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A obrigatoriedade do bafômetro

23/01/2006 às 00:00
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Produzindo um artigo técnico sobre a necessidade da obrigatoriedade do teste de bafômetro e as conseqüências da falta deste para a solução judicial do sinistro de trânsito, vejo, com muita alegria e ceticismo, o projeto de lei nº 735/2003 de autoria do Deputado Beto Albuquerque (PSB/RS). Essa proposta visa à alteração dos artigos 165, 277 e 302, todos da lei 9.503/97, comumente denominado Código de Trânsito Brasileiro, os quais dispõem sobre condutor em estado de embriaguez e exames de alcoolemia, na condução de veículo automotor em vias públicas. A alteração consiste em permitir que haja caracterização de infração ou crime de trânsito por condução de veículo sob influência do álcool ou substância entorpecente, ainda que o condutor se recuse a fazer os testes de alcoolemia, mediante prova testemunhal.

Alegria, quando vislumbro a predominância do interesse social sobre uma norma de proteção individual. Explico: o direito alegado (com bases constitucionais) de que a pessoa não é obrigada a produzir provas contra si mesmo (normalmente invocado por quem tem um mínimo de cultura ou orientação), vem há tempos sendo usado como motivação de não contribuir para a confecção do exame de embriaguez alcoólica, através do aparelho popularmente conhecido como bafômetro, ou mesmo de se esquivar da doação de uma amostra sanguínea para um exame clínico. E tal escusa tem bases concretas e democráticas, onde o nosso direito constitucional, considerado por muitos um dos mais avançados, dá o ônus de provar a irregularidade ao Estado, através das diversas instituições próprias, tais como os órgãos policiais, periciais e processuais, ressalvados os casos expressos em lei.

A partir desse dispositivo, os (maus) cidadãos, a despeito das campanhas educativas e instruções recebidas por meio diversos (mídia, curso de auto-escola, família) continuam a provocar acidentes de trânsito, onde normalmente existem vítimas graves, ou mesmo fatais, quando não permanecem com seqüelas pelo restante de sua existência. Quando do registro destes sinistros, os infratores, sem maiores delongas, sobrevivem impunes ao acontecido, salvo se houver outro motivo determinante para a sua culpa. É bom lembrar que, apesar da fé pública do agente de autoridade, funcionário público que representa a vontade estatal (e, por analogia, a sociedade), os relatórios e materiais comprobatórios recolhidos no local do fato (vasilhames de bebida e testemunhas imparciais, como exemplo) atualmente são desconsiderados na apuração judicial, restando aí uma impunidade tamanha – que, por conseqüência, alimenta e mantém essa mortandade que decorre do ir e vir pelas vias públicas no Brasil. Em suma, acredito que bons tempos estão por vir, com a alteração da lei.

Mas me acompanha um certo ceticismo e apreensão, quando lembro que os policiais e agentes de trânsito que trabalham na fiscalização estão despreparados para tal oficio. Antes que eu seja condenado por meus pares, é preciso ressaltar que, para a efetivação de qualquer mudança de tamanha envergadura, com reflexos diversos para o infrator e para a(s) vítima(s) do ocorrido, urge um esclarecimento considerável de TODOS (policiais e cidadãos) os envolvidos no processo. Para os servidores públicos que labutam na fiscalização, este citado treinamento tem um pouco de cada ciência: psicologia, aspectos sociológicos, procedimentos legais, entre outras matérias. Também, tornar-se-á necessária a confecção de uma instrução (nacional, a ser desenvolvida pelo DENATRAN) para os procedimentos, a serem adotados no decorrer desta verificação de embriaguez, sejam uniformes e que não possam ser invalidados judicialmente.

Se não colocada em prática esta educação geral, cria-se um ambiente propício para as piores conseqüências, do ponto de vista do agente responsável e da sociedade, como um todo: num primeiro momento, haverá contestações diversas dos acusados, alegando abusos de autoridade ou algum outro tipo de violência. Receosos de suas ações, os agentes fiscalizadores irão se abster de assumir a responsabilidade de uma ação tão polêmica, podendo ser responsabilizados administrativamente e judicialmente pelo ocorrido. Não custa lembrar que, quando o servidor público tenta provar a lisura de seus atos profissionais, faz isso às suas próprias expensas, pois a legislação pátria não prevê assistência jurídica para o acusado. Então, não havendo fiscalização, será levada a descrédito a inovação legal, onde o infrator continuará arriscando sua vida (e a de outros, principalmente), zombando de sua im(p)unidade. A partir deste vácuo gerado, ainda temos aqueles maus servidores que utilizarão da fé pública de sua palavra para, infelizmente, extorquir e violentar os cidadãos de bem.

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Sobre o autor
Fabiano da Silva Faria

policial rodoviário federal em Goiás, instrutor de curso de formação e reciclagens, pós-graduando em Criminologia pela Universidade Federal de Goiás

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FARIA, Fabiano Silva. A obrigatoriedade do bafômetro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 934, 23 jan. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7866. Acesso em: 24 abr. 2024.

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