Introdução
O Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) é um tributo de competência Municipal e incidente sobre a transmissão onerosa de bem imóvel praticado entre vivos. Deve-se entender que a transmissão de bem imóvel ocorre com a “...mudança de titularidade do direito, saindo do patrimônio do transmitente para o de terceiro...”1.
A base de cálculo do ITBI “...é o valor venal dos bens ou direitos transmitidos...”2. Entende-se como “...valor venal...” “...o valor real da venda do imóvel ou de mercado, o qual não se identifica necessariamente com a base de cálculo do IPTU...”3, nem com o valor declarado pelo adquirente4 ou o constante na Escritura de Compra e Venda5.
Assim, esse artigo fixa-se na questão decorrente da transmissão de bem imóvel cuja finalidade é a integralização de capital. Ato complexo e fonte de dúvidas, tais como: O tributo devido é o ITBI ou ITCMD? A operação é totalmente, parcialmente ou não é imune? A base de cálculo é o valor declarado na integralização ou o “valor real da venda do imóvel”?
Diante destes questionamentos, o presente artigo pretende enfrentar as questões decorrentes do lançamento do ITBI na integralização de capital.
Considerações gerais sobre ITBI e ITCMD
A alíquota máxima do ITCMD foi definida na Resolução6 do Senado Federal nº 8 de 1992 em 8%, já praticada por dez Estados7, tendo alíquota inferior ao tributo equivalente praticado em outros países do Mundo.
As pressões dos governos estaduais para aumentar a alíquota deste imposto, acompanhando a tendência mundial, pode induzir o surgimento de empresas cujo objetivo não é econômico, mas de planejamento tributário.
Exemplifica-se: A participação numa sociedade é considerada no inventário. Entretanto, se na integralização do capital social foi utilizado o valor histórico dos imóveis, procedimento permitido pelo Artigo8 nº 23 da Lei nº 9249/1995, e não for corrigido9, haverá prejuízo no lançamento do ITCMD. Esta elisão é minorada com a avaliação da empresa para determinar o real valor da participação10. Infelizmente este procedimento trabalhoso e complexo não é realizado por muitos Estados.
Em síntese, o que deveria beneficiar a empresa nascente passou a ser utilizada como instrumento de planejamento sucessório com o menor custo tributário.
A tributação da integralização de bem em Pessoa Jurídica
A questão trazida para discussão tem como cerne a transmissão de bem imóvel que sai do patrimônio pessoal do sócio para ingressar no patrimônio da pessoa jurídica, sendo que o valor econômico declarado, para a Fazenda Pública, é inferior ao valor que o bem alcança em mercado. Diante deste cenário, a Fazenda Municipal tem defendido que é possível a concessão parcial da imunidade tributária, prevista no Artigo nº 156, § 2º da Constituição de 1988, sob os fundamentos da preservação da vontade do legislador e do interesse público.
As “...hipóteses de imunidades, previstas constitucionalmente, destinam-se à promoção dos direitos fundamentais e de outros valores constitucionalmente relevantes, como a educação, a saúde, a liberdade religiosa, a liberdade de organização partidária, o desenvolvimento econômico, bem como a forma federativa do Estado...”11 e que “...o legislador constituinte, ao imunizar a transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio da pessoa jurídica em integralização de capital (art. 156, § 2º, I, da CF), pretendeu exclusivamente incentivar o crescimento da empresa, evitando que o recolhimento do ITBI se transformasse num estímulo contrário à formalização dos negócios. Qualquer desvio de finalidade da norma constitucional, direcionada a beneficiar pessoalmente os sócios, deve ser coibida...”12
Entende-se que a imunidade tem a finalidade de imunizar aquilo que perfazerá a integralização de capital social. Portanto, a concessão parcial de imunidade seria a materialização do alcance teleológico da regra constitucional imunizante. Explica-se:
Se um bem imóvel terá sua propriedade transmitida para uma empresa, deve todo esse valor ser integralizado como capital social da pessoa jurídica. Contudo, quando a integralização deste bem, no patrimônio da organização, se faz por valor menor daquele que o bem alcança em transação imobiliária, a diferença será a base de cálculo para a aplicação da alíquota do ITBI.
O capital social de uma empresa é o valor que cada sócio integralizou ou que integralizará em um empreendimento, para que se inicie ou se mantenha o negócio13. Bertoldi e Ribeiro defendem que:
A função social do capital social, composto inicialmente pelas contribuições aportadas à sociedade, é de supri-la de bens necessários para a exploração da empresa, nos termos preconizados por seus sócios e conforme seu objeto social. Destaca-se também a função do capital social em determinar as forças que agem internamente na condução de seus rumos, pois o peso do voto de cada um dos sócios é determinado proporcionalmente em relação à sua participação no capital social.
Sendo assim, o capital social serve para fomentar a realização da atividade econômica conforme a obrigação de cada sócio. O aporte de capital além do necessário é ato que deve ser analisado cuidadosamente, haja vista que é um patrimônio que não está guardando referência com o que foi descrito no contrato social. À vista disso, a Procuradoria-Geral da República14, em 2015, no Recurso Extraordinário 796.376-SC, sustenta que:
desborda das pautas da razoabilidade conceber que, independentemente das cotas pertinentes à integralização do capital social, possam ser aportados bens imóveis de valor superior ao necessário, com o benefício da não tributação do ITBI quanto ao excesso.
Portanto, se o imóvel foi apresentado ao Município, com valor inferior ao de mercado, essa diferença deve ser tributada pelo ITBI porque a vontade do legislador é permitir a capitalização da empresa e não a evasão fiscal. Destaca-se que essa posição da Administração não é nem a instituição, tampouco, o aumento de tributo sem lei anterior a sua criação. Desta maneira, não há que se falar em ofensa ao princípio da legalidade. O que a Administração tem feito é proceder à leitura da legislação de acordo com os fins desejados pelo legislador que, naquele momento, entendeu que um bem imóvel ingressaria, integralmente, como patrimônio da pessoa jurídica.
Kiyoshi Harada15 assevera que:
É preciso que haja correspondência entre o valor dos bens imóveis a serem incorporados e o valor do capital subscrito a ser integralizado. Se o valor dos bens imóveis for insuficiente nada impede a sua complementação em dinheiro. Se ao contrário, o valor dos bens imóveis superar o valor do capital subscrito a ser integralizado deverá a diferença ser objeto de tributação pelo ITBI.
Nesta toada, a incorporação de bem, ao patrimônio da pessoa jurídica, com valor inferior àquele que este alcançaria em comercialização no mercado é abuso de direito, no sentido de que esse excesso econômico não retornará em proveito social, afrontando os princípios públicos voltados ao bem comum. Acrescenta-se que não se pode “...estimular o surgimento de empresas criadas unicamente para o propósito de acolher imóveis, sem preocupação com a contrapartida dos benefícios típicos da atividade econômica que devem desempenhar...”16. O que se deve ter em mente é que toda e qualquer manobra, que beneficie pessoalmente os sócios em detrimento da empresa, deve ser rechaçada. Ou seja, se o Estado concede imunidade para determinado fato é porque ele é benéfico para a sociedade, sendo errado pensar que é um privilégio pessoal.
A Jurisprudência tem respaldado o mesmo entendimento:
“APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. ITBI. IMUNIDADE. IMÓVEL INCORPORADO AO PATRIMÔNIO DA PESSOA JURÍDICA EM INTEGRALIZAÇÃO DE CAPITAL. DESVIO DE FINALIDADE DA NORMA CONSTITUCIONAL.
O legislador constituinte, ao imunizar a transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio da pessoa jurídica em integralização de capital (art. 156, § 2º, I, da CF), pretendeu exclusivamente incentivar o crescimento da empresa, evitando que o recolhimento do ITBI se transformasse num estímulo contrário à formalização dos negócios. Qualquer desvio de finalidade da norma constitucional, direcionada a beneficiar pessoalmente os sócios, deve ser coibida. A prova documental revela, na situação examinada, mais que a mera realização de capital social em prol das finalidades da pessoa jurídica, evidenciando que a integralização dos imóveis ao patrimônio da empresa teve, ao fim e ao cabo, o propósito de transmitir os bens aos descendentes sem o pagamento do imposto municipal. Constatado que a incorporação dos bens ao patrimônio da pessoa jurídica não atendeu à finalidade do art. 156, § 2º, I, da CF, com isso, ausente o direito líquido e certo da impetrante à imunidade fiscal, é de ser confirmada a sentença que denegou a segurança. APELO DESPROVIDO. (Apelação Cível Nº 70068958545, Vigésima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: José Aquino Flôres de Camargo, Julgado em 19/05/2016).”
(TJ-RS. AC: 70068958545 RS. Rel. José Aquino Flôres de Camargo. Julg. 19/05/16. Vigésima Segunda Câmara Cível. Publ. DJ 24/05/16) (grifei)
“TRIBUTÁRIO. AGRAVO DE INSTRUMENTO EM MANDADO DE SEGURANÇA. INSURGÊNCIA CONTRA DECISÃO QUE INDEFERIU MEDIDA LIMINAR. ITBI. INCORPORAÇÃO DE IMÓVEIS PARA INTEGRALIZAÇÃO DE CAPITAL SOCIAL DE PESSOA JURÍDICA. PRETENSÃO DE INCIDÊNCIA DA NORMA IMUNIZANTE CONTIDA NO ART. 156, § 2º, INCISO II, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, EM RELAÇÃO AO VALOR TOTAL DOS BENS. IMPOSSIBILIDADE. BENESSE CONSTITUCIONAL RESTRITA AO LIMITE DO CAPITAL E DAS COTAS INTEGRALIZADAS. PRECEDENTES. FUMUS BONI JURIS INDEMONSTRADO. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.
De acordo com o art. 7º, III, da Lei 12.016/2009, a concessão de liminar em sede de mandado de segurança reclama a presença concomitante do fumus boni juris e do periculum in mora. “A imunidade tributária prevista na primeira parte do inciso II do § 2º do art. 156, da Constituição Federal de 1988 impede a incidência do imposto de transmissão de bens imóveis "inter vivos" somente sobre o valor do imóvel necessário à integralização da cota do capital social. Valer dizer, sobre o valor do imóvel incorporado que excede o limite do capital social a ser integralizado ou da própria cota do sócio respectivo, haverá incidência do tributo”.
(Apelação Cível em mandado de Segurança n.º 2011.073712-5, de São João Batista, Rel. Des. Jaime Ramos, Julg. 17/05/12).
O Poder Judiciário do Estado do Paraná do Foro Regional de Pinhais, na sentença em Mandato de Segurança, nos autos n.º 0012221-36.2016.8.16.0033, julgou improcedente o pedido de transferência de bem, por meio de integralização de capital, sem o recolhimento parcial de ITBI, sob o fundamento que o direito da Impetrante, à imunidade constitucional, está limitado ao valor da integralização. O Supremo Tribunal Federal (STF) entende que a imunidade tributária deve ser interpretada restritivamente, atendendo a vontade pretendida pelo legislador (RE 566.259/RS, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, J. 12/08/2010).
Este entendimento está sendo enfrentado e positivado, por exemplo:
A Lei Complementar17 nº 632 de 2008 de Blumenau/SC prevê que “...a não incidência...” do tributo “... restringe-se ao valor do imóvel suficiente à integralização da cota do capital social, incidindo o imposto sobre o excedente do valor venal, se houver...” ou
A Lei Complementar18 nº 36 de 2017 de Eusébio/CE prevê que incide o ITBI no “...excesso de valor decorrente da avaliação realizada pela administração tributária e o constante do documento de incorporação nas transmissões de imóvel ou direitos...”.
Conclusões
A Administração Pública Municipal de forma alguma está interferindo na vontade dos particulares e nem os impedindo de integralizar de bem imóvel que desejarem na Pessoa Jurídica. No entanto, em observância aos princípios constitucionais, aos conceitos apresentados pela legislação e os julgados mais recentes, não há como afastar a tributação parcial pelo ITBI, o qual incidirá na diferença entre o valor de mercado do imóvel e o valor integralizado.
As imunidades constitucionais são exceções e assim devem ser tratadas. Não podem ser restringidas, extinguindo-a tacitamente pela impraticabilidade, e nem ampliadas, substituindo a regra pela exceção.
É imune de ITBI o valor integralizado, declarado pelos sócios e necessário ao funcionamento da empresa, se a atividade preponderante não for “...a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil...”.
A diferença entre o valor de mercado do bem e o valor integralizado foi apropriado pela empresa, faz parte de seu patrimônio e será utilizado. Este montante submete-se a tributação do ITBI e não do ITCMD pela ausência do “animus donandi”. O sócio não desejava doar estes bem à empresa. Se o desejasse, declararia19 na forma de doação.
É justo o constituinte imunizar o valor necessário para o funcionamento da empresa objetivando promover a livre iniciativa. Entretanto, o valor excedente ao necessário para a empresa funcionar é base de cálculo do tributo. Não se trata de restringir o direito de associação ou perseguir o empreendedor, mas tão somente cobrar tributo diante da ocorrência do fato gerador.
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