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Considerações sobre o desvio de poder nas alterações dos contratos administrativos

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Em que hipóteses e condições podem os contratos administrativos ser alterados? Quais as conseqüências do desvio desse poder discricionário concedido à Administração de forma exclusiva?

1. INTRODUÇÃO

          Em que hipóteses e condições podem os contratos administrativos ser alterados? Quais as conseqüências do desvio desse poder discricionário concedido à Administração de forma exclusiva?

          Essas e outras questões foram objeto de estudo para a elaboração deste Trabalho de Graduação. Com efeito, as alterações dos contratos administrativos constituem um tema, para nós, bastante atraente. Tendo nossa curiosidade suscitada a partir de experiências profissionais pessoais, fomos, desde o início, levados a pensar em desenvolver um tema relacionado ao Direito Administrativo e à prática das relações contratuais.

          Tendo em vista o interesse público inerente aos contratos administrativos e a freqüência com que as alterações contratuais são praticadas, resolvemos nos inclinar mais aprofundadamente na matéria, a fim de investigar o fundo do Direito aplicável à questão. As constantes denúncias de irregularidades praticadas na administração pública constituíram um incentivo à descoberta e à pesquisa científica ora apresentada.

          Assim, resolvemos apresentar nosso trabalho em três partes principais, além da presente introdução e da conclusão: uma primeira, onde abordamos algumas generalidades, como os princípios aplicáveis aos contratos administrativos, assim como breves considerações a respeito da discricionariedade e da vinculação e uma introdução aos contratos administrativos. Em seguida, uma segunda parte, onde focalizamos especificamente o objeto de nosso trabalho: as alterações contratuais. Finalmente, uma terceira parte, onde estudamos a incidência do desvio de poder ou de finalidade no trato das alterações contratuais.

          Essa nossa divisão se justifica pelo fato de ser necessária, antes da apresentação do tema proposto propriamente dito, uma visão do contexto onde se inserem as alterações contratuais. Daí porque apresentamos uma revisão dos princípios de direito administrativo aplicáveis aos contratos e uma recordação sintética da teoria dos contratos administrativos.

          A segunda parte constitui o centro de gravidade de nosso estudo. É em torno dela que baseamos nossos interesses. Procuramos distinguir as modalidades e hipóteses de alteração contratual, sem esquecer de mencionar a evolução legislativa a respeito.

          Finalmente, a terceira parte, Do Desvio de Poder, constitui um dos principais motivos pelos quais nossa atenção foi chamada para o tema das alterações contratuais. Com efeito, foi observando os desvios praticados pela Administração, em alguns casos, que tivemos o desejo de aprofundar nossos conhecimentos teóricos sobre o tema em questão. Nosso objetivo não foi outro senão o de melhor identificar o desvio e verificar suas causas e conseqüências para as alterações contratuais.

          O Direito é algo que evolui constantemente. Daí a necessidade de o jurista se atualizar permanentemente. Evidentemente, pois, as soluções encontradas não são exaustivas, nem perfeitas e acabadas. O resultado apresentado constitui, um esforço de nossa parte para a construção de um Direito das Alterações dos Contratos Administrativos mais equânime com a realidade e com as aspirações sociais.


2. GENERALIDADES

          2.1. Princípios do Direito Administrativo Aplicáveis aos Contratos Administrativos

          De forma geral, a Lei Magna, em seu artigo 37, estabelece os princípios que norteiam os atos da Administração:

          "A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte..."

(Grifo nosso).

          A doutrina é unânime [01] ao ressaltar que, embora o artigo 37 da Constituição Federal tenha feito alusão a apenas cinco princípios: da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade e da eficiência, há vários outros princípios que merecem atenção. [02]

          Com efeito, o Direito Administrativo rege-se essencialmente pelos seus princípios. Não há um "Código Administrativo". Da lição de Hely temos:

          "(...)por esses padrões é que deverão se pautar todos os atos e atividades administrativas de todo aquele que exerce o poder público. Constituem, por assim dizer, os fundamentos da ação administrativa, ou, por outras palavras, os sustentáculos da atividade pública. Relegá-los é desvirtuar a gestão dos negócios públicos e olvidar o que há de mais elementar para a boa guarda e zelo dos interesses sociais." [03]

          Uma vez que a Licitação e os Contratos Administrativos constituem atos regidos pelo Direito Administrativo, submetem-se logicamente aos princípios do Direito Administrativo. Porém há também princípios próprios que devem ser observados nesse campo do Direito Administrativo.

          A própria Lei de Licitações e Contratos – 8.666/93 em seu artigo 3º, identifica estes princípios:

          "A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia e a selecionar a proposta mais vantajosa para a Administração e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos."

(Grifo nosso).

          Sem nos distanciar dos demais princípios do Direito Administrativo e da Lei das Licitações e Contratos, nos interessam mais de perto, para o desenvolvimento deste trabalho, os princípios da legalidade, da moralidade e da finalidade.

          2.1.1. Princípio da Legalidade

          Princípio da legalidade é preceito constitucional. [04] É essencial ao Estado de Direito. Enquanto o particular pode fazer tudo o que a lei não proíbe, o administrador público está completamente submetido à lei. "O Princípio da Legalidade, no Brasil, significa que a Administração nada pode fazer senão o que a Lei determina". [05]

          Assim observa Hely Lopes Meirelles:

          "A Legalidade, como princípio de administração, significa que o administrador público está, em toda a sua atividade funcional, sujeito aos mandamentos da lei e às exigências do bem comum, e deles não se pode afastar ou desviar, sob pena de praticar ato inválido e expor-se à responsabilidade disciplinar, civil e criminal, conforme o caso". [06]

          Conclui-se que o princípio da legalidade impõe que a administração atue nos estritos termos da lei, não concebendo outra forma de ação senão aquela que, na sua totalidade, se traduza na concretização da vontade legal.

          2.1.2. Princípio da Moralidade

          O princípio da moralidade significa que "...a Administração e seus agentes têm de atuar na conformidade dos princípios éticos". [07]

          Na obra de Lúcia Valle Figueiredo, encontramos a lição de Hariou que, referindo-se à moralidade administrativa, nos ensina que:

          "(...) sua existência provém de tudo que, possuindo uma conduta, pratica, forçosamente, a distinção do bem e do mal. Como a Administração tem uma conduta, ela pratica esta distinção ao mesmo tempo que aquela do justo e injusto, do lícito e do ilícito, do honorável e do desonorável, do conveniente e do inconveniente. A moralidade administrativa é freqüentemente mais exigente que a legalidade. Veremos que a instituição do excesso do poder, graças à qual são anulados muitos atos da Administração, é fundada tanto na noção de moralidade administrativa quanto na legalidade, de tal sorte que a Administração é ligada, em certa medida, pela moral jurídica, particularmente no que concerne ao desvio de poder". [08]

          Também encontramos a lição de Hariou na obra de Hely Lopes Meirelles: "A moral comum, é imposta ao homem para sua conduta externa; a moral administrativa é imposta ao agente público para sua conduta interna, segundo as exigências da instituição a que serve e a finalidade de sua ação: o bem comum". [09]

          Lúcia Valle Figueiredo, no seu livro nos traz a lição de Welter:

          "A moralidade administrativa, que nos propomos estudar, não se confunde com a moralidade comum; ela é composta de regras de boa administração, ou seja: pelo conjunto de regras finais e disciplinares suscitadas, não só pela distinção entre o bem e o mal; mas também pela idéia geral de administração e pela idéia de função administrativa

". [10]

          O Princípio da Moralidade administrativa obriga o administrador público a observar não apenas a lei que condiciona sua atuação, mas também outras regras éticas, extraídas do sistema normativo. Acha-se protegido no artigo 5º, LXXIII, que prevê o cabimento de ação popular para anulação de "... ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente...." [11]

          Tem-se que a moralidade do ato administrativo juntamente com sua legalidade e finalidade, além da sua adequação aos demais princípios, constituem pressupostos de validade sem os quais toda atividade pública será ilegítima.

          2.1.3. Princípio da Finalidade

          O princípio da finalidade é inseparável do princípio da legalidade, pois corresponde à aplicação da lei com o objetivo em vista do qual foi editada. Por isso pode-se dizer que tomar uma lei como suporte para a prática de ato desconforme com sua finalidade não é aplicar a lei, e sim, desvirtuá-la. Isso chama-se desvio de poder ou desvio de finalidade. [12] Os atos praticados com esta mácula são nulos. [13]

          Dentre os doutrinadores, há unanimidade quanto à definição do princípio da finalidade como sendo o princípio que impõe à Administração a prática de atos, visando sempre o interesse público. [14]

          Ensina Diógenes Gasparini que o princípio da finalidade determina que o interesse público seja o objetivo a ser perseguido por todos os atos da administração. Portanto não pode a Administração preocupar-se com o atendimento de interesses privados, o que o Professor Gasparini chama de "desvio genérico". O "desvio específico" ocorre quando se utiliza um instrumental jurídico com o fim específico, para se atingir outro fim diverso daquele. Exemplifica o doutrinador: utiliza-se da emissão de Carteira de Identidade, que existe para dar segurança, objetivando outro fim, qual seja, o aumento de arrecadação. O ato manchado pelo desvio de poder é nulo. [15]

          Já a lição de Hely apresenta o princípio da finalidade como sinônimo do princípio da impessoalidade. Para o doutrinador,

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          "(...) o princípio da finalidade impõe ao administrador público que só pratique o ato para seu fim legal. E o fim legal é unicamente aquele que a norma de Direito indica expressa ou virtualmente como objetivo do ato, de forma impessoal". [16]

          O administrador, ao praticar um ato administrativo, pelo princípio da finalidade, está obrigado a sempre perseguir o interesse público.

          Assim, podemos concluir que os princípios do direito administrativo não podem ser considerados de forma estanque. Na verdade eles se permeiam. Portanto o ato administrativo deverá atender a todos estes princípios. Não basta que o ato seja legal. Se o administrador, acobertado pelo princípio da legalidade, praticar um ato não observando a moralidade, dentre outros princípios, esse ato estará viciado.

          2.2. Vinculação e Discricionariedade

          Embora o ato administrativo [17] seja regrado pelos princípios da legalidade, moralidade e finalidade, entre outros, seria absolutamente impossível que a legalidade viesse disciplinar toda a ação administrativa. Se isso ocorresse, tiraríamos do administrador público toda a capacidade de iniciativa, toda a motivação e criatividade.

          E ele, que está na atuação, poderia se sentir sem estímulo uma vez que todas as suas ações já estariam ditadas pela norma. Por isso, e pela aplicação das alterações dos contratos administrativos, se faz imperiosa uma breve apresentação do que seja discricionariedade e vinculação, no âmbito dos atos administrativos.

          Quando se trata de ato administrativo vinculado, a lei prescreve detalhadamente quando e como a Administração deve agir, sem qualquer margem de subjetividade. O administrador fica vinculado à lei. Nesses termos, o ato pode vir a ser revisto pelo judiciário, se estiver em desconformidade com ela.

          Já no ato administrativo discricionário, a lei confere ao administrador público certa margem de liberdade para decidir sobre o melhor meio a ser utilizado a fim de satisfazer o interesse público. Aqui, há margem para uma avaliação subjetiva, pelo administrador público, de como atingir o bem comum. [18]

          O fundamento da discricionariedade administrativa encontra-se no fato de que a lei não tem como prever todas as possibilidades que ocorrem na vida real e que reclamam providências do administrador público. Assim, a lei permite uma liberdade de decisão para que o bem comum seja atingido. [19]

          De todo o exposto, pode-se concluir que a lei confere ao administrador público certa liberdade para decidir sobre alguns assuntos, diante do caso concreto, porém sempre objetivando o interesse público e respeitando os limites dela.

          2.3. Dos Contratos Administrativos

          A utilização dos contratos [20] administrativos é relativamente recente. Ainda no início do século XX, quando a Administração Pública contratava com o particular, sujeitava-se ao regime de direito privado, colocando-se na mesma posição do contratado, isso devido às fortes concepções privativistas do século XIX. [21] Portanto a Administração não podia efetuar alteração unilateral do contrato, ainda que por clamor do interesse público. [22]

          Um pouco de história pode ser útil para a compreensão de como surgiu a teoria da alteração unilateral do contrato administrativo. Nesse passo, a história dos contratos administrativos nos revela que, no início do século XX, era usual as cidades possuírem iluminação a gás. Todavia, nessa época, a eletricidade já despontava como nova tecnologia, mostrando as suas vantagens.

          Na França, a Prefeitura de Bordeaux pretendia alterar o contrato com a concessionária do Serviço de Iluminação Pública da cidade. Esta alteração consistia na substituição da iluminação a gás pela iluminação elétrica. O contrato fora pactuado sob o regime de direito privado. Assim, qualquer alteração deveria ser consensual.

          Porém havia interesse da Prefeitura de Bordeaux em implantar a tecnologia da eletricidade para a iluminação pública. De outra parte, havia a resistência da concessionária em substituir o gás pela eletricidade. A lide, que ficou conhecida como "querela do gás e da eletricidade", foi julgada pelo Conselho de Estado Francês, em 1902. No acórdão, ficou estabelecida a possibilidade de as cláusulas contratuais serem alteradas unilateralmente pelo Poder Público. Naquela oportunidade, nascia um contrato diferenciado daquele do direito privado, onde as cláusulas exorbitantes são a regra, vindo a ser chamado de "contrato administrativo". [23]

          No Brasil, o Decreto nº 4536 de 28/01/1922 que organizou o Código de Contabilidade Pública da União de 1922, [24] em seu art. 76, já dizia que:

          "(...) os contratos administrativos regulam-se pelos mesmos princípios gerais que regem os contratos de direito comum, no que concerne ao acordo das vontades e ao objeto, observadas, porém, quanto à sua estipulação, a aprovação e execução das normas prescritas no presente capítulo".

          Posteriormente, o Decreto-Lei 200, de 25/02/1967, hoje revogado, no Título XII, tratou das normas relativas a licitações para compras, obras, serviços e alienações. Foi omisso. Nos artigos de 125 a 144, desse título, encontrava-se a palavra contrato. Todavia não houve, por parte do legislador, preocupação em conceituá-lo.

          Foi com o advento do Decreto-Lei 2300/86 que o contrato administrativo veio assim disciplinado, em seu art. 44: "Os contratos administrativos de que trata este Decreto-lei regulam-se pelas suas cláusulas e pelos preceitos de direito público, aplicando-se-lhes, supletivamente disposições de direito privado".

          Para Alice Gonzáles Borges, [25] o Decreto–Lei 2300/86 inovou ao apresentar normas gerais,

          "(...) sobretudo, aquelas que dizem respeito ao regime especial dos contratos administrativos. Essa é, a nosso ver, a mais importante contribuição do Decreto-Lei 2300/86, trazida para o direito positivo brasileiro, até então praticamente omisso na matéria".

          A Constituição Federal, promulgada em 1988, foi a primeira a fazer referência ao contrato administrativo, como contrato diferenciado dos do direito privado. [26] Assim temos no inciso XXI de seu artigo 37, in verbis:

          "(...)-ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações."

          A Carta Magna também reservou exclusividade ao legislador federal para legislar sobre normas gerais de licitações e contratos, conforme inciso XXVII do art. 22.

          Por sua vez, a Lei nº 8666/93, que rege atualmente a matéria, no parágrafo único de seu artigo segundo, define o contrato administrativo como sendo:

          "(...) todo e qualquer ajuste [27] entre órgãos ou entidades da Administração Pública e particulares, em que haja um acordo de vontade para a formação de vínculo e a estipulação de obrigações recíprocas, seja qual for a denominação utilizada." [28]

          A doutrina de Hely Lopes Meirelles ensina que:

          "...contrato administrativo é o ajuste que a Administração Pública, agindo nessa qualidade, firma com o particular ou com outra entidade administrativa, para a consecução de objetivos de interesse público, nas condições desejadas pela própria Administração."

[29]

          Já para Maria Silvia Zanella Di Pietro "contrato administrativo é o ajuste que a Administração, nessa qualidade, celebra com pessoas físicas ou jurídicas, públicas ou privadas, para a consecução de fins públicos, segundo regime jurídico de direito público". [30]

          No ensinamento de Celso Antônio Bandeira de Mello, encontramos o conceito de contrato administrativo da seguinte forma:

          "(...) é um tipo de avença travada entre a Administração e terceiros na qual, por força de lei, de cláusulas pactuadas ou do tipo de objeto, a permanência do vínculo e as condições preestabelecidas assujeitam-se a cambiáveis imposições de interesse público, ressalvados os interesses patrimoniais do contratante privado."

[31]

          Para J. Cretella Júnior, contrato administrativo é "todo acordo oposto de vontades de que participa a Administração e que, tendo por objetivo direto a satisfação de interesses públicos, está submetido a regime jurídico de Direito Público, exorbitante e derrogatório do direito comum." [32]

          Finalmente, no entendimento de Marçal Justen Filho, "a parte final do parágrafo único da lei 8666/93 possui um vício insuperável". Ao utilizar a expressão "... estipulação de obrigações recíprocas...", o legislador não foi feliz, pois confundiu o modo de formação do negócio jurídico com sua eficácia. Para haver um contrato, é indispensável existir a vontade de duas partes. [33]

          Os conceitos acima expostos e o art. 54 da Lei 8666 deixam claro que os contratos administrativos possuem características próprias que os distinguem dos demais. Todavia os princípios da teoria geral dos contratos aplicam-se supletivamente. [34] Assim temos: [35] em primeiro lugar, que a Administração Pública figura como contratante; em segundo lugar, como conseqüência do princípio da preponderância do interesse público sobre o particular, que a Administração Pública sempre está em condição de supremacia, impondo as condições do contrato e podendo até alterá-lo unilateralmente. Isso porque, nos contratos administrativos, as cláusulas exorbitantes ou extravagantes são a regra (art. 58 da Lei 8666).

          Em seguida, há a necessidade de instrumento convocatório, o edital, para a licitação, procedimento este que antecede o contrato. A dispensa ou inexigibilidade de licitação são exceções.

          Finalmente, temos que o contrato administrativo é formal. Excepcionalmente, porém, admite-se a oralidade para contratos de pequeno valor (art. 60, parágrafo único da Lei 8666).

          Há, ainda, relevante questão a ser considerada: Para J. Cretella Júnior [36]e Themístocles Cavalcanti, [37] na teoria do contrato administrativo, está a fronteira mais indefinida entre o Direito Privado e o Direito Público. Essa situação fronteiriça dificulta e cria divergências doutrinárias em saber se todo contrato firmado com a Administração é contrato administrativo. [38] Há autores que não enfrentam esse problema nas obras pesquisadas, [39] mas, segundo Maria Sylvia Zanella Di Pietro, [40] há pelo menos três correntes:

          1."(...) a que nega a existência de contrato administrativo." Segundo esta corrente, o contrato administrativo não observa princípios tais como o da igualdade das partes (uma vez que a Administração Pública está sempre em condição de superioridade), o da autonomia da vontade (só cabe ao particular concordar com as condições propostas, e a Administração, por estar vinculada ao princípio da legalidade, submete-se à vontade da lei) e o pacta sunt servanda (a Administração pode alterar unilateralmente o contrato). Nesse sentido, Oswaldo Aranha Bandeira de Mello. [41]

          2."(...) a que, em sentido diametralmente oposto, acha que todos os contratos celebrados pela Administração são contratos administrativos." Nesse sentido, Carlos Ari Sundfeld.

          Em sua obra, Sundfeld ensina que todos os contratos firmados com a Administração estão, a cada instante de seu desenvolvimento, submetidos ao regime do direito administrativo. [42]

          3."(...) a que aceita a existência dos contratos administrativos, como espécie do gênero contrato, com regime jurídico de direito público, derrogatório e exorbitante do direito comum." Nesse sentido, André de Laubadère, [43]Celso Antônio Bandeira de Mello, Hely Lopes Meirelles, Toshio Mukai, Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Odete Medauar, [44] Carlos S. de Barros Júnor, [45] Ivan Barbosa Rigolin, Marco Túlio Bottino [46] e Nelson Schiesari. [47]

          Para Celso Antônio, [48] há que se distinguir duas espécies de contrato de que a Administração participa:

          a) contratos de Direito Privado da Administração: Possuem conteúdo e efeitos regidos unicamente pelo Direito Privado. Como exemplo, temos a compra e venda de um imóvel, o contrato de locação de uma casa para nela instalar uma repartição pública.

          b) contratos administrativos: regem-se pelo Direito Administrativo. Nesse caso, admite-se aplicação supletiva do Direito Privado naquilo que não contrariar os princípios administrativistas. Como exemplo, cita Celso Antônio: "a concessão de serviço público, o contrato de obra pública e a concessão de uso do bem público".

          Ensina ainda Celso Antônio:

          "(...) Uns e outros estão parificados pelo menos quanto às condições e formalidades para estipulação e aprovação, disciplinadas pelo Direito Administrativo, do que, resultam, caso violadas as normas pertinentes, vícios específicos a estas figuras; vale dizer: caracterizados de acordo com os princípios e normas do Direito Administrativo." [49]

          Os chamados, por Celso Antônio Bandeira de Mello, de contrato de Direito Privado da Administração e contrato administrativo equivalem, respectivamente, na lição [50] de Hely, [51] a contrato semipúblico e contrato administrativo típico.

          Da lição de Toshio Mukai, [52]

          "(...) verifica-se que os contratos regidos predominantemente por normas de direito privado não podem ser contratos de direito privado puro, pela incidência sobre eles de tantas disposições e normas gerais típicas de direito público. Daí confirmar-se que a Administração Pública celebra tão só contratos de direito público: contratos administrativos puros e contratos administrativos de figuração privada"

          A posição mais acertada, segundo o nosso entendimento, está com a terceira corrente. Embora a Administração, em uma licitação, já apresente no edital a minuta do contrato cabendo à parte somente apresentar o preço, sendo até por isto chamado o contrato administrativo de contrato de adesão, [53] aquele contrato só vai se aperfeiçoar se o particular concordar com seus termos, havendo um verdadeiro acordo de vontades.

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Sobre os autores
Paulo Halfeld Furtado de Mendonça

bacharel em Direito e em Engenharia Civil, analista judiciário do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, pós-graduado em Direito Processual Civil e em Engenharia de Segurança do Trabalho

Pascoal Roberto Veneroso

bacharel em Direito e em Administração de Empresas, auditor fiscal da Receita Federal

Rosemary Santos Reis

bacharela em Direito, servidora concursada de Prefeitura Municipal de São José dos Campos, membro de Comissão Permanente de Licitações

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MENDONÇA, Paulo Halfeld Furtado ; VENEROSO, Pascoal Roberto et al. Considerações sobre o desvio de poder nas alterações dos contratos administrativos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 917, 6 jan. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7808. Acesso em: 26 abr. 2024.

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