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Terceirização e moralidade pública

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A terceirização de serviços não é problema novo no Brasil. Desde 1993, o Tribunal Superior do Trabalho lida com a questão por meio de sua Súmula 331, cuja inteligência propõe que a contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando o vínculo de emprego diretamente com o tomador de serviços, exceto no caso de trabalho temporário (Lei 6.019/74) e de serviços especializados ligados às "atividades-meio" da empresa tomadora, tais como os serviços de limpeza, de vigilância patrimonial e de fornecimento de refeições aos empregados.

Ocorre, porém, que nem sempre há clareza quanto ao que sejam "atividades-meio" em uma determinada empresa. Assim, p. ex., o serviço de atendimento bancário (incluindo o pagamento de contas e o fornecimento de talões de cheque) é, em relação ao banco, atividade-fim ou atividade-meio? Em São José dos Campos, já houve decisão da Justiça do Trabalho entendendo que se trata de atividade-fim. E o que dizer do beneficiamento de matéria-prima para determinada indústria de transformação? Além disso, freqüentemente chegam às barras dos tribunais do trabalho casos de empresas prestadoras que atendem aos pressupostos da Súmula 331 mas não têm capacidade econômica para arcar com os direitos trabalhistas de seus empregados. Nesse caso, a súmula prevê que o tomador responde subsidiariamente por esses créditos; mas aí surge uma nova disputa técnico-ideológica em torno do que seja um "tomador de serviços" e do que sejam "obrigações trabalhistas" para fins de subsidiariedade.

Essas são mazelas na perspectiva "micro" (i.e., no plano dos direitos individuais). Na perspectiva "macro" (interesse público e interesses metaindividuais), o problema é tão ou mais grave. A FOLHA DE SÃO PAULO de 19.01.2006 publicou, na p. A-9, uma reportagem preocupante sobre prováveis fraudes em FURNAS CENTRAIS ELÉTRICAS, praticadas por intermédio da terceirização de serviços. A empresa mantém, atualmente, cerca de 2.500 trabalhadores em seus quadros, sem concurso público. Por pressão do Ministério Público do Trabalho e da Justiça do Trabalho, realizou-se concurso público que aprovou 9.000 candidatos; todavia, o texto informa que as nomeações são poucas, lentas e dão preferência a terceirizados que estão entre os aprovados no concurso. Ou seja: há, aparentemente, "contas de chegar" tendentes a legalizar a situação dos abonados.

Também não é incomum que, nas empresas tomadoras de serviços, a troca de empresas prestadoras não interfira no quadro básico de "terceirizados". Esse quadro permanece, uma vez que os trabalhadores são mantidos em seus setores, operando-se mera transferência formal de uma empresa para outra. Muitas empresas prestadoras são criadas para servir a determinada tomadora: não têm contratos com outras empresas e, uma vez perdido o contrato com a empresa-mãe, padecem de sua própria inidoneidade econômico-financeira e desaparecem do mercado.

Não estou entre os que são contrários ao fenômeno da terceirização. Esse, como outros (downsizing, empowerment, etc.), estão ligados a um refluxo histórico da Ciência da Administração, que se opõe ao modelo concentrado, rígido e hierárquico do Fordismo. A terceirização conheceu seu clímax com o Toyotismo, juntamente com outras características desse modo de produção (horizontalização, kanban, just-in-time, etc.); e, nessa medida, cumpriu seu papel, oferecendo alternativas ao capital. No entanto, tal qual as cooperativas (que, na Europa, são o verdadeiro pilar da Economia Solidária), podem ter um uso deletério. É o que deve ser combatido.

Soluções "legislativas" nem sempre são as mais aconselháveis. Na verdade, o Brasil não raro é criticado por fazer legislação de encomenda, que só vem a lume após eclodirem graves problemas sociais relacionados à sua matéria. Foi assim, p. ex., com as leis que tornaram hediondos os crimes de homicídio qualificado e de falsificação de medicamentos (Lei 8.072/90). Mas, no caso das terceirizações, dadas as insuficiências aplicativas da Súmula 331 do TST, talvez fosse o caso de pugnar ― e propor ― um tratamento legal adequado à terceirização de serviços, erigindo critérios básicos de legalidade/moralidade que passem pela aferição prévia da idoneidade financeira e da anterioriedade da empresa prestadora, assim como por mecanismos de proteção institucional que obstaculizem o puro e simples "marchandage" de força de trabalho. Também parece salutar criminalizar, com alguma especificidade, condutas concretas de tomadores e terceirizadores que sirvam à frustração fraudulenta de direitos trabalhistas (a despeito do artigo 203 do Código Penal) e/ou à elisão de normas jurídicas de ordem pública (a despeito da Lei de Improbidade Administrativa). Isso já ocorre na Espanha (artigo 312 do código penal espanhol).

Enfim, regulamentar o que está desregulamentado, evitando soluções vinculadas à maior ou menor sensibilidade social do juiz no trato dos litígios trabalhistas.

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Sobre o autor
Guilherme Guimarães Feliciano

Professor Associado II do Departamento de Direito do Trabalho e da Seguridade Social da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Juiz Titular da 1ª Vara do Trabalho de Taubaté/SP. Doutor pela Universidade de São Paulo e pela Universidade de Lisboa. Vice-Presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho – ANAMATRA.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FELICIANO, Guilherme Guimarães. Terceirização e moralidade pública. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 939, 26 jan. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7881. Acesso em: 2 nov. 2024.

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