Nova posição do TSE vai elidir a farra das propagandas irregulares e o abuso do poder econômico na propaganda eleitoral:

uma nova interpretação ao artigo 36-A da Lei 9.504/1997

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03/11/2019 às 11:16
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8.JULGADO PARADIGMA SOBRE O TEMA

Segue texto do primeiro julgado do Brasil que enfrentou o tema:

Em relação a distribuição de adesivos confeccionados com a frase “Agora é ela” e o desenho de uma chave é perceptível a alusão feita ao sobrenome da recorrida, Juliana Chaves. Desse modo, ainda que tal ato não possa ser enquadrado individualmente enquanto propaganda eleitoral antecipada, nos remete mais uma vez a utilização precoce de recursos voltados à publicidade. Fato que pode caracterizar abuso de poder econômico ou uso indevido dos meios de comunicação social (TRE-PE. Recurso Eleitoral n. 3-96.[…].6.17.0135 – Classe 30).

[…]

A correlação entre os adesivos distribuídos e a futura campanha da pré-candidata é nítida, sobretudo após a entrevista em que a mesma se apresenta como tal, não podendo se olvidar que os adesivos trata-se de propaganda eleitoral antecipada, devendo, após o período permitido, o referido adesivo, com pequenas transmudações de cor e conteúdo, se transformar em adesivo de campanha eleitoral (TRE-PE, Recurso Eleitoral n. 3-96.[…].6.17.0135 – Classe 30).

[…]

Outro aspecto que trago à baila é o da vedação dos gastos pelos candidatos anteriores ao período permitido para os mesmos, o que, com as modificações trazidas, só poderão ocorrer após o dia 15 de agosto de […], com a realização dos respectivos registros de candidaturas, sejam doações de campanha, sejam doações estimáveis em dinheiro, não havendo que se falar em realização de gastos anteriores à abertura de conta bancária específica para tal finalidade (TRE-PE, Recurso Eleitoral n. 3-96.[…].6.17.0135 – Classe 30.).

[…]

[…] Dessa forma, da análise das fotos acostadas aos autos, no que concerne ao outdoor, feito com as cores do partido da “aniversariante”, é perceptível se tratar de veiculação que objetiva a visibilidade da pré-candidata através das felicitações. Não se faz necessário o pedido explícito de votos, pois não é apenas por esse meio que um candidato pode promover-se enquanto tal e, neste caso, sem respeitar a isonomia inerente ao processo eleitoral. Faz-se mister salientar ainda que, em tendo sido colocado por amigos da recorrida, caracteriza precoce doação de recursos, a qual se encontra em desobediência aos requisitos legais, ainda que estimável em dinheiro (TRE-PE, Recurso Eleitoral n. 3-96.[…].6.17.0135 – Classe 30).

[…]

Dessarte, no que se refere à utilização do outdoor, enquanto ato irregular e que configura pré-campanha em meio proibido pela legislação eleitoral vigente, deve ser aplicada a multa trazida pelo art. 39, § 8º, da Lei 9.504/97 (TRE-PE, Recurso Eleitoral n. 3-96.[…].6.17.0135 – Classe 30.).

[…]

Assim, diante do exposto, considerado haver nítida propaganda eleitoral antecipada, decido pelo provimento da pretensão recursal para condenar ......... à multa no seu valor mínimo de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), com fulcro no art. 39, § 8º, da Lei 9.504/97.


9. A NOVA POSIÇÃO DO TSE

Até as eleições de 2018, o TSE fazia uma leitura literal do artigo 36-A e defendia que era necessário pedido explícito de votos para configurar propaganda extemporânea, in verbis:

“A jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral firmou entendimento no sentido de que é necessário o pedido explícito de votos para configurar a publicidade antecipada, nos termos do art. 36-A da Lei nº 9.504/1997. 2. No caso, extrai-se da moldura fática delineada no acórdão regional que não houve o pedido explícito de votos pela agravada. A publicidade realizada está acobertada pela liberdade de expressão. 3. Agravo interno a que se nega provimento. (Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral nº 16865, TSE/AL, Rel. Luís Roberto Barroso. j. 30.08.2018, unânime, DJe 09.10.2018 e Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral nº 6721, TSE/PE, Rel. Luís Roberto Barroso. j. 30.08.2018, unânime, DJe 26.09.2018)”.

No dia 1º.7.2019, surgiu um leading case acerca da matéria. A nova posição do TSE é esta foi fixada no REspe nº 0600227-31, Rel. Min. Edson Fachin, DJe de 1º.7.2019, in verbis:

RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. ATOS DE PRÉ-CAMPANHA. DIVULGAÇÃO DE MENSAGEM DE APOIO A CANDIDATO. AUSÊNCIA DE PEDIDO EXPLÍCITO DE VOTO. UTILIZAÇÃO DE OUTDOORS. MEIO INIDÔNEO. INTERPRETAÇÃO LÓGICA DO SISTEMA ELEITORAL. APLICABILIDADE DAS RESTRIÇÕES IMPOSTAS ÀPROPAGANDA ELEITORAL AOS ATOS DE PRÉCAMPANHA. CIRCUNSTÂNCIAS FÁTICAS QUE APONTAM PARA A CIÊNCIA DO CANDIDATO SOBRE AS PROPAGANDAS. RECURSO PROVIDO.

1. A realização de propaganda, quando desacompanhada de pedido explícito e direto de votos, não enseja irregularidade per se.

2. A interpretação do sistema de propaganda eleitoral aponta ser incompatível a realização de atos de pré-campanha que extrapolem os limites de forma e meio impostos aos atos de campanha eleitoral, sob pena de se permitir desequilíbrio entre os competidores em razão do início precoce da campanha ou em virtude de majorada exposição em razão do uso desmedido de meios de comunicação vedados no período crítico.

3. A despeito da licitude da exaltação de qualidades próprias para o exercício de mandato ou a divulgação de plataformas de campanha ou planos de governo, resta caracterizado o ilícito eleitoral quando o veículo de manifestação se dá pela utilização de formas proscritas durante o período oficial de propaganda.

4. As circunstâncias fáticas, do caso ora examinado, de maciço uso de outdoors em diversos Municípios e de expressa menção ao nome do candidato permitem concluir a sua ciência dos atos de pré-campanha, conforme exigência do art. 36, § 3º, da Lei das Eleições.

5. A realização de atos de pré-campanha por meio de outdoors importa em ofensa ao art. 39, § 8º, da Lei nº 9.504/97 e desafia a imposição da multa, independentemente da existência de pedido explícito de voto. 6. Recurso especial eleitoral provido. (REspe nº 0600227-31, Rel. Min. Edson Fachin, DJe de 1º.7.2019 –grifei).

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Com a interposição de embargos de declaração, o TSE decidiu que:

“Consta expressamente do voto vencedor que a fundamentação da alteração jurisprudencial não é abrupta. O tema já havia sido analisado profundamente pelo Tribunal Superior Eleitoral no julgamento do AgR-AI nº 9-24/SP, julgado em 26/06/2018 e referido no acórdão. Na ocasião, restou assentado que os atos de pré-campanha não poderiam utilizar de formas proscritas pela legislação, como veiculação de outdoors ou distribuição de brindes. (EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ESPECIAL ELEITORAL Nº 0600227-31.2018.6.17.0000 –RECIFE –PERNAMBUCO. Relator: Ministro Edson Fachin)”.

No dia 1º de agosto de 2019, o TSE voltou a apreciar o tema e reiterou o entendimento anterior ao decidir:

TSE: AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 0600037-63.2018.6.10.0000 – MARANHÃO. Brasília, 1º de agosto de 2019. Ministro Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, in verbis:

Tal como destaquei na decisão liminar (id 14090), o uso da ferramenta outdoor, considerando a sua vedação expressa na lei eleitoral como meio publicitário de campanha (art. 39, § 8º, Lei 9.504/97)– sendo vedado inclusive em caráter intrapartidário (art. 36, § 1º) – acarretou no claro e insofismável epílogo de inviabilidade do seu uso também durante o chamado período de “pré-campanha eleitoral”.

Ora, como decorrência da proporcionalidade, “quem pode o mais, pode o menos, mas quem só pode o menos, não pode o mais” (a minori, ad maius). Desse modo, permitir-se o uso da reputada ferramenta em período no qual – pelo menos do ponto de vista legal (art. 36, Lei 9.504/97) – não é permitida propaganda eleitoral, redundaria no contrassenso de possibilitar-se a utilização, em período de publicidade restrita, de instrumentos não permitidos nem mesmo no período de ampla campanha, desde que apenas não conste pedido expresso de voto.

Como já destaquei em diversas outras decisões, na aplicação da Lei o juiz deve estar atento aos seus fins sociais e às exigências do bem comum (art. 5º da LINDB). Não é ser crível, portanto, que fiquemos atentos tão somente a uma fórmula ritual de análise dos atos de “pré-campanha”, entendendo como regulares toda e qualquer forma de abordagem pública realizada por potenciais candidatos e partidos, desde não conste o anátema “vote (m) em mim” ou expressão equivalente.

Na linha da jurisprudência deste Tribunal Superior, situação dos autos, configura ilícito eleitoral a veiculação de atos de pré-campanha em meios proibidos para atos de campanha eleitoral, independentemente da existência de pedido explícito de voto no material publicitário.


Notas

[1] Parte integrante do livro de BARROS, Francisco Dirceu. Manual de prática eleitoral. 3. ed., Leme: JH Mizuno, 2018.

[2] No mesmo sentido: BARROS, Francisco Dirceu. Direito eleitoral. 14. ed. São Paulo: Método, 2018.

[3] No mesmo sentido: BARROS, Francisco Dirceu. Direito eleitoral. 14. ed. São Paulo: Método, 2018.

[4]  Fonte de pesquisa: BARROS, Francisco Dirceu. Manual de prática eleitoral. 3. ed. Leme: JH Mizuno, 2018.

[5]  No artigo Breve introdução às regras científicas da hermenêutica.

[6]  Dantas, San Tiago. Programa de direito civil. Rio de Janeiro: Editora Rio, 1979. v.I. p.139.

[7] BARROS, Francisco Dirceu. Manual de prática eleitoral. 3. ed. Leme: JH Mizuno, 2018.

[8] No mesmo sentido: GOMES, José Jairo. Direito eleitoral. 13. ed. São Paulo: Atlas, 2016.

[9] No mesmo sentido: GOMES, José Jairo. Direito eleitoral. 13. ed. São Paulo: Atlas, 2016.

[1] GHIZZO NETO, Affonso. Inelegibilidade e Abuso do Poder. Atuação, Florianópolis, ano 1, 4. Ed. P.63-64, Set. 2000, p. 64.

[2] No mesmo sentido: Eduardo Fortunato. O polimorfismo do abuso de poder no processo eleitoral: o mito de Proteu. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, n. 230, p.113-139, Out/Dez. 2002, p. 119.

  1. (OSORIO, Aline. Direito Eleitoral e Liberdade de Expressão. Belo Horizonte: Fórum, 2016, p. 127-128 - prelo).

[4] No mesmo sentido: GOMES, José Jairo. Direito eleitoral. 13. ed. São Paulo: Atlas, 2016.

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Sobre o autor
Francisco Dirceu Barros

Procurador Geral de Justiça do Estado de Pernambuco, Promotor de Justiça Criminal e Eleitoral durante 18 anos, Mestre em Direito, Especialista em Direito Penal e Processo Penal, ex-Professor universitário, Professor da EJE (Escola Judiciária Eleitoral) no curso de pós-graduação em Direito Eleitoral, Professor de dois cursos de pós-graduação em Direito Penal e Processo Penal, com vasta experiência em cursos preparatórios aos concursos do Ministério Público e Magistratura, lecionando as disciplinas de Direito Eleitoral, Direito Penal, Processo Penal, Legislação Especial e Direito Constitucional. Ex-comentarista da Rádio Justiça – STF, Colunista da Revista Prática Consulex, seção “Casos Práticos”. Colunista do Bloq AD (Atualidades do Direito). Membro do CNPG (Conselho Nacional dos Procuradores Gerais do Ministério Público). Colaborador da Revista Jurídica Jus Navigandi. Colaborador da Revista Jurídica Jus Brasil. Colaborador da Revista Síntese de Penal e Processo Penal. Autor de diversos artigos em revistas especializadas. Escritor com 70 (setenta) livros lançados, entre eles: Direito Eleitoral, 14ª edição, Editora Método. Direito Penal - Parte Geral, prefácio: Fernando da Costa Tourinho Filho. Direito Penal – Parte Especial, prefácios de José Henrique Pierangeli, Rogério Greco e Júlio Fabbrini Mirabete. Direito Penal Interpretado pelo STF/STJ, 2ª Edição, Editora JH Mizuno. Recursos Eleitorais, 2ª Edição, Editora JH Mizuno. Direito Eleitoral Criminal, 1ª Edição, Tomos I e II. Editora Juruá, Manual do Júri-Teoria e Prática, 4ª Edição, Editora JH Mizuno. Manual de Prática Eleitoral, Editora JH Mizuno, Tratado Doutrinário de Direito Penal, Editora JH Mizuno. Participou da coordenação do livro “Acordo de Não Persecução Penal”, editora Juspodivm.

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