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Lula e a Lei de Segurança Nacional

18/11/2019 às 12:35
Leia nesta página:

O espírito da segurança nacional deve estar a serviço da democracia, e não ser mero instrumento de perseguição política a adversários do status quo. Pena que nem todos pensam assim.

Fala-se que o atual presidente da República lembrou do uso da Lei de Segurança Nacional após as manifestações do ex-presidente Lula, após a saída da reclusão em que estava por força de cumprimento de pena por crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro.

Está aí para ser usada”, disse Bolsonaro ao site O Antagonista. “Alguns acham que os pronunciamentos, as falas desse elemento, que por ora está solto, infringem a lei”.

O presidente sugeriu também que as ações de Lula deveriam ser vistas como parte de um esforço da esquerda para retomar o poder na América Latina, ao lado dos protestos contra o governo no Chile e da volta dos peronistas na Argentina. 

A Lei de Segurança Nacional define penas para 21 crimes, incluindo incitação à subversão da ordem política, emprego de violência contra o regime democrático e ofensas à reputação do presidente e de outras autoridades. 

O atual presidente da República sempre que pode usa de seu espírito autoritário de ver a sociedade brasileira.

Por diversas vezes, ele fez fortes elogios ao período ditatorial porque o Brasil passou, dentro do chamado regime militar. Elogiou a tortura e seus próceres.

A Lei de Segurança Nacional, editada ao fim do regime militar, e não revista durante o ciclo democrático, não constitui o instrumento adequado para um governante lidar com seus adversários em tempos de paz, com instituições democráticas em pleno funcionamento.

A Lei 7.170/83, mais conhecida como Lei de Segurança Nacional, foi promulgada pelo regime militar em 1983, com a justificativa de definir crimes contra a segurança nacional e a ordem política e social. Portanto, um texto legal criado num regime de exceção, com o objetivo maior de proteger a ditadura que se instalou no país. Porém, essa norma não foi revogada e ainda se encontra em pleno vigor. Analisando seu conteúdo à luz de um Estado democrático de Direito, constitui-se certamente um entulho autoritário que permanece até nossos dias, embora, ao que parece, vinha sendo um tanto esquecida.

É certo que a Lei de Segurança Nacional é plena de enunciados vazios, abertos, que podem levar à sua não efetividade.

A característica mais saliente e significativa da Lei de Segurança Nacional é a do abandono da doutrina da segurança nacional.

O art. 1.º da lei esclarece: "Esta lei prevê os crimes que lesam ou expõem a perigo de lesão: I - a integridade territorial e a soberania nacional; II - o regime representativo e democrático, a Federação e o Estado de Direito; III - a pessoa dos chefes dos Poderes da União." Criticando o projeto de que resultou o texto definitivo da lei, em parecer aprovado pelo Instituto dos Advogados Brasileiros, Heleno Fragoso sugeriu que esse art. 1.° tivesse a seguinte redação: "Esta lei prevê crimes que lesam ou expõem a perigo: I - a existência, a integridade, a unidade e a independência do Estado; II – a ordem política e social, o regime democrático e o Estado de Direito". Desta forma se teria melhor especificado a objetividade jurídica desses crimes, indicando, com maior precisão, o âmbito da segurança externa e, com mais propriedade, os bens que importa preservar, no âmbito da segurança interna.

O art. 2.° da lei estabelece que devem levar-se em conta, na aplicação da lei, a motivação e os objetivos do agente e a lesão, real ou potencial, aos bens jurídicos anteriormente mencionados, sempre que o fato esteja também previsto em outras leis penais. Isso significa que nos crimes políticos próprios (em que a ação, por sua natureza, se dirige a atentar contra a segurança do Estado), o fim de agir (motivação política) é elementar ao dolo. Nos crimes políticos impróprios (crimes comuns cometidos com propósito político) a aplicação desta lei depende de indagação sobre os motivos (que devem ser políticos)e os objetivos (que devem ser subversivos).E depende também da existência de lesão, real ou potencial, aos bens jurídicos que a lei tutela.

Não se pode usar a Lei de Segurança Nacional para travar a chamada liberdade de pensamento e de expressão.

Pimenta Bueno exprimiu, com máxima propriedade, lição centenária no sentido de que ¨liberdade de pensamento em si mesmo, enquanto o homem não manifesta exteriormente, enquanto não comunica, está fora de todo o poder social, até então é do domínio somente do próprio homem, de sua inteligência e de Deus.¨

Essa liberdade de expressão de pensamento assume diversas e múltiplas formas, por força da óbvia razão de que são muitos os planos em que o pensamento se exercita como ainda são diversos os meios que existem para a comunicação, como se vê dos estudos recentes que nos levam à complexidade da lingüística e da semiótica.

É mister lembrar que a lei, como ensinou Heleno Fragoso, restringiu o conceito de segurança nacional, de acordo com a tendência mais liberal e democrática. Segurança Nacional é o que se refere à nação como um todo, e diz respeito à própria existência do Estado e à sua independência e soberania. Trata-se de segurança nacional, ou seja, da nação. Ela não se confunde com a segurança do governo ou da ordem política e social, que é coisa bem diversa. Esse conceito de segurança nacional é o que prevalece no direito internacional. Quando o Pacto de Direitos Civis e Políticos permite a derrogação da garantia de direitos humanos, por motivos de segurança nacional (arts. 12 a 14, 19, 21 e 22), essa expressão significa apenas a garantia de bens relativos a toda a nação, com exclusão de atentados ao governo. Nesse sentido são os chamados "Princípios de Siracusa", aprovados em reunião de peritos convocada pela Comissão Internacional de Juristas e pela Associação Internacional de Direito Penal, celebrada na cidade de Siracusa, na Itália, em abril/maio de 1984, para o estudo das derrogações e limitações previstas pelo Pacto de Direitos Civis e Políticos.

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A referência à proteção dos chefes dos Poderes é imprópria. Ela já está compreendida na tutela jurídica da ordem política vigente e sempre se entendeu que os atentados aos governantes (quando praticados por motivos políticos) atingem a segurança interna. O que esta lei visa proteger não é a pessoa dos chefes dos Poderes da União, mas sim a segurança do Estado. A pessoa de tais chefes é protegida por outras leis penais. O que aqui se contempla é a ofensa aos interesses da segurança interna, através do atentado ou da ofensa realizados com propósito político-subversivo. Isso significa que a pessoa dos chefes dos Poderes, no âmbito de uma lei dessa natureza, é protegida de forma secundária ou reflexa.

O art. 2.° da lei estabelece que devem levar-se em conta, na aplicação da lei, a motivação e os objetivos do agente e a lesão, real ou potencial, aos bens jurídicos anteriormente mencionados, sempre que o fato esteja também previsto em outras leis penais. Isso significa que nos crimes políticos próprios (em que a ação, por sua natureza, se dirige a atentar contra a segurança do Estado), o fim de agir (motivação política) é elementar ao dolo. Nos crimes políticos impróprios (crimes comuns cometidos com propósito político) a aplicação desta lei depende de indagação sobre os motivos (que devem ser políticos)e os objetivos (que devem ser subversivos). E depende também da existência de lesão, real ou potencial, aos bens jurídicos que a lei tutela.

Por outro lado, como ainda ensinou Heleno Fragoso (A nova Lei de Segurança Nacional), “os crimes de manifestação do pensamento constituem o ponto nevrálgico de uma lei desse tipo. Pode-se dizer, sem medo de errar, que a quase totalidade dos processos movidos com base na lei de segurança, depois da revogação do Ato Institucional n.º 5, refere-se a crimes de manifestação do pensamento. A nova lei apresenta sobre a anterior, nesta matéria, sensíveis modificações. Abandona-se o texto simplesmente lamentável que vinha em vigor, em favor de uma fórmula que faz sentido, se se considera a finalidade da lei. Perigosa é apenas a incriminação da propaganda (e da incitação) de luta pela violência entre as classes sociais. Essa disposição serviu indebitamente para a inclusão na lei de segurança de conflitos de terras, como a experiência demonstrou. É verdade que agora o crime depende, sem a menor dúvida, de motivação política ou de propósito político-subversivo e de lesão, real ou potencial, aos interesses da segurança do Estado.”

Essas lições hauridas de Heleno Fragoso, um dos maiores penalistas brasileiros, e célebre na luta pelas liberdades individuais, durante a ditadura militar, são exemplares com relação àquela Lei de Segurança Nacional.

Essas palavras foram vistas nas lições de Heleno Fragoso, Advocacia da Liberdade, e ainda em sua tese para professor da Universidade do Rio de Janeiro.

Deve ser visto o espírito da segurança nacional como ente a serviço da democracia e não mero instrumento de perseguição política a adversários do status quo.  

Do que foi dito, o ex-presidente Lula, à saída da prisão, utilizou-se da expressão democrática da liberdade de expressão, algo que se insere no cerne do espírito democrático.

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Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROMANO, Rogério Tadeu. Lula e a Lei de Segurança Nacional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5983, 18 nov. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/77893. Acesso em: 22 dez. 2024.

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