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Contributo à dinâmica da chamada desapropriação judicial:

diálogo entre Constituição, direito e processo

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20/01/2006 às 00:00

Resumo:


  • A "desapropriação judicial" é uma forma de intervenção estatal na propriedade privada que ocorre por meio do Poder Judiciário, quando um imóvel reivindicado possui uma função social conferida por um número considerável de pessoas que realizaram obras e serviços de relevante interesse social e econômico.

  • Essa modalidade de desapropriação está prevista nos §§ 4º e 5º do artigo 1.228 do Código Civil brasileiro e exige que o juiz fixe uma justa indenização ao proprietário do imóvel, que, uma vez paga, permite o registro do imóvel em nome dos possuidores.

  • A desapropriação judicial só pode ser autorizada em um processo de reivindicação de propriedade, dependendo de pedido expresso do autor ou dos réus, e sua efetivação está condicionada ao pagamento da indenização estabelecida.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

O presente estudo busca adequar a nova forma de aquisição e perda da propriedade imobiliária criada pelos §§ 4º e 5º do art. 1.228 do Código Civil brasileiro ao sistema do processo civil.

SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. Posse, propriedade e Constituição; 3. Função social da posse e da propriedade; 3.1 Direito à moradia (CR, art. 6º, caput); 3.2 Ordem econômica (CR, art. 170, caput, e incs. II e III); 3.3 Propriedade imobiliária urbana (CR, art. 182, caput, e §§ 2º e 4º; 183, caput); 3.4 Propriedade imobiliária rural (CR, art. 186 e incs.; 191, caput); 3.5 Direito ambiental constitucional (CR, art. 225 e §§); 3.6 Direito real de propriedade no Código Civil (CC, art. 1.228 e §§); 3.7 Conclusões parciais; 4. Cláusulas abertas no Novo Código Civil: aspectos dos §§ 4º e 5º do art. 1.228; 4.1 Imóvel reivindicado; 4.2 Extensa área; 4.3 Considerável número de pessoas; 4.4 Houverem realizados, em conjunto ou separadamente, obras e serviços; 4.5 Interesse social e econômico; 4.6 Justa indenização; 4.7 Conclusões parciais; 5. A chamada desapropriação judicial: constitucionalidade e terminologia; 6. Algumas características do processo na desapropriação judicial; 6.1 Procedimento na desapropriação judicial; 6.2 As partes no processo de desapropriação judicial; 6.3 O processo de desapropriação judicial sob a ótica do proprietário reivindicante (autor); 6.3.1 Possibilidade de pedido alternativo ou sucessivo; 6.3.2 Denunciação da lide: do autor reivindicante ao Estado; 6.3.3 Capítulos da sentença favoráveis e desfavoráveis ao autor; 6.3.4 Indenização fixada e insolvência dos possuidores; 6.3.5 Possibilidade excepcional da ação autônoma em face dos possuidores e/ou Estado pleiteando indenização, a exemplo da chamada desapropriação indireta; 6.4 O processo de desapropriação judicial sob a ótica dos possuidores (réus); 6.4.1 Litisconsórcio passivo necessário simples; 6.4.2 Reconvenção ou pedido contraposto visando a decretação da desapropriação judicial e da fixação da indenização; 6.4.3 Pagamento do preço e registro da sentença; 6.4.4 Hipóteses de não-pagamento da indenização fixada: possibilidade de usucapião com base no justo título gerado pela sentença; 6.4.5 Impossibilidade de reconhecimento da desapropriação judicial em caráter autônomo: imprescindibilidade de exercício da pretensão reivindicatória; 7. Sugestões para a criação de um procedimento especial; 8. Conclusão.


1. Introdução

            Através do presente trabalho – de inequívoca inspiração metodológica orientada pelo direito civil constitucional [01] –, procurar-se-á adequar a nova forma de aquisição e perda da propriedade imobiliária criada pelos §§ 4º e 5º do art. 1.228 do Código Civil brasileiro, ao sistema do processo civil. A doutrina posterior ao novo Código cognominou essa forma de intervenção estatal na propriedade privada de desapropriação judicial, já que a situação legalmente prevista confere ao juiz a possibilidade de fixar justa indenização em favor do proprietário do imóvel reivindicado cuja função social lhe foi dada por considerável número de pessoas que, em decorrência do exercício da posse-trabalho, realizou sobre o imóvel obras e serviços de relevante interesse social e econômico.

            A inovação trazida pelo Novo Código Civil reflete em seu sistema a dimensão constitucional da posse nas relações sociais, numa demonstração clara e concreta de que a propriedade privada, não obstante garantida no rol dos direitos humanos fundamentais [02], sempre deverá atender a sua função social (CR, art. 5º, caput, e incs. XXII e XXIII), sob pena do proprietário desidioso vir a sofrer sérios gravames sobre seu direito de propriedade, inclusive com a possibilidade de perdimento do respectivo bem, a exemplo do previsto no art. 1.228, §§ 4º e 5º do Código Civil.

            As disposições do Código Civil que garantem a aquisição da propriedade imobiliária a considerável número de pessoas que exerceram posse-trabalho sobre determinado imóvel (CC, art. 1.228, § 4º e 5º), muito embora sejam claras e de conteúdo auto-explicativo, imporão aos juízes e à jurisprudência um razoável esforço no sentido de revelar o alcance de certos conceitos lá previstos, já que são eles, em especial os previsto no § 4º do art. 1.228, cláusulas abertas de que se utiliza o legislador para viabilizar ao intérprete a concretização dos valores constitucionais que diretamente repercutem no direito privado.

            Além do mais, nos parece necessário que os mencionados §§ 4º e 5º do art. 1.228 sejam processualizados, uma vez que somente pelas regras processuais garantidoras do due process of law legitimador da atuação do Poder Judiciário, é que essa nova forma de intervenção estatal na propriedade privada, chamada de desapropriação judicial, poderá atender aos propósitos maiores da função social da propriedade exigida constitucionalmente.

            Enfim, o que se pretende é contribuir para a compreensão do fenômeno decorrente dessa atuação do Judiciário, jamais perdendo de vista os princípios maiores da Constituição, nem tampouco a necessária relativização existente entre o direito material e o processo [03].


2. Posse, propriedade e Constituição

            Da mesma forma que no sistema de direito civil positivo o legislador não definiu diretamente o que é propriedade, também em relação à posse fez o mesmo. Em ambos os casos – propriedade e posse –, a conclusão a que se chega em relação aos respectivos conceitos se dá de forma indireta, e seja quanto à propriedade, seja quanto à posse – alçada hoje a um patamar de autonomia consagrador da dignidade da pessoa humana (CR, art. 1º, III) –, a prevalência nos dois casos da função social vem categoricamente firmada na força normativa da Constituição [04], até mesmo para que o Brasil atinja seus objetivos fundamentais de construir uma sociedade livre, justa e solidária, garantir o desenvolvimento nacional, erradicar a pobreza e reduzir as desigualdades sociais e regionais e promover o bem de todos (CR, art. 3º e incs.).

            O Código Civil brasileiro, ao sistematizar as diretrizes do direito possessório o fez valendo-se das premissas extraídas da teoria objetiva de Ihering (CC, art. 1.196 a 1.224), e isso, é necessário que se diga, faz com que no Código Civil a teoria objetiva exista em caráter preponderante, e não exclusivo. Vale dizer, muito embora seja pacífica a compreensão doutrinária e jurisprudencial de que o Código brasileiro filia-se à teoria de Ihering, isso não significa que o direito possessório no Brasil seja refratário a certos aspectos da teoria subjetiva de Savigny, o que, aliás, ocorre nos mais diversos sistemas de direito positivo, já que seria de todo impossível uma pureza dogmática em relação à posse onde a opção por uma dessas teorias pelo legislador repelisse, por completo, influências recíprocas. É o que por exemplo ocorre em relação ao usucapião, onde é necessário, para sua configuração, o exercício de posse qualificada pelo animus domini (ou animus rem sibi habendi) para que o Direito reconheça essa forma de aquisição da propriedade, já que além do corpus, o legislador também exige que o respectivo sujeito de direito "possua a coisa como sua" (CR, arts. 183 e 191, ambos no caput; CC, arts. 1.238 e 1.260; ECid, art. 9º).

            Possuidor é o sujeito de direito que exerce, de forma plena ou parcial, algum dos poderes inerentes à propriedade em relação a determinado bem (CC, art. 1.196). Proprietário, por sua vez, é o sujeito que tem a faculdade (ou poder) de usar (jus utendi), gozar (jus fruendi) e dispor (jus abutendi), e ainda a possibilidade de reaver a coisa de quem injustamente a possua ou detenha (CC, art. 1.228).

            A partir daí fica claro que o direito positivo brasileiro considera como possuidor tanto o proprietário (possuidor proprietário), quanto o não-proprietário (possuidor não-proprietário), já que para ser considerado possuidor – repita-se – basta que o sujeito exerça de forma plena ou parcial os poderes inerentes à propriedade, tal como faz o proprietário tendo ele o corpus (exercício pleno dos poderes inerentes à propriedade: pode usar, gozar e dispor), ou tal como faz, por exemplo, o locatário, que tendo o corpus poderá usar e gozar o respectivo bem (exercício parcial dos poderes inerentes à propriedade: uso e gozo), ou ainda o mesmo proprietário que, através do contrato de locação, transfere o corpus e, em razão disso, não pode nem usar nem gozar, sendo-lhe lícito, apenas, dispor do respectivo bem (também exercício parcial dos poderes inerentes à propriedade: disposição). Portanto, aquele que exerce de forma plena ou parcial algum dos poderes inerentes à propriedade sobre determinado bem, seja ele proprietário ou não, será considerado possuidor, e uma das principais virtudes do sistema jurídico considerar alguém como possuidor é o fato de que esse alguém terá em seu favor a prerrogativa de se valer dos interditos possessórios para defender a situação possessória na qual se encontra em razão do corpus.

            Contudo, nem sempre essa operação conduzirá a um resultado lógico, pelo menos à primeira vista. É o que o ocorre em casos de mera detenção (CC, art. 1.198). Em algumas situações motivadas por circunstâncias derivadas das relações sociais, a própria Lei retirará do eventual sujeito de direito que tenha o corpus, e que eventualmente esteja exercendo algum dos poderes inerentes à propriedade, a possibilidade de ser considerado possuidor. Assim se dá com o caseiro de uma propriedade (salvo se existir entre ele e o legítimo possuidor contrato de locação), com motorista de uma empresa, com aquele que momentaneamente detenha o corpus para mero auxílio do legítimo possuidor etc, que movidos por uma relação de dependência – não necessariamente de caráter hierárquico – permanecem (caseiro, motorista e auxiliador) com o corpus seguindo ordens ou instruções do possuidor. Nesse caso, apesar do corpus, o respectivo sujeito não terá posse, mas mera detenção (CC, art. 1.198).

            Importante que se diga que a detenção comporta derivação em detenção dependente [05] e detenção independente, conforme doutrina que versa o direito civil alemão, já que o § 855 do BGB [06], além da relação de dependência, prevê que uma "situação semelhante" pode configurar detenção. A detenção dependente deriva da relação de dependência expressa no art. 1.198, caput; já a detenção independente ocorrerá independentemente de uma relação de dependência previamente estabelecida entre o possuidor e o detentor, tal como nas hipóteses do art. 1.208 do CC (atos que não induzem posse), ou mesmo como ocorre em relação aos bens públicos, que pela suas características não geram posse a quem deles tenha o corpus. O sujeito que usa o banco de uma praça pública – bem de uso comum do povo (CC, art. 99, I) –, muito embora esteja exercendo parcialmente algum dos poderes inerentes à propriedade (usar), não será considerado possuidor, mas mero detentor, não lhe sendo lícito, portanto, defender a situação que o liga a coisa, mesmo porque nem posse há. Percebe-se que no caso do banco da praça, apesar do corpus, não há relação de dependência, ou seguimento de ordens ou instruções, entre o sujeito que usa e a municipalidade, configurando dessa forma a chamada detenção independente.

            Atualmente, a propriedade e a posse sofrem em seu regime jurídico influência marcante da Constituição, através de uma série de princípios que orientam a criação, a interpretação, a compreensão e a concretização do direito privado.

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            A propriedade é garantida desde que cumpra sua função social (CR, art. 5º, XXII e XXIII); a ordem econômica, que tem por fim assegurar a todos a existência digna conforme os ditames da justiça social, submete-se ao princípio a função social da propriedade (CR, art. 170, caput e inc. III); para a viabilização da política urbana e da política fundiária e da reforma agrária, o exercício da posse qualificada pelo animus domini é capaz de fazer com que pessoa humana adquira a propriedade do respectivo bem através do usucapião especial, urbano e rural (CR, art. 183 e 191, respectivamente), conferindo à posse, e sua função social, uma autonomia capaz de subjugar o direito de propriedade mal utilizado. E tanto a propriedade quanto à posse devem ser exercidas a partir do direito ambiental constitucional (CR, art. 225 e sgts.).

            Bem se vê a atual dimensão da propriedade e da posse no direito brasileiro, regradas que são pela legislação infraconstitucional, mas orientadas pela força normativa da Constituição.


3. Função social da posse e da propriedade

            A função social é uma realidade presente na estrutura do direito de propriedade, que não mais se compadece com a noção de direito absoluto tão comum no direito burguês imediatamente posterior à Revolução Francesa, marcado por características privatistas-individualistas que impregnaram a ordem jurídica antes da chegada do Estado Social. A Constituição de 1988, que de início veio forjada no Welfare State [07], garantiu o direito de propriedade como direito fundamental, todavia condicionou o respectivo objeto ao atendimento de sua função social (CR, art. 5º, XXII e XXIII). Ressalta-se que a função social abrange tanto a propriedade mobiliária quanto a imobiliária, rural ou urbana.

            A partir do instante em que a Constituição determinou que a propriedade deve atender a sua função social, nada mais seria preciso dizer para se concluir que a respectiva cláusula pétrea existe para vincular a atuação da propriedade, do proprietário e do próprio Estado, ao atingimento dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil em construir uma sociedade livre, justa e solidária, em garantir o desenvolvimento nacional, em erradicar a pobreza e reduzir as desigualdades sociais e regionais, em promover o bem de todos, e tudo isso, em última análise, consagrando a tutela da dignidade da pessoa humana (CR, art. 3º e incs.; art. 1º, III).

            De qualquer forma, é possível que se extraia da própria Constituição e da legislação alguns parâmetros normativos para circunscrever os confins e o alcance da função social da propriedade. Desde já, que se tenha em mente o princípio da dignidade da pessoa e os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil.

            3.1 Direito à moradia (CR, art. 6º, caput)

            Como direito social, a Constituição traz o direito à moradia como verdadeira concretização da dignidade da pessoa humana. Nesse contexto, fica evidente que a propriedade imobiliária, rural ou urbana, cumpre sua função social também quando serve de moradia à pessoa.

            3.2 Ordem econômica (CR, art. 170, caput, e incs. II e III)

            A ordem econômica, geradora de riqueza nacional e base da economia de mercado do sistema capitalista, tem por finalidade assegurar a todos existência digna conforme os ditames da justiça social. Para a manutenção dessa ordem de coisas a atividade econômica deve ser pautada, dentre outros princípios, pela propriedade privada e pela função social da propriedade. Vale dizer, a propriedade posta a serviço da ordem e da atividade econômica deverá orientar-se pela função social de assegurar a existência digna de todos conforme a justiça social.

            3.3 Propriedade imobiliária urbana (CR, art. 182, caput, e §§ 2º e 4º; 183, caput)

            A propriedade imobiliária urbana tem acentuada importância na política de desenvolvimento urbano a ser executada pelo Poder Executivo municipal, cujo objetivo é ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes. A partir daí, o plano diretor a ser aprovado pelo respectivo Legislativo municipal servirá de instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana.

            Nesse contexto, a Constituição da República afirma que a propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às diretrizes de ordenação da cidade previstas no plano diretor. Além disso, a Constituição também faculta ao Poder Público municipal exigir do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que promova o adequado aproveitamento, sob pena de contra ele serem tomadas certas medidas de intervenção na propriedade. Fica evidente, portanto, que a propriedade urbana também cumpre sua função social quando o respectivo solo é edificado ou utilizado adequadamente.

            Ainda há a hipótese do usucapião especial urbano, numa clara demonstração de que a ordem constitucional pressupõe que o possuidor que fez da respectiva área usucapível sua moradia ou de sua família, cumpriu com a função social.

            3.4 Propriedade imobiliária rural (CR, art. 186 e incs.; 191, caput)

            É inegável a importância da propriedade imobiliária rural como fator de desenvolvimento social e econômico, além sua importância na condução da política agrícola e fundiária e na reforma agrária.

            A Constituição sobreleva a importância da propriedade rural produtiva, presumindo que ela atende sua função social, além de torna-la insuscetível de reforma agrária.

            Mais ainda, a própria Constituição afirma quando a propriedade rural estará atendendo sua função social. A partir de critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, a função social da propriedade será atendida quando, simultaneamente, atender os seguintes requisitos: aproveitamento racional e adequado, utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente, observância das disposições que regulam as relações de trabalho e a exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.

            Valorizando também o trabalho humano que produziu e fez moradia na pequena gleba rural, a Constituição garante que a concretização da função social da posse gere a aquisição da respectiva área por usucapião, bastando o exercício da posse ad usucapionem e o preenchimento de certos requisitos constitucionalmente previstos.

            3.5 Direito ambiental constitucional (CR, art. 225 e §§)

            Preservar e garantir o meio ambiente ecologicamente equilibrado é um direito de todos, das presentes e futuras gerações. Não há possibilidade da propriedade privada ser utilizada em dissonância com direito ambiental. Função social é a utilização do bem para garantia das necessidades do respectivo titular sem que isso implique na violação de direitos e interesses alheios.

            É evidente que a propriedade imobiliária urbana ou rural, de pequeno ou grande porte, somente atenderá sua função social se sua utilização e aproveitamento forem feitos de acordo com o direito ambiental.

            3.6 Direito real de propriedade no Código Civil (CC, art. 1.228 e §§)

            Enfocando o direito real de propriedade tal como ele está previsto no Código Civil, percebe-se que a utilização da propriedade deve se pautar por certos parâmetros bem delimitados pelo legislador, todos eles, aliás, de acordo com o perfil da propriedade privada traçado pela Constituição.

            O Código Civil determina que o direito de propriedade deve ser exercido de acordo com suas finalidades econômicas e sociais, visando a preservação da flora, da fauna, das belezas naturais, do equilíbrio ecológico e do patrimônio histórico e artístico, evitando-se, ainda, a poluição do ar e das águas.

            Além do mais, o Código Civil considera como proibidos – ilícito, portanto – atos que não trazem ao proprietário qualquer comodidade ou utilidade, e sejam animados pela intenção de prejudicar outrem, sendo evidente que tal preceito também se aplica ao possuidor não-proprietário, que deverá agir em relação ao bem tendo em vista a função social da posse.

            O Código Civil ainda impede o proprietário de obter a reivindicação de bem imóvel de extensa área, quando no juízo petitório for considerado que considerável número de pessoas realizaram, em conjunto ou separadamente, obras e serviços considerados judicialmente de relevante interesse social e econômico. Nesse casos, permite ao juiz fixar indenização em favor do proprietário, e uma vez pago o preço a sentença que assim decidir valerá de título registrável para aquisição do imóvel em nome dos possuidores que fizeram com que o respectivo bem cumprisse sua função social.

            3.7 Conclusões parciais

            Como se vê, não há desculpas para afirmações às vezes corriqueiras de que a função social da propriedade é um conceito jurídico indeterminado e de difícil aplicabilidade. Ao contrário, função social – seja da propriedade, seja da posse –, não obstante cláusula aberta, conta com uma série de parâmetros normativos espalhados por todo sistema jurídico.

            Os pequenos exemplos acima mencionados, afora outros facilmente encontrados por toda legislação, podem servir de balizamento para fundamentações seguras no sentido do que a Constituição pretendeu quando afirmou que a propriedade privada atenderá sua função social.

            Em miúdos, a função social (da propriedade ou da posse) será atendida quando a utilização do respectivo bem (móvel ou imóvel) estiver, direta ou indiretamente, adequada e em consonância com os preceitos constitucionais voltados à política urbana, à política agrícola e fundiária e da reforma agrária, à preservação do meio ambiente ecologicamente equilibrado, à ordem e à atividade econômica, cumprindo, em qualquer hipótese, com suas finalidades sociais e econômicas, sem intenção deliberada de causar prejuízo a terceiros, e sempre tendo em vista os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil e a concretização da dignidade da pessoa humana.

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Sobre o autor
Glauco Gumerato Ramos

Mestrando em direito processual na Universidad Nacional de Rosario (UNR - Argentina). Mestrando em direito processual civil na PUC/SP Membro dos Institutos Brasileiro (IBDP), Iberoamericano (IIDP) e Panamericano (IPDP) de Direito Processual. Professor da Faculdade de Direito da Anhanguera Jundiaí (FAJ). Advogado em Jundiaí

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RAMOS, Glauco Gumerato. Contributo à dinâmica da chamada desapropriação judicial:: diálogo entre Constituição, direito e processo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 931, 20 jan. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7857. Acesso em: 26 dez. 2024.

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