um exercício bastante penoso tentar conjurar um modelo que não corresponda a tal norma. Entretanto, o desenvolvimento histórico do princípio da não-culpabilidade é longo e pontuado por regressos e rejeições.
De origens imemoriais, pode-se traçar a primeira menção do princípio da não-culpabilidade no direito romano, sob a regra do in dubio pro reo. Não obstante, tal princípio foi deixado para trás com o enfraquecimento do Império Romano, atingindo seu sopé nos idos da Baixa Idade Média, entre os séculos XIII e XV, no auge do sistema inquisitorial de natureza persecutória. Há um argumento a ser feito de que, além de ofuscado, tal princípio foi invertido no sistema daquela época, visto que, na ausência de prova, se ainda subsistisse dúvida quanto à culpa, esta assumia o papel de uma prova mais branda, normalmente incorrendo em uma condenação a uma pena mais leve, destacando-se aqui o poder estatal absoluto que se sobrepunha aos direitos individuais.
Há de se argumentar que o processo penal, como um todo, era amplamente diferente do comum e aceito por todos nos dias atuais. Secreto e sem contraditório, o acusado era tratado como culpado desde antes da instrução, restando-lhe a resignação perante o poder do Estado que, afim de atingir o maior número de criminosos, inclusive fazia uso de tortura com o objetivo de conseguir confissões, sanar contradições e desvendar eventuais cúmplices.
Ao final do século XVIII, entretanto, os ideais iluministas surgiram em contraposição ao sistema inquisitorial. Numa nova inversão de princípios, a recém constituída França, por meio da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, promulgada por sua Assembleia Constituinte, inseriu em seu art. 9º a primeira positivação do princípio da presunção da não-culpabilidade: “Todo acusado é considerado inocente até ser declarado culpado e, caso seja indispensável prendê-lo, todo o rigor desnecessário à guarda da sua pessoa deverá ser severamente reprimido pela lei.”.
A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão foi um importante marco e mudou as perspectivas de quem viesse a figurar no polo passivo de uma ação penal. O banimento da presunção de culpabilidade enunciava que não deveria ser o acusado tratado como culpado antes de sentença condenatória, portanto barrando eventuais ações punitivas que poderiam se fazer presentes antes do devido processo legal. Ademais, deslocava o ônus probatório ao acusador e deixava subentendida a valoração imparcial das provas, bem como comedimento na prisão preventiva. Tal maneira de pensar foi imediatamente incorporado pela Escola Clássica, o que garantiu sua continuidade até o momento atual.
Inobstante, a presunção de inocência não foi isenta de críticas. O positivista Raffaele Garofalo, costumeiramente ligado à semântica, enunciou que o acusado não deveria ser presumido inocente, tampouco tratado como qual; seu papel seria tão somente de imputado, bem como a prisão preventiva deveria ser sempre aplicada nos crimes mais graves. Da Escola Técnico-Jurídica, por sua vez, partiu o ataque de Vicenzo Manzini, que pontuou que a presunção de não-culpabilidade era incompatível com o procedimento penal. Para o italiano, a mera atitude de instaurar um processo penal contra o acusado era suficiente para presumir sua culpabilidade, vez que o próprio ato necessitaria de indícios suficientes de autoria e prova da ocorrência do fato.
Eventualmente, ambas as questões foram pacificadas pela doutrina cogente, sendo mais uma vez positivado o princípio da não-culpabilidade na Declaração Universal dos Direitos do Homem, publicada em 1948 pela ONU, conforme seu art. 11.1: “Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência, enquanto não se prova sua culpabilidade, de acordo com a lei e em processo público no qual se assegurem todas as garantias necessárias para sua defesa.”. Desde então, este princípio foi incluído em inúmeros pactos, convenções e cartas que tratam dos direitos fundamentais do homem, sendo consagrado no Brasil com a Constituição Federal de 1988.
Desde tal fato, a presunção de inocência consolidou-se como princípio fundamental e norteador do processo penal brasileiro. Assegurado pela Constituição, todo e qualquer procedimento penal deverá ser permeado por ele, a fim de que seja limitado o poder do Estado sobre o acusado, que deverá ser inclusive protegido pela máquina estatal, a fim de que não tenha sua liberdade restringida de maneira desnecessária e arbitrária. Sua presença no ordenamento jurídico é importantíssima para o cidadão, que deveria ostentá-la como um escudo próprio para a aplicação devida do poder punitivo e não rechaçado como um veículo da incapacidade do sistema judiciário.