UM ATO ADMINISTRATIVO CONTRA A DEMOCRACIA NO BRASIL

01/12/2019 às 09:18
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O ARTIGO DISCUTE SOBRE RECENTE FATO CONCRETO ENVOLVENDO A PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA E O PERIÓDICO FOLHA DE SÃO PAULO.

UM ATO ADMINISTRATIVO CONTRA A DEMOCRACIA NO BRASIL

Rogério Tadeu Romano

Licitação é o procedimento administrativo destinado a provocar propostas e escolher proponentes de contratos de execução de obras, serviços, compras ou de alienações do Poder Público. O princípio da licitação significa que essas contratações ficam sujeitas ao procedimento de seleção de propostas mais vantajosas, como regra, para a Administração. Assim se constitui um princípio instrumental da realização dos princípios da moralidade administrativa e do tratamento isonômico dos eventuais contratantes com o Poder Público.

Esse princípio da licitação pública é albergado no artigo 37, XXI, da Constituição.

Lembre-se que a licitação é um procedimento vinculado.

Como bem lembrou Celso Antônio Bandeira de Mello(Curso de direito administrativo, 17ª edição, pág. 104) não pode haver em um Estado Democrático de Direito, no qual o poder reside no povo(artigo 1º, parágrafo único da Constituição), ocultamento aos administrados dos assuntos que a todos interessam e muito menos em relação aos sujeitos individualmente afetados por alguma medida.

É o que diz o artigo 37, caput, da Constituição.

O instituto da licitação é informado por alguns princípios, sendo o primeiro o da igualdade dos administrados, onde todos têm o direito de tratamento igual perante o poder público.

Presidem as regras da licitação, dentre outros, os princípios da igualdade, da impessoalidade e da moralidade administrativa.

Há de haver uma necessária separação entre o público e o privado, de sorte a que não se afronte ao princípio da impessoalidade.

Para Maria Sylvia Zanella Di Pietro(Direito administrativo. 27. ed. São Paulo: Atlas, 2014), o princípio da impessoalidade tem desdobramento em dois prismas, o primeiro com relação a igualdade de atuação em face dos administrados, por meio da qual busca-se a satisfação do interesse público; o segundo com referência a própria Administração, de modo que os atos não são atribuídos aos seus agentes, mas ao órgão responsável, não cabendo àqueles promoção pessoal mediante publicidade de atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos, assim destaca-se:

[...] Exigir impessoalidade da Administração tanto pode significar que esse atributo deve ser observado em relação aos administrados como à própria Administração. No primeiro sentido, o princípio estaria relacionado com a finalidade pública que deve nortear toda a atividade administrativa. Significa que a Administração não pode atuar com vistas a prejudicar ou beneficiar pessoas determinadas, uma vez que é sempre o interesse público que tem que nortear o seu comportamento. [...] No segundo sentido, o princípio significa, segundo José Afonso da Silva (2003:647), baseado na lição de Gordillo que “os atos e provimentos administrativos são imputáveis não ao funcionário que os pratica, mas ao órgão ou entidade administrativa da Administração Pública, de sorte que ele é o autor institucional do ato. Ele é apenas o órgão que formalmente manifesta a vontade estatal”. Acrescenta o autor que, em consequência “as realizações governamentais não são do funcionário ou autoridade, mas da entidade pública em nome de quem as produzira. A própria Constituição dá uma consequência expressa a essa regra, quando, no § 1º do artigo 37, proíbe que conste nome, símbolo ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridade ou servidores públicos em publicidade de atos programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos”. 

Aplica-se o princípio da moralidade, em resumo, sempre que em matéria administrativa se verificar que o comportamento da Administração ou do administrado, que com ela se relaciona juridicamente, embora em consonância com a lei, ofende a moral, os bons costumes, as regras de boa administração, os princípios de justiça e de equidade, a ideia comum de honestidade.

Celso Antônio Bandeira de Mello observa que qualquer elemento residente nas coisas, pessoas ou alterações pode ser escolhido pela lei como fator discriminatório, donde se segue que, de regra, não é o traço de diferenciação escolhido que se deve buscar algum desacato ao princípio isonômico. Todavia as discriminações são compatíveis com a cláusula igualitária apenas tão-somente quando existe um vínculo de correlação lógica entre a peculiaridade diferencial acolhida, por residente no objeto e a desigualdade de tratamento em função dela conferida. Não basta, porém, a existência desta correlação: é ainda necessário que ela não seja incompatível com interesses prestigiados na Constituição (O conteúdo jurídico do princípio da igualdade, São Paulo, 1978, pág. 24).

O vínculo de correlação lógica entre o fator de discriminação e a desigualdade de regime jurídico, a que alude Celso Antônio Bandeira de Mello, nada mais é do que "a proibição do arbítrio" de que falou a doutrina alemã ou a exigência da razoabilidade que tem sido utilizada pela Corte Constitucional da Itália, como cânone interpretativo para o exame da constitucionalidade das leis. 

Assim deve-se acautelar com relação às chamadas desequiparações fortuitas, injustificadas, desrazoáveis. E essa ocorre sempre que não exista uma pertinência e uma coerência lógica do fator de discrímen com a diferenciação procedida. 

Concluiu Celso Antônio Bandeira de Mello (obra citada): "é agredida a igualdade quando o fator diferencial adotado para qualificar os atingidos pela regra não guarda relação de pertinência lógica com a inclusão ou exclusão no benefício deferido ou com a inserção ou arredamento do gravame imposto". 

Repito, na íntegra, a lição de Miguel Seabra Fagundes (O controle dos atos administrativos, 2ª edição, pág. 89 e 90), assim disposta; “A atividade administrativa, sendo condicionada pela lei à obtenção de determinados resultados, não pode a Administração Pública dele se desviar, demandando resultados diversos dos visados pelo legislador. Os atos administrativos devem procurar as consequências que a lei teve em vista quando autorizou a sua prática, sob pena de nulidade.”

Prossegue o eminente administrativista,  que tantas lições deixou entre nós, alertando que se a lei previu que o ato fosse praticado visando a certa finalidade, mas a autoridade o praticou de forma diversa, há um desvio de finalidade.

Há no ato administrativo, para sua higidez e validade, um fim legal a considerar. Marcelo Caetano (Manual de direito administrativo, pág. 507) distinguia os desígnios pessoais, os cálculos ambiciosos, as previsões que o agente faz de si para si, no momento em que se determina a exprimir a vontade administrativa, sem repercussão positivamente exteriorizada, na prática do ato, daqueles que se refletem de modo objetivo na sua prática, vindo a desvirtuá-lo em sua finalidade objetiva.

O agente público não pode usar de seus motivos pessoais para atingir fins outros através de um ato administrativo.

Isso quer dizer que o agente não pode agir com desvio de finalidade.

Censura-se um ato arbitrário de agente político visando a prejudicar aqueles que se contrapõem a seus interesses pessoais. Censura-se o desvio de finalidade e o abuso de poder.

Dito isso, volto-me ao fato.

A Presidência da República excluiu a Folha da relação de veículos nacionais e internacionais exigidos em um processo de licitação para fornecimento de acesso digital ao noticiário da imprensa.

No dia 31 de outubro, o presidente Jair Bolsonaro anunciou que havia determinado o cancelamento de todas as assinaturas da Folha no governo federal.

"Determinei que todo o governo federal rescinda e cancele a assinatura da Folha de S.Paulo. A ordem que eu dei [é que] nenhum órgão do meu governo vai receber o jornal Folha de S.Paulo aqui em Brasília. Está determinado. É o que eu posso fazer, mas nada além disso", disse Bolsonaro, em entrevista à TV Bandeirantes, em 31 de outubro.

Edital do pregão eletrônico publicado nesta quinta-feira (28) no Diário Oficial da União prevê a contratação por um ano, prorrogável por mais cinco, de uma empresa especializada em oferecer a assinatura dos veículos à Presidência.

A medida, por sua violência, revela afronta ao artigo 11 da Lei de Improbidade Administrativa, uma vez que os princípios acima listados foram açoitados, e ainda pode revelar um crime de responsabilidade.

Dita o artigo 7

º da Lei de Crimes de Responsabilidades que são crimes de responsabilidade contra o livre exercício dos direitos políticos, individuais e sociais:

9 - violar patentemente qualquer direito ou garantia individual constante do art. 141 e bem assim os direitos sociais assegurados no artigo 157 da Constituição.

Tem-se ainda o art. 9º São crimes de responsabilidade contra a probidade na administração:

7 - proceder de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo.

Agiu o presidente da República em nítido desvio de finalidade.

O governo federal age contra os princípios da moralidade e impessoalidade que devem nortear a administração pública.

O agente público não pode agir por questões pessoais, por desejos pessoais, no exercício da função pública.

Sem dúvida o ato acima noticiado é eivado de nulidade.

Para tal, poderá o Ministério Público Federal, no Distrito Federal, ajuizar ação de improbidade administrativa.

Sobre isso já escrevi.

O impeachment na Constituição de 1988, no que concerne ao Presidente da Republica, tem o seguinte procedimento: autorizada pela Câmara dos Deputados, por dois tercos de seus membros, a instauração do processo (C.F, art. 51, I), ou admitida a acusação (C.F., art. 86), o Senado Federal processará e julgará o Presidente da República nos crimes de responsabilidade. É dizer: o impeachment do Presidente da República será processado e julgado pelo Senado Federal. O Senado Federal e não mais a Câmara dos Deputados formulará a acusação (juízo de pronuncia) e proferirá o julgamento( CF/88, artigo 51, I; art. 52; artigo 86, § 1º, incisos I e II - MS nº 21.564-DF).

A lei estabelecerá as normas de processo e julgamento(Constituição Federal,  art. 85, par. único). Essas normas estão na Lei n. 1.079, de 1.950, que foi recepcionada, em grande parte, pela Constituição Federal de 1988 (MS nº 21.564-DF).

Tal se dá em decorrência do princípio republicano, na possibilidade de responsabilizá-lo, penal e politicamente, pelos atos ilícitos que venha a praticar no exercício das funções.

Em posição que merece ser considerada como atual, Paulino Ignácio Jacques(Curso de direito constitucional, 7ª edição, Rio de Janeiro, pág. 254) concluiu que vigorava em tema de crime de responsabilidade, impeachment, a tese de que, se a causa do processo não deixa de ser puramente política, o meio – o processo e julgamento – e o fim – a pena – são tipicamente criminais, uma vez que o Presidente da República sofre a imposição de uma pena(perda do cargo, com incapacidade para exercer outro, ou sem ela). Adotamos a tese do impeachment europeu, um processo misto(político-criminal), como notaram Duguit, Esmein, Bryce e Tocqueville, dentre outros, ao passo que o impeachment americano só inflige pena administrativa, pois há um processo meramente político.

Questiona-se se é possível aplicar a Lei de Improbidade Administrativa a Presidente da República, um agente político.  

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 Necessário lembrar lição de Marcelo Figueiredo (Probidade Administrativa, 2ª edição, São Paulo, ed. Malheiros, pág. 24) no sentido de que, com relação aos agentes políticos, ocupantes de cargos eletivos, nada obsta a aplicação da Lei de Improbidade. Nessa linha de pensar, prossegue o ilustre comentarista da Lei nº 8.429/92:

“Verifica-se a amplitude do preceito. O art. 2º menciona as relações e possíveis vínculos dos sujeitos ativos e terceiros, com o intuito de abranger, em um primeiro momento, aqueles que se relacionam diretamente com a ¨administração¨: Os eleitos, os nomeados, os designados, os contratados, os empregados. Há, portanto, equiparação ou ficção legal. Para os efeitos da lei, é indiferente se o sujeito ativo é agente político, servidor contratado por tempo determinado(art. 37, IX, da CF), o ocupante de cargo em comissão, sujeito ao regime da CLT. Todos estão abrangidos pela lei. Em relação à alusão aos ¨eleitos¨, constante do art. 2º(ou, como deseja a lei, ¨agentes públicos¨, guindados por eleição), cumpre tecer breves considerações.

Como é cediço, o regime constitucional dos ocupantes de cargos eletivos(enfocamos os parlamentares) recebe da Constituição um tratamento peculiar, cintado de garantias, imunidades, prerrogativas etc. Gozam os parlamentares dos direitos constitucionais estampados nos arts. 53 e seguintes da CF. Concretamente, são beneficiários pela inviolabilidade criminal em razão de suas opiniões, palavras e votos. Ao lado dela, igualmente estão protegidos pela imunidade criminal, que tem por escopo principal impedir o processo e a prisão. Não podem ser processados sem prévia  licença do órgão a que estão vinculados. Contudo, como visto, as imunidades alcançam o processo criminal, os crimes, não se estendendo a cominações civis ou ao ressarcimento civil. Sendo assim, nada obsta ao ajuizamento da ação prevista na lei em tela. Poderá haver alguma sorte de ¨conexão¨ com o crime; contudo, essa questão somente poderá ser resolvida caso a caso, para efeito de eventual sobrestamento dessa ou daquela ação.¨

E conclui, ao enfrentar a matéria com relação ao Presidente da Republica(obra citada, pág. 25):

¨O Presidente da República pode igualmente sofrer a incidência da presente lei, salvo no caso de perda de função pública e suspensão de direitos políticos. No particular, continua em plena vigência a Lei nº 1.079/50.”

Por sua vez, Sérgio Monteiro Medeiros(Lei de improbidade administrativa, editora Juarez de Oliveira, pág. 29), em interpretação feita à luz dos artigos 86, § 1º; 15, III; 51, I, combinado com o artigo 85, parágrafo único; 85, V, e ainda 86, § 6º, todos da Constituição Federal, conclui que, em face do Presidente da República, ficará desde a posse no cargo, suspensa a tramitação de qualquer ação de improbidade administrativa, uma vez vencida a etapa preliminar e verificada a sua conformidade. Por sua vez, ¨findo o mandato, qualquer que seja o motivo(perda ou decurso do tempo), o ex-Presidente da República, autor do ato ímprobo, cometido ao tempo do mandato, poderá ser processado e sancionado com fundamento na Lei de Improbidade Administrativa, ainda que tenha sido processado, pelas mesmas razões por crime de responsabilidade”. Por certo não há bis in idem, pois este julgamento é exclusivamente político-criminal enquanto que a Lei nº 8.429/92, traz sanções de natureza civil.

No entendimento trazido por Sérgio Monteiro Medeiros(obra citada, pág. 29),, ações de improbidade administrativa podem ser propostas, mas não poderão ter curso após o cumprimento da etapa preliminar. Uma vez distribuída, estando em ordem a inicial(artigo 17, § 7º, da Lei 8.429/92), o Presidente da República deverá ser notificado para a defesa preliminar. Convencendo-se da inexistência do ato de improbidade, da improcedência da ação ou da inadequação da via eleita, o juiz deverá rejeitar a inicial(artigo 17, § 8º). Ao contrário, se entender pela viabilidade da ação, o magistrado deverá sobrestar a ação.

A propósito são trazidas as ideias de Sérgio Medeiros(obra citada, pág. 29), com que concorda-se:

¨Reforça o entendimento o estatuído no § 1º, do art. 86, da Constituição Federal. Se o ordenamento jurídico vigente repudia a permanência no cargo do presidente que está sendo processado por crime comum ou de responsabilidade, e não estabeleceu previsão análoga com relação às ações de improbidade, é porque não podem elas ter andamento na vigência do mandato. A conclusão, como se pode perceber, é fruto de interpretação sistemática e finalística da Constituição. Não se visa a preservação da pessoa do ocupante do cargo, mas da figura do Chefe do Estado.”

Para muitos os agentes políticos, que exercem funções governamentais, judiciais, e quase-judiciais, elaborando normas legais, conduzindo negócios públicos, não poderiam ser tratados como os servidores públicos, razão pela qual os fatos tipificados na lei de improbidade administrativa não poderiam ser imputados a eles.

Ora, tal ilação contraria ao princípio republicano, princípio democrático qualificado, que não diferencia perante a lei. Como tal, responde o agente político a ação de improbidade em primeiro grau, se sujeito às sanções ditadas na Lei nº 8.429/92, não havendo falar em foro por prerrogativa de função, Foi nessa linha de princípio que o Supremo Tribunal Federal declarou, no julgamento da ADI 2.797 e 2.860, inconstitucional a Lei 10.628, que deu redação censurável ao artigo 84, § 1º e 2º, do Código de Processo Penal.  Aliás, há precedente do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Ag.Reg. na Petição nº 4.073/DF, Relator Ministro Celso de Mello, j. 24 de outubro de 2007, unânime, DJe de 13 de fevereiro de 2013, no sentido de que tratando-se de ação civil por improbidade administrativa(Lei 8.429/92), mostra-se irrelevante, para efeito de definição de competência originária dos Tribunais, que se cuide de ocupante de cargo público ou de titular de mandato eletivo ainda no exercício das respectivas funções, pois a ação civil em questão deverá ser ajuizada perante o magistrado de primeiro grau.

No julgamento do Recurso Especial 1.127.542/RN, a partir das conclusões do Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Rcl 2.138, Relator para o acórdão o Ministro Gilmar Mendes, DJe de 17 de abril de 2008, tem-se que o regime da ação de improbidade administrativa não se aplica aos agentes políticos, que se sujeitam à ação penal por crime de responsabilidade, com foro privilegiado estabelecido na Constituição Federal.

Registre-se que, naquele julgamento da Rcl 2138, o Ministro Carlos Velloso sustentou que, em linha de princípio, a Lei nº 8.429/92 aplicar-se-ia igualmente aos agentes políticos, a menos que sua conduta fosse tipificada como crime de responsabilidade, de que trata a lei especial, consoante é determinado no artigo 85, parágrafo único. Por sua vez, naquele julgamento, nota-se a corrente que foi defendida pelo Ministro Jobim, no sentido de que em sede de responsabilização de agentes políticos supostamente envolvidos em atos de improbidade administrativa, há uma plena absorção da Lei nº 8.429/92 pela Lei nº 1.079/50, sendo que esta última é inerente a crimes de responsabilidade, a única a ser aplicável, entendimento do qual divergia o Ministro Velloso, para quem o regime aplicável seria o da tipicidade estrita, só admitindo a aplicação dessa lei de caráter especial(Lei nº 1.079/50), quando a conduta estiver enquadrada em sua tipologia, sem o que se aplica, de forma integral, a Lei nº 8.429/92.

O ilícito de improbidade administrativa é civil e não criminal.

A lei 8429/92, em seu artigo 12, prevê ainda o não prejuízo das sanções penais, civis e administrativas para o agente público que já responda por improbidade, afastando, assim, a natureza administrativa dela própria, e podendo ser considerada de natureza sui generis, ou sancionatória como dizem alguns autores. A Constituição Federal, por sua vez, em seu artigo 37 § 4º, exclui a natureza penal da lei de improbidade.

Há, portanto, atuação em esferas independentes, ou seja, natureza sui generis ou sancionatória para a lei de improbidade e natureza político-administrativa para a lei de crimes de responsabilidade, o que possibilita a aplicação cumulativa das leis ao mesmo agente político sem bis in idem, ressaltando-se que as leis 8429/92 e 1079/50 têm tipos e penas distintos, sendo a lei de improbidade mais severa, mais abrangente no que tange a uma maior previsão e especificidade de condutas e penas, o que garante maior eficácia ao princípio da moralidade administrativa.

Disse bem  Raquel Santos de Santana(Lei de improbidade e crime de responsabilidade) que “apesar de ambas as leis protegerem o princípio da probidade administrativa, espécie do gênero moralidade administrativa, não há possibilidade de interpretação extensiva ou analógica da lei 1079/50 para incluir a lei de improbidade em relação a agentes políticos no seu artigo 9°, inciso VII (proceder de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro parlamentar – tipo mais largo), por se tratar de crime onde se verifica a tipificação cerrada, segundo a qual a norma deve conter definições precisas, conforme inclusive mencionado no voto do Ministro Carlos Velloso quando do julgamento da reclamação 2138.”

Por fim afirmo que, em face do princípio republicano, a ação de improbidade que vier a ser ajuizada na forma discutida deve ser ajuizada perante a primeira instância, do juízo federal do Distrito Federal.

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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