Capa da publicação Demissão imotivada: aspectos teóricos e exame empírico
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Aspectos teóricos e empíricos da obrigação constitucional de demissão imotivada

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27/04/2021 às 17:10
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5.1 Pesquisa bibliométrica

Poucos artigos foram encontrados sobre o tema, com as palavras-chave buscadas, conforme mostra o quadro abaixo. Tendo em vista que os resultados encontrados são escassos, eles serão analisados em conjunto, sem levar em consideração a base onde foram encontrados. Ao desconsiderar artigos que aparecem mais de uma vez nas bases dados, somaram-se 53 resultados. 

Com relação aos termos referentes à convenção 158, o tipo de texto científico predominante é o artigo, com 31 resultados, seguidos pelas monografias, com 12 resultados, e a dissertação, com 7. Em seguida, os textos foram categorizados de acordo com o conteúdo em relação a Convenção 158 da OIT. Com isso, constatou-se que 7 textos não guardam nenhuma relação com a convenção; em 14 dos resultados, ela foi apenas mencionada; em 15, foi utilizada como exemplo; e 17 dos resultados traziam conteúdo mais aprofundado sobre a Convenção 158.

Os resultados classificados como “texto aprofundado”, os quais somam 17 textos, foram subdivididos de acordo com a posição a respeito da denúncia da Convenção 158 da OIT. Com base nessa análise, pode-se perceber que 1 texto não considera a denúncia inconstitucional, por concluir que “no Brasil o ato de denúncia sempre foi objeto de ação unilateral do Poder Executivo, dispensada a audiência do Congresso Nacional” (LUPI, 2010). Porém em 12 textos, a denúncia é considerada inconstitucional e em 4 textos, o posicionamento favorável ou desfavorável em relação à denúncia não fica claro. É importante ressaltar também os artigos que apresentam os impactos econômicos da Convenção. São apenas dois e ambos oferecem posicionamento contrário à aplicabilidade da Convenção 158 no território nacional.

5.2 Entrevistas

A categorização das respostas dos empregados e dos empregadores possibilitou uma avaliação das opiniões sobre a previsão constitucional brasileira de motivação para a demissão sem justa causa. As entrevistas realizadas com os empregadores apontam que 56% dos entrevistados já têm o hábito de contar o motivo ao demitir um funcionário e 44% dos empregadores disseram não ter esse hábito. Ou seja, para a maior parte dos entrevistados, a inserção de uma eventual obrigação para motivar a demissão não mudaria os procedimentos já adotados.

A intenção da motivação é que o trabalhador tenha a oportunidade de ajustar sua conduta em vez de simplesmente ser demitido, e 83% dos entrevistados disseram que já adotam algum tipo de procedimento no trabalho antes de optar pela demissão e 17% disseram não realizar nenhum procedimento. A demissão por justa causa já foi utilizada por 56% dos empregadores entrevistados,, mas a maioria o fez em apenas um caso. Um deles informou ter tido oportunidade de demitir nessas condições, porém optou pela demissão comum e apenas por uma conversa com o funcionário demitido.

A última pergunta do roteiro para empregadores centrava-se em extrair, ainda que indiretamente, a percepção dos entrevistados em relação à Convenção 158 da OIT e a obrigatoriedade de justificar as demissões. Sobre uma eventual obrigatoriedade de justificar todas as demissões, 47% dos empregadores disseram ser neutros em relação a contar o motivo ao demitir um funcionário, alegando que não traria prejuízos à empresa; 29% se posicionaram contrários à obrigatoriedade de justificar as demissões, destacando-se o motivo de gerar possíveis ônus trabalhistas para as empresas; e 24% dos entrevistados são favoráveis em relação à exigência de contar o motivo ao realizar uma demissão.  Esses resultados, com relação aos empregadores, permitem concluir que no atual estado de coisas não há uma grande rejeição da obrigação de motivar a demissão, como era previsto na hipótese inicial do trabalho.

O ponto de vista dos empregados contou com entrevistas a 17 funcionários administrativos e 32 funcionários da produção. A maior parte dos empregados administrativos disseram nunca terem sido demitidos, sendo 53% dos entrevistados. Do grupo que já foi demitido, 29% dos empregados relataram que nunca lhes foi contado o motivo e 18% afirmaram ter sido informados sobre o motivo da demissão. Ao contrário, a maior parte dos funcionários da produção disseram já ter sido demitidos e informaram-lhes o motivo, representando 44% dos entrevistados; 31% dos funcionários disseram que foram demitidos, mas nunca souberam o motivo; e 25% informaram que nunca foram demitidos. É notável a diferença entre os dois grupos de trabalhadores, tanto no que se refere ao fato de terem sido demitidos quanto com relação a saberem o motivo. Porém, o número de funcionários demitidos sem conhecerem o motivo é curiosamente semelhante: 29% e 31%.

Na comparação entre empregados e empregadores, é mais alto o número dos empregadores que não informam os motivos da demissão (44%) em comparação ao número de empregados que não receberam a motivação (29% e 31%). Entre os empregadores, não foi encontrada a resposta a respeito de não demitirem empregados, mas há empregados que nunca foram demitidos, o que leva a supor que ou tenham solicitado o desligamento (essa resposta não apareceu entre os empregadores) ou que trabalhem na mesma empresa há muito tempo. Entre os empregadores, 56% afirmaram ter o hábito de explicitar o motivo da demissão, enquanto apenas 18% dos empregados administrativos receberam essa informação contra 44% dos empregados de produção.

Uma quantidade muito maior de funcionários administrativos nunca foi demitida, talvez por ser necessário um maior nível de instrução para ocupar o cargo. Já para os funcionários da produção, é mais comum que lhes seja informado o motivo da demissão. Seria interessante que aprofundar melhor os motivos para estes resultados. A maior parte dos funcionários administrativos, 71% dos entrevistados, disseram que nunca foram chamados para uma conversa para ajustar comportamento; dentre eles, 3 disseram que já foram chamados para ajuste de tarefas diárias. E 29% disseram já ter sido chamados para ajustar algum comportamento. Seguindo a mesma linha dos funcionários administrativos, 63% dos empregados da produção disseram que nunca foram chamados para conversas para ajuste de comportamento; entre eles, 3 relataram que já foram chamados para corrigir tarefas diárias e 3 para ajustar a equipe de trabalho. E 38% dos funcionários disseram que já foram convocados para conversas para ajustar comportamento. Neste quesito, portanto, não se mostra grande diferenciação entre os diferentes tipos de trabalhadores das empresas pesquisadas.

Mas a comparação com a resposta dos empregadores é intrigante, afinal 83% deles afirmam solicitar algum ajuste de conduta. Talvez ocorra algum problema de comunicação entre empregados e empregadores: enquanto o empregador acredita estar fazendo uma solicitação de alteração de conduta, o empregado não entende que essa seja uma solicitação.

De todos os empregados administrativos entrevistados, 65% já tomaram contato com pessoas demitidas por justa causa e 35% falaram que nunca viram. Por outro lado, a maior parte dos empregados da produção, 56% dos entrevistados, informaram nunca terem visto casos de demissão por justa causa. É intrigante a diferença de percepção entre os dois grupos de empregados e não é possível encontrar, nas respostas ou na literatura, um motivo que explique essa diferença. A partir das respostas de entrevistados que revelaram já terem visto casos demissão por justa causa, foi realizada uma nova pergunta para identificar os principais motivos que ocasionam essa condição para demissão. Totalizaram 35 respostas, porém 8 preferiram não citar o motivo, tendo sido desconsideradas. Destaca-se como principal motivo para demissão 8 por justa causa a indisciplina, com 52% das respostas; seguida por roubo, com 30%; atestado médico falso com 15%; e por último, o racismo, com uma única resposta. Por fim, a última pergunta para os empregados também visou identificar a percepção deles em relação à dispensa imotivada.

A maior parte dos empregados administrativos são favoráveis à obrigatoriedade de justificar a demissão, 14 (82%) dos entrevistados; 1 funcionário se posicionou contra a exigência de contar o motivo ao demitir; e 2 ficaram na dúvida sobre a necessidade de justificar a demissão. De modo semelhante, os empregados da produção também se posicionaram, em sua maioria, favoráveis à obrigatoriedade de contar o motivo ao demitir, sendo 28 (88%) dos entrevistados; 2 empregados se posicionaram de forma desfavorável; e por fim, 2 ficaram na dúvida sobre essa questão.

Em contraposição às respostas dos empregadores, percebe-se que os empregados são mais favoráveis a conhecer o motivo de sua demissão que os empregados estejam dispostos a informar, mesmo que apenas 29% deles tenha se mostrado contra isso. Percebe-se, portanto, que tanto a Convenção quanto uma Lei Complementar que determinasse a obrigatoriedade de motivação da demissão sem justa causa teria mais apoio da classe trabalhadora que da classe empregadora, o que já era esperado.


6 Conclusão/ Contribuição

Embora tenham sido encontrados poucos artigos científicos relacionados ao tema, foi possível traçar um panorama sobre a produção acadêmica, identificando os principais aspectos tratados. As análises das entrevistas realizadas apontam que empregados e empregadores, em sua maioria, possuem a mesma posição em relação à obrigatoriedade de justificação para a demissão sem justa causa, ou seja, são favoráveis à incorporação da Convenção 158 da OIT no ordenamento jurídico brasileiro ou à regulamentação da previsão que já existe na Constituição Federal desde 1988. Ou mostram-se neutros ou favoráveis à obrigatoriedade de justificar todas as demissões, ainda que o número de empregadores que são contrários aproxime-se de um terço dos entrevistados.

Conclui-se, portanto, que seria positivo que a previsão constitucional voltasse a ter aplicabilidade no território brasileiro, principalmente pelos benefícios acarretados aos empregados e por não afetar as atividades da empresa. Deve-se ressaltar, no entanto, o impacto que a divulgação desse tema na mídia pode ter, a depender da forma como for tratado. Tendo em vista que, apesar dos vários projetos de lei existentes no decorrer dos anos desde 1988, e apesar da pendência de discussão sobre a validade da denúncia da Convenção 158 da OIT, não se discute muito sobre esse tema, acredita-se que há uma visão generalizada negativa sobre essa obrigatoriedade, como se coleta da fala do deputado no momento da rejeição a um projeto de lei regulamentador em 2011.

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A pesquisa empírica demonstrou, com perguntas que não induziam a resposta, que os entrevistados, em sua maioria, aceitam a obrigatoriedade de motivação para a dispensa sem justa causa. Foi mencionada repetidas vezes a importância de o funcionário ter conhecimento sobre o motivo ao ser demitido para o seu aprendizado e crescimento profissional, o que conduz à conclusão de que a implantação da obrigatoriedade de apresentação de uma justificativa quando da demissão do empregado seria muito positiva para o mercado de trabalho em geral, tendo em vista seu fator educativo.

Respondido o problema de pesquisa no sentido de verificar uma percepção positiva sobre a implantação do conteúdo da Convenção 158 da OIT, a hipótese de pesquisa surpreendentemente foi afastada, já que tanto empregados quanto empregadores mostraram-se favoráveis à implementação da justificativa para a demissão sem justa causa, ainda que apenas 24% dos empregadores tenham-se mostrado de fato favoráveis.

A situação do Brasil atualmente, porém, ainda mais após a Reforma Trabalhista implantada em 2017, segue na contramão dos resultados desta pesquisa e entende-se que a conjuntura não se apresenta favorável e nem a sociedade madura para que esta discussão volte à baila. Para novas pesquisas, fica a sugestão de realizar o mesmo tipo de questionamento em um número maior de empresas, para que se confirmem os resultados e subsidie o Supremo Tribunal Federal com informações relevantes para a decisão acerca da validade da Convenção estudada. Também seria importante avaliar o motivo de serem informados os motivos da demissão mais frequentemente aos trabalhadores da produção que aos da área administrativa.


7 Referências

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Sobre a autora
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GRACE, Carolina Engler. Aspectos teóricos e empíricos da obrigação constitucional de demissão imotivada . Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 26, n. 6509, 27 abr. 2021. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/77495. Acesso em: 26 abr. 2024.

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