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O Acordo e a Convenção de Schengen

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08/01/2006 às 00:00
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1.5 - Vistos

Com a Convenção de Schengen é criada uma política comum de vistos relativa aos estrangeiros não comunitários, com um sistema de vistos uniforme [95]. Para atingir esse fim foram criadas 3 listas pelo grupo de trabalho 2 de Schengen que é responsável pelos vistos [96]. Esta foi uma das soluções encontradas para fazer face à abolição dos controlos nas fronteiras internas.

A primeira lista está prevista na Convenção de Schengen e é a chamada "lista negativa", onde são indicados 123 estados, para os quais os seus nacionais necessitam de visto para entrar no espaço Schengen [97].

Na segunda lista, chamada "lista branca", são indicados 20 estados para os quais os seus nacionais não necessitam de visto para entrar no espaço Schengen [98].

Uma terceira lista é chamada a "lista cinzenta", onde são exigidos vistos aos nacionais desses estados para poderem entrar nalguns estados Schengen e os mesmos não necessitam de vistos para entrar noutros estados Schengen [99].

Devido ao artigo 100º-C, nº 1 do Tratado da U.E., que dispõe que "O Conselho, deliberando por unanimidade, sob proposta da Comissão e após consulta ao Parlamento Europeu, determinará quais os estados terceiros cujos nacionais devem ser detentores de visto para transporem as fronteiras externas dos estados membros", todo este sistema de vistos de Schengen está posto em causa, pois, como as disposições de Schengen só podem ser aplicáveis na medida em que sejam compatíveis com o direito comunitário [100], quando o Conselho aprovar essa lista, as disposições de Schengen nessa matéria ficam sem efeito.

O sistema dos vistos de Schengen é baseado em dois tipos: vistos para estadas de curta duração e vistos para estadas de longa duração.

O visto para estada de curta duração tem uma duração máxima de 3 meses [101] e, até à instituição desse visto, as partes contratantes reconhecem os vistos nacionais de qualquer estado membro, desde que sejam emitidos de acordo com as regras previstas na Convenção de Schengen [102]. As partes contratantes têm no entanto o direito de restringir a validade territorial do visto de acordo com as modalidades comuns determinadas no âmbito das disposições pertinentes do capítulo II da Convenção de Schengen. Estes vistos de curta duração podem consistir em vistos de viagem válidos para uma ou mais entradas, desde que não exceda três meses consecutivos ou três meses por semestre a contar da primeira entrada [103], ou um visto de trânsito para que o seu titular possa circular uma, duas ou excepcionalmente mais vezes nos territórios das partes contratantes, para se dirigir ao território de um estado terceiro sem que a duração do trânsito possa ultrapassar cinco dias.

A emissão destes vistos para estadas de curta duração [104] será feita pelas autoridades diplomáticas e consulares das partes contratantes, ou pelas autoridades das partes contratantes designadas nos termos do artigo 17º nº 3, alínea b) [105]. O Comité Executivo é um órgão que foi criado para adoptar regras comuns para a emissão dos vistos de curta duração, velar pela sua correcta aplicação e adaptá-las a novas situações e circunstâncias [106], bem como indicar casos em que a emissão do visto será submetido à consulta da autoridade central da parte contratante, à qual o pedido foi apresentado e se for necessário também às autoridades centrais das outras partes contratantes [107]. É ainda função do Comité Executivo tomar as decisões necessárias relativas a uma série de pontos [108].

Quanto aos vistos para as estadas de longa duração (superiores a 3 meses), são vistos nacionais, emitidos de acordo com a legislação nacional da parte contratante que emite o visto e permitem circular pelo território das outras partes contratantes a fim de se dirigirem ao território da parte contratante que o emitiu, excepto se não preencherem as condições de entrada referidas no artigo 5º nº 1, alíneas a), d) e e) [109], ou se constarem da lista nacional de pessoas indicadas da parte contratante pelo território da qual pretende transitar [110].

Esta matéria dos vistos é muito importante para o tema que estamos a estudar, pois pode ser um contributo relevante para a segurança ou insegurança na U.E., de acordo com os critérios que forem adoptados para a emissão dos vistos e são um elemento essencial para a criação da "Europa-fortaleza", caso seja muito difícil a obtenção de um visto.

A Amnistia Internacional acha que este sistema de vistos põe em causa direitos dos estrangeiros, referindo que "l´´empêchent des personnes fuyant le risque d´´emprisonnement comme prisioniers d´´opinion, fuyant également le risque de torture, de disparition ou d´´execution, d´´avoir accès à la procédure de détermination du statut de réfugié" [111].


1.6 - Asilo

A convenção de Schengen trata da matéria relativa a asilo e pedidos de asilo não num capítulo autónomo, mas integrado no Título II da Convenção [112], nos 11 artigos do seu capítulo VII, e no seu artigo 1º define pedido de asilo como "qualquer pedido apresentado por escrito, oralmente ou de qualquer outro modo, por um estrangeiro na fronteira externa ou no território de uma parte contratante, com vista a obter o reconhecimento da sua qualidade de refugiado, ao abrigo da Convenção de Genebra de 28 de Julho de 1951 relativa ao estatuto dos refugiados, tal como alterada pelo Protocolo de Nova Iorque de 31 de Janeiro de 1967, bem como beneficiar nesta qualidade de um direito de residência".

A Convenção de Schengen confunde duas noções que juridicamente são distintas: a de asilo, que corresponde a um direito de permanência no território de um estado com vista a beneficiar da protecção deste, e a de refugiado, que identifica a pessoa que requer o asilo. Mas o estado, de acordo com o artigo 29º da Convenção, não tem a obrigação de autorizar todos os requerentes de asilo a entrarem ou residirem no seu território. Isto confirma o princípio reconhecido de que o direito de asilo é um direito do estado e não um direito do indivíduo, trata-se de direito de asilo e não direito ao asilo.

A Convenção de Dublin foi assinada quatro dias antes da Convenção de Schengen. O problema que se coloca de imediato, uma vez que ambas têm normas que são idênticas e simultaneamente ambas têm normas que são diferentes entre si, é o de saber numa situação concreta qual é a convenção que se aplica.

A Convenção de Viena sobre o direito dos tratados dispõe que "O tratado anterior não se aplica, senão na medida em que as suas disposições sejam compatíveis com as de um tratado posterior" [113]. Parece assim que a solução mais correcta será a de aplicar a Convenção de Schengen quando a questão surgir no território de estados Schengen e aplicar a Convenção de Dublin nos restantes casos. É necessário ter no entanto em conta as disposições da Convenção de Genebra [114], as disposições comunitárias nesta matéria e as disposições de Schengen e de Dublin [115] para decidir qual a disposição a aplicar.

No entanto, foi decidida uma outra solução em que o capítulo da Convenção de Schengen sobre asilo não se aplica quando a Convenção de Dublin entrar em vigor [116].

Quer no artigo 28º, quer no artigo 135º da Convenção de Schengen as partes contratantes reconhecem a autoridade e reiteram as suas obrigações nos termos da Convenção de Genebra de 28 de Julho de 1951, relativo aos estatutos dos refugiados, tal como alterado pelo protocolo de Nova Iorque de 31 de Janeiro de 1967.

Destas normas resulta uma hierarquia entre diferentes convenções sobre o mesmo tema e, em consequência, as disposições da Convenção de Schengen ou da Convenção de Dublin contrárias à Convenção de Genebra não se aplicarão.

O artigo 1º da Convenção define requerente de asilo, como "qualquer estrangeiro que tenha apresentado um pedido de asilo na acepção da presente Convenção e em relação ao qual não tenha ainda sido tomada uma decisão definitiva". O problema imediato que se coloca é o da interpretação desta definição pelas diferentes partes contratantes. O que se deve entender por decisão definitiva? Uma pessoa à qual o seu pedido foi recusado deve integrar-se nesta definição ou não? Assim, uma recusa de admissibilidade do pedido de asilo na Bélgica é considerada como uma decisão definitiva e no mesmo sentido decide a jurisprudência holandesa [117]. Outro problema resulta da dificuldade de haver uma interpretação conforme de certos conceitos que é necessário fazer para conceder o asilo, como é o caso de ordem pública, segurança pública e medo de perseguição.

A Convenção de Schengen no seu artigo 29º, nº 1, declara o princípio da responsabilidade do estado pelo tratamento dos pedidos de asilo que sejam efectuados no seu território. Este princípio, que é novo, pretende evitar os chamados "refugiados em órbita (R.I.O.- Refugges in Orbit)" [118] que seriam os refugiados que eram enviados de aeroporto para aeroporto, de fronteira para fronteira, sem chegarem a ter uma resposta ao seu pedido. De acordo com este princípio o requerente de asilo terá direito a que o estado responsável analise o seu pedido e vai evitar-se muito trabalho aos estados, ao limitarem-se os pedidos simultâneos ou sucessivos em diferentes estados.

O artigo 30º determina, nas suas 7 alíneas, os critérios que definem a parte contratante responsável pelo tratamento de um pedido de asilo. Resumidamente esses critérios podem reduzir-se a dois:

- é responsável o estado que emitiu ao requerente os documentos necessários que lhe permitam entrar no território de um estado Schengen: visto, título de residência.

- se não tiver tais documentos, é responsável o estado pela fronteira do qual o requerente tenha entrado.

Este segundo caso é o mais frequente. Na prática o primeiro objectivo desta pessoa é chegar ao estado de destino e só depois legalizar a sua situação.

Esta regra do princípio da responsabilidade tem na Convenção duas excepções.

Uma que resulta do reagrupamento familiar, prevista no artigo 35º nº 1, não com esse nome, mas é claro que é esse o seu objectivo [119] e que define o estado responsável por um pedido de asilo de membros da família de uma pessoa a que esse estado já tiver reconhecido o estatuto de refugiado e concedido o direito de residência como sendo esse estado, desde que os interessados o consintam. Para evitar exageros baseados neste princípio, a Convenção, no artigo 35º nº 2, define, duma forma muito restritiva, os membros da família que podem beneficiar deste direito, como sendo unicamente o cônjuge ou filho solteiro menor de 18 anos, ou se o refugiado for um menor de 18 anos solteiro, o seu pai e/ou a sua mãe.

Outra excepção está prevista no artigo 29º nº 4, e permite ao estado responsável pedir a outro que trate do pedido de asilo, podendo as razões ser de diversa ordem, nomeadamente humanitárias, culturais.

O que vai resultar destas excepções é que o que deveria ser um sistema fechado e coerente, vai ter lacunas, que permitem a um requerente ter diversos pedidos simultâneos em diferentes estados Schengen, quando era o contrário que se pretendia [120].

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Também o artigo 5º nº 2, permite excepções ao autorizar que uma parte contratante, por razões humanitárias, de interesse nacional ou de obrigações internacionais, pode admitir a entrada de um estrangeiro que não preencha os requisitos necessários para entrar no espaço Schengen.

Com estas excepções, torna-se impossível uma harmonização das regras relativas ao asilo e o próprio sistema é posto em causa.

O processo de pedido de asilo inicia-se portanto com a determinação da parte contratante responsável pelo tratamento do pedido de asilo, como dispõe o artigo 30º. No seu nº 2, o artigo 30º prevê que se um requerente de asilo se encontrar no território de uma parte contratante, que, de acordo com a Convenção, não é a responsável pelo tratamento do pedido, esta pode solicitar à parte responsável que tome a seu cargo o requerente de asilo a fim de assegurar o tratamento do seu pedido. No entanto, nenhuma parte contratante é obrigada a aceitar a entrada de um requerente de asilo no seu território. O artigo 29º nº 2, dispõe que "qualquer parte contratante mantém o direito de interditar a entrada ou expulsar um requerente de asilo para um estado terceiro, com base nas suas disposições nacionais e em conformidade com os seus compromissos internacionais". Dependerá pois das tradições de cada estado, da sua legislação e da oportunidade política, o facto de aceitarem facilmente pedidos de asilo ou não.

O artigo 32º da Convenção de Schengen refere que "A parte contratante responsável tratará o pedido de asilo em conformidade com o seu direito nacional". Daqui resulta que o tratamento dos pedidos, as definições, os processos administrativos e as garantias existentes são diferentes de estado para estado, e, por isso, esta é mais uma norma que dificulta a harmonização nesta matéria.

Os restantes artigos relativos a esta matéria prevêem alterações nos critérios de escolha das partes contratantes responsáveis e a troca de informações entre elas. Nesta troca de informações é de realçar que o requerente tem o direito de ser informado sobre as informações trocadas a seu respeito e no caso de verificar que estas não são exactas, exigir que sejam destruídas ou corrigidas [121]. Esta troca de informações pretende facilitar a elaboração do pedido de asilo, que poderá assim ser mais célere e estar de acordo com todas as partes contratantes.

Relacionada com esta matéria está o artigo 26º, especialmente o seu nº 2, que, ao prever que as transportadoras que conduzam por via aérea ou marítima, de um estado terceiro para o território de um estado Schengen, um estrangeiro que não possua os documentos de viagem exigidos, ficam sujeitas a sanções. No entanto, esta não é a posição adoptada por todos os estados ou por todas as convenções. A convenção de Chicago, na sua disposição 3.37.1 do anexo 9, faz uma distinção entre a negligência da companhia de transportes ao permitir embarcar uma pessoa sem os documentos exigidos e a situação em que o passageiro possui documentos mas estes são falsos. Assim, apenas quando houver negligência por parte da companhia transportadora é que esta poderá ficar sujeita a sanções. Idêntica posição nesta matéria defende o Conselho de Estado Holandês e utiliza ainda o argumento de que é difícil de exigir aos funcionários das transportadoras que conheçam todos os documentos exigidos a um estrangeiro para entrar em diferentes estados. No mesmo sentido decidiu o Conselho Constitucional Francês na sua decisão de 25 de Fevereiro de 1992, ao afirmar que não é às transportadoras que incumbe a obrigação de verificar a regularidade da situação dos seus passageiros, de se pronunciar sobre a autenticidade dos seus passaportes ou vistos ou outros documentos e que a Convenção de Schengen atribuiu às companhias transportadoras e aos seus funcionários funções policiais [122].

Uma análise de direito comparado revela que alguns dos estado Schengen prevêem como sanção nesta situação, a obrigação da companhia transportadora transportar de volta o estrangeiro ao seu local de partida [123]. Uma vez que a Convenção no seu artigo 29º nº 2, não define quais as sanções a aplicar será esta considerada sanção suficiente, ou terá de haver outras sanções.

Este sistema vai contribuir para que os verdadeiros refugiados, que necessitam desesperadamente de asilo, mas que não têm documentos, nomeadamente porque o seu estado de origem lhos retirou, não possam beneficiar deste direito de asilo, previsto nos direitos do Homem, que a Europa se orgulha de reconhecer e conceder, ou porque são recambiados quando chegam ao estado de destino, ou porque as companhias transportadoras aéreas ou outras nem lhes autorizam que entrem nos meios de transporte que lhes permitiria poder vir a adquirir o asilo.

Este sistema obrigou a modificações legais nas legislações nacionais de alguns estados, como foi o caso da Alemanha que alterou a sua Constituição para estar conforme à Convenção de Schengen e poder ratificar esta Convenção. O artigo em causa é o 16º que continua a prever a possibilidade de as pessoas perseguidas por razões políticas poderem beneficiar de asilo na Alemanha, mas cria dois processos de asilo conforme o estado de origem do requerente.

Este sistema que em teoria podia funcionar correctamente, na prática face às diferentes políticas de asilo de cada estado, às diferentes práticas administrativas, às diferentes legislações nacionais, pode resultar em que um estado seja mais permissivo que outro. Como depois de estar no espaço Schengen, o requerente de asilo pode atingir rapidamente o seu estado de destino final, estes estados mais permissivos na concessão de asilo têm de restringir os seus critérios, para evitar um grande aumento de refugiados nos estados que tradicionalmente são receptores de requerentes de asilo.

O Senado Belga, sobre esta questão do asilo, parece entender que se está a dificultar o acesso ao espaço Schengen, quando diz: "On a l´´impression que ce traité limite en fait le droit d´´asile. Le droit d´´asile peut en effet être limité dans les circonstances où cela s´´avère nécéssaire, mais cela donne l´´impression que l´´on va beaucoup plus loin que dans les législations nationales. Si l´´on procédait à une harmonisation en partant de ces dispositions, on arriverait à la conclusion que le droit d´´asile sera limité à son interprétation la plus limitative" [124].

Os requerentes de asilo irão escolher em primeiro lugar um estado que tradicionalmente não utilize critérios tão severos na sua admissão. Com este sistema, de as decisões serem comuns a todos os estados, para haver uma harmonização e para defender os estados que têm uma política mais severa nesta matéria, os restantes teriam de começar a ter atitudes mais restritivas nestas matérias de modo a permitir o funcionamento da Convenção de Schengen, o que vai provocar um nivelamento por baixo, ao obrigar os estados a adoptarem medidas mais restritivas.

Se estes mecanismos forem cumpridos, e como são bastantes restritivos, não é pelos requerentes de asilo que a segurança da U.E. parece poder vir a diminuir.

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Sobre o autor
Eugénio Pereira Lucas

professor adjunto da Escola Superior de Tecnologia e Gestão de Leiria - Instituto Politécnico de Leiria em Fátima (Portugal)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LUCAS, Eugénio Pereira. O Acordo e a Convenção de Schengen. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 919, 8 jan. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7809. Acesso em: 28 mar. 2024.

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