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Comentários sobre a nova lei de abuso de autoridade aplicada à atividade policial

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16/01/2020 às 08:40
Leia nesta página:

 MANTER EM CONFINAMENTO PESSOA DO MESMO SEXO

Lei 4898/65

Lei 13869/19

Art. 4º Constitui também abuso de autoridade:

[...]

b) submeter pessoa sob sua guarda ou custódia a vexame ou a constrangimento não autorizado em lei

Art. 21. Manter presos de ambos os sexos na mesma cela ou espaço de confinamento:

Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem mantém, na mesma cela, criança ou adolescente na companhia de maior de idade ou em ambiente inadequado, observado o disposto na Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente).

O artigo 21 da Lei especifica a criminalização do agente que permite ou que mantém presos de ambos os sexos na mesma cela ou em espaço de confinamento (o que inclui viaturas policiais quando forem conduzidos presos de sexos diferentes).

Quanto ao parágrafo único, o legislador foi enfático na criminalização do agente, que mantém na mesma cela adultos e adolescentes ou ainda em ambiente inadequado ( o que abrange a condução no guarda preso da viatura ). Atente-se ao Art. 178 do ECA:

Art. 178. O adolescente a quem se atribua autoria de ato infracional não poderá ser conduzido ou transportado em compartimento fechado de veículo policial, em condições atentatórias à sua dignidade, ou que impliquem risco à sua integridade física ou mental, sob pena de responsabilidade.


INOVAÇÃO ARTIFICIOSA A FIM DE SE EXIMIR DA RESPONSABILIDADE

Lei 4898/65

Lei 13869/19

Não há dispositivo equivalente

Art. 23. Inovar artificiosamente, no curso de diligência, de investigação ou de processo, o estado de lugar, de coisa ou de pessoa, com o fim de eximir-se de responsabilidade ou de responsabilizar criminalmente alguém ou agravar-lhe a responsabilidade:

Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem pratica a conduta com o intuito de:

I - eximir-se de responsabilidade civil ou administrativa por excesso praticado no curso de diligência;

II - omitir dados ou informações ou divulgar dados ou informações incompletos para desviar o curso da investigação, da diligência ou do processo.

Este artigo define como responsabilidade uma conduta similar quando o agente pratica o crime de Fraude Processual previsto no Art. 347 do Código Penal. Neste artigo 23, porém, inclui-se, além do juiz e perito (previstos no Art. 347), qualquer outra autoridade que esteja à frente de um feito, seja ele administrativo ou criminal. Para caracterizar o crime, além da inovação, é necessário que a finalidade seja de se eximir de responsabilidade, de responsabilizar criminalmente alguém ou agravar-lhe a responsabilidade.


SOCORRO A PESSOA JÁ EM ÓBITO

Lei 4.898/65

Lei 13.869/19

Não há dispositivo equivalente

Art. 24. Constranger, sob violência ou grave ameaça, funcionário ou empregado de instituição hospitalar pública ou privada a admitir para tratamento pessoa cujo óbito já tenha ocorrido, com o fim de alterar local ou momento de crime, prejudicando sua apuração

A aplicação deste artigo se dá justamente visando o agente público que se utiliza da violência ou grave ameaça para coagir o funcionário de instituição hospitalar a admitir pessoa que já esteja em óbito. A finalidade do legislador, ao criar este tipo penal, foi prevenir que haja qualquer adulteração no local do crime, ou seja, que não sofresse qualquer alteração que trouxesse prejuízo à investigação criminal.


OBTENÇÃO DE PROVAS ILÍCITAS

Lei 4.898/65

Lei 13.869/19

Art. 3º Constitui abuso de autoridade qualquer atentado:

[...]

b) à inviolabilidade do domicílio;

c) ao sigilo da correspondência;

[...]

Art. 4º Constitui também Abuso de autoridade:

[...]

b) submeter pessoa sob sua guarda ou custódia a vexame ou a constrangimento não autorizado em lei;

Art. 25. Proceder à obtenção de prova, em procedimento de investigação ou fiscalização, por meio manifestamente ilícito:

Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem faz uso de prova, em desfavor do investigado ou fiscalizado, com prévio conhecimento de sua ilicitude.

Apesar de estar previsto na Lei preliminar através de duas alíneas, a nova legislação criminaliza especificamente o agente que procede à obtenção de prova em procedimento de investigação ou fiscalização por meio ilícito. O tema aplica-se ao policial que obtém prova através do acesso ilegal ao telefone celular do detido ou abordado, olhando seus aplicativos de mensagem, arquivo de fotos e vídeos ou se passando pelo abordado durante ligações telefônicas.

Em relação ao tema, verifica-se jurisprudência nos Tribunais Superiores e no TJM/SP quanto à impossibilidade de realização dos atos descritos.

O procedimento correto é proceder à apreensão do celular para que a autoridade policial possa emanar uma solicitação judicial para a quebra do sigilo de dados do aparelho telefônico.


EFEITOS DA CONDENAÇÃO

Lei 4.898/65

Lei 13.869/19

Art. 6º O abuso de autoridade sujeitará o seu autor à sanção administrativa civil e penal. 

§ 1º A sanção administrativa será aplicada de acordo com a gravidade do abuso cometido e consistirá em: 

 a) advertência;

b) repreensão; 

c) suspensão do cargo, função ou posto por prazo de cinco a cento e oitenta dias, com perda de vencimentos e vantagens; 

d) destituição de função; 

e) demissão;

f) demissão, a bem do serviço público.

Art. 4º São efeitos da condenação:

I - tornar certa a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime, devendo o juiz, a requerimento do ofendido, fixar na sentença o valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração, considerando os prejuízos por ele sofridos;

II - a inabilitação para o exercício de cargo, mandato ou função pública, pelo período de 1 (um) a 5 (cinco) anos;

III - a perda do cargo, do mandato ou da função pública.

Parágrafo único. Os efeitos previstos nos incisos II e III do caput deste artigo são condicionados à ocorrência de reincidência em crime de abuso de autoridade e não são automáticos, devendo ser declarados motivadamente na sentença.

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É importante salientar que o abuso de autoridade não exclui a condenação nos demais crimes de objetividade jurídica, além de trazer efeitos secundários da condenação.

Indubitavelmente, o hall era maior quando previsto pela Lei de 4.898/1965, incluindo efeitos automáticos. Porém, há de se destacar que na nova legis, além dos efeitos previstos nestes três incisos, em seu parágrafo único define que somente se aplicarão os incisos II e III (que promovem a inabilitação para cargo ou função ou ainda a perda dele), somente quando em reincidência específica em crime de abuso de autoridade, e exclui, ainda, o efeito automático deles na sentença, devendo, portanto, o magistrado aplicá-los após motivação.


COMPETÊNCIA PARA JULGAMENTO

Não deve haver questionamento no sentido de competência para julgamento do policial militar que pratica o crime de abuso de autoridade, visto que, em 2017, através do advento da lei 13491/17, determinou-se a expansão da competência de julgamento da justiça castrense para além dos crimes militares, incluindo-se os demais crimes previstos na legislação penal vigente.

Quanto à lei dos novos crimes militares, entende-se que, por força de alteração de norma legislativa, há a superação da Súmula Nº 172 do Superior Tribunal de Justiça, a qual preconizava que a Justiça Comum era competente para julgar os militares que fossem réus no crime de abuso de autoridade.

Diz a Lei:

Art. 9º Consideram-se crimes militares, em tempo de paz:

[...]

II - os crimes previstos neste Código e os previstos na legislação penal, quando praticados: (grifos nossos)

Ainda preconiza a Súmula nº 172:

“Compete à Justiça Comum processar e julgar militar por crime de abuso de autoridade, ainda que praticado em serviço.”


OBSERVAÇÕES FINAIS

Durante 54 anos, o agente público esteve sob a égide de uma lei aparentemente mais rigorosa. A maior arma do policial é trabalhar fazendo aquilo que a lei o permite, devendo observar a legalidade de seus atos e relatar em Boletim de Ocorrência e Relatório de Serviço quando pratica um ato legal que gere restrição de direitos, devendo SEMPRE respeitar o disposto na lei.


Bibliografia

CONGRESSO NACIONAL - Lei 13869/19, disponível em : http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/lei/L13869.htm, acesso em : 02 de Janeiro de 2020 às 17:00

CONGRESSO NACIONAL - Lei 4898/65, disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l4898.htm, acesso em : 07 de Janeiro de 2020 às 16:00

CONGRESSO NACIONAL - Código Penal da República Federativa do Brasil, disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm, acesso em : 04 de Janeiro de 2020 às 12:00

CONGRESSO NACIONAL - Lei 8906/94, disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8906.htm, acesso em : 05 de Janeiro de 2020 às 15:30

CONGRESSO NACIONAL - Código Penal Militar, disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del1001Compilado.htm, acesso em: 10 de Janeiro de 2020 às 14:00

GRUPO NACIONAL DE COORDENADORES DE CENTRO DE APOIO CRIMINAL – GNCCRIM - “ Lei de Abuso de Autoridade “, disponível em: http://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/Criminal/Noticias_CAO_Criminal/Enunciados%20GNCCRIM%20Lei%20de%20Abuso%20de%20Autoridade.pdf, acesso em: 10 de Janeiro de 2020 às 14:00

Súmula 172 do STJ, disponível em: https://ww2.stj.jus.br/docs_internet/revista/eletronica/stj-revista-sumulas-2010_12_capSumula172.pdf, acesso em: 10 de Janeiro de 2020 às 14:00

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Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CANGUSSU, Leonardo. Comentários sobre a nova lei de abuso de autoridade aplicada à atividade policial. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6042, 16 jan. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/78905. Acesso em: 21 nov. 2024.

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