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Considerações sobre o desvio de poder nas alterações dos contratos administrativos

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3. DAS ALTERAÇÕES CONTRATUAIS

          Na teoria geral dos contratos do direito privado, encontramos o princípio da força vinculante. [54] Segundo esse princípio, uma vez em conformidade com o ordenamento jurídico, o contrato faz lei entre as partes: pacta sunt servanda. Assim o contrato celebrado somente poderia ser modificado pelo consenso das partes. Todavia, hoje, esse princípio não é mais absoluto. [55]

          Mas o que gerou essa transformação de pensamento?

          A primeira guerra mundial trouxe grandes reflexos negativos para a economia. Em decorrência disso, muitos contratos celebrados ficaram extremamente onerosos para uma das partes. Assim, foi reavivada uma antiga cláusula, rebus sic stantibus, que teve origem no direito canônico. [56] Segundo essa cláusula, que inspirou a Teoria da Imprevisão, [57] o contrato pode sofrer uma revisão judicial, em circunstâncias especiais em que acontecimentos imprevistos e extraordinários tornem extremamente oneroso o adimplemento das obrigações assumidas por uma das partes. Portanto, no contrato de direito privado, a revisão unilateral é exceção e sempre depende de intervenção do judiciário. [58]

          É certo que, nos contratos administrativos, assim como nos particulares, as alterações podem ser unilaterais ou consensuais. A diferença entre os dois tipos de contrato surge, porém, no momento em que os princípios do direito administrativo e a lei garantem prerrogativas e impõem limites à Administração. Essa situação resulta em uma diferença de tratamento jurídico entre contratos administrativos e contratos entre particulares.

          No que concerne às alterações contratuais, objeto de nosso estudo, a Administração Pública possui a prerrogativa de alterar unilateralmente o contrato. [59] Trata-se do famoso "jus variandi", [60] que faz com que o contratado esteja obrigado a aceitar a alteração, ainda que garantido o equilíbrio econômico-financeiro [61] do contrato.

          Examinemos agora o tratamento legislativo das alterações contratuais no Brasil.

          O antigo Decreto-Lei Nº 200 de 25 de fevereiro de 1967 tratou das normas relativas a licitações para compras, obras, serviços e alienações nos artigos 125 a 144. Não fez referência a alterações contratuais.

          As alterações dos contratos administrativos foram tratadas pela primeira vez, de maneira abrangente, como norma geral para a Administração Pública, no direito positivo brasileiro, pelo Decreto-Lei 2300/86. [62]

          Hoje, as alterações contratuais estão regulamentadas pelo art. 65 da Lei 8666/93 e suas alterações. Cumpre observar a semelhança existente entre o art. 55 da legislação anterior e o art. 65 da atual. Para bem facilitar essa visualização, apresentamos, a seguir, uma "justaposição" dos dois artigos. Assim, o que estiver escrito em preto é comum às duas legislações. O que estiver escrito em vermelho [63] é exclusivo do texto do Decreto-Lei 2300, já revogado, e o que estiver escrito em verde pertence ao texto da Lei 8666/93, vigente.

          "Art. 55 65. Os contratos regidos por este Decreto-lei esta Lei poderão ser alterados, com as devidas justificativas, nos seguintes casos:

          I - unilateralmente pela Administração:

          a) quando houver modificação do projeto ou das especificações, para melhor adequação técnica aos seus objetivos;

          b) quando necessária a modificação do valor contratual em decorrência de acréscimo ou diminuição quantitativa de seu objeto, nos limites permitidos por este Decreto-lei; esta lei;

          II - por acordo das partes:

          a) quando conveniente a substituição da garantia de execução;

          b) quando necessária a modificação do regime de execução ou da obra ou serviço, bem como do modo de fornecimento, em face de verificação técnica da inaplicabilidade dos termos contratuais originários;

          c) quando necessária a modificação da forma de pagamento, por imposição de circunstâncias supervenientes, mantido o valor inicial; atualizado, vedada a antecipação do pagamento, com relação ao cronograma financeiro fixado, sem a correspondente contraprestação de fornecimento de bens ou execução de obra ou serviço;

          d) para restabelecer a relação que as partes pactuaram inicialmente entre os encargos do contratado e a retribuição da Administração para a justa remuneração da obra, serviço ou fornecimento, objetivando a manutenção de equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato., na hipótese de sobrevirem fatos imprevisíveis, ou previsíveis, porém, de conseqüências incalculáveis, retardadores ou impeditivos da execução do ajustado, ou, ainda, em caso de força maior, caso fortuito ou fato do príncipe, configurando álea econômica extraordinária e extracontratual.

          § 1º O contratado fica obrigado a aceitar, nas mesmas condições contratuais, os acréscimos ou supressões que se fizerem nas obras, serviços ou compras, até 25% (vinte e cinco por cento) do valor inicial atualizado do contrato, e, no caso particular de reforma de edifício ou de equipamento, até o limite de 50% (cinqüenta por cento) para os seus acréscimos.

          § 2º Nenhum acréscimo ou supressão poderá exceder os limites estabelecidos no parágrafo anterior, salvo:

          I – (Vetado.);

          II – as supressões resultantes de acordo celebrado ente os contratantes.

          ___ Redação do § 2º do art. 65 alterada pela Lei nº 9.648, de 25.5.1998 DOU de 28.5.1998).

          § 2º § 3º Se no contrato não houverem sido contemplados preços unitários para obras ou serviços, esses serão fixados mediante acordo entre as partes, respeitados os limites estabelecidos no parágrafo anterior. § 1º deste artigo.

          § 4º No caso de supressão de obras, bens ou serviços, se o contratado já houver adquirido os materiais e posto no local dos trabalhos, estes deverão ser pagos pela Administração pelos custos de aquisição regularmente comprovados e monetariamente corrigidos, podendo caber indenização por outros danos eventualmente decorrentes da supressão, desde que regularmente comprovados.

          § 4º No caso de acréscimo de obras, serviços ou compras, os aditamentos contratuais poderão ultrapassar os limites previstos no § 1º deste artigo, desde que não haja alteração do objeto do contrato.

          § 5º Quaisquer tributos ou encargos legais criados, alterados ou extintos, bem como a superveniência de disposições legais, quando ocorridas após a assinatura do contrato data da apresentação da proposta, de comprovada repercussão nos preços contratados, implicarão a revisão destes para mais ou para menos, conforme o caso.

          § 6º Em havendo alteração unilateral do contrato, que aumente os encargos do contratado, a Administração deverá restabelecer, por aditamento, o equilíbrio econômico-financeiro inicial.

          § 7º (Vetado).

          § 8º A variação do valor contratual para fazer face ao reajuste de preços previsto no próprio contrato, as atualizações, compensações ou penalizações financeiras decorrentes das condições de pagamento nele previstas, bem como o empenho de dotações orçamentárias suplementares até o limite do seu valor corrigido, não caracterizam alteração do mesmo, podendo ser registrados por simples apostila, dispensando a celebração de aditamento".

          Na nossa pesquisa, encontramos obras antigas comentando as legislações anteriores, obras atuais comentando a legislação vigente. Poucos autores apresentam estudo comparativo entre as duas legislações. Assim, com o apoio de Sidney Martins e Toshio Mukai, procuraremos fazer um cotejamento dos dois diplomas legais, que tratam das alterações dos contratos administrativos, o anterior e o vigente.

          A primeira alteração relevante está no inciso II, alínea "C". Primeiramente, o licitante terá a garantia da atualização do valor inicial. Observa-se também significativa restrição imposta pela nova lei: fica vedada a antecipação de pagamento sem a correspondente contraprestação, quando da modificação da forma de pagamento. [64]

          Na alínea "d" do inciso II, a nova Lei trouxe restrições para a manutenção da equação do equilíbrio econômico-financeiro, estabelecendo as hipóteses de admissibilidade dele.

          A Lei 8666/93, no § 1º, apenas acrescentou a palavra "atualizado", em consonância com a alteração da alínea "c" do inciso II, já comentada acima. Assim, o valor inicial do contrato será sempre corrigido face à desvalorização da moeda, quando couber, o que significa uma garantia para o contratado.

          Modificação importante trouxe o § 2º do novo diploma legal, estabelecendo limites rígidos para os acréscimos ou supressões do § 1º, disposição que encerra as polêmicas referentes ao § 4º do art. 55º do Decreto-Lei nº 2300/86. [65]

          Os §§ 4º e 5º da nova Lei trazem garantias para o contratado. No §4º, a garantia consiste no pagamento ao contratado pela Administração, do custo dos materiais adquiridos e postos no local de trabalho e eventuais indenizações. No § 5º, a alteração mais significativa está na data a partir da qual é efetuada a revisão do contrato. Antes, a data considerada era a da assinatura do contrato. Hoje, é a da apresentação da proposta. [66] Nesse caso, a garantia é a de que, mesmo havendo um lapso significativo de tempo entre a apresentação da proposta e a assinatura do contrato, o valor da proposta, naquela data é que definirá o equilíbrio econômico-financeiro.

          O § 8º trouxe medida simplificadora do procedimento administrativo, tratando apenas de casos de reajuste, atualizações, compensações ou penalizações financeiras [67].

          Da análise acima, percebe-se que o poder discricionário do administrador público foi substancialmente reduzido [68] com a vigência da Lei 8666/93. A mesma Lei também tornou mais justas as condições das alterações do contrato e, com isso, criou condições de estabilidade que favorecem a Administração na obtenção de melhores propostas e conseqüentes contratos mais vantajosos, o que também vem ao encontro do interesse público.

          Na Itália, a Corte de Cassação afastou a tese do poder discricionário de modificação unilateral do contrato, como poder geral independente de previsão legal explícita. [69]

          A tarefa imperativa, neste momento, é efetuarmos análise das alterações contratuais à luz do vigente estatuto das licitações públicas e dos contratos administrativos.

          3.1. Das Alterações Unilaterais

          Nas alterações contratuais entre particulares, a não ser com acordo das partes, há necessidade de intervenção do judiciário. Já nas alterações unilaterais dos contratos administrativos, a Administração Pública impõe ao particular a alteração sem a necessidade de recorrer ao judiciário. Trata-se da aplicação de cláusula exorbitante. [70]

          Assim, nos contratos administrativos, a existência de cláusulas exorbitantes é a regra. Dentre as várias existentes, interessa-nos mais de perto a mencionada no inciso I do art. 58 da Lei 8666, onde temos:

          "Art, 58 – O regime jurídico dos contratos administrativos instituídos por esta Lei confere à Administração, em relação a eles, a prerrogativa de:

          I – modificá-los, unilateralmente, para melhor adequação às finalidades de interesse público, respeitados os direitos do contratado."

          Pode-se, pois, notar que a Lei 8666, no inciso I de seu art. 58, ao autorizar a alteração unilateral, [71] já impõe limites de uma maneira genérica. Temos, pois, a adequação às finalidades de interesse público e o respeito aos direitos do contratado, o que, a nosso ver, restringe-se ao equilíbrio econômico e financeiro. [72] A alteração em desrespeito a esses limites pode configurar abuso de poder, ficando o contratado com o direito de interpelar a Administração pelas vias administrativa e judicial.

          Para Toshio Mukai, o poder que Administração tem para alterar unilateralmente o contrato, repousa no princípio da continuidade do serviço público. [73]

          Segundo as alíneas "a" e "b" do inciso I do art. 65, as alterações contratuais unilaterais [74] podem ser consideradas como sendo de duas espécies diferentes: alterações qualitativas e alterações quantitativas, respectivamente.

          3.1.1. Alterações Unilaterais Qualitativas

          Da lição de Marçal, [75] temos que as alterações qualitativas referem-se àquelas onde"a melhor adequação técnica supõe a descoberta ou a revelação de circunstâncias desconhecidas acerca da execução da prestação ou a constatação de que a solução técnica anteriormente adotada não era a mais adequada." Essas alterações só devem ocorrer nos contratos de longo prazo ou nos de maior complexidade.

          A Administração Pública, segundo Luis Carlos Alcoforado, ao efetuar a especificação do objeto do contrato, procura precisá-lo com a máxima clareza, atendendo ao conceito de projeto básico do inciso IX do art. 6º da Lei 8666/93. Todavia há situações em que, no curso da execução da obra ou serviço, por imposição técnica, surge a necessidade de reformulação dos projetos ou especificações. A Administração, sem a concordância do contratado, pode proceder unilateralmente à alteração, cabendo ao contratado o direito de manifestar-se opinando sobre a inviabilidade técnica da alteração pretendida. [76]

          A Lei não impõe, de forma expressa, limites para as alterações qualitativas. Todavia há que se considerar que o objeto do contrato não pode ser alterado. As alterações devem ser pautadas dentro dos limites razoáveis e indispensáveis a fim de atender ao interesse público. A justificativa técnica e a motivação se fazem indispensáveis. Eventual descaracterização do objeto implicaria na caracterização de desrespeito aos princípios da igualdade, da competitividade entre os licitantes e da obrigatoriedade da licitação. [77]

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          Assim, os limites do § 1º não são aplicáveis, pois, como ensina Leon, [78] referindo-se às duas alíneas do inciso I do art. 65 da Lei 8666, "são duas normas com endereçamento distinto e natureza profundamente desigual. Basta lerem-se atentamente os dois dispositivos. "Ubi lex non distinguit nec nos distinguere debemus": "Onde a lei não distingue, não pode o intérprete distinguir." [79] Também nesse sentido, posicionou-se Marçal Justen Filho. [80] Já Toshio Mukai, [81] por analogia, não admite se ultrapasse o limite de 50% fixado na alínea b, para os acréscimos, em razão de reforma de edifício ou construção.

          Por sua vez, Alice Maria Gonzalez Borges [82] sustenta, fundamentada no art. 65, §2º da Lei, que os limites estabelecidos no §1º do mesmo artigo valem para todas as alterações contratuais, independente de serem qualitativas ou quantitativas. Na mesma palestra, Maria Alice, ao comentar as alterações qualitativas admite, apoiada em Hely Lopes Meirelles, [83] que, se delas resultar acréscimo de valor, este poderá ultrapassar os dos limites do § 1º, desde que "correspondam à real e efetiva necessidade ditada pelo interesse público, em tal montante." [84] Já Carlos Ari Sundfeld sustenta que a alteração qualitativa (melhor adequação técnica aos seus objetivos) deve resguardar o direito do contratado de que o contrato não sofrerá variações para mais ou para menos além de um limite máximo (art. 65, §1º). Sustenta também Sundfeld que os limites do § 1º devem ser observados para obstar fraude à licitação. [85]

          Percebe-se que as alterações unilaterais qualitativas conferem ao administrador público um grande poder discricionário, uma vez que significativa parte da doutrina sugere que os limites do § 1º não são aplicáveis. Os limites a serem observados são a não alteração do objeto, o atendimento ao interesse público, a razoabilidade, a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro e o fato do contratado não ser obrigado a realizar prestações em quantidades por demais distintas da inicialmente prevista. [86] Todavia, a nosso ver, esses limites possuem significativo caráter de subjetividade.

          3.1.2. Alterações Unilaterais Quantitativas

          A alínea "b" do inciso I do art. 65 da Lei 8666/93 trata das alterações unilaterais quantitativas. O parâmetro utilizado para mensurar estas alterações é o valor inicial do contrato atualizado [87]. As variações são as constantes no § 1º, quais sejam: o contratado é obrigado a aceitar variações de até 25% do valor inicial corrigido do contrato para acréscimos ou supressões que se fizerem nas obras, serviços ou compras. Para o caso de reforma de edifício ou de equipamento, até o limite de 50% para seus acréscimos. [88]

          Para Marçal Justen Filho, há uma dificuldade na utilização, como parâmetro, pela Lei, do valor corrigido, do contrato e não a prestação propriamente dita. A dificuldade existe em estimar alteração do valor do contrato face à alteração de quantidades, no contrato de preço global. Neste caso, a Lei, em seu § 3º remete para a área negocial, saindo da órbita da prerrogativa unilateral da Administração. [89]

          Para Luis Carlos Alcoforado, a alteração das quantidades do objeto do contrato não é relevante. Importante é cotejar as alterações do valor do contrato devidamente atualizado com os limites da Lei. [90] Todavia, observa-se que a alteração do valor do contrato é diretamente proporcional à da variação das quantidades do objeto. Assim, em que pese a opinião de Alcoforado, percebe-se que há relevância na alteração das quantidades.

          A Lei, em seu § 1º do art. 65, ao determinar que o contratado fica obrigado a aceitar, nas mesmas condições contratuais, as alterações que se fizerem até o limite de 25% (vinte e cinco por cento), desconsidera a economia de escala. Um acréscimo de 25% no valor corrigido do contrato pode implicar em uma redução no preço unitário, não aproveitado pela Administração, assim como, uma redução de 25% naquele valor pode majorar o preço unitário, onerando o contratado. Para Marçal, o particular tem o direito de exigir elevação no preço unitário, no caso de redução de quantidades, desde que comprove essa elevação. Na mesma linha, a Administração pode impor uma redução no preço unitário, havendo economia de escala. [91] Em sentido contrário, Citadini [92] e Cretella [93] entendem que os preços unitários não poderão ter aumento real, ou seja, o contratado fica obrigado a aceitar, nas mesmas condições, as alterações contratuais.

          Na nossa ótica, a posição defendida por Marçal é mais justa, pois melhor atenderia aos interesses tanto da Administração, quanto de seu contratado. Todavia, a posição defendida por Citadini e Cretella possui maior facilidade de aplicação, especialmente recomendada para as Administrações que não estão capacitadas para aplicar a posição de Marçal.

          Faz-se necessário observar que as alterações que impliquem em reduções maiores do que o limite estabelecido de 25% (vinte e cinco por cento) podem ocorrer, desde que resultantes de acordo celebrado entre os contratantes. Nesse caso, a alteração será bilateral, fruto da vontade das partes. [94] Alterações acima dos limites podem dar ensejo à rescisão contratual (art.78-XIII, c/c art. 79, II e III). [95]

          A alteração do valor do contrato não altera a modalidade de licitação que deu origem àquele contrato. [96]

          Para Cretella "pode haver alteração do objeto do contrato e, desde que seja aprovado, motivadamente, pela maior autoridade da Administração promotora, a conduta da Administração é legal..." [97]

          Sem embargo da opinião de Cretella, junto com Maria Luiza Machado Granziera, Perônio Braz e Robertônio Pessoa, [98] entendemos que o objeto do contrato foi, através de uma licitação, adjudicado ao contratado. A descaracterização desse objeto fere os princípios da obrigatoriedade da licitação, da competitividade e igualdade entre os licitantes [99].

          Para Petrônio:

          "As modificações do projeto ou das especificações, porém, pelas relações que assentam com o valor do contrato, não podem ser radicais de modo a dar nova feição à obra ou ao serviço, burlando o processo de licitação. As modificações não podem configurar atos de desvio de poder, objetivando uma eventual ação punitiva contra o licitante vencedor do certame licitatório, de tal modo que venham a impossibilitar, por parte do contatado, o cumprimento da obrigação".

[100]

          As alterações unilaterais quantitativas possuem limites máximos impostos pela Lei, o que não ocorre, segundo a maioria da doutrina, com as alterações unilaterais qualitativas. Portanto, embora significativa, a discricionariedade do administrador público, neste caso, é menor.

          3.2. Das Alterações Bilaterais

          A Lei das Licitações no inciso II do art. 65 determina as hipóteses que permitem a alteração nos contratos administrativos por acordo entre as partes. Destacamos as situações [101] nas quais os contratos podem ser alterados por anuência mútua:

          - substituição de garantia;

          - mudança no regime de execução do contrato ou do modo de fornecimento, por inviabilidade técnica de execução nos moldes originais;

          - alteração na forma de pagamento originalmente pactuada;

          - desequilíbrio econômico-financeiro;

          - supressão contratual superior a 25% (vinte e cinco por cento) do valor do contrato da obra, serviço ou compra, ou superior a 50% (cinqüenta por cento), no caso de reforma de prédio ou de equipamentos.

          É importante notar que as alterações previstas no inciso II do art. 65 são, obrigatoriamente, "numerus clausus". Assim é a lição de Maria Alice Gonzalez Borges. Continua ainda a autora:

          "A autonomia da vontade para a celebração de contratos e sua correspondente modificação não podem ter a mesma extensão dos contratos privados em geral. Do contrário, poderiam estar sendo desrespeitados os interesses de quantos poderiam ter concorrido à licitação, se soubessem de antemão serem aquelas as condições contratuais afinal ajustadas". [102]

          Embora estejamos tratando das alterações contratuais por acordo das partes, há hipóteses em que a alteração se impõe mesmo que não seja desejada por uma das partes. É o caso da alínea "b" do inciso II do art. 65 da Lei 8666. Em outras hipóteses, a alteração pode ser recusada tanto pelo contratado, quanto pela Administração contratante. É o caso da alínea "a". [103] Mas vejamos cada uma dessas hipóteses separadamente.

          3.2.1. Substituição de Garantia

          Há obras onde a alteração da garantia não é abordada. [104] Há outras onde a abordagem é feita de forma singela. [105] Mas, de modo geral, a Administração pode exigir prestação de garantia [106] de execução, nos contratos de obras, serviços e compras, desde que prevista no edital. Essa exigência é facultativa e analisada caso a caso (art. 56, "Caput"). O Contratado, por sua vez, poderá optar por uma das modalidades de garantia determinadas no § 1º do art.56: 1- caução em dinheiro ou título da dívida pública; 2- seguro garantia; 3-fiança bancária. O Tribunal de Contas da União decidiu que a limitação da modalidade de garantia a ser prestada pela contratada é ilegal, produzindo a anulação da licitação. [107]

          Ao contrário do direito privado, em que o credor pode recusar qualquer modificação na garantia, no contrato administrativo, o contratado pode pleitear [108] a substituição. [109] A Administração poderá aceitá-la quando houver conveniência (vantagem, interesse, proveito) [110] e a nova garantia seja uma das modalidades previstas na Lei. Isto constitui uma limitação, pois as partes, mesmo de comum acordo, não podem estabelecer garantia diversa daquelas previstas na Lei. [111]

          A substituição da garantia é obrigatória quando a existente é extinta ou sofre desfalque. Assim, a Administração deve exigir nova garantia. Analogamente, quando o contrato sofre uma redução e a garantia corresponde a um percentual do contrato, o contratado pode pleitear uma redução correspondente à do contrato. [112]

          Na substituição da garantia, a nosso ver, o administrador público não tem um grande poder discricionário, estando razoavelmente vinculado à obrigação de alterar a garantia, desde que atendidos os requisitos legais, por pedido do contratado ou por obrigação.

          3.2.2. Mudança no Regime de Execução do Contrato por Inviabilidade Técnica da Obra ou do Serviço ou da Forma de Fornecimento, nos Moldes Originais.

          A alínea "b", do inciso II, prevê a modificação no regime de execução da obra ou do serviço ou da forma de fornecimento, em face de verificação técnica da inaplicabilidade dos termos contratuais originários. Essa mudança no regime de execução durante o transcorrer do contrato decorre da inviabilidade técnica e deve ser necessária (indispensável, essencial, inevitável, fatal). [113]

          Apesar de o projeto básico ser condição para a licitação, [114] comprovado cientificamente que a alteração [115] contratual se faz imperativa por ser aquela que melhor atende ao interesse público, a Administração terá o dever de promovê-la. [116] Não se trata de faculdade das partes em aceitar ou não a alteração. Se há inviabilidade técnica nos moldes do contrato, a alteração terá que ser feita. Assemelha-se, na verdade, à imposição por força das circunstâncias. [117] Temos que, tanto para Leon, quanto para Alcoforado, na hipótese de divergência entre as partes e comprovada cientificamente a necessidade da alteração, em processo administrativo, resguardados a ampla defesa e o contraditório, a Administração poderá impor unilateralmente a alteração, visando resguardar o interesse público. [118] Em sentido contrário, entendem Marçal, Petrônio Braz, [119] Wolgran Junqueira Ferreira [120] e Maria Alice Gonzáles Borges [121] que a alteração não poderá ser imposta unilateralmente, pois implica em substancial alteração do contrato, uma vez que o regime de execução é cláusula essencial do contrato. Caso a alteração afete o equilíbrio econômico-financeiro do contrato, este deverá ser revisto. [122]

          Se o prosseguimento do contrato é prejudicado pela impossibilidade técnica, a sua alteração se impõe por força das circunstâncias. Caso a contratada não tenha condições de atender a Administração dentro da alteração pretendida, o contrato deverá ser rescindido, havendo o pagamento de perdas e danos a ela, se cabível, e contratada outra que seja capaz de cumprir o objeto pretendido pela Administração. [123]

          Conforme nos ensina Citadini, [124] a inviabilidade técnica da execução nos termos pactuados ocorre, na maioria das vezes, por deficiência da própria Administração, quer por falta de conhecimento, quer por avaliação deficiente ou por contratação inadequada.

          Entende-se que, na mudança do regime de execução, face à discricionariedade existente, é fácil encontrar uma válvula para irregularidades praticadas pelo Administrador, muitas vezes em conluio com a contratada.

          Há obras onde a mudança no regime de execução do contrato ou forma de fornecimento por inviabilidade técnica não é comentada. [125] Em outras, o comentário é superficial. [126]

          3.2.3. Alteração na Forma de Pagamento Originalmente Pactuada

          A Constituição Federal, no inciso XXI do art. 37, dispõe que, nas contratações administrativas, devem, obrigatoriamente, constar "...cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta." [127] Portanto faz-se imperativa a interpretação restritiva da alínea "c" do inciso II do art. 65, que autoriza a alteração contratual, pela imposição de circunstâncias supervenientes, sob pena de inconstitucionalidade. [128]

          Um exemplo hipotético pode bem ajudar na compreensão da questão: Existe uma região em cidade separada por um rio. Esta região é ligada por uma ponte que se mostra insuficiente para atender a demanda. Assim, a Administração contrata a construção de uma nova, a ser construída em 6 meses. Após a assinatura do contrato, a ponte existente apresenta problemas e passa a funcionar precariamente. A Administração solicita à contratada que verifique a possibilidade técnica de máxima redução do prazo de execução. Esta responde com a possibilidade de reduzir o prazo de seis para três meses. Então, cada etapa construída na metade do tempo resultaria no respectivo pagamento, mantendo-se assim o equilíbrio econômico-financeiro.

          Do exemplo acima, constatamos condições que devem obrigatoriamente ser observadas na alteração da forma de pagamento pactuada: a modificação decorreu de circunstância superveniente, [129] uma vez que o contrato já estava assinado. A alteração foi aceita pelas partes. Com a alteração, como ensina Marçal, o contrato não pode ficar mais vantajoso, o que, se acontecesse, implicaria em vício da licitação, pois, nessa nova condição, outros poderiam ter interesse no contrato. De outro lado, se o contrato trouxesse mais obrigações para o contratado, este seria prejudicado. [130] Também não pode haver antecipação de pagamentos. Cada parcela é paga com o cumprimento da respectiva prestação. [131]A Lei, no art. 65, II, veda expressamente o pagamento antecipado, sem que haja a correspondente execução da obra, ou do serviço, ou a contraprestação de fornecimento de bens, exceto as compras de pronto pagamento que não ultrapassem o limite de 5% do valor previsto na alínea "a" do inciso II do art. 23. [132]. A alteração tem que ser motivada, não devendo ocorrer para favorecer, como também para penalizar o contratado. [133]

          Antonio Roque Citadini [134] opina no sentido de que, excepcionalmente, adiantamentos podem ocorrer, como em situações de investimentos em equipamentos específicos para a realização do objeto contratual (encomendas), desde que previstos no edital ou em pequenas compras onde há atendimento imediato e integral do objeto contratado.

          Para Wolgran Junqueira Ferreira, a alteração na forma de pagamento anteriormente pactuada pode ocorrer por circunstância imprevisível que impeça a Administração de cumprir suas obrigações contratuais no tocante aos pagamentos. [135]

          Nessa alteração do contrato, nos parece que o administrador público está significativamente vinculado, pois a Lei impõe condições para a alteração. E mais: não há vantagem para o contratado, uma vez que os pagamentos continuam atrelados ao cronograma e não há a possibilidade de antecipações.

          3.2.4. Desequilíbrio Econômico-Financeiro

          A alínea "d" do art. 65 da Lei das licitações prevê a alteração do contrato para restabelecer a relação que as partes pactuaram inicialmente entre os encargos do contratado e a retribuição da Administração. Deve-se sempre ter em vista a justa remuneração da obra, serviço ou fornecimento, objetivando a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato, [136] na hipótese de sobrevirem fatos imprevisíveis, ou previsíveis, porém de conseqüências incalculáveis, retardadores ou impeditivos da execução, do ajustado, ou ainda, em caso de força maior, caso fortuito, ou fato de príncipe, configurando álea econômica extraordinária e extracontratual.

          Da lição de Maria Luiza Machado Granziera, temos que faz-se necessária a comprovação de que houve efetivamente desequilíbrio-econômico financeiro e de que ele é conseqüência de uma das hipóteses prevista na Lei. [137] Para tanto, importa o conceito de equilíbrio econômico-financeiro.

          A tarefa de definir equilíbrio econômico-financeiro [138] já foi desenvolvida por renomados juristas. Assim temos:

          Celso Antonio Bandeira de Mello ensina que:

          "(...) equilíbrio econômico-financeira (ou equação econômico-financeira) é a relação de igualdade formada, de um lado, pelas obrigações assumidas pelo contratante no momento do ajuste e, de outro lado, pela compensação econômica que lhe corresponderá"

. [139]

          Na mesma linha, Maria Sylvia Zanella Di Pietro: "relação que se estabelece, no momento da celebração do contrato, entre o encargo assumido pelo contratado e a contraprestação pecuniária assegurada pela Administração." [140]

          Marçal Justen Filho define: "O equilíbrio econômico-financeiro do contrato administrativo significa a relação (de fato) existente entre o conjunto dos encargos impostos ao particular e a remuneração correspondente". [141]

          O direito à manutenção do equilíbrio econômico e financeiro é uma garantia [142] do contratado, devendo constar como cláusula obrigatória do contrato. [143] Para Toshio Mukai, o equilíbrio econômico-financeiro é uma garantia tanto para o particular contratado, quanto para a Administração contratante. O contratado visa o lucro; a Administração, o atendimento ao interesse público. A ruína do contratado, por força de fatos alheios à vontade de ambas as partes, pode comprometer a continuidade da prestação dos serviços. [144] Para Marçal Justen Filho, a garantia ao equilíbrio econômico-financeiro dos contratos administrativos resguarda principalmente a Administração, pois, caso não houvesse a garantia, o particular, ao formular proposta, incluiria um fator de risco, majorando essa proposta. A não ocorrência do risco traria um ônus desnecessário para a Administração. Portanto é mais viável obter propostas menores, garantindo a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro do contrato, somente quando se fizer necessário. [145] Essa garantia possui base constitucional. O inciso XXI do art. 37 da Constituição Federal tutela o equilíbrio econômico-financeiro, quando diz: "(...) com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta..."

          Dessa forma, a Carta Magna dá ao contratado o "status" de colaborador da Administração, sendo a sua ajuda imprescindível para que o interesse público seja alcançado. O particular, como colaborador da Administração, passa a desenvolver uma atividade, de competência e interesse da Administração contratante. Os riscos desse desenvolvimento deveriam ser dessa Administração, caso atuasse sem o contratado colaborador. Assim, pode-se dizer, que a Administração, procedendo à manutenção do equilíbrio do contrato, não está simplesmente assumindo um prejuízo do contratado. [146]

          No caso de ruptura do equilíbrio econômico-financeiro, este deve ser restabelecido, conforme as hipóteses previstas na Lei. Passaremos a considerá-las.

          a) Causas do Rompimento do Equilíbrio Econômico-Financeiro

          Assim como no direito privado, também no direito administrativo, quando se trata de contrato, as partes só respondem por encargos contratuais previstos, ou pelo menos previsíveis, considerando-se as áleas comuns da avença. No contrato privado, surgindo a álea extracontratual, aplica-se a cláusula "rebus sic stantibus". No contrato administrativo, havendo um desequilíbrio proveniente de fatos imprevisíveis, ou previsíveis, mas de conseqüências incalculáveis, retardadores ou impeditivos da execução do ajuste, caso de força maior, caso fortuito ou fato do príncipe, o contrato há que ser revisto, pela aplicação da teoria da imprevisão.

          b) Teoria da Imprevisão

          Nos ensinamentos de Hely Lopes Meirelles, encontramos que:

          " (...) a teoria da imprevisão consiste no reconhecimento de que a ocorrência de eventos novos, imprevistos e imprevisíveis pelas partes, autoriza a revisão do contrato, para seu ajustamento às circunstâncias supervenientes." [147]

          Para Márcia Walquíria Batista dos Santos, a Teoria da Imprevisão originou-se no direito canônico. É um instituto do direito civil e baseia-se na cláusula "rebus sic standibus", que significa: a convenção não permanece em vigor se as coisas não permanecerem como eram no momento da celebração.

          Segundo a mesma autora, o Conselho de Estado Francês foi o primeiro a aplicar a Teoria da Imprevisão nos contratos administrativos. Durante a 1ª Guerra Mundial, uma empresa concessionária de serviço público, distribuidora de gás, serviço onde o carvão era matéria prima, não suportou a elevação dos custos desse insumo, ficando impossibilitada de continuar oferecendo os mesmos serviços pelos preços anteriormente praticados. O Conselho de Estado decidiu que a empresa concessionária não poderia paralisar o fornecimento de gás, pois isso comprometeria a continuidade do serviço público e que a Administração deveria suportar o ônus, ajudando financeiramente a empresa e mantendo o equilíbrio econômico-financeiro do contrato. [148]

          No direito brasileiro, a teoria da imprevisão é reconhecida pela doutrina e pela jurisprudência antes de sua disposição legal. Assim observa Maria Sylvia Zanella Di Pietro:

          "A teoria do equilíbrio econômico-financeiro está tão arraigada em nosso direito, entre os doutrinadores, que, ainda que não houvesse lei assegurando os direitos do contratado à manutenção desse equilíbrio, esses direitos seriam a ele reconhecidos, tanto pela doutrina como pela jurisprudência. Isto porque essa teoria baseia-se em princípios maiores, que independem de previsão do direito positivo: de um lado, o princípio da eqüidade, que veda que uma das partes experimente lucupletamento ilícito em detrimento da outra; de outro lado, o princípio da razoabilidade, que exige a proporção entre o custo e o benefício; e até, ainda, o princípio da continuidade do contrato administrativo, que é a aplicação do princípio da indisponibilidade do interesse público: se o contrato é necessário para atender aalguma necessidade imperiosa da Administração, a esta incumbe assegurar a sua continuidade, recompondo o equilíbrio econômico-financeiro do contrato". [149]

(Grifado no original).

          Cumpre esclarecer que o realinhamento, recomposição, ou revisão de preços, advindos da aplicação da teoria da imprevisão difere do reajuste de preços e da correção monetária. O realinhamento sempre estará fundamentado em uma das hipóteses previstas na alínea "d" do art. 65 da Lei 8666/93. Visa restabelecer o equilíbrio econômico-financeiro, advindo da álea extraordinária, podendo ocorrer a qualquer momento. [150] O reajuste tem como objetivo retratar a variação do custo da produção, da variação de valor que determinava a composição de preço. Só pode ocorrer após um ano [151] da data da apresentação da proposta, com periodicidade anual, conforme o índice fixado no edital ou no contrato. A correção monetária ou atualização financeira objetiva corrigir monetariamente a prestação, desde a data do adimplemento da obrigação contratual até a data em que foi efetivado o pagamento. Refere-se à desvalorização da moeda. [152]

          Vários fatores podem determinar a aplicação da teoria da imprevisão para a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro, conforme veremos a seguir.

          Da lição de Maria Luiza Machado Granziera, [153] temos que, da teoria da imprevisão, pode-se considerar dois desdobramentos: força maior e caso fortuito, e fato do príncipe.

          Para Hely Lopes Meireles:

          "Força maior é o evento humano que, por sua imprevisibilidade e inevitabilidade, cria para o contratante óbice intransponível na execução do contrato".

e "caso fortuito é o evento da Natureza que, por sua imprevisibilidade e inevitabilidade, gera para o contratado obstáculo irremovível na execução do contrato." [154]

          Assim, tanto a força maior, quanto o caso fortuito são considerados como causas de inexecução do contrato, tratados na obra de Hely, no capítulo referente à "Inexecução do Contrato". Todavia a Lei 8666/93 considera dois tratamentos para situações de caso fortuito ou força maior. O primeiro, segundo o inciso XVII do art. 78, conduz à inexecução do contrato. O segundo, que nos interessa mais de perto, possibilita a retomada do contrato, em havendo a possibilidade da manutenção de seu equilíbrio econômico-financeiro. [155]

          O fato do príncipe [156] é o ato da Administração Pública que, reflexamente, produz o desequilíbrio econômico do contrato ou obsta sua execução. [157] Portanto o fato do príncipe constitui álea extraordinária e extracontratual, podendo aumentar ou diminuir o ônus sobre o contratado. Exterioriza-se em lei, decreto ou qualquer ato geral do Poder Público que afete o equilíbrio econômico-financeiro do contrato. [158] Está previsto no § 5º combinado com a alínea "d" do inciso II do art. 65, da Lei 8666/93.

          Na nossa ótica, ao cotejar as hipóteses da alínea "d" autorizadoras da manutenção do equilíbrio econômico-financeiro com os desdobramentos da teoria da imprevisão propostos por Maria Luiza Machado Granziera, fica faltando considerar os fatos previsíveis, porém de conseqüências incalculáveis.

          Logo, temos: fatos previsíveis, porém de conseqüências incalculáveis, que retardem ou impeçam a execução do contrato. São aqueles fatos pertencentes à álea ordinária do contrato, risco próprio do empreendimento, mas que tomam dimensões imprevisíveis que afetem substancialmente o equilíbrio econômico-financeiro. Como exemplo, pode-se citar um contrato de pavimentação asfáltica, por um prazo de um ano. No curso desse prazo, é previsível que o petróleo sofra aumentos e, conseqüentemente, também o asfalto, como seu derivado. Todavia uma guerra no Oriente Médio afeta a cotação do barril de petróleo. Assim aquele aumento previsível passa a ter dimensões imprevisíveis comprometendo o equilíbrio do contrato. Outro exemplo: o Tribunal de Contas do Distrito Federal decidiu que o aumento salarial, concedido aos servidores da empresa contratada, na data-base, não constitui fato imprevisível ou previsível de conseqüências incalculáveis. [159]

          A manutenção do equilíbrio econômico-financeiro do contrato só ocorre quando atendida uma das condições da alínea "d", qual seja: fatos imprevisíveis, ou previsíveis, porém de conseqüências incalculáveis, retardadores ou impeditivos da execução do ajustado, ou ainda, em caso de força maior, caso fortuito ou fato do príncipe, configurando álea econômica extraordinária e extracontratual. Essas condições não existiam de forma expressa na legislação anterior, embora adotadas pela doutrina. Assim, nos parece que o legislador, ao trazer para a Lei a posição da doutrina, procurou dar maior vinculação ao administrador público, quando do reequilíbrio do contrato.

          3.2.5. Supressão Contratual Acima dos Limites Estabelecidos pela Lei.

          A Lei 9648/98 trouxe significativa alteração para o § 2º, possibilitando reduções incidentes sobre o valor do contrato devidamente atualizado [160], acima das estabelecidas no § 1º. Assim, hoje, havendo consenso entre as partes, admite-se supressão acima dos limites estabelecidos no § 1º.

          Para Marçal, esta supressão deve ser observada com extremo cuidado diante dos potenciais riscos do desvio de poder.

          "Suponha que o agente público pretenda direcionar contratação administrativa. Para tanto, elabora edital com previsão de enormes quantitativos, o que se reflete em exigências severas no âmbito da habilitação. Assim, somente a empresa privilegiada consegue habilitar-se. Firma-se o contrato e, em seguida, produz-se consensualmente a redução aos valores efetivamente visados. Se o edital tivesse previsto tais quantitativos, inúmeros outros licitantes teriam participado da disputa. A redução posterior de quantidades, através de acordo entre as partes, foi o instrumento jurídico que propiciou a fraude". [161]

          Com esta alteração da Lei, na nossa ótica, a indenização do § 4º fica estendida às supressões negociais, caso o contratado já tenha adquirido os materiais.

          Observa Alcoforado que há casos em que o contratado é obrigado a efetuar encomendas de insumos com antecedência para atender ao contrato, ou armazena materiais fora do local da obra, por diversos motivos. Nesses casos, mesmo com os materiais fora do canteiro da obra, deve ocorrer o devido pagamento, em que pese a determinação do § 4º. [162]

          Essa alteração contratual nos parece uma enorme válvula de escape para a prática de irregularidades, conforme o exemplo acima citado da obra de Marçal Justen Filho. O poder discricionário do administrador público é o mais amplo possível.

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Sobre os autores
Paulo Halfeld Furtado de Mendonça

bacharel em Direito e em Engenharia Civil, analista judiciário do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, pós-graduado em Direito Processual Civil e em Engenharia de Segurança do Trabalho

Pascoal Roberto Veneroso

bacharel em Direito e em Administração de Empresas, auditor fiscal da Receita Federal

Rosemary Santos Reis

bacharela em Direito, servidora concursada de Prefeitura Municipal de São José dos Campos, membro de Comissão Permanente de Licitações

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MENDONÇA, Paulo Halfeld Furtado ; VENEROSO, Pascoal Roberto et al. Considerações sobre o desvio de poder nas alterações dos contratos administrativos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 917, 6 jan. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7808. Acesso em: 28 mar. 2024.

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