1.1 - Acordo de Schengen
O Acordo de Schengen de 1985 é apenas um programa de trabalho, uma base de orientação, por isso assumiu a forma de um acordo não sujeito à ratificação parlamentar das diferentes partes contratantes, programa esse que foi concretizado na Convenção de Schengen de 1990, esta sim verdadeiro instrumento jurídico internacional com carácter obrigatório.
De acordo com o artigo 32º alínea 2ª do Acordo de Schengen, este será aplicado a título provisório a partir do dia seguinte ao da sua assinatura.
O Acordo de Schengen divide-se em dois títulos e 33 artigos e contém medidas aplicáveis a curto prazo e medidas aplicáveis a longo prazo.
As medidas aplicáveis a curto prazo incidem essencialmente sobre uma redução dos controlos nas fronteiras comuns a uma simples vigilância visual dos veículos que passam na fronteira a uma velocidade reduzida. A paragem dos veículos nas fronteiras não está prevista e apenas por sondagem se devem realizar controlos em locais próprios de modo a não interromper a circulação dos outros veículos [20]. A aposição de um disco verde com pelo menos 8 centímetros no pára-brisas do veículo indica que o condutor está a obedecer aos requisitos legais e à regulamentação em vigor, nomeadamente que só transporta mercadorias admitidas de acordo com os limites das isenções e respeita a regulamentação dos câmbios [21]. Uma vez dentro do espaço Schengen, renuncia-se a um controlo sistemático dos tempos de condução e repouso, controle de pesos e dimensões dos veículos e estado técnico dos mesmos, no sentido de evitar uma transferência dos controlos nas fronteiras para o interior dos estados [22].
Das medidas aplicáveis a longo prazo são de destacar a supressão de controlos nas fronteiras comuns e a sua transferência para as fronteiras externas em matéria de circulação de pessoas [23]. Harmonização de legislação e regulamentos que limitem a livre circulação de pessoas e a adopção de medidas que limitem a imigração ilegal [24]. Maior cooperação policial nos seguintes campos: prevenção da delinquência e investigação; luta contra a criminalidade, especialmente a de carácter internacional; direito de perseguição por parte das forças policiais, harmonização da legislação em matéria de estupefacientes, armas e explosivos e a declaração de viajantes nos hotéis [25] e harmonização de legislações nessas matérias [26]. Harmonização da política de vistos, das condições de entrada para territórios nacionais e direitos de estrangeiros vindos de estados que não os das Comunidade Europeias [27]. Maior facilidade de entrada no estado de mercadorias cuja posse não é proibida aos seus nacionais [28]. Desenvolvimento de um sistema de desalfandegamento para as mercadorias, com base num documento único [29].
Resumidamente podem indicar-se seis aspectos essenciais do Acordo de Schengen:
- abolição total dos controlos nas fronteiras internas;
- definição de uma política comum de vistos;
- luta contra a imigração clandestina;
- cooperação policial, aduaneira e judiciária;
- estabelecimento de um sistema de troca de informações (S.I.S.);
- tratamento uniforme dos pedidos de asilo.
1.2 - Convenção Schengen
Esta convenção é a pedra angular para a realização das medidas a longo termo previstas no Acordo de Schengen. O Acordo de Schengen pretendia a simplificação e progressiva eliminação dos controlos fronteiriços, e facilitar a livre circulação de pessoas, serviços e bens intracomunitários, mas sem manifestar uma especial preocupação pelo aspecto da segurança. Nota-se por isso que a Convenção de Schengen tentou encontrar fórmulas que reduzam o medo que as populações poderiam sentir, devido à supressão dos controlos fronteiriços poder levar a uma livre circulação de criminosos, aumento do tráfico de droga e de armas, criando todo um mecanismo que pretende garantir que apesar da abolição dos controlos nas fronteiras internas a segurança não será posta em causa.
Como disse L. Lenaerts, secretário geral adjunto do Secretariado da União Económica do Benelux "as fronteiras não podem desaparecer sem que todas as garantias de uma melhor cooperação e coordenação existam entre os serviços nacionais competentes em matéria de polícia e de segurança, de política de vistos, de justiça, de política de estrangeiros e de asilo e, não nos esqueçamos, dos serviços fiscais e alfandegários e outras instâncias relacionadas com a circulação de mercadorias" [30].É assim criado um documento que pretende a eliminação das fronteiras físicas, mas apenas das fronteiras internas e não das fronteiras externas. A Convenção de Schengen define no seu artigo 1º fronteiras internas, como as fronteiras comuns terrestres das partes contratantes, bem como os seus aeroportos, no que diz respeito aos voos internacionais, e os seus portos marítimos, no que diz respeito às ligações regulares de navios que efectuem operações de transbordo, exclusivamente provenientes ou destinados a outros portos nos territórios das partes contratantes, sem escala em portos fora destes territórios; e fronteiras externas como as fronteiras terrestres e marítimas, bem como os aeroportos e portos marítimos das partes contratantes, desde que não sejam fronteiras internas.
As fronteiras internas deixam de constituir verdadeiras barreiras e a passagem nessas fronteiras pode ser efectuada "em qualquer local sem que o controlo das pessoas seja efectuado" [31] e quanto às fronteiras externas "só podem em princípio ser transpostas nos pontos de passagem fronteiriços e durante as horas de abertura fixadas" [32].
Qualquer pessoa necessita de ser sujeita a um controlo nas fronteiras externas [33], e os estrangeiros ficam sujeitos a um controlo pormenorizado [34], para poderem entrar no espaço Schengen.
Para um estrangeiro poder entrar no território de um estado membro de Schengen por um período inferior a 3 meses basta apenas que possua documentos válidos que permitam passar a fronteira [35], ser titular de um visto válido se esse for exigido [36], dispor de meios de subsistência e se requerido de documentos que justifiquem o objectivo e condições da estada prevista [37], não estar indicado para efeitos de não admissão [38] e não ser considerado como susceptível de comprometer a ordem pública, segurança nacional ou as relações internacionais de uma das partes contratantes [39].
Para estadas superiores a três meses os estrangeiros necessitam de um visto emitido por uma das partes contratantes de Schengen e com esse visto podem transitar pelo território de outras partes contratantes a fim de se dirigir ao território do estado que emitiu o visto, excepto se não preencher as condições de entrada previstas no artigo 5º, nº 1 alíneas a), d) e e), ou se constar da lista nacional de pessoas indicadas da parte contratante pelo território da qual pretende transitar [40].
A entrada no espaço Schengen é feita pelas fronteiras externas, durante as horas de abertura fixadas, em princípio só podem ser transpostas nos pontos de passagem fronteiriços e os estados têm de prever sanções contra a entrada não autorizada [41].
A Convenção de aplicação do Acordo de Schengen vem, nos seus 8 títulos, 18 capítulos e 142 artigos cobrir as matérias relativas às definições a que a Convenção faz referência (Título I), à supressão de controles nas fronteiras internas e circulação de pessoas (Título II), à polícia e segurança (Título III), ao Sistema de Informações de Schengen (Título IV), ao transporte e circulação de mercadorias (Título V), à protecção de dados de carácter pessoal (Título VI), e às disposições relativas ao comité executivo e disposições finais (Título VII). Após a análise desta Convenção podemos apresentar um organigrama de Schengen onde se verifica uma grande simplicidade, que permite uma fácil coordenação dos trabalhos nos diferentes domínios.
Organigrama Schengen
A estrutura de Schengen tem uma forma piramidal, onde no topo se encontram os Ministros e Secretários de Estado dos Negócios Estrangeiros ou dos Assuntos Europeus, que se reúnem pelo menos de 6 em 6 meses.
Em segundo lugar na hierarquia de Schengen, encontra-se o G.C.N. - Grupo Central de Negociações, que é constituído por representantes de elevada responsabilidade nos diferentes ministérios dos negócios estrangeiros, e que em média se reúnem de 2 em 2 meses, onde preparam as decisões que serão apresentadas aos ministros e orientam também os Grupos de Trabalho. Tem também este G.C.N. as funções de secretaria, recursos humanos, orçamento, não tendo no entanto um carácter jurídico formal. Este grupo é composto por aproximadamente 120 pessoas nacionais dos diferentes estados membros de Schengen, podendo também a Comissão Europeia estar presente como observadora. Dependendo directamente deste órgão está o Comité Executivo, o Comité de Orientação do S.I.S. e o Comité de Fronteiras.
Num terceiro nível encontramos os 4 Grupos de Trabalho. Cada um destes grupos tem áreas específicas de actuação, que constituem o terceiro nível da estrutura de Schengen.
O Grupo I tem uma função de supervisão dos diferentes sub-grupos de trabalho no quadro da cooperação policial e de segurança. É o grupo mais activo e é composto dos seguintes sub-grupos:
- O sub-grupo TELECOM cujo objectivo principal é a harmonização dos sistemas de telecomunicações entre as forças policiais dos diferentes estados, sobretudo nas zonas fronteiriças de modo a permitir uma efectiva cooperação transfronteiriça;
- o sub-grupo Armas e Munições que pretende criar um sistema que permita controlar a posse e o uso de armas e munições. Nesta matéria a U.E. já legislou [42], estando por isso este grupo de trabalho sem grande actividade;
- o sub-grupo Estupefacientes, grupo cuja actividade incide no combate ao tráfico de estupefacientes;
- o sub-grupo Juristas e Interpretação está encarregado de estudar os problemas jurídicos que resultem da aplicação do Acordo e da Convenção de Schengen, o que inclui, por exemplo, a definição do que deverá ser entendido por direito de observação e perseguição das forças policiais de um estado, no território doutro estado.
O Grupo II trata da temática da Circulação de Pessoas e é composto por 3 sub-grupos que tratam as matérias relativas a vistos, asilo e fronteiras externas.
O Grupo III estuda os problemas relativos aos transportes.
Por fim o Grupo IV trata das relações entre as alfândegas e a circulação de mercadorias com os seguintes sub-grupos:
- Fitossanitário, que trata de questões relacionados com os produtos agrícolas;
- Ambiente, que trata de problemas relacionados com o ambiente resultantes da circulação de mercadorias;
- Saúde Pública, que trata de problemas relacionados com a saúde pública resultantes da circulação de mercadorias;
- COCOM é o sub-grupo de trabalho que trata dos problemas alfandegários.
Os quatro grupos de trabalho têm como objectivos identificar as alterações e adaptações necessárias à conformidade das legislações e práticas nacionais com as obrigações decorrentes da convenção de aplicação do acordo de Schengen. Para atingir os mesmos objectivos a que se propõe Schengen, o Tratado de Roma apresenta uma solução mais complicada e ainda incompleta.
Da leitura da Convenção de Schengen podem-se distinguir cinco grandes temas, como o faz Jacques Robert [43]:
- Princípio do controlo das fronteiras externas de Schengen.
- Luta contra a imigração clandestina.
- Harmonização do direito de asilo.
- Cooperação policial, judiciária e alfandegária.
- Sistema de Informações de Schengen.
É no entanto também de realçar a importância que tem a matéria dos vistos na Convenção de Schengen.
Do texto da Convenção de Schengen fazem também parte uma série de declarações comuns e unilaterais, nas quais se prevê que a convenção só entrará em vigor quando se encontrarem preenchidas nos estados membros as condições prévias da sua aplicação e forem efectivos os controlos nas fronteiras externas [44].
Nos próximos capítulos iremos analisar estas disposições da Convenção de aplicação do Acordo de Schengen relacionadas com a liberdade de circulação e segurança e ver qual o contributo que pode trazer para a livre circulação de pessoas no espaço comunitário.
O Acordo de Schengen prevê que a supressão das fronteiras não deve colocar em perigo a segurança dos estados, e a Convenção vem depois concretizar esse aspecto. Da experiência existente sabemos que no espaço do Benelux que desde 1965 está em funcionamento a livre circulação de pessoas, não se verificaram grandes flutuações na população de cada estado ou aumento da criminalidade [45].
1.3 - Cooperação policial
O artigo 18º do Acordo de Schengen prevê a celebração de convénios sobre a cooperação policial em matéria de prevenção da delinquência e investigação e uma procura de meios que permitam a luta contra a criminalidade. O artigo 19º diz que as partes procurarão a harmonização de legislações e regulamentações nomeadamente em matéria de estupefacientes, armas e explosivos. Apenas em 5 dos 33 artigos do Acordo de Schengen, há referência à cooperação policial e à segurança, mas em resultado destes e face ao reconhecimento da importância que estas questões têm, na Convenção de Schengen mais de 80 artigos regulam estas matérias.
Com a Convenção de Schengen foi criado um sistema de cooperação policial que pretende harmonizar algumas actividades das forças policiais e melhorar a cooperação nas fronteiras internas do espaço Schengen.
O Título III, referente a polícia e segurança, é o título mais longo. Dentro deste título o capítulo referente à cooperação policial é o mais importante e inovador e o que mais detalhe prevê nas suas normas, de modo a permitir atingir os seus objectivos. No Título IV, esta matéria é sujeita a novo desenvolvimento ao ser regulado o S.I.S., onde também se aplica a cooperação policial.
A matéria relativa à protecção de dados pessoais constantes dos artigos 126º a 130º da Convenção de Schengen, é também matéria de cooperação policial [46]. Serão mesmo as forças policias as que mais poderão beneficiar desta informação e obviamente as que igualmente terão de obedecer às suas regras. Uma questão que se pode levantar em resultado deste capítulo da convenção é a de saber se não serão postos em causa os direitos dos cidadãos, nos casos em que haja cooperação policial e sejam perseguidos ou vigiados por forças policiais de outro estado. Como é que depois poderão reagir, se necessário no tribunal, contra um possível abuso de poder ou outras ilegalidades cometidas por essas forças policiais? A Convenção no seu texto não prevê um regime especial para os cidadãos, em que estes se possam defender.
Questão directamente relacionada com esta é a de saber qual o tribunal competente para julgar o caso em que tenha havido cooperação policial transfronteiriça [47].
Resulta também desta Convenção que as suas disposições em matéria de cooperação policial, não são totalmente inovadoras. Algumas dessas disposições podiam-se já encontrar noutros acordos relativos à extradição e cooperação em matérias criminais, já assinados pelas partes contratantes [48]. No entanto vem responder às necessidades sentidas na U.E., criando um quadro jurídico independente, que prevê mecanismos de garantia e de limitação do exercício do poder [49].
Outros problemas relacionados com a cooperação policial e simultaneamente com a cooperação judiciária resultam do facto de as ordens ou associações de advogados não se encontrarem perfeitamente organizadas a nível europeu, o que iria criar um problema desde logo de competências; do facto de na convenção não se preverem os direitos que têm os eventuais arguidos, nem o direito de a defesa estar presente nas investigações que ocorram noutro estado, o que vai desequilibrar o princípio processual de um equilíbrio de direitos entre acusação e defesa, ficando a acusação muito favorecida.
Outro problema é devido ao facto de, se ocorrer qualquer violação da legalidade ou dos direitos humanos, no exercício pelas forças policiais dos direitos previstos na Convenção, não existe possibilidade de se recorrer desta situação, nem estão previstas sanções para esses actos.
As disposições da Convenção de Schengen sobre cooperação policial podem-se dividir em três áreas:
- Disposições sobre a organização da assistência entre serviços de polícia. Esta assistência pode ser a pedido [50], ou em cumprimento da lei [51], e inclui a assistência através dos oficiais de ligação [52];
- disposições sobre o exercício transfronteiriço da técnica policial, que inclui a vigilância policial [53], o direito de perseguição [54] e a entrega vigiada [55];
- disposições sobre a instalação de meios materiais comuns que permitam a cooperação policial, que incidam sobre os meios de comunicação [56] e sobre o S.I.S. [57].
Na prática esta matéria de polícia e segurança corresponde ao Grupo de Trabalho I, que devido à sua complexidade teve de ser dividido em 4 subgrupos de trabalho:
1 - A troca de informações;
2 - os estupefacientes;
3 - as armas e munições;
4 - a imigração clandestina.
1.3.1 - A troca de informações
O subgrupo 4 do Grupo de Trabalho I trata de 5 temas:
- Cooperação entre as autoridades policiais;
- as telecomunicações;
- a protecção da vida privada das pessoas que sejam objecto de um registo ou troca de informações;
- a Cooperação judiciária [58];
- o S.I.S. [59].
O artigo 39º é a base da cooperação policial prevista na Convenção de Schengen. No parágrafo 1º as partes concordam em prestar assistência mútua quando para isso forem solicitadas. Este conceito de assistência não é definido na Convenção, pelo que permite ser só troca de informações, mas permite também ser entendido muito mais amplamente e conceberem-se outras formas de assistência. Esta assistência deve ser utilizada não só para efeitos de prevenção mas também de investigação de factos puníveis. Mas estão previstas duas excepções. A primeira é que os serviços de polícia devem actuar "em cumprimento da legislação nacional e nos limites da sua competência". Isto significa que a Convenção não atribui mais poderes às polícias que aqueles que eles já tinham na lei nacional. A segunda excepção diz que uma parte contratante não é obrigada a assistir a outra se o pedido de assistência determinar "a aplicação de medidas coercivas".
Além destas excepções previstas no parágrafo 1º, o parágrafo 2º contém também uma limitação no que toca ao uso de informações escritas prestadas por uma parte, ao prever que estas informações só podem ser utilizadas para efeitos de obtenção de prova dos factos incriminados, se obtiverem o consentimento das autoridades judiciárias da parte requerida. Esta norma pretende evitar que a assistência entre forças policiais viesse substituir a cooperação judiciária.
O 3º parágrafo trata de questões processuais, o 4º da possibilidade de nas regiões fronteiriças se celebrarem convénios nesta matéria e o 5º da possibilidade de se celebrarem acordos bilaterais nesta matéria entre estados que tenham fronteiras comuns.
O artigo 46º pode-se enquadrar dentro desta figura da assistência ao permitir às partes fornecerem informação espontaneamente, sem que as outras partes a tenham requerido. O objectivo será a repressão e a prevenção de crimes e de ameaças para a ordem e segurança pública. A possibilidade de prestar assistência em matéria de repressão de crimes futuros, e sem que tal lhe seja solicitado, está, portanto, consagrada no artigo 46º. Além das regras previstas no artigo 39º relativas às trocas de informação as disposições deste artigo têm a característica especial de serem fornecidas sem terem sido solicitadas. O funcionamento destas disposições vai verdadeiramente depender do interesse e das opções tomadas pelas diferentes forças policiais de cada estado. Esta troca de informações pode-se processar a nível de um órgão central a designar, ou directamente entre as autoridades policiais em casos urgentes, devendo de seguida o órgão central ser informado desse facto o mais rapidamente possível. O objectivo de fornecer estas informações é o de prestar assistência em matéria de repressão de crimes futuros, à prevenção de crimes ou à prevenção de ameaças para a ordem e segurança públicas.
Outra forma de cooperação policial que é estudada pelo subgrupo 4 do Grupo de Trabalho I é a criação de linhas de comunicação (rádio, telex, telefónicas ou outras), que permitam às forças policiais, sobretudo nas zonas de fronteira, em tempo útil, terem a informação necessária para poderem agir em conformidade com o que tiver acontecido no outro estado [60]. As polícias do Luxemburgo, Bélgica e Alemanha estão já em negociações com vista a adquirirem sistemas de comunicação comuns, para permitir esse objectivo. Estas são as medidas de curto prazo.
O mesmo artigo 44º no seu nº 2 prevê medidas mais ambiciosas a médio e longo prazo, como sejam o intercâmbio de materiais ou a afectação de oficiais de ligação munidos de material rádio apropriado, alargamento das bandas de frequência utilizadas nas zonas fronteiriças, criação de ligação comum aos serviços policiais e aduaneiros que operam na mesma zona e coordenação dos programas de aquisição de equipamentos.
Existe já um grupo "TELECOM" que estuda estes objectivos a médio e longo prazo e que já efectuou contactos com os organismos internacionais em matéria de telecomunicações, nomeadamente com a Conferência Europeia de Correios e Telecomunicações (CEPT), com a finalidade de ver atribuída uma banda de frequência comum e de obter inicialmente, pelo menos três frequências destinadas às comunicações nas zonas fronteiriças [61].
Estas normas pretendem resolver os problemas que surjam principalmente às autoridades policiais de fronteira, que se encontram geograficamente perto, mas, devido a diferentes sistemas de comunicações, que na generalidade dos casos não são compatíveis, não podem obter em tempo útil as informações necessárias.
Mas esta cooperação policial não se resume à troca de informações, e tem também uma natureza operacional.
O direito de perseguição e observação que está regulado nos artigos 40º a 43º da Convenção é um perfeito exemplo desse carácter operacional da cooperação policial.
O artigo 40º permite uma vigilância no território de outra parte contratante, a uma pessoa que se presuma ter participado num facto punível passível de extradição, sendo necessário no entanto um pedido prévio de autorização para poder fazer essa vigilância. A vigilância sem prévia autorização do outro estado só é possível efectuar-se se se presumir que tenha sido praticado um facto previsto no parágrafo 7º deste artigo [62] e com a condição de a passagem pela fronteira ser imediatamente comunicada à outra parte contratante e ser também imediatamente transmitido um pedido de entreajuda judiciária, expondo os motivos que justificam a passagem da fronteira sem autorização prévia [63].
No artigo 41º consagra-se o direito dos agentes a continuarem a perseguir no território de outra parte contratante uma pessoa apanhada em flagrante delito a cometer ou a tomar parte em determinados crimes, previstos na alínea 4ª do artigo 41º [64]. Podem também continuar a perseguir quando uma pessoa sujeita a detenção provisória, ou cumprindo pena privativa de liberdade, se evadiu. Se for possível devem as forças policiais avisar com antecedência, nomeadamente pelas vias de comunicação previstas no artigo 44º, a outra parte contratante, que vão continuar a perseguição no seu território. Se não for possível efectuar esse aviso, têm as forças policiais que entram no território de outro estado a obrigação de comunicar com a brevidade possível essa entrada.
No que toca à interpelação da pessoa perseguida, o nº 2 do artigo 41º refere que os agentes perseguidores em regra não têm o direito de interpelação tendo de deixar essas funções para os agentes nacionais do estado onde ocorra a perseguição. Mas no caso de não ser formulado pedido de interrupção de perseguição e as autoridades locais não poderem intervir com suficiente rapidez, os agentes perseguidores podem interpelar a pessoa perseguida até que os agentes da parte contratante em que ocorreu a detenção (que devem ser informados de imediato) possam determinar a sua identidade ou proceder à sua detenção. O que resulta deste artigo é que, de acordo com o tipo de colaboração e relações que diferentes forças policiais tiverem entre si, os resultados obtidos poderão ser muito diferentes, apesar de as disposições legais aplicáveis nos diferentes estados serem as mesmas.
Na prática, estas modalidades de perseguição, além da regulamentação já prevista na Convenção, necessitam ainda de maior precisão em certas questões. Por exemplo a questão da distância dentro da qual as forças policiais de um estado podem usar deste direito de perseguição no outro estado não está definido. Prevê o parágrafo 9º do artigo 41º que, no momento da assinatura da Convenção, cada parte fará uma declaração onde indicará as modalidades de perseguição, relativamente a cada uma das partes contratantes com que tenha fronteiras comuns. A Holanda, por exemplo, declarou que permite essa perseguição numa distância de 10 quilómetros, o que corresponde às regras do Tratado do Benelux de Extradição e Entreajuda Judiciária em Matéria Penal; na Bélgica a perseguição só pode ter uma duração de 30 minutos.
A declaração do governo português relativa às modalidades de exercício do direito de perseguição refere que para uma perseguição continuar no território da República Portuguesa têm de se verificar as seguintes condições:
a) Não podem interpelar a pessoa perseguida;
b) A perseguição só pode realizar-se até 50 Km da fronteira (ou durante duas horas);
c) Devem, logo que possível, dar conhecimento de tal facto às autoridades portuguesas;
d) Só podem ser invocadas as infracções enumeradas na alínea a) do nº 4º do artigo 41º [65].
Resulta destas disposições que se pretendeu regular este direito de observação e de perseguição com a maior precisão possível, de modo a assegurar que o exercício destes direitos no território de outra parte contratante, tenha lugar sob poder das autoridades locais desse estado e que só fosse utilizado em casos de verdadeira necessidade.
Para o exercício destes direitos de observação e de perseguição estão previstas determinadas condições gerais que terão de se verificar de modo a garantir a segurança dos cidadãos e que são as seguintes, previstas no nº 5 do artigo 41º:
- Respeito pelo direito do estado no qual a acção se desenrola;
- Obrigação de obedecer às autoridades localmente competentes;
- É proibida a entrada nos domicílios e locais não acessíveis ao público;
- Os agentes perseguidores deverão ser facilmente identificáveis (uniforme, braçadeira);
- Os agentes perseguidores podem estar munidos da sua arma de serviço, mas só a podem utilizar em caso de legítima defesa.
- Os agentes perseguidores devem relatar a sua missão às autoridades localmente competentes no território da parte contratante onde ocorreu a missão.
Curioso é notar a opção entre 50 Km ou duas horas de perseguição, e saber o que farão as forças policiais quando a pessoa que perseguem estiver a 51 Km da fronteira, ou já se encontrar no território desse estado há mais de duas horas.
A questão que se pode levantar é a de se saber se toda esta regulamentação não limitará estes direitos, que ao mesmo tempo são concedidos, a um ponto em que o seu uso ficará muito restringido. Só determinados crimes [66], só em determinadas condições [67], com todos os condicionalismos de informação a prestar e ainda o dever de depois da perseguição colaborarem na elaboração do inquérito consecutivo à operação em que participaram, inclusivamente em processos judiciais [68].
A entrega vigiada é uma técnica policial, prevista na Convenção no artigo 73º, já no capítulo da cooperação judiciária, mas que é um instrumento de cooperação policial, utilizada sobretudo no combate ao tráfico de estupefacientes, e que consiste em vigiar o caminho seguido para uma entrega de droga com a finalidade de, depois, deter não só o motorista, mas o máximo de gente responsável por esse tráfico. A decisão de usar esta técnica policial deverá ser tomada caso a caso, cada força policial tem a direcção e o controlo das operações no seu território e cada força policial está habilitada a intervir se necessário.
O artigo 45º obriga as partes contratantes a tomarem medidas para garantirem que seja efectuado o registo de estrangeiros em estabelecimentos de alojamento e também quando estejam alojadas em tendas, caravanas e barcos que tenham locado para esse fim.
A possibilidade da existência de oficiais de ligação de uma parte contratante junto dos serviços de polícia de outra parte contratante pode favorecer o crescimento da cooperação policial [69]. Na realidade já existem diversos casos em que estas trocas são efectuadas. No entanto, é de notar que, para haver esta troca de oficiais de ligação, é necessário haver um acordo bilateral entre os estados em causa. Podem-se no entanto celebrar acordos multilaterais, que permitam que um oficial de ligação de um estado possa representar igualmente os interesses de uma ou mais partes contratantes, nomeadamente fornecendo informações, ou elaborando relatórios que serão depois enviados aos diferentes estados signatários desses acordos.
Na prática, estes oficiais de ligação não têm qualquer poder efectivo operacional no estado onde se encontram destacados, tendo por missão emitir pareceres e dar assistência nos termos previstos nas alíneas a), b) e c) do nº 2 do artigo 47º.
1.3.2 - Os estupefacientes
Outra forma de cooperação policial operacional, não apenas administrativa, verifica-se na cooperação em matéria de luta contra os estupefacientes [70]. No artigo 71º encontrou-se um compromisso complicado baseada em dois princípios: a responsabilidade pela política adoptada no próprio território é nacional e é responsabilidade colectiva no que resulta da aplicação dessa política para os outros estados Schengen [71].
Estas questões correspondem ao já referido subgrupo 1 do Grupo de Trabalho I, que está previsto e regulado no artigo 70º da Convenção.
Os ministros dos estados Schengen, na reunião de 30 de Junho de 1993, decidiram relativamente a esta matéria, que se deveria:
- proceder a um reforço dos controlos nas fronteiras externas, eliminando as limitações encontradas pelo grupo de trabalho;
- adoptar um modelo de certificado autorizando o transporte de estupefacientes e substâncias análogas necessárias para tratamento médico;
- reforçar a entreajuda judiciária em matéria de estupefacientes.
- criar meios destinados a lutar contra a exportação ilícita de estupefacientes de partes contratantes.
O artigo 70º prevê a criação de um grupo permanente, "grupo estupefacientes", destinado a estudar todos os problemas relacionados com esta matéria, apresentar propostas e indicar melhores soluções para o problema. De acordo com decisão do Grupo Central de 9 de Julho de 1993, o "grupo estupefacientes" deverá:
- acompanhar a realização das decisões dos ministros dos estados Schengen tomadas na reunião de 30 de Junho de 1993;
- desenvolver a troca concreta de informações;
- verificar a ratificação por parte de todos os estados Schengen, das Convenções das Nações Unidas de 1961, 1971 e 1988.
Nas normas da Convenção sobre este tema, é necessário distinguir, desde logo, as disposições sobre circulação legal e circulação ilegal de estupefacientes e substâncias psicotrópicas.
A circulação legal destes produtos resulta dos casos em que os viajantes transportam determinados produtos, no âmbito de um tratamento médico, mas que podem ser considerados proibidos no estado para onde vão viajar e não no estado donde vêem. Nestes casos basta um certificado autenticado por uma autoridade competente do estado de residência, em que seja referida a natureza e quantidade dos produtos, bem como a duração da viagem, para poderem transportar estupefacientes e substâncias psicotrópicas [72].
O que resulta deste artigo é que só quando os estupefacientes e substâncias psicotrópicas foram adquiridas no estado de residência e com a passagem do respectivo certificado, pode o viajante transportá-los livremente, mas se adquirir esses produtos num estado terceiro e depois viajar para outro estado do Grupo Schengen, já não pode transportar esses produtos, quer os tenha adquirido num estado que faça parte do Grupo Schengen, ou que dele não faça parte.
Outro caso de circulação legal de estupefacientes e substâncias psicotrópicas é quando essas substâncias se destinam ao fabrico de medicamentos. As convenções das Nações Unidas referentes a estas matérias [73] obrigam os estados membros a efectuar controlos obrigatórios sempre que se verificar a circulação legal destes produtos. Os estados Schengen acordaram em efectuar esse controlo, não nas fronteiras, mas tanto quanto possível no interior do estado [74].
De acordo com o artigo 71º, as partes contratantes comprometem-se a adoptar as medidas de combate previstas nas convenções das Nações Unidas nesta matéria e em aderir a essas convenções, caso ainda o não tenham feito. Este artigo vai obrigar a Holanda a alterar a sua legislação em matéria de droga.
Na questão da droga, as soluções possíveis são particularmente difíceis de encontrar, pois cada estado tem a sua tradição e determinadas valores que podem ser muito diferentes dos de outra parte contratante. Durante as negociações verificou-se sempre uma grande diferença nas posições defendidas pela Holanda (nomeadamente sobre a distinção entre drogas duras e drogas leves e entre consumidores e traficantes) e dos outros estados de Schengen, embora entre eles também existam diferentes posições.
1.3.3 - As armas e munições
Este tema é tratado pelo subgrupo 2 do Grupo de Trabalho I, de acordo com os artigos 77º a 91º da Convenção de Schengen. O problema essencial que se coloca neste capítulo resulta do facto de cada estado membro regular à sua maneira o uso e porte de armas, o que tem como consequências imediatas, por exemplo, que uma arma proibida num estado seja permitida noutro ou que as condições de emissão de licenças de uso e porte de arma sejam diferentes nos vários estados.
Para evitar esse problema, os estados comprometeram-se a adaptar as suas disposições legislativas, regulamentares e administrativas nacionais, relativas à aquisição, detenção, comércio e cedência de armas de fogo e de munições [75].
A base das disposições da convenção sobre esta matéria parte de uma classificação das armas de fogo e munições nos seguintes termos [76] (mas estando prevista desde logo a possibilidade de essa lista ser alterada ou completada, a fim de ter em conta a evolução técnica, bem como a segurança do estado [77]):
a) Armas proibidas, por exemplo armas de fogo automáticas e de guerra e munições com balas perfurantes, explosivas ou incendiárias [78].
b) Armas sujeitas a autorização, por exemplo os revólveres [79].
c) Armas sujeitas a declaração, por exemplo as armas de caça [80].
No artigo 83º são indicadas as condições para emissão de uma autorização de aquisição e de detenção de uma arma de fogo, a que se refere o artigo 80º. Como os diferentes estados tem diferentes tradições nesta matéria irá ser difícil uma harmonização imediata.
Para maior protecção, foram criadas disposições que impõem a criação de um registo de fabricantes e dos que comercializam armas de fogo sujeitas a autorização ou declaração, um registo dessas armas, a obrigatoriedade de um número de ordem que identifique a arma e que esse número figure na autorização de posse da arma [81]; bem como a proibição de um detentor legítimo de uma arma de fogo sujeita a autorização ou declaração, a poder ceder a pessoa que não tenha autorização de aquisição ou certificado de declaração [82].
No entanto, todas estas disposições são as regras mínimas a que devem obedecer as partes contratantes, pois o artigo 90º permite a essas partes adoptarem posições nacionais mais rigorosas nestas matérias.
Foi também criado um mecanismo de troca de informações relativas à detenção de armas de fogo por particulares ou armeiros retalhistas, com base na Convenção Europeia de 28 de Junho de 1978 sobre o controlo da aquisição e da detenção de armas de fogo por particulares.
As disposições da Convenção de Schengen relativas a armas são muito idênticas às da Directiva nº 91/477/CEE de 18 de Junho de 1991, excepto em duas disposições:
- o artigo 79º, parágrafo 1º alínea e), considera munições proibidas as munições para pistolas e revólveres, de projécteis dum-dum ou de ponta oca, bem como os projécteis para estas munições, ao passo que a directiva comunitária permite a utilização destas munições sobre reserva de autorização no que toca às armas de caça e de tiro;
- o artigo 91º, parágrafo 1º, refere que os estados devem na elaboração das suas legislações nacionais ter em consideração as disposições da Convenção Europeia de 28 de Junho de 1978, o que obviamente a directiva comunitária em matéria de armas não faz.
1.3.4 - Imigração clandestina
Estas questões são tratadas no Acordo de Schengen nos artigos 7º, 9º e 17º, que prevêem a cooperação contra a entrada e estada irregular de pessoas e a luta contra a imigração ilegal; correspondem ao subgrupo 3 do Grupo de Trabalho I.
Na Convenção de Schengen a imigração ilegal é um dos aspectos previstos, não directamente mas incluído nas normas relativas a vistos e asilo. Assim, estão previstas:
- regras comuns relativas à expulsão de um estrangeiro que resida ilegalmente num estado membro e que pode ser expulso para o seu estado de origem, ou para qualquer outro estado em que a sua entrada seja aceite, ou para um estado em que seja aceite em virtude dos acordos de readmissão [83];
- regras relativas à harmonização de disposições penais sobre a ajuda à imigração ilegal, dando particular importância à sanção, para a pessoa que fomente ou tente fomentar com fins lucrativos a entrada e permanência de estrangeiros no território de uma parte contratante, violando a legislação desse estado em matéria de entrada e residência de estrangeiros [84];
- as partes contratantes comprometem-se a introduzir na sua legislação disposições sobre a obrigação de o transportador tomar as medidas necessárias para assegurar que o estrangeiro transportado por via aérea ou marítima, se encontra na posse dos documentos exigidos para entrar no território das partes contratantes e a obrigação de os transportadores tomarem a seu cargo uma pessoa a que seja recusada a entrada no território de uma parte contratante e conduzi-lo ao estado terceiro, a partir do qual foi transportado, ou que emitiu o documento de viagem com o qual essa pessoa viajou ou a qualquer outro estado terceiro em que a sua admissão seja garantida.