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Contributo à dinâmica da chamada desapropriação judicial:

diálogo entre Constituição, direito e processo

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20/01/2006 às 00:00
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4. Cláusulas abertas no Código Civil: aspectos dos §§ 4º e 5º do art. 1.228

            O ordenamento jurídico brasileiro é pródigo na positivação de cláusulas abertas e conceitos jurídicos indeterminados. Através delas, o intérprete – em especial o juiz – tem flexibilidade para incluir em seu conceito os valores constitucionais e legais buscados pela ordem jurídica, adequando o preceito normativo à dinâmica da realidade concreta. O novo Código Civil não foge dessa realidade, e os §§ 4º e 5º do art. 1.228, que prevêem a chamada desapropriação judicial, são prova disso.

            Em linhas gerais, os mencionados dispositivos do Código Civil afirmam que o proprietário poderá ser privado da área reivindicada em favor de um considerável número de pessoas que fizeram cumprir a função social da posse do respectivo bem, e desde que preenchidas certas condições legais. A partir daí, o juiz natural do feito petitório fixará justa indenização que será devida ao proprietário privado do imóvel, e desde que pago o preço a respectiva sentença valerá de título para registro do imóvel em nome dos possuidores. Atentemos para o que diz o Código Civil:

            Art 1.228(...)

            § 1º...

            § 2º...

            § 3º...

            § 4º O proprietário também pode ser privado da coisa se o imóvel reivindicado consistir em extensa área, na posse ininterrupta e de boa-fé, por mais de cinco anos, de considerável número de pessoas, e estas nela houverem realizado, em conjunto ou separadamente, obras e serviços considerados pelo juiz de interesse social e econômico relevante.

            § 5º No caso do parágrafo antecedente, o juiz fixará a justa indenização devida ao proprietário; pago o preço, valerá a sentença como título para o registro do imóvel em nome dos possuidores. (destaque de agora)

            4.1 Imóvel reivindicado

            Ao sistematizar as diversas classes de bens, a Parte Geral do Código Civil classifica os bens a partir de três grandes grupos (CC, art. 79 e ss.): a) dos bens considerados em si mesmos; b) dos bens reciprocamente considerados; c) dos bens públicos (ou dos bens considerados em relação ao titular do domínio).

            É no grupo dos bens considerados em si mesmos que o legislador classificou e conceituou o que é bem imóvel, assim entendido o solo e tudo quanto se lhe incorporar natural ou artificialmente. O CC também afirma que é bem imóvel os direitos reais sobre imóveis e as ações que os asseguram, bem como o direito à sucessão aberta, sendo que nestes casos os respectivos bens são considerados imóveis por equiparação legal.

            Tirante os imóveis por equiparação legal, já que o § 4º refere-se à "extensa área", é evidentes que o imóvel reivindicado só mesmo poderá ser o solo com suas eventuais acessões.

            Mais ainda, não há qualquer distinção no parágrafo analisado quanto a ser imóvel urbano ou rural, concluindo-se, pois, que o imóvel reivindicado poderá ser urbano ou rural, com ou sem acessões agregadas ao respectivo bem durante o tempo em que eventualmente durou a posse do proprietário reivindicante.

            4.2 Extensa área

            A cláusula extensa área é um conceito jurídico por demais indeterminado. Todavia, poderá ser considerada como tal a área do imóvel urbano ou rural que tenha sido grande o suficiente para albergar várias pessoas que, em conjunto ou separadamente, empreitaram obras e serviços de interesse social e econômico através da posse-trabalho.

            Não é de se considerar a extensa área descrita no § 4º, como a área urbana ou rural de enormes proporções. O que deve ser levado em conta é o fato da respectiva área ter sido extensa o bastante para viabilizar que a posse-trabalho de várias pessoas tenha redundado em benfeitorias de relevante interesse social e econômico. Exigir que a extensa área seja de proporções "latifúndicas" (que seja relevado o palavrão...), será a consagração de um reacionarismo contrário à função social da posse e da propriedade.

            4.3 Considerável número de pessoas

            Qual seria um considerável número de pessoas?

            Tenho a impressão que uma ou até duas pessoas não estariam abrangidas no considerável número a que se refere a Lei, já que o vernáculo tem por considerável, dentre outras significações análogas, aquilo que é "grande" [08]. De qualquer forma a Lei pretende que o imóvel reivindicado permaneça na posse de quem lhe deu função social e a partir daí, pago o preço da indenização, venha a adquirir o respectivo bem.

            Logo, o considerável número de pessoas deve ser um número "grande" o suficiente para fazer com que através da posse-trabalho, sobre o imóvel tenham sido realizadas obras e serviços de relevante interesse social ou econômico. Portanto, tudo dependerá do caso concreto examinado. Se para algumas hipóteses o número de pessoas para realizar certas obras ou serviços de interesse social ou econômico deve ser assaz elevado, para outras o considerável número de pessoas deve ser equivalente à obra ou serviço realizados no imóvel reivindicado, o que significa dizer que talvez três, ou quatro pessoas, representaria o considerável número para se empreitar a respectiva obra ou serviço.

            Raciocinemos através de exemplos.

            Imagine que num terreno urbano, de mil metros quadrados, três pessoas dele venham a adquirir posse e a partir daí lá construam um pequeno barracão para exploração de uma oficina mecânica de autos. Com o passar do tempo, o pequeno empreendimento se organiza, prospera e serve para a subsistência dos três sócios e de suas famílias. Passados mais de cinco anos de posse ininterrupta e de boa-fé, um dia são surpreendidos com a citação de uma ação reivindicatória. Será que os mil metros quadrados não foram uma área extensa o bastante para o exercício eficaz da posse-trabalho e respectiva função social? Será que os três sócios não formaram um considerável número de pessoas grande e suficiente o bastante para empreitar obras e serviços de relevante valor social e econômico, tendo em vista que da pequena oficina eles sobrevivem e ajudam a manter as respectivas famílias? A resposta é positiva para os dois questionamentos.

            O mesmo se diga de um grupo de cinco pessoas que toma posse de uma área rural de cinco mil metros quadrados e lá cumprem a função social da posse, produzindo e gerando riqueza compatível com a extensão da gleba possuída. Cinco não perfaz um considerável número de pessoas na hipótese? Cinco mil metros quadrados não seriam uma área extensa o bastante para as obras e serviços lá realizados, de inequívoca relevância social e econômica?

            Nota-se que nos dois exemplos, não se cogita de usucapião especial urbano ou rural, que pelo perfil e vocação constitucional exigem requisitos objetivos mais estreitos para sua configuração (moradia, em ambos os casos; inexistência de outras propriedades imobiliárias em nome do usucapiente, também em ambos os casos etc).

            Além do mais, se pensarmos o caso concreto a partir da perspectiva civil-constitucional (dentre outros: dignidade da pessoa humana; objetivos fundamentais da República; função social da posse e propriedade), fica fácil a conclusão nos sentido de que situações dessa natureza deverão ser resolvidas judicialmente após a análise específica do respectivo caso concreto, cabendo ao juiz dimensionar tais conceitos indeterminados para dar a solução constitucionalmente esperada a essas problemáticas questões do direito privado.

            4.4 Houverem realizado, em conjunto ou separadamente, obras e serviços

            A realização, em conjunto ou separadamente, de obras e serviços não traz maiores complicações ao intérprete, eis que dado objetivo a ser investigado e revelado através de instrução probatória.

            A observação que aqui se faz é em relação a cláusula obras e serviços. Melhor seria se o legislador tivesse se valido da expressão obras ou serviços, já que nem sempre a obra será acompanhada pelo serviço, e vice-versa. Obra, por exemplo, poderá ser a construção de residências, e lá, por servir de moradia, não haverá nenhum tipo de serviço. O serviço, por sua vez, poderá prescindir de eventual obra. Seria o caso, por exemplo, de uma horta comunitária realizada num terreno urbano alheio; existe o serviço, mas não necessariamente deverá existir uma obra. É apenas uma hipótese.

            4.5 Interesse social e econômico relevante

            Também andou mal o legislador ao afirmar que a obra ou serviço deverá ter interesse social e econômico relevante. Não há necessidade da presença de ambos os interesses, o que a primeira vista poderia parecer em virtude da partícula aditiva "e". É óbvio que isso ocorrendo (interesse social "e" econômico) será excelente em vários aspectos.

            Mas a verdade é que para a incidência da norma comentada sobre eventual fato social, bastará o interesse social "ou" interesse econômico, devendo, em ambos os casos, o respectivo interesse ser relevante.

            4.6 Justa indenização

            A justa indenização no Brasil, como decorrência da desapropriação, é um problema grave. Na maioria das vezes, não será ela nem justa, nem tampouco servirá para a efetiva indenização, ficando o proprietário expropriado com seu patrimônio parcialmente corroído. Prova disso são os inúmeros processos de desapropriação constante nos repertórios de jurisprudência.

            De qualquer forma, mesmo porque a propriedade é direito fundamental (CR, art. 5º, XXII), a justa indenização deverá abranger não só o valor do solo, mas também o valor das eventuais benfeitorias que foram realizadas à época em que o proprietário reivindicante tinha a posse do imóvel. [09]

            Do contrário, essa forma de intervenção estatal geradora do perdimento da propriedade imobiliária carecerá de legitimidade.

            4.7 Conclusões parciais

            É necessário que se pense o caso concreto a partir da perspectiva civil-constitucional (dentre outros: dignidade da pessoa humana; objetivos fundamentais da República; função social da posse e propriedade). Assim, ficará fácil a conclusão nos sentido de que situações dessa natureza deverão ser resolvidas judicialmente após a análise específica do respectivo caso concreto, cabendo ao juiz dimensionar tais conceitos indeterminados para dar a solução constitucionalmente esperada – e desejada – a essas questões.


5. A chamada desapropriação judicial: constitucionalidade e terminologia

            Os pioneiros da I JORNADA DE DIREITO CIVIL [10] já haviam identificado que intervenção na propriedade privada decorrente dos §§ 4º e 5º do art. 1.228 é compatível com a Constituição. De fato, seja sob a ótica da função social da propriedade, seja quanto à previsão constitucional da desapropriação (CR, art. 5º, XXIV), sempre será possível que o particular seja expropriado em virtude do interesse social.

            O fato dessa intervenção expropriatória decorrer de atividade do Poder Judiciário em nada macula a legitimidade da medida, já que o clássico funcionamento de freios e contrapesos nas respectivas atuações do poder estatal (executivo, legislativo e judiciário) não implica que cada um dos Poderes exerça ou possa exercer com exclusividade a atividade que é típica de sua natureza, eis que as respectivas atividades são exercidas em caráter preponderante, e não exclusivo, por cada um dos Poderes.

            Além do mais, foi o próprio legislador que conferiu ao juiz a possibilidade dessa intervenção expropriatória mediante justa indenização, e se assim o fez foi porque teve sensibilidade para captar e materializar no Código Civil a função social que deve orientar a posse a propriedade.

            No tocante à terminologia que se generalizou – desapropriação judicial –, não há nada que desautorize sua utilização pela doutrina ou pela jurisprudência ao se referir a essa nova forma de intervenção na propriedade privada.

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            Ao contrário, a respectiva expressão bem demonstra os efeitos decorrentes desse fenômeno jurídico apto a gerar a aquisição da propriedade imobiliária, já que a situação expropriatória ocorrerá através do vislumbramento – conveniência e oportunidade – do interesse social (CR, art. 5º, XXIV) pelo juiz natural a quem couber o julgamento da demanda.


6. Algumas características do processo na desapropriação judicial

            Para a compreensão da dinâmica do processo na desapropriação judicial é necessário que se fixe algumas premissas básicas fundadas no direito material e no processo:

            a) a desapropriação judicial só será admitida no juízo petitório inaugurado pelo proprietário reivindicante;

            b) em caráter excepcional, e como decorrência da função social da posse, será possível ao proprietário pleitear indenização à guisa de desapropriação judicial independentemente do exercício da pretensão reivindicatória, a exemplo do que ocorre na chamada desapropriação indireta;

            c) pela natureza jurídica do respectivo bem (CC, arts. 100, 101, 102), não haverá desapropriação judicial se o imóvel reivindicado pertencer ao Poder Público [11];

            d) os possuidores não têm direito autônomo à desapropriação judicial a ser exercido em ação própria;

            e) mesmo que o juiz verifique a presença dos requisitos legais, não haverá a possibilidade da desapropriação judicial se operar de-ofício (princípio da inércia; CPC, art. 2º);

            f) a desapropriação judicial, eis que mera possibilidade, só poderá ser efetivada se houver pedido expresso dos possuidores, através de pedido contraposto (no procedimento sumário; CPC, art. 278, § 1º) ou a através de reconvenção (no procedimento ordinário; CPC, art 315);

            g) a desapropriação judicial também poderá ser pleiteada em caráter alternativo [12] ou sucessivo ao pedido de reivindicação formulado pelo proprietário (CPC, arts. 288, caput, e 289, respectivamente);

            i) a sentença que decretar a desapropriação judicial só será passível de registro após o efetivo pagamento da indenização fixada [13];

            j) nas hipóteses do § 4º do art. 1.228 do Código Civil, uma vez evidenciado o interesse social decorrente da posse-trabalho, será necessária a intervenção como custos legis do Ministério Público no respectivo processo sob pena de nulidade, sempre relativizada pelo princípio pas de nullitè sans grief (CR, art. 127, caput; CPC, arts. 82, III, e 84);

            k) o pagamento da indenização decorrente da desapropriação judicial constitui-se obrigação que poderá ser exigida tanto dos possuidores, que serão os beneficiados diretos pela desapropriação, quanto do Estado, que efetivou a desapropriação através do Judiciário em nome do interesse social (CR, art. 5, XXIV) [14].

            6.1 Procedimento na desapropriação judicial

            No processo de conhecimento, não havendo procedimento específico para a tutela de determinado direito material, o procedimento a ser adotado será o comum, ordinário ou sumário (CPC, art. 271 e 272). A especificidade procedimental decorre ora das próprias características do direito material a ser tutelado, ora da opção do legislador em sumarizar o procedimento, criando técnicas processuais para melhor tutelar o direito reclamado; a isso a doutrina chama de tutela jurisdicional diferenciada [15], verdadeira postura em prol do "enfoque de acesso à justiça" [16] e totalmente de acordo com o respectivo princípio constitucional (CR, art. 5º, XXXV).

            No caso da desapropriação judicial – pelo menos até o presente momento – não há no ordenamento jurídico qualquer previsão de procedimento especial para a solução da respectiva fattispecie, o que invariavelmente fará com que o processo para sua solução tramite sob o procedimento comum, ordinário ou sumário. Portanto, estando o valor da causa – leia-se: valor do imóvel reivindicado – circunscrito a sessenta vezes o valor do salário mínimo, o procedimento adotado será o sumário (CPC, art. 275, I); por outro lado, extrapolando o valor da causa aquele patamar, o procedimento, então, será o ordinário (CPC, arts. 271, 272, 274).

            6.2 As partes no processo de desapropriação judicial

            Em primeiro lugar é necessário delimitar o conceito de parte no processo civil, o que deve ser feito a partir, principalmente, do regramento que o direito positivo da à sentença e à coisa julgada. Daí o porque que sempre nos pareceu que a clássica proposição de Chiovenda a respeito do assunto é definitiva: "parte é aquele que pede e aquele em face de quem se pede a atuação da tutela jurisdicional", portanto, partes no processo serão apenas autor (aquele que pede) e réu (aquele em face de quem se pede). Todos os demais coadjuvantes da relação processual (juiz, advogado, MP como custos legis etc.) são considerados tão somente como sujeitos processuais.

            A essa conclusão se chega com a análise dos arts. 459, caput, 460, caput, e 468, todos do CPC, já que sentença é proferida em relação ao pedido formulado pelo autor (459, caput) – sempre em face de algum réu –, sendo defeso ao juiz proferir sentença de natureza diversa daquilo que foi pedido (460), sentença essa que tem "força de lei" nos limites da lide (468), acrescentando-se que lide é sinônimo de mérito, de pretensão, vale dizer, a pretensão do autor em face do réu [17]. Logo, as partes no processo serão mesmo o autor e o réu, eis que são aqueles que sofrerão diretamente os efeitos da sentença em sua esfera de liberdade.

            Dessa forma, as partes no processo da desapropriação judicial serão o proprietário reivindicante (autor) e os possuidores (réus). Mas a partir do momento em que se admita – tal como estamos fazendo – que o Estado poderá ser considerado devedor junto com os possuidores do preço a ser pago pela indenização (6."k", supra), será perfeitamente possível que a respectiva pessoa jurídica de direito público venha a ser parte no processo através de denunciação da lide a ser feita pelo autor, conforme explicaremos (vide infra, 6.3.2)

            6.3 O processo de "desapropriação judicial" sob a ótica do proprietário reivindicante (autor)

            Analisemos algumas possíveis derivações do processo decorrentes da aplicação dos §§ 4º e 5º do art. 1.228 sob a perspectiva do autor. Vamos a elas.

            6.3.1 Possibilidade de pedido alternativo ou sucessivo

            O pedido – um dos elementos da ação (CPC, art. 282, IV) –, tem, dentre outras finalidades, circunscrever a atuação do juiz no processo, já que a tutela jurisdicional a ser concedida deverá corresponder ao pedido formulado (CPC, art. 128 – princípio da adstrição, ou da correlação lógica entre pedido e dispositivo da sentença; tb. art. 460, vedação do julgamento ultra, extra e citra petitia). A partir daí, o Código de Processo Civil sistematiza as regras de como a parte deverá engendrar esse elemento da ação.

            Dentre as possibilidades de sua formulação, é possível que o pedido seja estruturado em caráter alternativo ou sucessivo, o que se dará em decorrência de certas peculiaridades observadas no plano do direito material.

            O pedido alternativo terá lugar sempre que a obrigação subjacente à demanda permitir que o devedor cumpra a respectiva prestação de mais de uma maneira (CPC, art. 288). Na hipótese da incidência do comando dos §§ 4º e 5º, do art. 1.228 do Código Civil, a obrigação dos possuidores poderá passar de específica (restituição de coisa certa) para obrigação genérica (pagamento da indenização em dinheiro). Diante da possibilidade da ocorrência da desapropriação judicial, poderão os possuidores optar em restituir o imóvel possuído ou pagar a indenização para obterem, através da sentença, título translativo da propriedade.

            Logo, eventual condenação nesses casos constituirá, ou não, na obrigação de restituir o imóvel reivindicado, ou na obrigação de pagamento da indenização fixada pela desapropriação judicial, já que a respectiva intervenção na propriedade privada só ocorrerá caso haja interesse efetivo dos possuidores, e isso, por uma ou outra razão, poderá não haver em eventual caso concreto.

            O pedido sucessivo, por sua vez, será viabilizado quando, por razões já consagradas no plano material, não for possível ao juiz acolher (leia-se: tutelar jurisdicionalmente) o pedido principal formulado pelo autor (CPC, art. 289).

            Numa demanda subsumida aos §§ 4º e 5º, do art. 1.228, a pretensão reivindicatória poderá cair por terra diante da configuração dos requisitos da desapropriação judicial e da intenção dos possuidores em continuar a dar função social ao respectivo bem, pagando a indenização fixada para obterem a sentença que lhes permitirá a aquisição da propriedade imobiliária.

            Nesse caso, tendo o autor reivindicante formulado pedido sucessivo de fixação do valor a ser pago pela desapropriação judicial, terá em seu favor título executivo viabilizador de seu crédito pecuniário.

            Ressalta-se que o autor reivindicante sempre terá interesse no pedido alternativo ou sucessivo, pelo fato do juiz não poder decretar de-ofício a desapropriação judicial e a respectiva fixação da indenização devida, já que estará impedido de fazê-lo em decorrência do princípio da inércia (vide supra, 6, "e").

            6.3.2 Denunciação da lide: do autor reivindicante ao Estado

            Nos parece claro que o Estado poderá ser considerado devedor solidário dos possuidores em relação à quantia a ser paga pela indenização devida pela desapropriação judicial, já que será o próprio Estado, através do Judiciário, que fará a desapropriação fundada no interesse social (CR, art. 5º, XXIV).

            Para o autor reivindicante eventualmente poder cobrar do Estado o valor da indenização devida pela desapropriação judicial dois caminhos poderão ser seguidos.

            O primeiro caminho, será através de ação cognitiva autônoma de regresso caso a respectiva pessoa jurídica de direito público interno não tenha integrado, como parte, o processo em que foi decretada a desapropriação com base nos §§ 4º e 5º, do art. 1.228 do Código Civil, e, conjugado a isso, que os possuidores condenados não tenham efetuado o pagamento da indenização fixada em razão de insuficiência de recursos materiais.

            O segundo, e não nos parece haver dúvida quanto a isso, poderá ser através da denunciação da lide feita pelo autor reivindicante ao Estado, e isso desde que o respectivo processo em que se pretende a reivindicação, obviamente, tenha seu trâmite regido pelo procedimento ordinário (CPC, arts. 70, III, 74 e 76).

            É evidente que o autor, caso seja considerado improcedente seu pedido reivindicatório e, por conta disso, seja decretada a desapropriação judicial, será sucumbente na sua pretensão principal e invariavelmente sofrerá um prejuízo decorrente do perdimento da propriedade em favor dos possuidores e, muito embora seja credor da indenização fixada, é possível que seu crédito permaneça insatisfeito pela hipossuficiência dos possuidores beneficiados.

            Partindo-se do princípio de que o Estado é devedor solidário da indenização junto com os possuidores – estes, devedores pelo benefício direito com a aquisição da propriedade; aquele, devedor pelo fato de ter realizado a desapropriação judicial –, a denunciação da lide será mecanismo eficaz para garantir ao proprietário que efetivamente seja indenizado pela intervenção expropriatória que redundou no perdimento da propriedade imobiliária.

            Importante afirmar que será responsável pelo pagamento da indenização a pessoa jurídica de direito público interno – União ou Estado – a que pertencer o órgão judicante que decretar a desapropriação judicial, de acordo com as regras constitucionais e legais de fixação da competência jurisdicional.

            Normalmente os respectivos processos serão julgados pela justiça estadual (CR, art. 125 e ss.), sendo o respectivo estado da federação, portanto, responsável solidariamente pela indenização decorrente da desapropriação judicial. Todavia, sempre haverá a possibilidade do respectivo processo tramitar na justiça federal, e aí, em sendo um juiz federal o responsável pela chamada desapropriação judicial, a responsabilidade solidária pela indenização fixada será da União, o que poderá ocorrer, por exemplo, se a reivindicação for pleiteada em face de possuidores indígenas (CR, art. 109, XI).

            6.3.3 Capítulos da sentença favoráveis e desfavoráveis ao autor

            Entende-se por capítulos da sentença [18] as pretensões (pedidos) das partes contidas no respectivo dispositivo, ou, caso haja alguma alteração em decorrência do efeito devolutivo, aquilo que restou firmado no acórdão pelo Tribunal.

            Partindo-se do princípio que o autor reivindicante formulou pedido alternativo ou sucessivo quanto à fixação do valor da indenização, haverá a possibilidade de sucumbir na pretensão reivindicatória, porém, ver sua pretensão quanto à indenização atendida.

            Tendo havido denunciação da lide ao Estado, também será possível ver seu direito à indenização em face da respectiva pessoa política declarado na sentença, valendo como título executivo que lhe garantirá ser devidamente indenizado caso os possuidores sejam insolventes diante do respectivo pagamento.

            Observa-se que a sentença que resolver pela desapropriação judicial será substancialmente complexa, já que o respectivo dispositivo comportará vários capítulos, cada um representando o atendimento, ou não, das pretensões deduzidas, o que variará conforme a ordenação que tenha sido dada ao processo (formulação, ou não, de pedido alternativo ou sucessivo; denunciação da lide, ou não, ao Estado; reconvenção, ou não, pelos réus etc.).

            6.3.4 Indenização fixada e a insolvência dos possuidores

            À mingua de denunciação da lide ao Estado, uma vez fixada a indenização decorrente do perdimento da propriedade pelo autor reivindicante, e diante da hipossuficiência dos possuidores em adimplir o pagamento do preço estipulado pela desapropriação judicial, será possível a via autônoma de regresso a ser deduzida através de processo de conhecimento, para buscar a condenação do Estado – União ou Estado federado, conforme o caso – a pagar a indenização fixada e insatisfeita.

            6.3.5 Possibilidade excepcional da ação autônoma em face dos possuidores e/ou do Estado pleiteando indenização, a exemplo da chamada desapropriação indireta

            Da mesma forma que a jurisprudência admite indenização pela chamada desapropriação indireta, fundada na responsabilidade aquiliana, parece que excepcionalmente não haveria óbice ao proprietário que, ao invés de pleitear a reivindicação, e vendo preenchidos os requisitos legais da desapropriação judicial, partisse direto para o ajuizamento de uma ação condenatória em face dos possuidores e/ou do Estado com o objetivo de ver fixada a indenização pelo perdimento da propriedade para os respectivos possuidores, já que estariam preenchidos os requisitos da desapropriação judicial e, em eventual juízo petitório, a chance de acolhimento da pretensão reivindicatória seria nula.

            6.4 O processo de "desapropriação judicial" sob a ótica dos possuidores (réus)

            Analisemos agora algumas possíveis derivações do processo sob a perspectiva dos possuidores.

            6.4.1 Litisconsórcio passivo necessário simples

            A decretação da desapropriação judicial depende da ocorrência de dois pressupostos básicos: juízo petitório e preenchimento dos requisitos legais (CC, art. 1.228, §§ 4º e 5º).

            Pelas disposições legais aplicáveis será necessária a formação de litisconsórcio passivo (CPC, art. 46, I), já que a desapropriação judicial só se efetiva em favor de um número considerável de possuidores. Mais ainda, o litisconsórcio será necessário sob pena de ineficácia da sentença proferida no respectivo processo (CPC, art. 47, caput), já que o § 4º do art. 1.228 é categórico em afirmar que as obras e serviços de relevante interesse social e econômico devem ter sido realizadas por considerável número de pessoas, portanto, mais que um possuidor.

            Muito embora será formado um litisconsórcio passivo necessário, essa pluralidade de partes num dos pólos da relação processual não imporá, necessariamente, que a sentença seja uniforme em relação aos litisconsortes. Tal situação decorre do fato de que a desapropriação judicial não se concretiza ope legis, tendo em vista a possibilidade dos possuidores não serem obrigados a se valer do modo de aquisição da propriedade imobiliária criada pela atual sistemática do art. 1.228 do Código Civil.

            Dessa forma, conquanto necessário, o respectivo litisconsórcio formado entre os possuidores será simples, já que a decisão proferida não será necessariamente uniforme (litisconsórcio unitário) em relação a todos, uma vez que algum ou alguns dos possuidores poderão abrir-mão da possibilidade da aquisição imobiliária gerada pela desapropriação judicial.

            6.4.2 Reconvenção ou pedido contraposto visando a decretação da "desapropriação judicial" e da fixação da indenização

            Como já foi dito, não será possível aos possuidores o exercício autônomo de pretensão buscando a desapropriação judicial, já que essa forma de intervenção na propriedade privada requer a instauração de juízo petitório pelo proprietário reivindicante (vide, 6. "d", supra).

            Com efeito, uma vez instaurada a ação reivindicatória em face dos possuidores que exerceram posse-trabalho nos termos do § 4º do art. 1.228, e pretendendo eles a aquisição do imóvel por lhe terem dado função social, ser-lhes-á lícito formular pedido em face do autor reivindicante pleiteando a desapropriação judicial, obstando a perda da posse em decorrência da reivindicação.

            Para que o sujeito passivo da relação processual formule pretensão a seu favor, é necessário que se utilize da reconvenção como forma de resposta – em se tratando de processo de rito ordinário (CPC, art. 315 e ss). –, ou então que formule seu pedido nas hipóteses em que a Lei admite o chamado pedido contraposto – tal como ocorre no procedimento sumário (CPC, art. 278 § 1º).

            Portanto, vendo-se diante de pretensão reivindicatória judicialmente deduzida pelo proprietário, poderão os possuidores que exerceram posse-trabalho nos termos do § 4º do art. 1.228 pleitear, se assim lhes convier, a desapropriação judicial e a fixação de indenização que, uma vez paga, lhes garantirá a aquisição da respectiva propriedade imobiliária.

            Insista-se uma vez mais, que os possuidores enquadrados nos termos do § 4º do art. 1.228 não têm direito autônomo e independente à desapropriação judicial, o que só ocorrerá diante do surgimento do interesse processual ocasionado pela pretensão reivindicatória do autor proprietário. Até que isso aconteça, estarão os respectivos possuidores no exercício de posse qualificada que eventualmente, desde que preenchidos os requisitos legais, poderá lhes gerar usucapião.

            6.4.3 Pagamento do preço e registro da sentença

            Pago o preço fixado pela desapropriação judicial, a respectiva sentença será apta a ser levada a registro para viabilizar a aquisição da propriedade pelos possuidores. Antes do pagamento do preço da indenização, essa específica eficácia da sentença – registrabilidade – ainda não estará liberada [19] (CC, art. 1.228, § 5º).

            É de se observar que o comando legal não impõe que a respectiva indenização deva ser adimplida diretamente pelos possuidores. Já que estamos considerando que o Estado será devedor solidário da quantia fixada à guisa de indenização pelo perdimento do imóvel em decorrência da desapropriação judicial, pago o preço pela respectiva pessoa jurídica de direito público a eficácia da sentença no tocante ao registro do bem em nome dos possuidores estará aperfeiçoada.

            Mas não será só o Estado, uma vez condenado e tornado-se solidário pela indenização, que poderá adimplir o respectivo preço.

            Vale lembrar que o direito das obrigações prevê os sujeitos que poderão exercer o pagamento, que são o devedor, o terceiro juridicamente interessado e o terceiro não interessado, observadas as peculiaridades de cada hipóteses (CC, art. 304 e ss.).

            A partir daí será possível, por exemplo, que uma ONG cuja finalidade institucional seja a valorização e o assentamento do homem do campo, ou que seja voltada à problemática dos cognominados "sem-teto" da área urbana, efetive o pagamento da indenização fixada pela desapropriação judicial para que os possuidores possam registrar o imóvel como sua propriedade. Também será possível – por que não (?!)... – que alguma pessoa física ou jurídica não interessadas efetue o pagamento para que os possuidores possam efetivar o registro da sentença e adquirir o imóvel objeto da desapropriação judicial.

            Todas essas hipóteses seriam perfeitamente possíveis e viáveis, como decorrência do fenômeno da função social da posse e da propriedade, garantindo aos possuidores o mais rápido possível a aquisição imobiliária.

            6.4.4 Hipótese de não-pagamento da indenização fixada: possibilidade de usucapião com base no justo título gerado pela sentença

            Dentre todas as derivações geradas pela complexidade da dinâmica dos §§ 4º e 5º do art. 1.228, também não está descartada a possibilidade da não-ocorrência do pagamento fixado pela desapropriação judicial, o que, não há dúvida, impedirá o registro da sentença como título translativo da propriedade, cuja registrabilidade – repita-se – está condicionada ao pagamento da indenização.

            Não obstante, a partir da respectiva sentença os possuidores terão em seu favor um justo – diria eu, justíssimo! – título apto ao atingimento do usucapião ordinário (CC, art. 1.242), onde inclusive será possível posterior individualização da posse para que os possuidores possam, em conjunto ou separadamente, pleitear a declaração da aquisição imobiliária ou mesmo proceder ao exercício da exceção de usucapião [20].

            6.4.5 Impossibilidade de reconhecimento da desapropriação judicial em caráter autônomo: imprescindibilidade de exercício de pretensão reivindicatória

            Ainda que preenchidos os pressupostos legais do § 4º do art. 1.228, não será possível aos possuidores pleitearem, e caráter autônomo e independente, a desapropriação judicial.

            De acordo com a sistemática estabelecida no Código Civil, só se justificará essa nova modalidade de intervenção na propriedade privada diante da pretensão reivindicatória do proprietário.

            A desapropriação judicial só terá lugar diante da possibilidade do poder de reivindicar exercido no juízo petitório vir a ameaçar posse-trabalho que representou em concreto o atendimento da função social.

            Atualmente, a posse goza de autonomia diante de certas situações, o que implica em prerrogativas conferidas ao respectivo sujeito de direito que lhe viabilizam a tutela da situação possessória. A posse-trabalho, a posse-moradia, enfim, qualquer posse que atenda a função social, está salvaguardada pelo ordenamento jurídico, já que aquele que deu função social a sua posse, por via reflexa, atendeu a função social da propriedade, independente de ser ou não o dono da coisa.

            Por essa razão, a posse do não-proprietário pautada pela função social, caso seja ameaçada pelo poder de reivindicar, poderá abrir ao Estado a possibilidade de decretar a desapropriação judicial fundada no interesse social.

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Sobre o autor
Glauco Gumerato Ramos

Mestrando em direito processual na Universidad Nacional de Rosario (UNR - Argentina). Mestrando em direito processual civil na PUC/SP Membro dos Institutos Brasileiro (IBDP), Iberoamericano (IIDP) e Panamericano (IPDP) de Direito Processual. Professor da Faculdade de Direito da Anhanguera Jundiaí (FAJ). Advogado em Jundiaí

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RAMOS, Glauco Gumerato. Contributo à dinâmica da chamada desapropriação judicial:: diálogo entre Constituição, direito e processo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 931, 20 jan. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7857. Acesso em: 22 nov. 2024.

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