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Princípio da proporcionalidade e sua aplicação no Direito Tributário

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11/12/2005 às 00:00
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3. CONCEPÇÃO ADOTADA

            Na esteia da concepção apresentada por Pontes (2000, p. 57), a proporcionalidade apresenta duas dimensões, complementares entre si: uma de vedação geral do arbítrio estatal; e outra de concretização prática dos diferentes direitos, interesses e garantias constitucionais.

            Tomamos por oportuna a citação infra:

            Como cláusula geral anti-arbítrio, o princípio da proporcionalidade exerce, em relação ao Estado, uma função negativa ou de proteção. Tomado nesta dimensão, o princípio da proporcionalidade constitui verdadeira norma de bloqueio, isto é, comando jurídico no qual se sobressai a função de proteção do indivíduo contra medidas estatais arbitrárias.

            Na segunda dimensão, a proporcionalidade consubstancia um instrumento de concretização ótima das prestações constitucionais que aparentemente possam apresentar-se contraditórias. Assim concebido, o princípio da proporcionalidade desempenha notável função positiva de afirmação de normatividade dos comandos constitucionais. (PONTES, 2000, P. 57)

            Destarte, o princípio da proporcionalidade possui uma função negativa, equivalendo a uma proibição do excesso, verdadeiro limite da atuação estatal, bem como uma função positiva, caracterizada pela concordância prática dos diversos princípios jurídicos, visando a concreção ótima dos valores acolhidos pelo sistema.

            3.1. Proporcionalidade: Proibição do Excesso

            Tércio Sampaio Ferraz Júnior [05] em sua classificação para as funções eficaciais que podem assumir as normas jurídicas, sustenta que no plano de realização normativa as normas jurídicas assumem, em diferentes intensidades, três funções, a saber, uma função de bloqueio, em que o objetivo da norma é impedir ou cercear a ocorrência de comportamentos contrários ao seu preceito; uma função de resguardo, através da qual a norma objetiva da norma objetiva assegurar a concretização de uma conduta desejada; uma função de programa, um objetivo, um fim a ser concretizado.

            Como bem esclarece Pontes [06], como proibição de excesso, revela-se indisfarçável a função de bloqueio, enquanto mandamento geral de vedação ao arbítrio estatal, cujo escopo é precisamente de impedir, bloquear as ações estatais manifestamente arbitrárias.

            3.2. Proporcionalidade: Concordância Prática

             Importante também ressaltar que a Constituição, conquanto seja um elemento sistêmico harmônico, não traduz uma completude plena de seus dispositivos no ordenamento, posto que é se apresenta como um sistema aberto de regras e princípios, denotando, assim, a impossibilidade de compreender-se o sistema constitucional de forma fechada, completa.

            As lacunas existem, os aspectos valorativos, a realidade conjuntural, a todo momento impõem um redimensionamento dinâmico de seus valores, não se podendo tratá-los de forma estática, o que, sem dúvida, torna a Constituição em um sistema aberto de normas e princípios.

            Corroborando nosso entendimento, Canotilho já dispunha neste sentido, ao tratar do sistema constitucional português, que em nada difere do nosso para a análise que estamos procedendo [07]:

            (...)O sistema jurídico do Estado de direito democrático português é um sistema normativo aberto de regras e princípios. Este ponto de partida carece de descodificação(1)é um sistema jurídico porque é um sistema dinâmico de normas;(2)é um sistema aberto porque tem uma estrutura dialógica(Caliess), traduzida na disponibilidade e capacidade de aprendizagem das normas constitucionais para captarem a mudança da realidade e estarem abertas às concepções cambiantes da verdade e da justiça;(3)é um sistema normativo, porque a estruturação das expectativas referentes à valores, programas, funções e pessoas, é feita através de normas;(4)é um sistema de regras e de princípios, pois as normas do sistema tanto podem revelar-se sob a forma de princípios como sob a sua forma de regras.

            O sistema jurídico constitucional configura-se aberto justamente porque necessita, para sua aplicabilidade, de se inter-relacionar com a realidade fática, estando propenso às mudanças históricas e valorativas, pois não é a constituição um fim em si mesmo, fechada às estruturas de interpretação dialógicas, como ressaltou o mestre português.

            Neste sentido, ensina Pontes (2000, p. 60) que o princípio da proporcionalidade constitui o instrumento para se estabelecer os limites de cada bem jurídico constitucionalmente tutelado diante do caso concreto. O princípio da proporcionalidade permite a ponderação e a harmonização dos bens jurídicos constitucionalmente tutelados, diante das peculiaridades fáticas e jurídicas de cada problema jurídico prático a ser regulado.

            O princípio da proporcionalidade exige, pois, que a atuação estatal vise a realização ótima de todos os interesses protegidos pelo sistema jurídico, impondo a concordância prática dos valores envolvidos no caso concreto, evitando que se privilegie um em detrimento total do outro, que restaria sufocado.

            Vale a transcrição:

            Dotados, em potência, de idêntica carga normativa, o peso específico de cada princípio jurídico constitucional e as limitações que um pode impor ao âmbito de eficácia normativa de outro somente podem ser averiguados diante dos problemas concretos envolvidos na regulação. (PONTES, 2000, p. 60/61)

            Dentro da mencionada classificação das normas jurídicas em face da sua carga eficácia, proposta por Tércio Sampaio Ferraz Júnior, pode-se afirmar que como exigência de concretização prática entre os diferentes bens constitucionalmente assegurados, o princípio da proporcionalidade se reveste da função de resguardo.


4. Aspectos do Princípio da Proporcionalidade

            A doutrina constitucional alemã, em uma visão estrutural e funcional, consagrou a existência de três elementos parciais que compõem o princípio da proporcionalidade, sendo de enorme relevância enquanto níveis de averiguação de vícios substanciais da lei ou do ato administrativo, servindo como parâmetros impositivos de limites à ação do legislador ou do administrador, bem como de máximas diretivas às decisões judiciais sobre conflitos entre princípios constitucionais, a parte mais relevante para o presente estudo.

            Luis Gustavo Grandinetti Castanho de Carvalho (1998, p. 73/74), ao discorrer sobre o que denomina de requisitos de aplicabilidade do princípio de que se trata, assevera que:

            Os requisitos são extrínsecos – judicialidade (requisito subjetivo) e a motivação (requisito formal) – e requisitos intrínsecos – constituídos por subprincípios da idoneidade, necessidade e da proporcionalidade em sentido estrito. A idoneidade constitui-se no exame de a medida constritiva ter ou não relação de causalidade ao fim pretendido, ou seja, ser idônea, apta, para atingir aquele fim. A necessidade, também compreendida como intervenção mínima, é a adequação do grau de eficácia das medidas. E, por último, a proporcionalidade em sentido estrito é o exame do confronto direto entre os interesses individuais e estatais, a fim de se estabelecer se é razoável exigir-se o sacrifício do interesse individual em nome do interesse coletivo.

            Guerra Filho (1999, p. 67/68), por sua vez, aduz que:

            O princípio da proporcionalidade, entendido como um mandamento de otimização do respeito máximo a todo direito fundamental, em situação de conflito com outro ou outros, na medida do jurídico e faticamente possível, tem um conteúdo que se reparte em três princípios parciais: princípios da proporcionalidade em sentido estrito ou máxima do sopesamento, princípio da adequação e princípio da exigibilidade ou máxima do meio mais suave.

            O aludido autor refere-se ao primeiro como aquele que determina que se estabeleça uma correspondência entre o fim a ser alcançado por uma disposição normativa e o meio empregado, seja juridicamente a melhor possível. Os outros dois subprincípios; por sua vez, determinam que, dentro do faticamente possível, o meio escolhido se preste para atingir o fim estabelecido, mostrando-se assim, adequado. Além disso, esse meio deve se mostrar exigível, o que significa não haver outro, igualmente eficaz, e menos danoso a direitos fundamentais.

            João Caupers (2000, p. 80) elucida que o conceito jurídico-administrativo de proporcionalidade decompõe-se em três níveis de apreciação:

            a) A exigibilidade do comportamento administrativo, tendo este de constituir condição indispensável da prossecução do interesse público;

            b) A adequação do comportamento administrativo à prossecução do interesse público visado;

            c) A proporcionalidade em sentido estrito ou relação custos-benefícios, isto é, a existência de uma proporção entre as vantagens decorrentes da prossecução do interesse público e os sacrifícios inerentes dos interesses privados.

            Robert Alexy [08] distingue a proporcionalidade estrito senso, a necessidade e a adequação, segundo as possibilidades e circunstâncias fáticas (tatsächlichen Möglichkeiten) ou jurídicas (rechtlichen Möglichkeiten) envolvidas no processo de aplicação dos diferentes princípios constitucionais. Segundo esse autor, a proporcionalidade em sentido estrito decorre das possibilidades jurídicas de aplicação dos princípios, enquanto a necessidade e adequação, por outro lado, são averiguadas diante das possibilidades fáticas dos princípios, entendidos, sempre, como mandamentos de otimização.

            Quadra ressaltar que Robert Alexy [09] nega o caráter de princípios aos três aspectos da proporcionalidade, pois a adequação, a necessidade e a proporcionalidade estrito senso não se relacionam segundo uma regra de precedência, por força da qual um deva ser eleito em detrimento de outro, como acontece com a aplicação dos princípios jurídicos. Segundo aquele autor, como os aspectos do princípio da proporcionalidade não se concretizam mediante uma relação de sopesamento (Abwägung), na qual o peso normativo de um comando deve ser balanceado diante de outro, tais aspectos não configuram princípios jurídicos, mas regras jurídicas. Logo os aspectos do princípio da proporcionalidade são meramente atendidos ou não (segundo uma lógica de all or nothing)

            No que pese entendermos que Alexy, acertadamente, evidencia que a adequação, a necessidade e a proporcionalidade em sentido estrito não podem ser considerados como princípios autônomos, melhor seria se os tivesse classificado como meros aspectos ou dimensões do princípio da proporcionalidade [10], e não regras jurídicas autônomas, uma vez que têm a sua eficácia atreladas ao preenchimento dos demais requisitos, além do fato de se revelarem por demais abstratos.

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            Pontes [11] consigna que a distinção formulada por Alexy entre possibilidades fáticas e jurídicas para qualificar o âmbito normativo de cada aspecto do princípio da proporcionalidade não implica retirar a consideração das possibilidades jurídicas de aplicação dos princípios do âmbito da necessidade e da adequação.

            Ressalta, ainda, o mencionado Autor [12] que, no âmbito da proporcionalidade em sentido estrito, ocorre um juízo de ponderação, negado por Alexy aos aspectos do princípio da proporcionalidade, como razão para concebe-los como meras regras e não verdadeiros princípios.

            4.1. Adequação

            O aspecto da conformidade ou adequação de meios impõe que a medida adotada para a realização do interesse público deve ser apropriada à prossecução do fim ou fins a ele subjacentes. Conseqüentemente, a exigência de conformidade pressupõe a investigação e a prova de que o ato do poder público é apto para e conforme os fins justificativos de sua adoção. Trata-se de controlar a relação de adequação medida-fim.

            Conforme magistério de Pontes (2000, p. 66), em relação ao momento de aferição da adequação:

            uma medida estatal pode manifestar-se inadequada ao fim objetivado desde a sua existência jurídica (por exemplo, promulgação de uma lei) ou fática (concretização de medidas administrativas). Nessas hipóteses, basta verificar a falha na "prognose" consubstanciada na inaptidão tout court da medida tomada relativamente ao alcance do fim por ela objetivado. O fator tempo torna-se irrelevante para a aferição da adequação da medida; o decurso do tempo não tornará adequada a medida. Tais situações ocorrem comumente nas medidas estatais de baixa abstração e generalidade, quando seus efeitos concretos são facilmente percebidos na realidade.

            Por outro lado, o fator tempo é relevante quando o fim objetivado com a medida e de longo alcance, isto é, quando o eventual sucesso da medida somente se manifestarão no futuro, não há que se cogitar, desde logo, de inadequação, haja vista o fato de que presume-se a validade das escolhas realizadas pelo agente estatal no exercício de competência que o ordenamento lhe atribui. Todavia, a medida deve menifestar a possibilidade potencial de produzir o efeito desejado, ainda que tal somente venha a ocorrer no futuro. De todo modo, tal medida pode vir a ser reconhecida como inadequada no futuro quando constatado que a mesma não gerou os efeitos almejados.

            Podemos cristalizar, por conseguinte, que a adequação constitui, portanto, um juízo de conformidade causal entre a medida estatal tomada e a finalidade perseguida com a mesma.

            Por fim, vale consignar que a inadequação pode se verificar de forma absoluta ou relativa. Na primeira hipótese, ainda que desconsiderada a realidade à medida estatal subjacente, manifesta-se a mesma, desde logo, inadequada à busca do fim que a justifica; no segundo caso, uma medida estatal pode manifestar uma incompatibilidade real quando, observadas as condições fáticas, concluindo-se pela sua inaptidão para produzir os resultados almejados [13].

            4.2. Necessidade

            O aspecto da exigibilidade ou da necessidade coloca a idéia de que o cidadão tem direito à menor desvantagem possível. Assim, exigir-se-ia sempre a prova de que, para a obtenção de determinados fins, não seria possível adotar outro meio menos oneroso para o cidadão. Não se questiona, na maior parte dos casos, a adoção da medida (necessidade absoluta), mas sim a necessidade relativa, ou seja, se o legislador poderia ter adotado outro meio igualmente eficaz e menos desvantajoso para os cidadãos.

            Salienta Pontes (2000, p. 68) que o grau de necessidade de uma medida estatal é aferido segundo a intensidade e a indispensabilidade da limitação que a mesma representa aos interesses constitucionalmente protegidos.

            Note-se que o Poder Judiaciário não deverá formular um juízo acerca da conveniência administrativa ou legislativa de se tomar a medida, mas sobre a estrita necessidade da lesão ou limitação por ela gerada a bens jurídicos constitucionalmente tutelados, sobretudo quando existem outros meios igualmente aptos ao alcance do resultado desejado e que acusam menor ou nenhuma lesão àqueles bens jurídicos [14].

            4.3. Proporcionalidade em sentido estrito

            Pelo aspecto da ponderação ou da proporcionalidade em sentido estrito se pretende alcançar parâmetros para a resolução dos conflitos entre princípios constitucionais, nos casos em que o Poder Judiciário é chamado a decidir pela prevalência de um princípio em detrimento de outro ou outros, reconhecidamente válidos pelo ordenamento constitucional.

            A máxima da proporcionalidade em sentido estrito entende os princípios como mandados de otimização com relação às possibilidades jurídicas, enquanto que nas máximas da adequação e da necessidade recorre-se às possibilidades fáticas. Segundo Robert Alexy (1993, p. 112/115), o fundamento ao princípio da ponderação reside nos princípios de direito fundamental, sem que se exclua, contudo, outras fundamentações como os princípios do Estado de Direito, a prática jurisprudencial e o conceito de justiça.

            Em verdade, deve ser avaliado, no caso concreto, qual dos princípios em colisão tem maior peso; segundo as circunstâncias e condições da situação, qual dos direitos deve ser efetivado, em uma relação de precedência condicionada. Fica conferido ao Judiciário o dever de examinar a situação concreta e decidir se o direito efetivado não afrontou um direito que deveria prevalecer naquele caso, precedendo ao direito respaldado. É dever do juiz, analisando as circunstâncias, ponderar acerca da proporcionalidade da restrição ao direito dos cidadãos, contrastando os resultados obtidos com a restrição efetuada, se razoáveis ou desproporcionados.

            Insta trazer à sirga a lição de Pontes (2000, p. 70):

            A relação entre o meio adotado e o fim com ele perseguido revela-se proporcional quando a vantagem representada pelo alcance desse fim supera o prejuízo decorrente da limitação concretamente imposta a outros interesses igualmente protegidos prima facie. Daí porque o sacrifício imposto por uma intervenção estatal a uma parcela de liberdade constitucionalmente protegida não deve estar fora de proporção (ausser Verhältnis) com o efeito (positivo ou negativo) que se pretende promover com tal intervenção.

            A proporcionalidade em sentido estrito representa a idéia nuclear do princípio da proporcionalidade em sentido amplo, porquanto consubstancia a concreta apreciação dos interesses em jogo, isto é, revela a necessidade de formulação de um juízo de sopeesamento (Abwägung) entre o meio adotado pela autoridade (e o interesse público que o justifica) e a limitação sofrida pelo indivíduo em parcela da sua esfera juridicamente protegida.

            Enquanto nos aspectos adequação (Geeignetheit) e necessidade (Erforderlichkeit), o juízo do intérprete-aplicador do Direito é formulado diante de um objetivo fixo (perseguido pela medida sindicada) e de meios variáveis, na proporcionalidade em sentido estrito os dois elementos (meio e fim) são igualmente variáveis, isto é, neste aspecto também o fim de interesse público perseguido pela medida estatal sofre variações decorrentes do sopesamento do mesmo com os outros interesses protegidos prima facie pela ordem jurídica.

            Quadra salientar que o princípio da proporcionalidade encarna o sopesamento entre normas jurídicas válidas (princípios), e não entre simples valores, na busca da melhor solução correta, e não da única, não sendo permitido ao intérprete aplicador lançar mão de valores não positivas no sistema jurídico.

            Em síntese, na esteira do pensamento de Pontes (2000, p. 72), a proporcionalidade em sentido estrito exige que a vantagem trazida por uma limitação imposta a um bem juridicamente tutelado, em decorrência da busca de uma finalidade de interesse público (também reconhecido no sistema), seja maior do que o prejuízo decorrente desta limitação.

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Sobre o autor
Alessandro Ribeiro Couto

advogado e consultor jurídico em Salvador (BA), mestrando em Direito Público pela UFBA, especialista em direito tributário pelo Instituto Brasieiro de direito Tributário (IBET), professor da FABAC

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

COUTO, Alessandro Ribeiro. Princípio da proporcionalidade e sua aplicação no Direito Tributário. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 891, 11 dez. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7673. Acesso em: 19 abr. 2024.

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