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Processo administrativo tributário.

Prova. Arquivos magnéticos

18/01/2006 às 00:00
Leia nesta página:

            A prova baseada em arquivos magnéticos disponibilizados pelo sujeito passivo ao Fisco requer certas cautelas.

            Os arquivos magnéticos, por si só, não constituem base suficiente para estribar um lançamento tributário, pela fragilidade que ostentam quanto a possíveis equívocos de digitação ou, até mesmo, adulteração involuntária ou de má-fé.

            A autoridade fiscal deve solicitar à empresa que aponha seu "de acordo" após a coleta dos dados impressos, dados estes oriundos dos arquivos magnéticos.

            A propósito do tema, PAULO DE BARROS CARVALHO já escreveu:

            A matéria contida nos disquetes, reproduzidos "a posteriori" sem quaisquer providências acautelatórias, tendentes a assegurar a inviolabilidade de seu conteúdo, não pode, evidentemente, ser utilizada como elemento de prova contra o contribuinte. E a justificação sobre ser estritamente jurídica, é elementar: trata-se de uma reprodução mecânica e as reproduções dessa natureza são passíveis de alterações, às vezes profundas e radicais, dando ensejo a deturpações irreparáveis e a montagens que se consubstanciam em modificações substanciais da realidade

. [01]

            (...)

            Agora, como procurei salientar, insistentemente, não se pode presumir a saída de mercadorias, por força de operações jurídicas de circulação, meramente em virtude da existência de um relatório, cuja elaboração, conquanto atribuída ao próprio contribuinte, os funcionários fiscais não lograram revestir dos requisitos imprescindíveis de legitimidade. [02]

            (...)

            Na situação posta aos meus cuidados, ainda que os mencionados relatórios não tenham sido manipulados, o que ninguém a esta altura garantiria, mesmo assim, tomados como indícios, poderiam conduzir a outros resultados, que não o da ocorrência de "fatos geradores" do ICMS. [03]

            Quer-se aqui frisar o caráter indiciário da base probatória calcada em arquivos magnéticos. A prova cabal sempre fica sujeita à análise física das notas fiscais de entrada e saída. Os arquivos magnéticos constituem meros indícios, não prova definitiva capaz de sustentar um lançamento tributário (a menos que haja concordância expressa do sujeito passivo nesse sentido). Nesse diapasão, novamente a lição de PAULO DE BARROS CARVALHO:

            O eventual campo de aproveitamento desses relatórios estaria circunscrito ao reconhecimento de que são indícios e, como tais, pontos de partida para o desvelamento de outros fatos que, devidamente comprovados, poderiam demonstrar a existência do fato jurídico tributário do ICMS

. [04]

            (...)

            Os dados extraídos dos referidos arquivos, por meio de reprodução posterior, sem participação de um representante legal da empresa e mesmo sem a presença de qualquer testemunha, não servem, por si só, como lastro probatório da ocorrência de qualquer evasão fiscal, pois lhe falta a característica de autenticidade. Para que o documento seja eficaz, como meio de prova, é indispensável que venha subscrito por seu autor e pelo interessado. A autenticidade do documento é que lhe imprime o prestígio e a força protetora da ordenação positiva, que passa a acatar seu conteúdo, como algo dotado de veracidade material e jurídica. Na hipótese da consulta, os relatórios extraídos dos disquetes podem, quando muito, merecer a qualificação de indícios, mas a relação de causalidade com eventuais procedimentos delituosos do contribuinte fica comprometida. De ver está que indícios dessa natureza, impedidos de progredir na relação de causalidade com o fato que se pretende provar, tornam-se juridicamente desvaliosos e imprestáveis. Afinal de contas, quem garante a pureza das informações colhidas nos disquetes? Ficará a palavra do agente contra a do sujeito passivo e, a despeito da autoridade do primeiro, isso é muito pouco para sustentar increpações no direito tributário brasileiro. [05]

            (...)

            Para se tomar um disquete como documento seria necessário que uma cópia do arquivo ali contido fosse editada na presença do contribuinte, e este, em seguida, viesse a autenticá-la, já que reproduz, em tese, dados que devem ser reconhecidos e explicados pelo autor. A par disso, cabe sempre lembrar que disquetes podem ser modificados, a propósito ou involuntariamente, por quem o maneje. [06]

            A despeito disso, sempre há a possibilidade da contraprova, mediante a realização de diligências nas notas fiscais de entrada e saída relativas ao período fiscalizado. Conforme atesta LUÍS EDUARDO SCHOUERI: "Não nos parece haver qualquer dúvida acerca da legitimidade de o fisco exigir que o contribuinte esteja munido de prova cabal que afaste qualquer possibilidade de o indício desmentir o cabimento da prova trazida pelo contribuinte. Afinal, enquanto a prova deve ser definitiva, convencendo plenamente o aplicador da lei, à contra-prova basta ser suficiente para trazer de volta a dúvida acerca dos fatos alegados." [07]

            Por seu turno, MARIA RITA FERRAGUT é incisiva ao afirmar: "A prova, e preferencialmente a contraposição de provas, visa demonstrar a verdade ou a falsidade do significado de um enunciado. Por contraposição entende-se a comparação do dado que se quer provar com outros que confirmem ou infirmem sua exatidão." [08]

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            Consoante, novamente, a lição de LUÍS EDUARDO SCHOUERI, a prova por indícios exige duas etapas: "...primeiramente, deve-se demonstrar que a ocorrência do indício é prova da concretização da hipótese de incidência. Depois, comprova-se, a partir dos meios comuns de prova, a ocorrência do indício referido". [09] Vale dizer: os arquivos magnéticos são indícios que podem ou não ser confirmados pela análise das notas fiscais de entrada e saída. Os arquivos magnéticos prestam-se a municiar o Fisco de informações prévias acerca da vida e das operações dos sujeitos passivos, a fim de que, constatados indícios por meio deles, se proceda a uma verificação mais rigorosa nos documentos que atestam a ocorrência dos fatos jurídicos tributários.

            A importância da prova documental é destacada por LUIZ GUILHERME MARINONI e SÉRGIO CRUZ ARENHART nos seguintes termos:

            (...) possível concluir, com segurança, que a prova documental tem por característica típica a circunstância de, diretamente, demonstrar o fato pretérito. Através desse meio de prova, o juiz tem conhecimento do fato sem qualquer interferência valorativa outra, que não a sua própria. A interferência humana no fato, diante da prova documental, cinge-se à formação da coisa (documento) e à reconstrução do fato no futuro (pelo juiz ou pelas partes, por exemplo)

. [10]

            E sobre o quanto aqui versado o Tribunal de Impostos e Taxas de São Paulo já decidiu:

            ARQUIVOS MAGNÉTICOS – LEITURA DE DADOS PELO FISCO SEM O EXPRESSO CONSENTIMENTO DA INTERESSADA E SEM ORDEM JUDICIAL QUE A SUPRISSE – PROVIDO O RECURSO – DECISÃO UNÂNIME. [11]

            Em suma: para a configuração do fato gerador, compete à fiscalização, de modo privativo e obrigatório, a comprovação da existência de todos os elementos componentes daquele fato.


Notas

            01

A Prova no Procedimento Administrativo Tributário. Revista Dialética de Direito Tributário n.º 34 (julho-1998), p. 113.

            02

A Prova no Procedimento Administrativo Tributário. Revista Dialética de Direito Tributário n.º 34 (julho-1998), p. 114.

            03

A Prova no Procedimento Administrativo Tributário. Revista Dialética de Direito Tributário n.º 34 (julho-1998), p. 114.

            04

A Prova no Procedimento Administrativo Tributário. Revista Dialética de Direito Tributário n.º 34 (julho-1998), p. 115.

            05

A Prova no Procedimento Administrativo Tributário. Revista Dialética de Direito Tributário n.º 34 (julho-1998), p. 113.

            06

A Prova no Procedimento Administrativo Tributário. Revista Dialética de Direito Tributário n.º 34 (julho-1998), p. 115.

            07

Presunções Simples e Indícios no Procedimento Administrativo Fiscal. In: ROCHA, Valdir de Oliveira (Coord.). Processo Administrativo Fiscal. 2. vol. São Paulo: Dialética, 1997, p. 81-88, p. 82.

            08

Presunções no Direito Tributário. 2. ed. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 78.

            09

Presunções Simples e Indícios no Procedimento Administrativo Fiscal. In: ROCHA, Valdir de Oliveira (Coord.). Processo Administrativo Fiscal. 2. vol. São Paulo: Dialética, 1997, p. 81-88, p. 84.

            10

Manual do Processo de Conhecimento. A Tutela Jurisdicional Através do Processo de Conhecimento. São Paulo: RT, 2001, p. 364.

            11

Revista Dialética de Direito Tributário n.º 46 (julho-1999), p. 159.
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Sobre o autor
Dalton Luiz Dallazem

advogado em Curitiba (PR), mestre em Direito Tributário pela PUC/SP e doutor pela UFPR, professor adjunto de Direito Tributário da PUC/PR (graduação e pós-graduação)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DALLAZEM, Dalton Luiz. Processo administrativo tributário.: Prova. Arquivos magnéticos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 929, 18 jan. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7855. Acesso em: 23 dez. 2024.

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