Capa da publicação Prisão em segunda instância: nulidade da decisão das ADCs 43, 44 e 54
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Da inconstitucionalidade e consequente nulidade da decisão proferida nas ADCs 43, 44 e 54

20/12/2019 às 13:35
Leia nesta página:

Cobra-se aqui uma imediata ação da Procuradoria Geral da República no sentido de buscar a declaração de nulidade da decisão proferida no julgamento das ações declaratórias de constitucionalidade.

Diante da urgência demandada pela revelação que aqui faremos, deixaremos de fazer maiores comentários sobre a maquinação perpetrada no STF para se ver consagrada a tese inconstitucional de que o início do cumprimento da pena privativa de liberdade só deve ter início após o trânsito da sentença condenatória proferida pelo juízo “a quo”,


A MAQUINAÇÃO

Foi o STF consentâneo com a ardilosa tese dos autores das ADCs 43, 44 e 54, que, segundo eles, está fundamentada no quanto estabelecido no art. 283 do Código de Processo Penal, que, por sua vez, está lastreado no quanto dispõe o inciso LVII do art. 5º da Constituição Federal.

Diz o art. 283 do CPP:

“Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva” (grifos nossos).

O inciso constitucional prescreve:

“ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória” (grifo nosso).

De imediato se vê que esta disposição não pode ter gerado o quanto contido no art. 283 do CPP. Nela se cogita da consequência da prisão decorrente de uma sentença transitada em julgado. Já o dispositivo infraconstitucional discrimina os meios pelos quais alguém pode ser levado à prisão. Uma coisa nada tem a ver com a outra.

Não tem, pois, o retro transcrito inciso nada a ver com prisão, mas, sim, com culpa. Temos certeza, o leitor que nos honra imediatamente percebeu. Mas, mesmo assim, vamos tentar deixar mais claro, vamos desenhar para aqueles que porventura ficaram com alguma dúvida. Uma visão parcial do art. 5º da CF:

“... ;

 LVII - ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória;

...;

LXI - ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei; ...”.

Os cardinais romanos interessantes transformados em cardinais arábicos temos: LVII = 57 e LXI = 61. Portanto, o culpado mora no 57 e o preso no 61.

Indagamos: por que “cargas d’água” o legislador constituinte adotaria dois incisos, usando em cada um vocábulos diferentes – culpado e preso -  se pretendia dizer que o trânsito em julgado deve ser levado em conta para que se considere alguém culpado, como também para que seja alguém preso? Pretendesse isso, poderia ter sido mais econômico e num só inciso estabelecer as vedações: Ninguém poderá ser preso ou considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença condenatória. Concordam? Se assim não fez alguma razão teve. 

Claro, pois, é que o inciso LVII do art. 5º da CF não poderia servir de lastro para que o STF declarasse a constitucionalidade do art. 283 do CPP. Não há apelo semântico do qual se possa valer para tornar sinônimos os vocábulos preso e culpado.

Com a ação declaratória de constitucionalidade busca-se a certeza, a declaração inquestionável da conformidade da lei,do ato normativo ou uma de suas disposições com a Constituição; não se permite a mínima dubiedade; a luva deve caber na mão, sem necessidade de ajustes.

Para a obtenção da prestação jurisdicional requerida, dever-se-ia invocar o quanto preceituado no inciso LXI do art. 5º da CF, que está assim redigido:

ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e  fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei; (grifos nossos).

Mas a intenção foi fraudar mesmo, de forma a deixar para a opinião pública a impressão de que a vindicação e o deferimento da declaração obedeceram os comandos legais e que o imoral entendimento consagrado no julgamento traduz-se em império de justiça, pelo que se justifica a soltura de corruptos presos e a vedação da prisão daqueles que estão na iminência de serem presos.


CUMPRIMENTO DA PENA ANTES DO TRÂNSITO EM JULGADO

A empatia que provocam os corruptores e corruptos em alguns Ministros-Juízes do STF é tanta que eles esquecem de si. Diz o art. 102 da Constituição da República Federativa do Brasil:

Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:

I - processar e julgar, originariamente:

...;                   

b) nas infrações penais comuns, o Presidente da República, o Vice-Presidente, os membros do Congresso Nacional, seus próprios Ministros e o Procurador-Geral da República;

c) nas infrações penais comuns e nos crimes de responsabilidade, os Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, ressalvado o disposto no art. 52, I, os membros dos Tribunais Superiores, os do Tribunal de Contas da União e os chefes de missão diplomática de caráter permanente; (grifos nossos).

À vista do quanto acima transcrito, se, por absurda hipótese, o Ministro Gilmar Mendes ou o Ministro Marco Aurélio Mello – aliás, não sejamos injustos, ou qualquer outro membro do STF que comungue com suas opiniões a respeito da prisão após o trânsito em julgado – vier a se envolver com corrupção e, também por absurda hipótese, vier a ser condenado ao cumprimento de pena privativa de liberdade, em sessão de julgamento que se fizer presente, por absurda hipótese também, sairá do tribunal direto para o xilindró, preso, já que a Constituição reservou ao magistrado que tem assento no Supremo Tribunal Federal o privilégio de ser originalmente julgado por ele próprio, STF, que é a última instância jurisdicional contemplada em nosso ordenamento jurídico – portanto, no STF o processo começa e no STF o processo termina. Condenado pelo STF o Ministro-Juiz por cometimento de crime comum não há que se falar em respeito à presunção de inocência, em aguardar o trânsito em julgado da decisão, pois neste plano não terá a quem recorrer, pois, repetimos, o STF é a última instância, o ponto final. Razão disso: o convencimento de sua culpa foi formado por um conjunto de avaliações, por um órgão colegiado. Assim, preso, restar-lhe-á apelar para a Justiça Divina, sem chances de lograr êxito, pois a Sua misericórdia não está ao alcance daqueles que, com o sacrifício da vida dos de boa fé, buscam prazeres mundanos, satisfações egoístas.

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 Inverídica, pois, é assertiva de que a legislação brasileira não contempla a prisão antes do trânsito em julgado da sentença condenatória. E não só o art. 102 da CF. Na nossa lei adjetiva penal é fácil sua constatação. Eis algumas:

O art. 387, § 1º:

“O juiz decidirá, fundamentadamente, sobre a manutenção ou, se for o caso, imposição de prisão preventiva ou de outra medida cautelar, sem prejuízo do conhecimento da apelação que vier a ser interposta.(grifos nossos).

O art. 669:

“Só depois de passar em julgado, será exequível a sentença, salvo:

I - quando condenatória, para o efeito de sujeitar o réu a prisão, ainda no caso de crime afiançável, enquanto não for prestada a fiança; ...” (grifo nosso);

O art. 674

“Transitando em julgado a sentença que impuser pena privativa de liberdade, se o réu já estiver preso, ou vier a ser preso, o juiz ordenará a expedição de carta de guia para o cumprimento da pena” (grifos nossos).


PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA

Já que a presunção de inocência foi a cereja do bolo para os advogados dos corruptos e corruptores, vamos aqui dar nossa “pinceladazinha”.. Dizemos: a presunção de inocência só deixa de existir quando o agente condenado é confesso. Fora isso, ela persistirá; nem com a morte do condenado ela desaparecerá. Mas não pode é o Estado ficar fiel avalista do condenado, mantendo-o solto, até que um belo dia ele faça - se fizer, prova de sua inocência. Não é justo que o indivíduo tenha seu direito à liberdade tolhido por decisão de uma pessoa; não é justo que não lhe seja dada uma oportunidade de demonstrar o desacerto da decisão proferida no juízo original. Por isso, é-lhe concedido o benefício da presunção de inocência,  que prevalece até que, em grau de recurso, no juízo “ad quem”, num juízo colegiado, seja afastada essa presunção.  Também não é justo que a sociedade tenha que conviver “sobressaltada” com indivíduos sobre os quais pesem suspeitas de cometimento de delitos. E é  por isso que, não conseguindo o condenado demonstrar sua inocência na segunda oportunidade em que lhe é dada para fazê-lo, a presunção de inocência que até então o favorecia dá lugar à presunção de culpa em favor da sociedade. Esgota-se, pois, a presunção de inocência quando, apreciada a condenação, o órgão colegiado imediatamente superior conclui pelo acerto da decisão proferida pelo juízo originário. Se é assim para as personalidades discriminadas nas letras b e c do art. 102 da CF, por que seria diferente para os demais jurisdicionados?


DA NULIDADE DO JULGADO

Assim, tendo partido o STF de premissas falsas, oferecidas tanto para obter uma declaração de constitucionalidade e para consagrar um entendimento que não encontra agasalho no ordenamento jurídico brasileiro, impõe-se o reconhecimento da maquinação perpetrada e consequentemente a nulidade do julgado, muito especialmente no respeitante à proibição de início do cumprimento da pena privativa de liberdade antes do trânsito em julgado da sentença condenatória.

Cobra-se aqui uma imediata ação da Procuradoria Geral da República, no sentido de buscar a declaração de nulidade da decisão proferida no julgamento das Ações Declaratórias de Constitucionalidade, tombadas no Egrégio STF sob os números 43, 44 e 54, com solicitação de providência liminar revogando todos os mandados de soltura de presos libertados por ordem consubstanciada na equivocada decisão do STF e determinando o recolhimento dessas pessoas aos estabelecimentos em que se encontravam custodiados.

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Sobre o autor
Ubiratan Pires Ramos

Auditor-fiscal do Trabalho, aposentado. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RAMOS, Ubiratan Pires. Da inconstitucionalidade e consequente nulidade da decisão proferida nas ADCs 43, 44 e 54. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 6015, 20 dez. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/77766. Acesso em: 2 nov. 2024.

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