A aposentadoria especial e a fixação da idade mínima.

Análise dos aspectos constitucionais

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A aposentadoria especial sempre foi um benefício cheio de questionamentos e que exigiu duros requisitos para a comprovação do direito e o seu deferimento. Inúmeras transformações ocorreram em seu percurso legal até atingir o modo que se encontra hoje...

A APOSENTADORIA ESPECIAL E A FIXAÇÃO DA IDADE MÍNIMA:

ANÁLISE DOS ASPECTOS CONSTITUCIONAIS

 

Rogerio Henrique Alves Silveira*

Advogado especializado em direito e processo do trabalho e direito previdenciário.

Email: [email protected]

 

RESUMO

A aposentadoria especial sempre foi um benefício cheio de questionamentos e que exigiu duros requisitos para a comprovação do direito e o seu deferimento. Inúmeras transformações ocorreram em seu percurso legal até atingir o modo que se encontra hoje, mas, que ainda requer diversos detalhes para a sua concessão.

 

Seu caráter de proteção social contra riscos ambientais permitiu diversas modificações a fim de impedir que os trabalhadores sofressem danos irreversíveis à saúde e a integridade física. No entanto, a previdência vem sendo ameaçada por reformas e a aposentadoria especial, especificamente, sofreu uma proposta que foi para aprovação do Congresso Nacional, capaz de descaracterizar sua natureza e isto vem afetando a população, aumentando a ansiedade dos interessados e dividindo opiniões por todo Brasil.

 

O presente estudo busca analisar se a eventual fixação de idade mínima é compatível com a Constituição Federal do Brasil diante do dano à saúde humana provocado por agentes nocivos, insalubres e perigosos, tornando inconstitucional a alteração.

 

Para tanto será abordado o conceito de aposentadoria especial, sua definição, evolução histórica e, principalmente, sua adequação constitucional para compensar as condições de trabalhos insalubres e perigosas. Não se discutirá os contornos para a concessão do benefício sob a ótica da legislação vigente.

 

Desta forma, o presente artigo visa apresentar de forma sucinta a aposentadoria especial, suas bases legais e contextuais, assim facilitando a compreensão diante de aspectos constitucionais, trazendo informações sobre as mudanças e as novas perspectivas com a reforma proposta.

 

Palavras-chaves:

Aposentadoria especial. Agentes Nocivos. Proteção. Idade mínima. Inconstitucionalidade.

 

Abstract

The special retirement has always been a full benefit of them, and it required a hard requirement for the verification of the law, and the application is approved. Many changes have occurred in its course to the legal, until it reaches the way it is now, but it will still require many details to the issue.

 

Its character as a social protection against the risks for the environment has enabled a number of changes in order to prevent the worker from suffering irreversible damage to health and the right to physical integrity. However, the pension plan, which is being threatened by the reforms and the retirement of the special, specifically, has suffered from a proposal that was to be submitted to the National Congress, which is able to impair their very nature and this is affecting the population, thereby increasing the anxiety of the interested persons, and dividing opinion, for all over the world.

 

The present study seeks to examine the possible fixing of a minimum age for it that is compatible with the Federal Constitution of Brazil, in the face of harm to human health that is caused by agents that are harmful, unsafe or dangerous, by making it unlawful to change.

 

To do so will be dealt with in the concept of retirement, especially, of its definition, history and, particularly, its suitability for a constitutional in order to compensate the working conditions unhealthy and unsafe. Do not discuss the contours for a the provision of the benefit in the eyes of the law.

 

In this way, the present article aims at presenting in a summarized form on the retirement, especially, of its legal basis, and at the local level, thus making it easier to understand on the aspects of the constitution, by bringing the information about the the changes and new perspectives in the proposed reform.

 

Keywords:

Retirement is special. Exposure To Harmful Agents. Protection. A minimum age. Declaration of unconstitutionality.

 

Sumário: Introdução. 1. O surgimento e a evolução da proteção social no mundo. 2. A proteção social no Brasil – Os primeiros sinais da aposentadoria especial. 2.1. A proteção social no Brasil. 2.2 A lei Eloy Chaves. 3. Evolução da Aposentadoria Especial. 4. A constituição cidadã, a seguridade social e a aposentadoria especial. 5. Da inconstitucionalidade da fixação da idade mínima: a violação aos princípios constitucionais. 5.1. Do não retrocesso social da lei. 5.2. Dignidade da pessoa humana. 5.3. Dignidade do trabalhador em meio ao ambiente de trabalho. 5.4. Igualdade, proporcionalidade e razoabilidade. 5.5. Vedação da proteção insuficiente. 6. Conclusão. 6.1. Referências Bibliográficas.

 

INTRODUÇÃO

Aposentadoria Especial é um benefício previdenciário concedido aos segurados que tenham trabalhado durante um tempo mínimo de 15, 20 ou 25 anos, com exposição a ambientes de trabalho perigoso, insalubre ou penoso nocivos, capazes de serem prejudiciais à saúde e a integridade física do trabalhador. Tal espécie de aposentadoria possui o tempo de contribuição reduzido em função de tais exposições. Destarte, todos aqueles trabalhadores que ficam sujeitos a exposição de agentes nocivos poderão ter direito a Aposentadoria Especial. (NOLASCO, 2012)

Historicamente, até a data de 28/04/95, para que o trabalhador tivesse o reconhecimento das condições de trabalho como especiais, era suficiente que o segurado comprovasse o exercício de uma das atividades previstas no anexo do Decreto 53.831/64 ou nos anexos I e II do Decreto 83.080/79, ou seja, não era obrigatório fazer prova efetiva da exposição às condições nocivas à saúde ou à integridade física, bastando estar arrolados no decreto a função ou o agente nocivo.

No curso do trabalho será possível observar as inúmeras evoluções implementadas ao longo dos anos. Nesse seguimento, a grande sucessão legislativa que ocorreu na aposentadoria especial foi sempre com o objetivo de adaptar a legislação aos novos fatos materiais dos trabalhadores, com a intenção de garantir o direito adquirido e o princípio basilar de segurança jurídica, buscando resguardar o obreiro contra a penosidade, a insalubridade e os perigos do ambiente de trabalho.

Logo, resta evidente que o benefício previdenciário de aposentadoria especial é de grande importância ao trabalhador sujeito ao exercício de atividades sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, uma vez que, pela deterioração promovida por tais atividades ao organismo, os desgastes físicos, mentais e biológicos necessitam um descanso antecipado do ser humano, o que é amparado pela Previdência Social.

As metodologias utilizadas para o desenvolvimento desse trabalho são bibliográficas, através de doutrinas de Arthur Laércio Homci Silva da Costa e outros nomes do direito previdenciário, bem como documentais, feitos através da Constituição Federal de 1988 e a Declaração Universal dos Direitos do Homem.

O objetivo desse trabalho é expor e discutir a violação à princípios basilares da Constituição Federal, tais como princípio da dignidade da pessoa humana, igualdade, do não retrocesso, da vedação da proteção social insuficiente, que caracteriza a inconstitucionalidade das mudanças, como propostas pela PEC 06/2019, ao qual trata sobre a reforma previdência.

O presente trabalho limita-se a expor os principais pontos da reforma previdência no que tange à aposentadoria especial e a discutir a inconstitucionalidade das mudanças propostas, com enfoque na tese da idade mínima, levando em consideração doutrinadores jurídicos e especialistas.

 

O SURGIMENTO E A EVOLUÇÃO DA PROTEÇÃO SOCIAL NO MUNDO

O ser humano, tanto o homem quanto a mulher, sempre se preocuparam em garantir o sustento próprio e o de sua família, contudo, em situações de pobreza e enfermidade, o indivíduo não consegue sair apenas com esforço particular, dependendo da assistência do Estado.

O surgimento da proteção social veio da caridade conduzida pela igreja e, mais tarde, passou para instituições públicas.

O indivíduo em situação de necessidade – em casos de desemprego, doença e invalidez – socorria-se da caridade dos demais membros da comunidade. (Santos, Marisa Ferreira dos. Direito Previdenciário Esquematizado. Editora Saraiva. P. 27.)

 

Começou na Inglaterra, em 1601, a desvinculação entre caridade e o auxílio ao necessitado, quando Isabel I editou a Lei dos Pobres. Está lei reconheceu que era responsabilidade do Estado amparar os necessitados. Assim, surgiu a assistência social. (Santos, Marisa Ferreira dos. Direito Previdenciário Esquematizado. Editora Saraiva. P. 28.)

Incumbia à igreja a administração de um fundo, formado com a arrecadação de uma taxa obrigatória. “(...) o Poder Público tornava-se cogente o binômio igualdade-solidariedade”. (Cf. Wagner Balera. Introdução ao Direito Previdenciário. São Paulo, 1998, p. 28)

Contudo, as desigualdades sociais, que já eram marcantes nesse período, levaram a necessidade de desenvolver outros meios de proteção social.

A caridade já não era suficiente para o amparo dos necessitados em razão de desemprego, doenças, orfandade, mutilações etc. Logo surgiram as empresas segurados, possuíam fins lucrativos e administração baseada em critérios econômicos.

O seguro do Direito Civil foi utilizado como molde para a criação desse novo instrumento de proteção em situação de necessidade. A primeira forma de seguro surgiu no século XII e foi o seguro marítimo, reivindicações dos comerciantes italianos.

O único problema era que o seguro decorria de contrato, assim, era facultativo, dependendo da manifestação da vontade do interessado. Apenas uma minoria tinha condições de pagar o prêmio, deixando fora da proteção a grande maioria. Era, pois, necessário criar um seguro obrigatório, que protegesse os economicamente mais frágeis.

No final do século XIX, marcou o surgimento de um novo tipo de seguro, nasceu o seguro social, em 1883, com a Lei do Seguro Doença, resultado da proposta de Bismarck para o programa social.


Aponta-se majoritariamente como o marco inicial mundial da previdência social no mundo a edição da Lei dos Seguros Sociais, na Alemanha, em 1883, perpetrada pelo chanceler Otto Von Bismarck, que criou o seguro-doença, seguida por outras normas que instituíram o seguro de acidente de trabalho (1884), o de invalidez (1889) e o de velhice (1889), em decorrência de grandes pressões sociais da época. (Amado, Frederico. Curso de Direito e Processo Previdenciário. Editora JusPodivm. 6ª ed. 2015 P. 85.)

 

A partir de Bismark, e principalmente, da Segunda Guerra Mundial, a ideia de que o seguro social deveria ser obrigatório ganhou força. E ficou conhecido como sistema de capitalização ou sistema bismarckiano.

A Segunda Guerra Mundial trouxe grandes transformações no conceito de proteção social. Viu-se que era necessário um sistema de proteção social que alcançasse todas as pessoas e as amparasse em todas situações de necessidade, em qual momento de suas vidas.

Concluiu-se que o seguro social não atendia todas as necessidades, pois era limitado apenas aos trabalhadores vinculados por contrato de trabalho. Assim, ficavam sem cobertura os que trabalhavam por conta própria.

Todos esses motivos levaram à procura de instrumento de proteção às pessoas com necessidades sociais e a evolução histórica da proteção social dividiu-se em três partes, quais sejam, a assistência social, o seguro (previdência) e a saúde, formando assim a noção de seguridade social.

O dinamismo social trouxe a tecnologia e a globalização, e os mínimos sociais acompanharam as modificações.

Diversos tratados internacionais foram celebrados, de modo que a passagem do seguro social para a seguridade social decorreu da intenção de libertar o indivíduo de todas as suas necessidades para que pudesse desfrutar de uma vida digna.

 

A PROTEÇÃO SOCIAL NO BRASIL – OS PRIMEIROS SINAIS DA APOSENTADORIA ESPECIAL

 

Desde sempre houve o trabalho humano, porém, inicialmente, não havia a noção de direito do trabalho, vez que nas sociedades antigas o tema era tratado por leis de servidão, regulando a relação entre o senhorio e o trabalhador, este reduzido ao estado de coisa, quando não em escravo, diferenciando-se muito das normas que erigiram no século XIX, que possuíam status tipicamente tutelares.

 

O surgimento inicial da proteção do trabalhador sobreveio após um evento mundial que insurgiu em matéria de conquista de direitos trabalhistas que foi a Revolução Industrial, que deu força a outros fenômenos como a urbanização, o êxodo rural, o alto índice de desemprego causado pelo motor a vapor, precarização das condições de trabalho, longas jornadas de trabalho, salários baixos, exploração da mão de obra infantil e feminina.

 

Neste período não havia preocupação por parte do empregador ou do Estado, até então absenteísta, em assegurar um meio ambiente do trabalho saudável, a integridade física e a saúde do empregado em visto do que se exigia deste, trabalho em condições insalubres, trabalho noturno, além de uma jornada de trabalho de 14 a 16 horas diárias. Ou seja, atividades desenvolvidas em condições precárias e prejudiciais à saúde e dignidade do trabalhador.

 

A partir desta, e por conta dos excessos até então cometidos à época em busca do capital, que através do ideal liberal da revolução francesa sustentava a tese de um Estado Mínimo, não intervencionista, que passou por notório declínio ante as lutas por melhores condições de trabalho, surgiram as primeiras normas com viés científico.

 

Com isso, os trabalhadores passaram a reivindicar melhores condições de trabalho por intermédio de pequenas e grandes revoltas e uma das mais importantes foi a revolução do Povo Trabalhador e Explorado que ensejou a respectiva Declaração de Direitos do Trabalhador de 1918, podendo esse fenômeno de lutas e conquistas ser considerada uma fonte material do direito à aposentadoria especial, muito embora à época ainda não se vislumbrasse formalmente tal benefício.

 

Posteriormente a essa iniciativa, foram surgindo iniciativas isoladas que demonstravam a preocupação com a proteção do trabalhador, como foi o caso da criação do seguro-doença criado em 1883 por Otto Von Bismarck que, verificando a necessidade de proteção ao trabalhador quando da impossibilidade de exercer a atividade laborativa, instituiu um meio que proporcionasse cobertura diante do não exercício de atividade laborativa em razão de uma doença. O referido seguro era de responsabilidade do próprio trabalhador e do seu empregador, assumindo papel de seguro com pagamento de indenização em decorrência da concretização do risco doença.

 

Ademais, surgiam normas de higiene e segurança do trabalho em âmbito internacional nas Convenções da OIT (Organização Internacional do Trabalho), uma agência da ONU com especialização na seara trabalhista, da qual merece destaque a de número 155 pelo ratificada no Brasil pelo Decreto n 1.254, de 29/9/94, com o fim de melhorar as condições ambientais de trabalho e a diminuição de danos à saúde do trabalhador, conforme se extrai do seu artigo 4º.

 

Já no âmbito nacional, houve preocupação por parte do legislador na lei nº 6.514/77, que inseriu o texto atual dos artigos 154 a 201 da CLT, especialmente do art. 200 que define caber ao MTE (Ministério do Trabalho e Emprego) estabelecer disposições complementares às normas de que trata o capítulo da segurança e da medicina do trabalho da CLT, o que foi cumprido pela edição da Portaria MTb 3.214, de 8.6.1978 que criou as NR’s (normas regulamentadoras).

 

A Proteção Social no Brasil

 

A criação de um sistema de proteção social no Brasil ocorreu de forma lenta por meio de um processo de reconhecimento da necessidade de que o Estado intervenha para suprir as deficiências da liberdade absoluta.

 

A primeira ideia de proteção social no Brasil veio com a Constituição Imperial (1824), mas, esta, apenas garantiu formalmente os socorros públicos, de pouca regulamentação em razão da ideologia liberal da época.

 

Ainda no período colonial tem-se a criação das Santas Casas de Misericórdia (1543) e, mais a frente, estabeleceu-se o Plano de Benefício dos Órfãos e viúvas dos Oficiais da Marinha (1795).

 

Segundo pesquisas feitas por Antonio Carlos de Oliveira, “o primeiro texto em matéria de previdência social no Brasil foi expedido em 1821, pelo anda Príncipe Regente, Dom Pedro de Alcântara. Trata-se de um decreto de 1º de outubro daquele ano, concedendo aposentadoria aos mestres e professores, após 30 anos de serviço, e assegurando um abono de ¼ dos ganhos aos que continuassem em atividade”. (Oliveira, Antonio Carlos de. Direito do Trabalho e Previdência Social: estudos. p. 91.)

 

Em 1888, foi criada a Caixa de Socorro para os trabalhadores das estradas de ferro de propriedade do Estado (Lei 3.397) e o Decreto 9.912-A que previu a aposentadoria dos empregados dos Correios, após 30 anos de serviço e 60 anos de idade.

Já em 1892 a Lei 217 instituiu a aposentadoria por invalidez e a pensão por morte dos operários do Arsenal da Marinha do Rio de Janeiro.

 

Em 1911 criou-se, através do Decreto 9.284, a Caixa de Aposentadoria e Pensões dos Operários da casa da Moeda, restrita a esses servidores públicos. Após, vieram outras Caixas de Pensões.

 

Por sua vez, em 1919 foi editada a Lei de acidentes de Trabalho, o qual criou o seguro de acidente de trabalho para todas as categorias.

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A Lei Eloy Chaves

 

O dia da previdência social no Brasil é comemorado oficialmente dia 24 de janeiro, justamente porque é a data em que começou a vigorar a Lei Eloy Chaves.

 

Segundo Frederico Amado:

No Brasil, prevalece doutrinariamente que a previdência social nasceu com o advento da Lei Eloy Chaves, em 1923 (Decreto-lei 4.682), que determinou a criação das caixas de aposentadorias e pensões para os ferroviários, mantidas pelas empresas, pois naquela época os ferroviários eram bastantes numerosos e formavam uma categoria profissional muito forte. (Amado, Frederico. Curso de Direito e Processo Previdenciário. Editora JusPodivm. 6ª ed. 2015 P. 88.)

 

Ainda nas palavras de Frederico Amado, “crê-se tratar-se de uma meia verdade. A Lei Eloy Chaves pode sim se considerada como o marco inicial da previdência brasileira, mas do sistema privado, pois as caixas dos ferroviários eram administradas pelas próprias empresas privadas e não pelo Poder Público, que apenas regulamentava e supervisionava a atividade”. (Amado, Frederico. Curso de Direito e Processo Previdenciário. Editora JusPodivm. 6ª ed. 2015 P. 88.)

 

A Lei Eloy Chaves determinava a criação de Caixa de Aposentadoria e Pensão em cada uma das empresas ferroviárias, com a finalidade de tutelar os empregados, abrangendo os que prestavam serviço mediante ordenado mensal, mas também os operários diaristas que executavam serviços de caráter permanente, desde que tivessem mais de seis meses de serviços contínuos em uma mesma empresa.

 

O regime da Lei foi estendido aos portuários e marítimos, por meio da Lei 5.109/1926, e, posteriormente, abarcando os trabalhadores dos serviços telegráficos e radiotelegráficos (Lei 5.485/1928).

 

Com a finalidade de proteção contra as atividades de risco a legislação evoluiu para prever a aposentadoria especial que é destinada ao obreiro que exerce trabalho prejudicial à saúde, como, por exemplo, em hospitais, metalúrgicas ou com manuseio de substâncias tóxicas como o benzeno e demais hidrocarbonetos, destinando-se ainda àqueles com a integridade física ameaçada, como os vigilantes e eletricitários, porque correm riscos no exercício diário do ofício.

 

Nasce assim o conceito de aposentadoria especial, com raízes fincadas no direito do trabalho, com o desígnio de sacar o laborioso do ambiente nocivo antes que ele apresentasse, efetivamente, um dano irreparável a sua saúde.

 

EVOLUÇÃO DA APOSENTADORIA ESPECIAL

 

Os primeiros sinais da aposentadoria especial foram identificados na história com a criação da proteção aos ferroviários, que posteriormente foi estendida aos portuários e marítimos e aos trabalhadores dos serviços telegráficos e radiográficos, conforme dito no capítulo anterior, porquanto pode-se inferir que havia o reconhecimento de que essas profissões estavam atreladas a atividades penosas.

 

Oficialmente, essa espécie de benefício foi instituído pela Lei nº 3.807, de 26 de agosto de 1960, para o segurado que contasse cinquenta anos ou mais de idade, quinze anos de contribuição e tivesse trabalhado durante quinze, vinte ou vinte e cinco anos, pelo menos, conforme a atividade profissional, em serviços que fossem considerados, para esse fim, penosos, insalubres ou perigosos, por Decreto do Poder Executivo.

 

Foi apenas com a Lei no 5.440-A, de 23 de maio de 1968 que alterou o art. 31 da Lei no 3.807, de 1960, que houve a supressão da exigência da idade de cinqüenta anos para a concessão de aposentadoria especial, em relação aos serviços e atividades profissionais constantes do Quadro Anexo ao Decreto no 53.831, de 1964.

 

Por anos sucessivos os requisitos para concessão da aposentadoria especial passaram por muitas alterações normativas, a níveis legal e regulamentar, incluídos aqueles expedidos por órgãos dos Ministérios da Previdência Social e do Trabalho ou assemelhados, porém nenhuma delas reincluiu a exigência de idade mínima.

A principal mudança do benefício ocorreu em 29/04/95, com a edição da Lei 9.032/95, que alterou a Lei8.213/91, que exigiu para o reconhecimento da insalubridade a efetiva exposição aos agentes agressivos previstos no Anexo I do Decreto nº. 83.080/79 ou no código 1.0.0 do Anexo ao Decreto 53.831/64, o que era comprovado através da apresentação dos SB 40 ou DSS 8030, ao quais informavam sobre exposição aos agentes agressivos.

Posteriormente, com a MP 1.523/96, convertida na Lei 9.528/97, a redação do art. 58 da Lei 8.213/91 foi alterada para passar a exigir a apresentação de laudo técnico assinado por médico do trabalho ou engenheiro de segurança do trabalho, o que era até então exigido apenas para ruído e calor.

No entanto, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça firmou posicionamento no sentido de que essa exigência só é possível a partir da edição daquele diploma legal de 1997 e não da data da Medida Provisória mencionada (AgRg no REsp 1176916/RS, Rel. Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, julgado em 11/05/2010, DJe 31/05/2010; REsp 602.639/PR, Rel. Ministro Jorge Scartezzini, Quinta Turma, julgado em 25/05/2004, DJ 02/08/2004, p. 538). 

Vale ressaltar que, no caso de exposição do trabalhador a ruído, o laudo técnico é exigido para comprovação das condições especiais em qualquer período, não se aplicando neste caso, o acima exposto. 

Consecutivos atos do Poder Executivo regularam o enquadramento das atividades laborativas como insalubres. Antes de 05.03.97, os agentes agressivos estavam previstos nos Decretos 53.831/64 e 83.080/79; de 06.03.1997 a 06/05/99, no Decreto 2.172/97; e, de 07/05/99 até os dias atuais, no Decreto 3.048/99.

Segundo Martinez (2005), risco ambiental é um conceito pertencente à área de prevenção, medicina, higiene e segurança do trabalho, sendo três os agentes determinantes (físicos químicos e biológicos), enquanto para Saliba (1997) seriam os agentes físicos, químicos e biológicos que, presentes nos ambientes de trabalho, são capazes de produzir danos à saúde, uma vez superados os respectivos limites de tolerância.

Este tipo de aposentadoria especial é um benefício previdenciário de prestação continuada, que nasceu com a Lei nº 3.807, de 28 de agosto de 1960. Na procedência, sua avaliação juntava as opiniões trabalhistas de insalubridade, periculosidade e penosidade, admitindo, em resumo, duas suposições de concessão, à pela categoria profissional e pela submissão a agentes nocivos (BARROSO, 2017).

 

Atualmente a aposentadoria exige carência mínima de 180 contribuições, e é devida ao assegurado que esteja submetido de forma habitual e permanente a riscos ambientais por exposição a agentes insalubres ou periculosos por 15, 20 ou 25 anos, conforme a natureza e o grau de nocividade do agente nocivo (físico, químico ou biológico) e seus fundamentos podem ser encontrados nos Artigos 201, § 1º, da CF, Artigos 57 e 58, da Lei 8.213/91 (Lei de Benefícios), Artigos 64 a 70, do Decreto 3.048/99 e Artigos 246 a 299, da IN INSS/PRES 77/2015..

 

A CONSTITUIÇÃO CIDADÃ, A SEGURIDADE SOCIAL E A APOSENTADORIA ESPECIAL

 

A Carta Magna de 1988 assegurou princípios basilares para proteção do trabalhador, garantido direito à vida, à saúde e direito ao meio de trabalho equilibrado.

 

Tais direitos sociais, que estão assegurados através dos princípios da dignidade da pessoa humana, da igualdade, da cidadania, princípio da vedação da proteção social insuficiente e do não retrocesso, são considerados de segunda geração, com força de cláusula pétrea, por serem fundamentais.

 

O sistema de Seguridade Social, por sua vez, está previsto na constituição Federal de 1988, tendo como objetivo a ser alcançado pelo Estado o bem estar social, devendo atuar simultaneamente nas áreas de saúde, assistência social e previdência social, de modo que as contribuições sociais passaram a custear as ações do estado nestas três áreas.

 

No art. 194 da Constituição Federal está o conceito de seguridade social, qual seja, “conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social”.

 

Já a Previdência Social, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, é prevista no artigo 201 da Constituição da República Federativa do Brasil, tendo como objetivo amparar os segurados contra contingências de doença, invalidez, morte, desemprego involuntário e idade avançada, garantindo a proteção à maternidade, o salário família e o auxílio-reclusão.

 

A aposentadoria especial, assim, é um benefício de proteção ao trabalhador sujeito a riscos ambientais que possam causar danos à saúde ou a integridade física, psíquica, biológica e fisiológica ou ao risco de morte, encontrando fundamento constitucional no artigo 201, parágrafo primeiro, sendo um direito de segunda dimensão, de cunho social, com respaldo no artigo 7º, Incisos XXIII e XXIV da Lei Maior.

 

Para Castro e Lazzari (2010, p. 637), a aposentadoria especial é espécie de aposentadoria por tempo de contribuição, com redução do tempo necessário à inativação, concedida em razão do exercício de atividades consideradas prejudiciais à saúde ou à integridade física, pelo que seria um benefício de natureza previdenciária que busca reparar financeiramente o trabalhador sujeito a condições de trabalho inadequadas.

 

Logo, a aposentadoria especial é um benefício de exceção, tem natureza extraordinária, com concessão restrita a determinadas categorias de segurados do RGPS (Regime Geral de Previdência Social), visando preservar a integridade física do trabalhador, por meio do implemento de menor tempo de contribuição, ostentando claramente cunho preventivo (ALENCAR, 2009, p. 71).

 

A criação da aposentadoria especial, benefício de estrita relação com o ambiente de trabalho, instituiu-se como benefício previdenciário, quanto à instituição dos adicionais de insalubridade e de periculosidade, tendo relação direta com o direito do trabalho, ainda que sob o ponto de vista previdenciário ganhe uma conotação de proteção mais ampla (AMADO, 2011).

 

Fato é que o legislador poderia ter continuado categórico na oposição do trabalho em ambiente nocivo, o que levaria a inexistência desse benefício, fosse o caso de ter fixado um prazo para a eliminação ou a neutralização da insalubridade do ambiente de trabalho e penalidades rigorosas para aqueles que não cumprissem, contrapondo a aceitação do simples pagamento de adicional ao operário que fica exposto, o que implicaria na não obrigação de instituição do benefício especial (AMADO, 2011).

 

A futura aprovação da reforma previdenciária nos moldes propostos, no que tange a aposentadoria especial, com relação a fixação da idade mínima violará os princípios garantidos na Constituição Federal, e, assim, caracterizará o retrocesso, levando-nos de volta ao ano de 1960, aonde tudo começou, caso não se proceda com as devidas adequações que observem as peculiaridades do referido benefício para as categorias que trabalham em ambientes laborais agressivos à saúde humana.

 

DA INCONSTITUCIONALIDADE DA FIXAÇÃO DA IDADE MÍNIMA: A VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS

 

As recentes tentativas de fixação de idade mínima, conforme consta, por exemplo atualmente na PEC 6/2019, representa praticamente a supressão da aposentadoria especial, parecendo enquadrar-se na perspectiva de contramobilização legislativa que anule as conquistas legislativas e judiciais dos segurados. Uma forma de ter uma nova decisão, que anularia todas as conquistas de leis e entendimentos dos tribunais judiciais mencionados aqui.

        

Em síntese, verifica-se que as alterações efetuadas no RGPS pela Reforma Previdenciária, que já são dolorosas no que diz respeito ao regime das aposentadorias comuns, são ainda mais cruéis no que concerne à aposentadoria especial, com grande prejuízo à dignidade da pessoa humana.

 

Do não retrocesso social da lei:

Na década de 90, pouco tempo após a promulgação da atual constituição, esta passou a sofrer ataques no que tange os direitos sociais, através de emendas constitucionais e medidas provisórias que sempre tentaram restringir, quando não acabar, com direitos fundamentais garantidos aos trabalhadores. No propósito de avaliar a concretização dos direitos constitucionais e de defender as conquistas sociais surge o princípio do não retrocesso, que nas palavras de Canotilho:

 

“quer dizer-se que os direitos sociais e econômicos (ex.: direito dos trabalhadores, direito à assistência, direito à educação), uma vez obtido um determinado grau de realização, passam a constituir, simultaneamente, uma garantia institucional e um direito subjetivo. A “proibição de retrocesso social” nada pode fazer contra as recessões e crises econômicas (reversibilidade fática), mas o princípio em análise limita a reversibilidade dos direitos adquiridos (ex.: segurança social, subsídio de desemprego, prestações de saúde), em clara violação do princípio da protecção da confiança e da segurança dos cidadãos no âmbito económico, social e cultural, e do núcleo essencial da existência mínima inerente ao respeito pela dignidade da pessoa humana.” (CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 7ª ed., 11 reimp. p. 338 e 339.)

 

Podemos dizer que o consenso conceitual desse princípio “é a vedação ao legislador de suprimir arbitrariamente a disciplina constitucional ou infraconstitucional de um direito fundamental social”. (CUNHA, Jarbas Ricardo Almeida). O princípio da proibição do retrocesso social é, por assim dizer, como norte para o desenvolvimento do direito à saúde no Brasil, que deve ser estendido à assistência e à previdência social.

 

Para aperfeiçoar tal conceito vale dizer que, a base essencial dos diretos sociais já realizados e efetivados por meio de medidas legislativas precisa considerar-se constitucionalmente garantido, sendo inconstitucionais quaisquer medidas estatais que, sem a criação de outras medidas alternativas e de caráter compensatórias, anulem, revoguem ou extingam essa base essencial, diminuindo a proteção a ponto de inviabilizá-la.

 

Vale demonstrar que este principio está positivado no artigo 3º, inciso II, da constituição, obrigando o Estado ao dever de não tomar medidas que enfraqueçam deliberadamente os direitos sociais, existindo assim uma imposição constitucional de abstenção. Significa dizer que quando há uma obrigação em concretizar um direito positivado nasce para o Estado um dever de não adotar medidas que destitua ou flexibilize de forma desarrazoada as conquistas alcançadas.

 

A característica do princípio da proibição de retrocesso social está na prevalência do caráter negativo de sua finalidade, existindo, ainda, em menor escala, um elemento positivo na finalidade do princípio em tela, sendo o dever do legislador manter o propósito de ampliar, progressivamente e de acordo com as condições fáticas, jurídicas e as orçamentárias, no sentido de concretizar os direitos fundamentais sociais, através da garantia de proteção dessa concretização à medida que nela se evolui.

 

Vale citar que a proibição de retrocesso social não se traduz em mera manutenção do status quo, antes significando também a obrigação de avanço social, o que não implica, de modo algum, a violação do princípio da reserva do possível, favorável ao Estado, uma vez que todos os direitos e garantias sociais assegurados pela Constituição, que devem ser efetivamente implementados, o serão através de mecanismos que guardem equilíbrio social, com uso de instrumentos legais que mantenham a justiça social, cobrando progressivamente mais daqueles que possuam capacidade contributiva maior e menos dos que estejam em situação de risco social.

 

Dignidade da pessoa humana:

O princípio da dignidade da pessoa humana nas palavras de Gisela Gondin Ramos, é “o ponto de partida na construção dos direitos fundamentais, estes só podem ser assim qualificados se e quando forem expressão perfeita daquela, e não apenas nos estreitos limites das normas jurídicas, mas no amplo espaço da realidade pela qual todos e cada um de nós somos, indiscutivelmente, responsável”. (RAMOS, Gisela Gondin. Princípios jurídicos. Belo Horizonte: Fórum, 2012. p. 407.)

 

A aposentadoria especial está em plena consonância com os ideais da referida exegese, porquanto, ao prever o benefício antecipado em razão da exposição a agentes nocivos e condições do ambiente de trabalho agressivas, garante o direito ao mínimo essencial de saúde e integridade física, prevenindo a ocorrência de doenças e a incapacitação da pessoa, muitas vezes fatais e irreversíveis.

 

Dignidade do trabalhador em meio ao ambiente de trabalho:

O trabalho, sem dúvida, é um dos elementos indispensáveis à sobrevivência humana. Para os primórdios da humanidade, é o trabalho que permite ao ser humano aproveitar de uma vida digna, é por essa razão que se alega que o trabalho dignifica o homem.

 

Uma vez fixado esse pressuposto, deve ser observado que o trabalho a que se refere é aquele que preserva a integridade física e moral do empregado, pois, em compreensão contrária, o trabalho deixa de ser uma ferramenta que dignifica o homem e passa a ser uma fonte de tormentos, retomando sua conotação latina inicial que remetia ao instrumento romano de tortura, o tri pálio, do latim três paus, tornando-se um meio capaz de violar este princípio constitucional, qual seja, a dignidade humana.

 

Com o proposito de conceituar a dignidade humana, Ingo Wolfgang Sarlet, assim preconiza:

 

Qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e corresponsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos. (Ingo Wolfgang SARLET. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. Livraria do Advogado, 2002, p. 60.)

 

Podemos observar a preocupação da nossa Constituição Federal em proteger a dignidade do trabalhador. Como se entende dos artigos 1º., inciso IV, art. 6º., art. 170 e art. 193, que fazem referência à proteção do trabalho, do trabalhador, e do ambiente de trabalho.

 

Este princípio norteia todos os direitos constitucionalmente previstos, influenciando não apenas as normas de cunho constitucional assim como também as normas infraconstitucionais de proteção ao trabalhador.

 

O princípio da dignidade humana implica na intangibilidade da vida, o que pressupõe o respeito à integridade física e psíquica do trabalhador, o que assegura condições justas e adequadas para a vida do indivíduo e sua família, valores estes que devem ser transportados e aplicados no ambiente do exercício do trabalho.

 

A Constituição inaugura uma nova era com a valorização e ampliação aos direitos dos talhadores, com um capítulo exclusivo ao ambiente de trabalho, o que era uma fundamentação teórica, ganhou status de norma fundamental, mesmo que não esteja presente no rol dos direitos e garantias fundamentais, conforme está descrito no artigo 225, e nos dispositivos que versam sobre a saúde e direitos do trabalhador (artigo 1º, inciso III, c/c artigo 3º, incisos I e IV, c/c artigo 5º, caput, c/c artigo 6º, c/c artigo 7º, caput, e incisos, c/c artigo 170, caput, e inciso VI, c/c artigo 200, incisos II e VIII, caput) presentes no bojo da Constituição Federal.

 

Destarte, a garantia do ambiente de trabalho equilibrado implica não apenas a inexistência de fatores de risco no local de trabalho, mas, sim, às condições de efetiva proteção e do bem-estar social do trabalhador, indispensável à fruição de uma vida digna, isto porque, o direito pátrio indiscutivelmente visa proteger o trabalhador na relação trabalhista, por este motivo o ideal é que o ambiente de trabalho não apresente riscos à integridade física do trabalhador.

 

Desse modo, o ambiente de trabalho deve ser íntegro, de modo a zelar pela saúde e segurança do trabalhador, para que não seja afetada a dignidade do trabalhador na relação empregatícia.

 

Vale lembrar que a existência de equipamentos de proteção individual e coletivo, que devem ser fornecidos pelo empregador, não anulam os riscos que possam sofrer os trabalhadores, mas apenas garantem a proteção para a exposição aceitável, dentro de um limite de tolerância. Mesmo assim, o legislador optou por proteger os trabalhadores que laboram em condições especiais, evitando que estes se tornassem inválidos antes mesmo de usufruírem dos direitos previdenciários, constitucionalmente assegurados com a aposentadoria especial (parágrafo 1º., artigo 201).

 

A legislação infraconstitucional, reconhecendo os danos causados à saúde e os riscos acentuados de morte por algumas atividades, assegura ao trabalhador o acesso a adicionais no salário com o objetivo de compensar financeiramente esses desgastes ocasionados pela exposição aos agentes nocivos ou por risco grave e iminente de um acidente que pode custar a própria vida. Nesse sentido afirma a CLT:

 

São consideradas atividades ou operações perigosas, na forma da regulamentação aprovada pelo Ministério do Trabalho e Emprego, aquelas que, por sua natureza ou métodos de trabalho, impliquem risco acentuado em virtude de exposição permanente do trabalhador a:

 

I - inflamáveis, explosivos ou energia elétrica; (Incluído pela Lei nº 12.740, de 2012)

II - roubos ou outras espécies de violência física nas atividades profissionais de segurança pessoal ou patrimonial. (Incluído pela Lei nº 12.740, de 2012)

§ 1º - O trabalho em condições de periculosidade assegura ao empregado um adicional de 30% (trinta por cento) sobre o salário sem os acréscimos resultantes de gratificações, prêmios ou participações nos lucros da empresa. (Incluído pela Lei nº 6.514, de 22.12.1977)

§ 2º - O empregado poderá optar pelo adicional de insalubridade que porventura lhe seja devido. (Incluído pela Lei nº 6.514, de 22.12.1977)

§ 3º Serão descontados ou compensados do adicional outros da mesma natureza eventualmente já concedidos ao vigilante por meio de acordo coletivo. (Incluído pela Lei nº 12.740, de 2012)

§ 4o São também consideradas perigosas as atividades de trabalhador em motocicleta. (Incluído pela Lei nº 12.997, de 2014)

 

Logo, aumentar o tempo de trabalho com exposição aos agentes nocivos, penosos e perigosos é, em contrapartida, reduzir o tempo de vida do segurado, aumentado os problemas de saúde, incapacidades laborativas e doenças ocupacionais, devendo-se frisar que, tal aumento dos problemas de saúde físicos e mentais dos trabalhadores, aumentará, inclusive, o índice de afastamentos  por auxílio doença e aposentadoria por invalidez, violando a missão de proteção inerente à aposentadoria especial.

 

Em virtude dos fatos narrados, resta evidente que qualquer proposta de fixação de idade mínima na jubilação que busca guardar esses bens essenciais, sem um estudo profundo e adequado, que garanta proporcionalidade numa eventual mudança, nesse contexto, ferirá o princípio da dignidade da pessoa humana, visto que confronta com o direito à vida, à saúde, à integridade física e ao meio de trabalho equilibrado.


             Igualdade, Proporcionalidade e Razoabilidade:

Constituição Federal de 1988 dispõe em seu artigo caput, sobre o princípio constitucional da igualdade, perante a lei, nos seguintes termos:

 

Artigo 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes.

 

O princípio da igualdade prevê a identidade de aptidões e de possibilidades virtuais dos cidadãos de gozar de tratamento isonômico pela lei. Por meio desse princípio são vedadas as diferenciações arbitrárias e absurdas, não justificáveis pelos valores da Constituição Federal.

 

O princípio da igualdade na Constituição Federal de 1988 encontra-se representado, exemplificativamente, no artigo , inciso VIII, que dispõe sobre a igualdade racial; do artigo 5º, I, que trata da igualdade entre os sexos; do artigo 5º, inciso VIII, que versa sobre a igualdade de credo religioso; do artigo 5º, inciso XXXVIII, que trata da igualdade jurisdicional; do artigo 7º, inciso XXXII, que versa sobre a igualdade trabalhista; do artigo 14, que dispõe sobre a igualdade política ou ainda do artigo 150, inciso III, que disciplina a igualdade tributária.

 

O referido introito atua em duas vertentes: perante a lei e na lei. Por igualdade perante a lei compreende-se o dever de aplicar o direito no caso concreto; por sua vez, a igualdade na lei pressupõe que as normas jurídicas não devem conhecer distinções, exceto as constitucionalmente autorizadas. O legislador não poderá editar normas que se afastem do princípio da igualdade, sob pena de flagrante inconstitucionalidade.

 

Essa diferenciação, permitida constitucionalmente, que busca a igualdade material, fez com que a Constituição Federal deixasse expressamente previsto no seu artigo 201, §1º, que está vedada adoção de critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria aos beneficiários do regime geral de previdência social, ressalvando, entretanto, os casos de atividades exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade, a saber a aposentadoria especial, ficando nítido que o referido amparo é visto pelo constituinte como uma exceção à regra.

 

O princípio da igualdade pressupõe que as pessoas colocadas em situações diferentes sejam tratadas de forma desigual na medida de suas desigualdades: “Dar tratamento isonômico às partes significa tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na exata medida de suas desigualdades”. (NERY JUNIOR, 1999, p. 42).

 

Pegar um grupo heterogêneo e tratá-los de forma igual, no que se refere ao tema debatido, viola o princípio assegurado na Constituição Federal pois não se pode fixar a idade mínima para os benefícios distintos, levando em conta a expectativa de vida dos trabalhadores comuns, que exercem suas profissões sem as mazelas do ambiente de trabalho, aplicando a mesma fórmula àqueles que buscam a inatividade submetidos à condições agressivas.

 

A inconstitucionalidade não está se em fixar uma idade mínima, mas sim em definir tal critério sem analisar os agentes nocivos caso a caso, em desproporcionalidade com as questões fáticas que se impõem, como é o caso do meio ambiente de trabalho insalubre, capaz de fulminar a saúde do trabalhador e incapacitá-lo.

 

Sem maiores estudos, que tratem de grupos homogêneos de pessoas expostas a agentes nocivos específicos, não seria correta fixação da idade mínima para benefícios que, pela lei vigente, permitem, de forma diferenciada, a aposentadoria antecipada por tempo de exposição a ambientes agressivos, respeitando a proporcionalidade e a razoabilidade.

 

Citando caso análogo, a fixação de idade mínima para policiais previstas na PEC 06/2019, por exemplo, seria também um motivo de violação do princípio da igualdade, uma vez que outras categorias que possuem riscos ambientais acentuados tiveram fixadas na proposta idade mínima maior do que essa categoria, ou seja, não se observou a regra de equivalência.

 

Apenas para elucidar o que foi acima afirmado, basta imaginar a situação de um trabalhador metalúrgico que hoje se aposenta aos 25 anos de tempo de contribuição especial e irá, pela reforma, se aposentar aos 60 anos, enquanto os agentes de segurança que hodiernamente se aposentam com 30 anos de tempo de serviço terão a idade mínima de 55 anos, ou seja, um salto de 10 anos a mais em relação ao que presentemente a lei estabelece, o que viola flagrantemente o princípio da proporcionalidade e da razoabilidade, corolários da isonomia material.

 

Pela ilustração acima indicada, é de fácil percepção, que eventual reforma da previdência que almeje mudar as regras da aposentadoria especial, deve antes fazer um estudo mais detalhado dos grupos de trabalhadores que hoje têm respeitadas as diferenças para fins de concessão de seus amparos previdenciários a fim de que evitar inconstitucionalidades por violação a princípios fundamentais, visto que a legislação atual, que possui força de lei complementar no que tange as regras do referido benefício, guarda correspondência com as questões de fato que fundamentam o critério diferenciado.

 

Não é que seja fixada a mesma idade mínima para todos os trabalhadores expostos a agentes nocivos, pois sabemos que para cada tipo de exposição há uma tempo mínimo fixado, tanto que é possível a aposentadoria especial com 15, 20 ou 25 anos de exposição aos agentes nocivos, de acordo com o agente nocivo ao qual o trabalhador está exposto.

 

Nesse sentido, seria inconstitucional, por exemplo, a fixação da mesma idade mínima para uma atividade insalubre que permitisse a aposentadoria aos 15 anos de exposição com a outra que autoriza a concessão aos 25 anos de insalubridade, pois haveria violação ao princípio da isonomia.

 

Outrossim, é importante observar que no regramento vigente há uma diferença de 10, 15 e 20 anos entre a aposentadoria especial, concedida exclusivamente a trabalhadores sujeitos a agentes nocivos à saúde, para os demais que se aposentam aos 35 anos de contribuição, na modalidade comum, sem qualquer risco ambiental, como é o caso de funcionários de empresas do ramo comercial e de escritório, bastando comparar os critérios destes com o tempo de contribuição mínimo exigido para os obreiros expostos a fatores agressivos.

 

Nesse ínterim, as medidas propostas na PEC 06/2019, desproporcionalmente, violam claramente o princípio da igualdade, porquanto somente um tratamento diferenciado, previsto constitucionalmente, garantirá tratamento isonômico aos sujeitos a agentes nocivos prejudiciais à higidez do corpo humano.

 

Assim, a solução para a fixação de uma idade mínima é realizar estudos com grupos homogêneos, e, assim, fixar a idade mínima pertinente para cada grupo, sendo que, enquanto não forem respeitadas essas características, pode-se afirmar que as mudanças deverão ser interpretadas como regras no estado ainda inconstitucionais.

 

Sugere-se que, durante o tempo em que não forem realizados estudos conclusivos que prevejam a expectativa de vida dos grupos análogos, para que haja efetiva congruência, sejam mantidas as diferenças temporais atuais, no que tange as mudanças nos requisitos para a concessão da aposentadoria especial, para que, nesse caso, as idades mínimas sejam fixadas em 45, 50 e 55 anos, respectivamente para trabalhadores que pudessem se aposentar aos 15, 20 e 25 anos de atividades insalubres ou perigosas, com vistas a observância dos princípios da isonomia (igualdade material), razoabilidade e proporcionalidade.

 

Em arremate, o princípio ora mencionado impõe que haja razoabilidade e proporcionalidade na fixação de eventual idade mínima e a observância dos critérios previstos na legislação atual de modo que ao se reformar a previdência, criando critérios mínimos para a sua concessão, não haja excesso de rigor e diminua a proteção social a ponto dela se tornar insuficiente.

 

Vedação da Proteção Insuficiente:

É a proibição de uma proteção deficiente, sendo um desdobramento do princípio da proporcionalidade, a vedação contra a proteção insuficiente é também associada ao princípio da vedação do excesso. É utilizado quando o Estado não legisla acerca de um determinado direito fundamental desprotegendo-o ou adota medidas tão escassas que torna inviável a concretização de um direito.  

A proibição deficiente consiste em não permitir uma deficiência na prestação legislativa, de modo a desproteger bens jurídicos fundamentais, que no caso da aposentadoria especial é o direito à saúde física, mental e biológica do trabalhador.

Condicionar esse benefício específico a critérios idade mínima, sem considerar as particularidades da nocividade das atividades de risco, causará a escalada vertical de aposentadorias por invalidez, aumento de acidentes, adoecimentos e mortes decorrentes dos ambientes de trabalho.

Desta forma, seria flagrantemente inconstitucional, por afronta ao princípio da proporcionalidade, a lei que não assegure de forma correta a aposentadoria especial, sem a proteção mínima suficiente.

 

CONCLUSÃO:


              Em virtude dos fatos narrados, dos argumentos apresentados, pode-se concluir que o objetivo do trabalho, que é expor e discutir eventuais inconstitucionalidades das mudanças propostas para a aposentadoria especial, ante a necessidade da reforma previdenciária para o Brasil, foi atingido.

No curso do trabalho foi contado como surgiu a previdência social a partir da necessidade humana e sua evolução história até a promulgação da constituição cidadã brasileira de 1988. Perpassou um breve histórico do nascimento da aposentadoria especial, relacionando o referido amparo social com os fins protetivos constitucionais, com raízes no direito do trabalho. Foi indicado, ainda, os principais pontos que caracterizam a violação aos princípios constitucionais.

 

Ressaltando que a solução para superar a inconstitucionalidade existente na PEC 6/2019 é realização de estudos com grupos homogêneos, ou seja, separar os que enquadram-se na regra dos 15, 20 e 25 anos e, assim, fixar a idade mínima pertinente para cada grupo, mantendo a atual equidistância do grupo amplo de trabalhadores que não se submetem a condições ambientais insalubres e perigosas, pois a expectativa de vida destes não pode ser aplicada, de forma indiscriminada, ao grupo de segurados que laborem em ambientes laborais agressivos.

 

A conclusão que se chega é a de que, no tempo em que não houver definição da expectativa de vida da classe de obreiros sujeitos a qualidades mórbidas de trabalho, não se pode fixar a idade mínima pelos estudos amplos dos demais labutadores que não estejam sujeitos a tais condições, visto que há, nesse caso, violação ao princípio da isonomia, devendo ser mantida a extensão temporal existente atualmente entre esses agrupamentos.

 

Logo, a alusão que se faz é a de que as normas que fixam a idade mínima para a inatividade decorrente das situações de risco ambiental que comprometam a saúde, a integridade física e a vida dos segurados, devem guardar pertinência com a proporcionalidade, sugerindo-se que, por ora, as idades mínimas fiquem definidas em 45, 50 e 55 anos, respectivamente, para os benefícios concedidos aso 15, 20 e 25 anos de exposição insalubre, penosa ou perigosa de trabalho, posto que o não respeito a essa regra paritária provocará a circunstância de preceito ainda inconstitucional..

 

Restou claro que reformas irão fazer-se necessárias conforme a sociedade evoluir, mas as leis não devem retroagir, tanto, a ponto de prejudicar a vida, a saúde e a integridade física dos trabalhadores, sob pena de inconstitucionalidade.

 

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA:

 

ALENCAR, Hermes Arrais. Benefícios Previdenciários. 4. ed. São Paulo: Leud, 2009.  

 

AMADO, Frederico Augusto Di Trindade. Direito Previdenciário Sistematizado. 2 ed. Salvador: Juspodivm, 2011.

 

,Amado, Frederico. Curso de Direito e Processo Previdenciário. Editora JusPodivm. 6ª ed. 2015.

 

BARROSO, Geny Helena Fernandes. Aposentadoria Especial e a Conversão em Tempo Comum. https://jus.com.br/artigos/15051/aposentadoria-especial-e-a-conversao-do-tempo-de-servico-especial-em-comum/3 Acesso em 22/08/2019.

 

Canotilho, J.J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 7ª ed.

 

CASTRO, Carlos Alberto Pereira; LAZZARI, João Batista Lazzari. Manual de Direito Previdenciário.12a. ed. São José: Conceito Editoria, 2010.

 

Ingo Wolfgang SARLET. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. Livraria do Advogado, 2002, p. 60.

 

MARTINEZ, Wladimir Novaes. Aposentadoria Especial. São Paulo: LTr, 5a. Ed. 2010.

 

Nery Junior, 1999, p. 42.

 

Nolasco, 2012.

 

Oliveira, Antonio Carlos de. Direito do Trabalho e Previdência Social: estudos.

 

Ramos, Gisela Gondin. Princípios jurídicos. Belo Horizonte: Fórum, 2012. p. 407.

 

Santos, Marisa Ferreira dos. Direito Previdenciário Esquematizado. Editora Saraiva.

 

Tradução da Convenção da OIT retirada do sítio eletrônico da OIT, disponível em: <http://www.oitbrasil.org.br>. Acesso em: 22 de agosto de 2019.

 

Cf. Wagner Balera. Introdução ao Direito Previdenciário. São Paulo, 1998.

 

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Sobre o autor
Rogerio Henrique Alves Silveira

Especialista em Direito Processual Civil, Direito de Família, Direito Administrativo e Direito Previdenciário. ADVOGADO ATUANTE NAS ÁREAS CÍVEL, FAMÍLIA, DIREITO ADMINISTRATIVO (SERVIDORES PÚBLICOS CIVIS E MILITARES) E DIREITO PREVIDENCIÁRIO (INSS).

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Diante de tantas incertezas sobre a aposentadoria especial na reforma da previdência, os trabalhadores que exercem suas funções submetidos a riscos ambientais, nocivos à saúde e que causem risco de morte, buscam um fio de esperança de que não serão tão afetados pelas mudanças. Assim, o objetivo do presente trabalho é analisar a questão da idade mínima, especificamente, ante às evoluções legislativas sobre o tema e tecer análise constitucional.

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