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Multipropriedade: conceito, dinâmica e funcionamento

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30/01/2025 às 15:49

Resumo:


  • A multipropriedade é um regime de condomínio que permite a várias pessoas serem proprietárias de um mesmo imóvel, cada uma com direito a uma fração de tempo para uso exclusivo.

  • A Lei nº 13.777/2018 regulamentou a multipropriedade no Brasil, trazendo alterações no Código Civil e estabelecendo regras para a sua constituição, administração e registro.

  • O multiproprietário tem direitos e obrigações relacionados ao uso, conservação e administração da propriedade, devendo contribuir para as despesas comuns e respeitar o tempo de uso estabelecido para cada fração.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

4. INSTITUIÇÃO DA MULTIPROPRIEDADE

A multipropriedade pode ser instituída de duas maneiras, ambas trazidos pelo Código Civil em seu art. 1.358-F: por ato entre vivos ou fruto de testamento. Independente de como tenha sido, este ato necessariamente será registrado no cartório de Registro de Imóveis competente, e nele deverá conter algumas das características essenciais para a existência e funcionamento da multipropriedade, como a pormenorização de cada fração de tempo, com suas respectivas durações.

No primeiro caso disposto em lei, ela é instituída por ato entre vivos, ou seja, pode tanto nascer da liberdade volitiva de uma pessoa que é proprietária do imóvel-base e deseja instituir o regime de multipropriedade como meio de auferir pecúnia, bem como da vontade de duas ou mais pessoas, que veem neste regime jurídico uma forma melhor de conciliar seus interesses econômicos e/ou de lazer.

Dessa forma, quando a multipropriedade é feita por ato entre vivos, é necessário considerar o que a lei exige quanto à formalidade do ato instituidor e dos respectivos atos de transmissão da propriedade. Isto porque, conforme sinaliza grande parte dos doutrinadores, seria imperiosa a aplicação do art. 108. do Código Civil, de forma que o instrumento instituidor, para imóveis cujo valor supere a 30 salários-mínimos, deve ser público16. Outros autores alertam, contudo, que para alguns atos, a exemplo da transmissão do direito de propriedade, não haveria exigência restrita da forma, sendo de faculdade das partes, nos termos do inciso XI, do art. 1.358-Q do Código Civil, como explica17 BLASKESI:

Na dicção do citado artigo, “a transferência do direito de multipropriedade e a sua produção de efeitos perante terceiros dar-se-ão na forma da lei civil”, deixando entrever a dúvida: A forma do instrumento de transmissão dessa copropriedade se dará por instrumento público ou, como no caso desse instituto, a lei não determinou a forma específica, dar-se-á também por instrumento particular?

O art. 109. do Código Civil preconiza que “o negócio jurídico celebrado com a cláusula de não valer sem instrumento público, este é da substância do ato”.

A previsão da exigibilidade da forma pública é encontrada no art. 108, ao rezar que, “não dispondo a lei em contrário, a escritura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no País”.

Entretanto, a dúvida se instala no momento em que o legislador, na própria Lei do Condomínio em Multipropriedade, optou por determinar, expressamente, quando tratou do regimento interno, que “o regimento interno poderá ser instituído por escritura pública ou por instrumento particular (parágrafo único, XI, art. 1.358-Q)”. O fato de ter facultado a forma (particular ou pública) em um dos instrumentos que integrarão o condomínio em multipropriedade, leva a presumir que, não tendo exigido ou estipulado para os demais, será à escolha dos contratantes.

Dentre os dois posicionamentos, contudo, parece ser mais cauteloso e prudente prezar por aquele que segue a regra geral do sistema civilista, e isto é claro no art. 108. do CC. A segurança jurídica e registral trazida pela confecção do instrumento instituidor ou transmissor na forma pública favorece para que não haja máculas na lógica de oponibilidade erga omnes que é inerente ao sistema de direitos reais.

É importante, ainda, verificar o caso da instituição via testamento. Isso porque nem sempre o testamento foi feito com a consultoria de alguém especializado no assunto (diferentemente de quando a multipropriedade é feita por ato entre vivos, onde os mesmos geralmente buscam a assessoria adequada para criar o regime), de forma que poderia se alegar que a instituição da multipropriedade pela via testamentária, caso não feita necessariamente nos termos da lei civil, estaria inviabilizada.

Adotando, contudo, uma interpretação finalística, o bom-senso e a razoabilidade, pode-se inferir que, no caso de instituição via testamento, certos requisitos podem ser preenchidos pelos sucessores, principalmente no tocante ao preenchimento dos atos formais e procedimentais necessários para a existência da multipropriedade.

Pensar de forma diferente poderia ofender duplamente ao que prevê a lei, haja vista que, por um lado, se desrespeita a expressão de vontade estabelecida na via testamentária (que, por sua vez, deve ao menos ser clara, se propondo estabelecer um regime de multipropriedade, indicando ao menos as unidades periódicas), e por outro, ainda, se desrespeita completamente a finalidade jurídica do instituto da multipropriedade.

Assim, bastando que o testamento traga as linhas gerais da intenção de existência da multipropriedade, traçando ao menos algum esboço de como seria a divisão das unidades periódicas, não se vê óbice para que os sucessores suplementem e concretizem a vontade externada na via testamentária.

O instrumento que institui a multipropriedade poderá conter várias disposições fruto da liberdade negocial entre as partes, mas algumas delas deverão necessariamente constar por expressa determinação legal, conforme explicitam os arts. 1.358-G e 1.358-H do CC. Recomenda-se ao leitor o conhecimento do teor dos artigos, que são de fácil entendimento e autoexplicativos.

É de se notar, contudo, que para o operador do Direito ou conhecedor do teor das convenções condominiais, muitas das exigências feitas pelos citados artigos são análogas ou extremamente semelhantes ao que já se tem na prática. E não poderia ser diferente, haja vista se estar tratando de regime jurídico pertencente ao sistema de condomínios. Assim, trará em seu bojo disposições gerais sobre deveres e obrigações, limites de pessoas, regras de acesso, fundos de reserva e disposições para imprevisibilidades, bem como possíveis multas.

Por fim, é importante ressaltar que a instituição da multipropriedade pode ser vedada em condomínios edilícios. Para tanto, basta que a convenção do condomínio edilício ou seus instrumentos instituidores congêneres traga proibição expressa. Outra forma, ainda, é pela deliberação da maioria absoluta dos condôminos (que também têm poder para, posteriormente, passar a permitir o regime da multipropriedade).


5. QUAIS SÃO OS DIREITOS E AS OBRIGAÇÕES DO MULTIPROPRIETÁRIO?

Antes de iniciar a discussão sobre os direitos e obrigações do multiproprietário, é importante ressaltar que os arts. 1.358-I e 1.358-J do CC trazem rol mínimo do referido tema, ou seja, as partes possuem liberdade negocial para criar outros direitos e obrigações, desde que respeitem a harmonização com a legislação constitucional e civilista aplicável ao regime da multipropriedade. Assim, as obrigações e direitos contidos nos artigos são objetos que deverão ser observados pelas partes, sem prejuízo das demais que elas convencionarem.

Ainda, recomenda-se que o leitor faça análise atenta dos dispositivos, que terão seus pontos principais abordados, sem a pretensão exaustiva, principalmente para não tornar o estudo cansativo.

Quanto aos direitos, os primeiros três incisos do art. 1.358-I dão alguns fatores importantes para a existência da propriedade plena, a saber: uso, gozo, cessão e alienação.

Em relação ao uso e gozo, serão limitados à fração de tempo, e abarcam não só a estrutura física do imóvel-base em si, como quaisquer mobiliários que dela façam parte. É salutar notar os principais traços sobre estes direitos, pois podem ser a razão pela qual o multiproprietário adquiriu sua unidade periódica. Assim, comunicam-se com este direito algumas obrigações impostas aos demais multiproprietários e à administração do condomínio em multipropriedade, pois se não houver o cuidado e cautela para a preservação de toda a estrutura, resta flagrantemente atingido um direito basilar do multiproprietário.

Neste diapasão, outro direito de exercício sobre a multipropriedade é o da cessão da fração, seja por locação, seja por comodato. Isso decorre do fato de que nem sempre o sujeito que possui a unidade periódica tem o desejo de utilizá-la para seu lazer. Poderá o multiproprietário, portanto, quando bem entender, deixar de usar de sua fração em determinado momento para locá-la a outra pessoa, também pelo tempo que julgar necessário.

Assim, permite o dispositivo que haja a alienação do direito real de propriedade do multiproprietário sobre sua unidade18. Esta alienação pode se dar por ato entre vivos ou por causa de morte, a título gratuito ou oneroso. Ainda, permite-se que a unidade seja onerada. O multiproprietário, contudo, por expressa previsão legal, deve comunicar ao administrador sobre a alienação ou oneração que foi feita sobre a unidade periódica.

É fundamental abrir um parêntese para tratar do que o §2º do art. 1.358-L traz, pois ele torna o adquirente solidariamente responsável com o alienante por certas obrigações não cumpridas (constando do §5º do art. 1.358-J, estas obrigações foram vedadas pelo Presidente da República, mas não impedem interpretações abertas tendentes a prejudicar o adquirente). A única forma do adquirente não ser solidariamente responsável com débitos existentes pelo alienante é se aquele exigir deste uma declaração de inexistência de débitos. Por conta disso, recomenda-se esta cautela aos operadores do direito que forem auxiliar procedimentos de compra e venda de unidades periódicas em multipropriedade.

Dessa forma, com o exercício do direito de venda ou utilização da unidade periódica como objeto de direitos reais sobre a coisa alheia (a exemplo da alienação fiduciária), há o dever de comunicação pelo multiproprietário ao administrador, que deverá tomar as providências administrativas cabíveis.

O referido artigo trata, ainda, de outro direito básico para qualquer regime condominial, que é o de participação nas deliberações feitas por todos os multiproprietários. Para tanto, poderá votar pessoalmente ou por procurador, e o artigo põe como condição essencial o adimplemento do sujeito com as obrigações condominiais. Assim, a princípio, se não estiver pagando aquilo que o condomínio o impõe, perderá sua prerrogativa de votar.

O peso do voto, contudo, levará em conta à quota de sua fração de tempo. Assim, por exemplo, caso o mesmo imóvel-base possua quatro multiproprietários com igual fração temporal, cada voto equivalerá a 25% ou 1/4 do total.

Todavia, caso a multipropriedade faça parte de condomínio edilício, a dinâmica de votação deverá ser vista com cautela. Isto porque, no âmbito de multipropriedade que funcione em regime edilício existirão duas deliberações: aquelas feitas para o próprio condomínio edilício em si, e aquelas feitas somente para a unidade que está em multipropriedade.

Para não confundir o leitor, eis um exemplo: imagine que a Torre Celeste, no Rio de Janeiro, é prédio residencial que funcione em regime de condomínio edilício, e possua 10 andares. Em cada andar, um apartamento. Após obter aprovação dos demais condôminos, o proprietário do apartamento do 1º andar resolve por instituir, em sua unidade, o regime de multipropriedade. Digamos, ainda, que a unidade foi virtualmente fracionada em três unidades periódicas, que de pronto foram adquiridas por três pessoas.

Assim, estas três pessoas, enquanto multiproprietários da unidade do 1º andar, podem decidir por realizar uma assembleia interna para deliberar sobre a aquisição de novo mobiliário para unidade. Nesta assembleia, como somente é de interesse dos três sujeitos, cada voto equivalerá a 33%, ou 1/3 (considerando que suas frações sejam iguais).

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Mas não se pode esquecer, contudo, que existem as assembleias que dizem respeito a toda Torre Celeste. Neste caso, pelo prédio possuir 10 apartamentos de iguais proporções, cada voto equivalerá a 1/10 do total. Com o apartamento do 1º andar, contudo, não funcionará desta forma. O voto desta unidade poderá ser menor do que 1/10, pois ele terá seu peso repartido entre os três multiproprietários, respeitando proporcionalmente sua quota de fração de tempo. Assim, caso os três votem em consenso, o peso será 1/10. Contudo, caso um deles não vote com os outros dois, este 1/10 perderá 33% em seu peso (neste ponto, não se exige do leitor a habilidade matemática, mas somente a noção de que existe uma dinâmica diferente dentro das unidades que possuem o regime de multipropriedade em âmbito de condomínio edilício).

Evitando-se o aprofundamento matemático, razão pela qual muitos resolveram por adentrar na seara do Direito, segue-se para os estudos das obrigações do multiproprietário.

O art. 1.358-J traz como primeiro inciso a obrigação corriqueira e básica de qualquer relação negocial: o pagamento19. Neste caso, o multiproprietário deve pagar não só a contribuição condominial da multipropriedade (útil para conservação e manutenção), como também, caso seja aplicável, a do condomínio edilício. Ainda, o inciso se previne e diz que não adianta o multiproprietário fazer renúncia do uso ou gozo de determinado mobiliário ou instalação, sendo obrigado a pagar da mesma forma.

Assim, não pode o sujeito alegar que não usou o home theater de sua unidade, requerendo um possível desconto proporcional. Não poderá, tampouco, alegar que sempre usa as escadas e dispensa o elevador. Somente pela disponibilização das instalações e do mobiliário, já será o multiproprietário obrigado a adimplir com as contribuições, sob pena, inclusive, de não poder deliberar nas convenções, conforme foi visto anteriormente.

Em seguida, obriga o artigo que o multiproprietário responda pelos danos que causar ao imóvel, suas instalações, equipamentos e mobiliário. Ainda, amplia o inciso a responsabilidade do multiproprietário, tornando-o responsável pelos danos que seus acompanhantes, convidados ou autorizados causarem. A responsabilidade aqui é objetiva, respondendo ainda que o dano tenha sido causado com culpa. Escusa-se, contudo, caso o dano seja oriundo do desgaste natural das coisas, em decorrência do uso recorrente. Neste caso, não há dever de indenizar. Dessa forma, deve o multiproprietário prezar pela responsabilidade e consciência no uso da estrutura principal do imóvel-base, bem como do mobiliário que dela faz parte.

Ainda na seara da conservação e preservação da estrutura física e do mobiliário, o inciso II do art. 1.358-J dá ao multiproprietário o dever de comunicar ao administrador quaisquer defeitos, avarias e vícios dos quais tiver conhecimento durante sua utilização. Esta obrigação é fundamental, primeiramente porque permite que o condomínio comece a prever possíveis gastos com consertos, bem como cria um histórico de deterioração de certo bem. Desprezar esse dever pode gerar gastos imprevisíveis, e a depender do problema (a exemplo de um defeito hidráulico), pode fazer com que o prejuízo tome proporções maiores.

Assim, caso a despesa decorra do uso normal e do desgaste natural do bem ou do imóvel, será de responsabilidade de todos os multiproprietários. Contudo, será de responsabilidade exclusiva do multiproprietário caso tenha havido uso anormal por parte dele ou de quem ele tenha autorizado, sem prejuízo de multa.

Os demais deveres muito dizem a ver com o uso consciente, responsável e zeloso da unidade, devendo o multiproprietário manter o imóvel em boas condições, e utilizá-lo para seu destino e natureza (a título de exemplo, não poderia o multiproprietário que tem como sustento a pintura de telas, utilizar de sua fração em unidade periódica residencial para transformar o ambiente em uma galeria, onde venderia suas pinturas).

Sobre o uso consciente, o multiproprietário deve respeitar também o prazo de estadia, de entrada e de saída, cooperando inclusive para possíveis períodos de manutenção que possam acontecer durante sua fração (permitindo, caso necessário, obras urgentes). Caso não desocupe o imóvel a tempo, poderá ser penalizado com multa diária (e aí reside, mais uma vez, a importância da convenção do condomínio em multipropriedade conter, em seu bojo, disposições expressas sobre as multas, inclusive sobre sua progressividade).

Para finalizar as disposições sobre obrigações e direitos, é importante ressaltar que o art. 1.358-K do CC equipara à condição de multiproprietário os promitentes compradores e cessionários de direitos relativos a cada fração de tempo.

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Sobre o autor
Moisés Emidio de Paiva

Advogado. LL.M em Direito dos Contratos. Especialista em Direito Imobiliário. Extensão em Direito Norte-Americano pela University of Pennsylvania (EUA).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PAIVA, Moisés Emidio. Multipropriedade: conceito, dinâmica e funcionamento. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 30, n. 7883, 30 jan. 2025. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/76557. Acesso em: 7 dez. 2025.

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