CONCLUSÃO
O Fenômeno do Superendividamento é um problema que não atinge tão somente as famílias brasileiras. Há uma preocupação mundial, mesmo que relativamente recente, acerca da proteção e tratamento dos consumidores superendividados. Trata-se de um fenômeno que leva o consumidor a condições extremas, mergulhando em dívidas impagáveis, comprometendo seu sustento e o de sua família. Em casos mais extremos, a família se encontra em uma situação em que o comprometimento da renda com as dívidas é tão grande, que acaba por comprometer inclusive o mínimo existencial.
As condições de vida em que se encontram o consumidor endividado e sua família, desrespeitam claramente o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. Dentre as razões que levam o consumidor a esta condição, destaca-se a concessão desmedida de crédito corroborada pela publicidade abusiva e enganosa feita por parte dos fornecedores de crédito.
Porém, a questão vai além da prodigalidade ou irresponsabilidade na administração do patrimônio do consumidor, pois, em larga escala, os reflexos desse fenômeno podem atingir a economia do país. Preocupados com a crescente falência da pessoa civil observada atualmente, alguns países da Europa se movimentaram para discutir propostas que fossem capazes de prevenir e tratar o superendividamento, dentre as quais se destaca a iniciativa francesa, que influenciou fortemente os doutrinadores brasileiros.
Incentivado pela tendência europeia de criação de normas específicas que versem sobre o endividamento, o Brasil atualmente apresenta duas propostas para prevenção e tratamento do superendividamento: o Projeto de Lei nº 3515/2015 e o Anteprojeto elaborado por doutrinadores. O Projeto de Reforma do Código de Defesa do Consumidor apresenta medidas que visam proteger o consumidor de ter prejudicado o seu mínimo existencial, garantindo uma vida com dignidade.
Conclui-se, portanto, que a implementação de legislação específica que verse sobre medidas de prevenção e tratamento do consumidor endividado no Brasil faz-se de extrema importância, em face do completo desrespeito ao princípio fundamental da dignidade da pessoa humana.
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Notas
3 SCHMITT, Cristiano Heineck.Consumidores Hipervulneráveis: A proteção do idoso no mercado de trabalho. São Paulo: Editora Atlas S.A, 2014, p. 5/6.
4 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 3ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003, p. 110/111.
5 Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm#adct>. Acessado em: 06 de setembro de 2018.
6 GARCIA, Leonardo de Medeiros. Direito do Consumidor. Código Comentado e Jurisprudência. 5ª edição. Niterói, Rio de Janeiro: Impetrus, 2009, p. 3.
7 MACHADO, Marlon Wander. Crimes nas Relações de Consumo: comentários e análise jurisprudencial dos crimes contra o consumidor, contra a economia popular e tipos específicos do Código Penal. São Paulo: WVC Editora, 2001.
8 FILHO, Sérgio Cavalieri. Programa de direito do consumidor. São Paulo: Atlas, 2008, p. 8.
9 https://ndonline.com.br/florianopolis/noticias/aumento-do-craedito-e-estaimulo-ao-consumo-saao-heranacas-do-governo-lula
10 PEIC - Pesquisa de endividamento e inadimplência do consumidor. Disponível em: https://cnc.org.br/editorias/economia/pesquisas/peic-abril-de-2019. Acesso em 22 de outubro de 2019.
11 LIMA, Clarissa Costa. Superendividamento Aplicado: Aspectos doutrinários e experiência no Poder Judiciário. Rio de Janeiro: GZ Editora, 2010, P. 25.
12 Na França, o superendividamento foi tratado pela Lei Neiertz (Lei 89-1010, de 31 de dezembro de 1989), assim chamada porque foi votada por iniciativa da Secretaria de Estado do Consumo da época, a Sra. Neiertz.
13 FRANÇA. Code de la consommation, du 26 juillet 1993. Disponível em: <https://www.legifrance.gouv.fr/affichCode.do?cidTexte=LEGITEXT000006069565>. Acesso em 3 de novembro de 2018.
14 BERTOCELLO, Karen. LIMA, Clarissa Costa. Explicando o superendividamento em questões: perguntas e respostas. In: BERTOCELLO, Karen. LIMA, Clarissa Costa. MARQUES, Cláudia Lima (Org.). Prevenção e tratamento do superendividamento. Ed. ENDC. 2010, p. 21.
15 MARQUES, Cláudia Lima. Algumas perguntas e respostas sobre prevenção e tratamento do superendividamento dos consumidores pessoas físicas. In: Bruno Miragem, & Cláudia Lima Marques. Doutrinas essenciais: Direito do Consumidor – Vulnerabilidade do consumidor e modelos de prevenção (Volume II, pp. 563-594. São Paulo: Revistas dos Tribunais. 2011.
16 MARQUES, Cláudia Lima; CAVALLAZZI, Rosângela Lunardelli. Direitos do consumidor endividado: superendivadamento e crédito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 216.
17 TORRES, Ricardo Lobo. O mínimo existencial e os direitos fundamentais. Disponível em: <https://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/download/46113/44271> Acesso em: 04 de setembro de 2018.
18 KIRSCHNER, Felipe. Os novos fatores teóricos de imputação e concretização do tratamento do superendividamento de pessoas físicas. Revista do Direito do Consumidor. São Paulo: RT, volume 17, n. 65. 2008, p. 74.
19 Disponível em: https://cnc.org.br/central-do-conhecimento/pesquisas/economia/pesquisa-de-endividamento-e-inadimplencia-do-consumidor-6. Acesso em 05 de setembro de 2018.
20 Idem
21 https://cnc.org.br/editorias/economia/pesquisas/peic-abril-de-2019. Acesso em 22 de outubro de 2019.
22 Os dados apresentados fazem referência às informações coletadas entre os anos de 2017 e 2019.
23 BATELLO, Sílvio Javier. A (in)justiça dos endividados brasileiros: uma análise evolutiva. In: CAVALLAZZI, Rosângela Lurnadelli. MARQUES, Cláudia Lima (Org.). Direitos do consumidor endividado: superendividamento e crédito. São Paulo. RT, 2006. Cap. 8, p. 226, 227.
24 MARTINEZ, Carolina Curi Fernandes. A tutela do consumidor superendividado e o princípio da dignidade da pessoa humana. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/17312/a-tutela-do-consumidor-superendividado-e-o-principio-da-dignidade-da-pessoa-humana>. Publicado em setembro de 2010. Acesso em: 24 de março de 2018.
25 MARTINEZ, 2010.
26 MARQUES, LIMA, BERTONCELLO, 2010, p. 08.
27 A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico é uma organização internacional que teve origem em 1948 em um cenário pós Segunda Guerra Mundial, onde a Europa procurava se reconstruir economicamente. Atualmente, possui 36 países membros, sendo a grande maioria formada por países desenvolvidos, que aderem aos princípios da democracia representativa e da economia de mercado, e objetivam a solução de problemas comuns através de soluções domesticas.
28 A Associação Internacional do Direito é uma organização sem fins lucrativos que tem sua sede em Londres, e visa promover o estudo, esclarecimento, e desenvolvimento e respeito do direito internacional.
29 THE WORLD BANK. Report on the Treatment of the Insolvency of Natural Persons. 2012, p. 16. Disponível em: https://siteresources.worldbank.org/INTGILD/Resources/WBInsolvencyOfNaturalPersonsReport_01_11_13.pdf. Acesso em 10 de novembro de 2018.
30 MARQUES, Maria Manuel Leitão e allii, O endividamento dos consumidores, Lisboa, Almedina, 2000, p. 2
31 LIMA, Clarissa Costa de. O Tratamento do Superendividamento e o Direito de Recomeçar dos Consumidores. São Paulo: RT, 2014, p. 89-90.
32 CARVALHO, Diógenes Faria de. SILVA, Frederico Oliveira. O (super)endividamento num diálogo franco-brasileiro. In: CARVALHO, Diógenes Faria de. (org.). Sociedade de Consumo: Pesquisas em Direito do Consumidor. Goiânia: Editora Espaço Acadêmico/ Editora Puc Goiás. 2015, p. 84-85.
33 FERREIRA, Vitor Hugo do Amaral. LIMA, Bruna Giacomini. Homo Economicus: Os (des)encontros da Sociedade de Consumo Superendividada. In: FERREIRA, Vitor Hugo do Amaral. CARVALHO, Diógenes Faria de. SANTOS, Nivaldo dos. Sociedade de Consumo: Pesquisas em direito do consumidor. Editora Espaço Acadêmico. 2015, p. 30.
34 BRASIL. Senado Federal. Projeto de Lei do Senado nº 281/12. Altera a Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, para aperfeiçoar as disposições gerais do capítulo I do título I e dispor sobre o comércio eletrônico e o art. 9º do Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942, para aperfeiçoar a disciplina dos contratos internacionais comerciais e de consumo e dispor sobre as obrigações extracontratuais. Brasília, DF. Justificação. Disponível em: <https://www.senado.gov.br/atividade/materia/getPDF.asp?t=112479&tp=1>. Acesso em 04 de outubro de 2018.
35 MARQUES, Cláudia Lima. LIMA, Clarissa Costa de. BERTONCELLO, Karen Rick Danielevicz. Prevenção e tratamento do superendividamento. Brasília: Ministério da Justiça-Secretaria de Direito Econômico- Departamento de Defesa e Proteção do Consumidor. 2010, p. 20.
36 SILVA, Joseane Suzart Lopes de. Superendividamento dos consumidores brasileiros e a imprescindível aprovação da PL 283/2012. In: MARQUES, Cláudia Lima. CAVALLAZZI, Rosângela Lunardelli. LIMA, Clarissa Costa de. Direito do Consumidor Superendividado II: Vulnerabilidade e inclusão. Editora Revista dos Tribunais. 2017, p. 251.
37 LIMA, Clarissa Costa. Superendividamento aplicado: Aspectos doutrinários e experiência no Poder Judiciário. Rio de Janeiro: GZ Editora. 2010, p. 207.
38 BRASIL. MINISTÉRIO DA JUSTIÇA. Disponível em: <https://www.justica.gov.br/central-de-conteudo/consumidor/estudos/2010caderno_superendividamento.pdf/view>. (Caderno de Investigações Científicas - Volume 1. Prevenção e Tratamento do Superendividamento / Escola Nacional de Defesa do Consumidor; elaboração Professora Cláudia Lima Marques e juízas Clarissa Costa de Lima e Káren Bertoncello – Brasília: SDE/DPDC, 2010.). Acesso em 11 de setembro de 2018.
ABSTRACT
O ver-indebtedness is a problem that reaches an expressive number of people worldwide, not being a phenomenon unknown to Brazilian families. Among the various reasons responsible for this massive indebtedness, is a very common practice in the current Consumer Society, namely the granting of excessive and irresponsible credit by financial institutions, linked to the stimulus to the acquisition of products and services, having misleading advertising as its main tool. These practices end up leading the consumer to a condition in which much or all of their income is destined to the payment of debts, to the point of affecting the existential minimum, hindering the indebted persons access to factors inherent to dignified living, such as food, health and leisure. In analyzing the existing legal bases for over-indebted consumer protection, it can be seen that the Consumer Protection Code is ineffective in protecting the cases in which this phenomenon is characterized, which, in turn, also renders the protection of the consumers constitutional right to the fundamental principle of dignity of the human person ineffective. Due to the large proportion of this phenomenon, some countries have already created specific mechanisms to combat practices that lead to over-indebtedness, preventing future cases and ensuring the treatment of existing ones. In Brazil, Bill of law 3515/2015, which brings changes to the CDC that would modify measures related to the granting of credit in order to prevent over-indebtedness, is in progress. It also includes a definition of this phenomenon, which does not yet exist in Brazilian legal terms currently. It seeks, therefore, to analyze the nuances of this phenomenon, pointing out causes, consequences and solutions so that the protection and treatment of consumers affected by it is effective, evaluating the prevention and treatment systems pioneered by France, making a brief comparison to the Bill of law that is being subject to approval in Brazil.
Key words: Overindebtedness. Human Dignity. Credit grant. Bill 3.515/2015.