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A cidadania no Brasil pela Constituição de 1988

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3 - DIREITOS ECONÔMICOS

Os Direitos Econômicos são aqueles direitos que estão contidos em normas de conteúdo econômico e que viabilizarão uma política econômica. Contêm normas protetoras de interesses individuais, coletivos e difusos.

Somente através de uma política econômica, estabelecida a partir de normas de conteúdo econômico - dentre elas, os Direitos Econômicos -, com o objetivo de concretização dos Direitos Humanos, é que se faz possível a real efetivação dos mesmos.

Sem esta política, elaboradora de um planejamento, no qual se fixem metas e seu financiamento, impensável é, por exemplo, a consecução do pleno emprego (direito econômico), para o oferecimento de um salário-mínimo (direito social) suficiente, de forma a se suprirem as necessidades humanas e conferir ao indivíduo uma vida digna (direito individual). (44)

Visam os Direitos Econômicos, assim, a proporcionar a realização dos Direitos Sociais, da mesma forma que estes objetivam concretizar os Direitos Individuais. Dessa maneira, os Direitos Econômicos servem de instrumento, constituindo-se meio de auxílio dos demais Direitos Humanos.

3 . 1 - CLASSIFICAÇÃO

De modo semelhante aos Direitos Fundamentais como um todo, também no caso específico dos Direitos Econômicos Fundamentais, a classificação não é pacífica, não sendo mesmo rara sua desconsideração como componentes daqueles. Não sendo este o ponto de vista que se adota neste trabalho, segue-se à divisão realizada pelo Prof. JOSÉ LUIZ QUADROS DE MAGALHÃES:

I . direito ao meio ambiente;

II . direito do consumidor;

III . função social da propriedade rural e urbana;

IV . transporte (como meio de circulação de mercadorias);

V . pleno emprego (direito ao trabalho);

VI . outras normas concretizadoras de direitos sociais, individuais e políticos. (45)

3 . 1 . 1 - MEIO AMBIENTE

O direito a um meio ambiente saudável, o qual ofereça boas condições de vida ao homem, além de se caracterizar como um Direito Econômico, é, também, um direito difuso.

O interesse jurídico, em sentido substancial, corresponde ao núcleo ou conteúdo de um direito subjetivo. Sendo assim, o direito subjetivo nada mais é do que o interesse juridicamente protegido. Se o direito é difuso, o interesse jurídico também o é, tendo todo ser humano o interesse de agir na defesa daquele. (46)

O direito difuso tem como características:

. indeterminação de seu sujeito, haja vista se referir a um número indiscriminado de pessoas, não se podendo individualizá-las já que estão dispersas em uma coletividade;

. indivisibilidade, uma vez que não pode ser atribuído exclusivamente a um único titular, sendo, ao mesmo tempo, de todos e de cada um; (47)

. indisponibilidade, a qual guarda intrínseca relação com a indeterminação do sujeito, visto que, se não há discriminação de um titular específico, a um sujeito não identificável é impossível a disposição de seus direitos.

É tomado como um dos Direitos Econômicos devido ao conteúdo político-econômico intervencionista das normas que regem esta matéria, bem como aquelas dos direitos dos consumidores, os quais serão ainda estudados.

Meio ambiente se refere a todas as questões que envolvem a vida na Terra, de forma a se manter uma existência saudável física e mentalmente para os seres humanos. (48)

Nossa Carta Magna dispõe, em seu art. 225, parágrafo 1º, as formas pelas quais o Poder Público deve assegurar a efetividade do direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado.

Obriga a recuperação de áreas exploradas por atividades mineiradoras (art. 225, § 2º), bem como prevê sanções penais, administrativas, independentemente da obrigação de reparar perdas e danos àqueles que lesarem o meio ambiente (art. 225, § 3º).

Não disciplinavam, logicamente, as Constituições Liberais dos séculos XVIII e XIX este direito, por não incluírem, ainda, os Direitos Econômicos em seus textos.

Nem mesmo as primeiras Constituições Sociais do começo do século XX, como a do México (1917), da Alemanha (1919), do Brasil (1934) continham referências a esse tema. Apenas no constitucionalismo mais recente se encontra essa abordagem, como as atuais Constituições Espanhola, Portuguesa, Cubana e Brasileira. (49)

3 . 1 . 2 - DIREITO DO CONSUMIDOR

O direito do consumidor envolve a interferência do Estado em problemas ligados à qualidade do produto, à relação de consumo, ao preço, aos contratos de fornecimento de produtos e serviços, à publicidade, dentre outras questões. (50)

Os direitos dos consumidores podem ser difusos, coletivos ou individuais (art. 81, I a III do Código de Defesa do Consumidor).

Caracterizam-se como direitos coletivos aqueles que pertencem não apenas a um indivíduo, mas a uma coletividade determinada e específica, como uma categoria profissional, um grupo delimitado ou uma classe distinta de pessoas.

Ao contrário dos direitos difusos, há a determinação do sujeito (grupo, classe ou categoria), a divisibilidade do direito, pois se pode discernir que é ou não titular do mesmo, e a conseqüente disponibilidade do direito por parte de seus detentores.

Tendo mesmo os direitos individuais dos consumidores dependência direta da intervenção do Estado, são classificados dentre os Direitos Econômicos e não Individuais Fundamentais. Destarte errônea é a colocação do direito do consumidor no art. 5º, XXXII, pois o que se cobra é uma prestação positiva do Estado. (51)

Grande parte dos conflitos entre consumidores e fabricante, fornecedor de produtos, prestador de serviços, empresário tem sido solucionada nos Programas de Proteção ao Consumidor - PROCONs -, os quais vêm, progressivamente, difundindo-se pelos estados, a partir de suas capitais.

No entanto, como é um sistema insipiente, mesmo porque o direito do consumidor, no Brasil, ainda está solidificando sua estrutura de aplicação de sanções.

Conforme disposto no art. 56, parágrafo único da Lei 8078/90 - o Código de Defesa do Consumidor -, as sanções administrativas serão aplicadas pela autoridade administrativa. O que se nota majoritariamente nos PROCONs, porém, é o fato de não possuírem uma infra-estrutura capaz de instituir tais punições.

Indubitavelmente, constituem-se importantes veículos de informação, conscientização e prevenção da população contra atividades nocivas empresariais ou produtos e serviços de baixa qualidade, conseguindo, várias vezes, a resolução de questões controversas.

Entretanto, em inúmeras ocasiões, os problemas restam intactos, haja vista que os órgãos não possuem poder de polícia, não podendo, portanto, coagir o empresário, nem mesmo, a comparecer às audiências, que dirá a cumprir qualquer determinação.

Quanto às sanções penais, poderá intervir como assistente do PROCON o Ministério Público. Contudo, de forma geral, este se mostra ainda não ou mal articulado para agir em defesa desse direito em juízo.

Todavia a Lei 8078/90 dispõe que não apenas os PROCONs estão legitimados para moverem ações judiciais em defesa dos interesses difusos e direitos dos consumidores e das vítimas em caráter coletivo (art. 81), mas também o Ministério Público, a União, os Estados, os Municípios, as associações que incluam entre seus fins a proteção desses direitos, concorrentemente. (art. 82, I, II, IV).

3 . 1 . 3 - DIREITO AO TRANSPORTE

O direito ao transporte é considerado como um dos integrantes dos direitos econômicos quando analisado a partir de dois enfoques, conforme salienta o Prof. JOSÉ LUIZ QUADROS DE MAGALHÃES:

. quando funciona como meio essencial para a atividade econômica, como a construção de estradas vicinais, ligando o campo produtor às cidades consumidoras, as áreas de reforma agrária ou colonização aos centros urbanos, de forma a viabilizar o desenvolvimento destas regiões e a comercialização de seus produtos;

. quando é objeto de exploração econômica com fins lucrativos, o que ocorre nas concessões e permissões do serviço de transporte coletivo, realizadas pelos municípios a particulares (art. 175, CF/88). O preço deve ser módico por se tratar de atividade de caráter essencial, além da obrigação de se manter o serviço adequado ao pleno atendimento dos usuários. (52)

3 . 1 . 4 - PLENO EMPREGO (DIREITO AO TRABALHO)

Apenas através do trabalho (Direito Social), com justa remuneração, jornada máxima, férias, dentre outros correlatos, é que se viabiliza o exercício do Direito Individual à liberdade. Sem os meios não se atingem os fins.

Analogamente, não havendo uma política econômica com a materialização de normas que objetivem alcançar ou propiciar o pleno emprego (direito ao trabalho - um dos Direitos Econômicos), dificilmente se poderá oferecer o Direito Social do Trabalho ao homem. Conseqüentemente, inviável se tornará a concretização da liberdade, Direito Individual, formalmente assegurada.

Com uma visão mais ampla, pode-se afirmar que sem o pleno emprego, a justa remuneração, a justa distribuição de rendas, isto é, sem uma democracia econômica, a faculdade de tomar decisões se restringe a um minoritário grupo social, a elite econômica. Esta detém, também, o monopólio do conhecimento e, em última instância, a concentração dos instrumentos militares, capazes de abafar qualquer tentativa de real participação democrática. Além, portanto, de se atentarem contra os Direitos Sociais do trabalho, da educação, aniquila-se, também, o mais essencial dos direitos, a liberdade. (53)


4 -DIREITOS POLÍTICOS

São direitos através dos quais confere-se o acesso da população à participação no Poder do Estado.

São a expressão maior dos direitos à igualdade e liberdade, pois caracterizam a própria autodeterminação do indivíduo e do povo.

Compõem os Direitos Políticos, na Constituição de 1988, os direitos de votar e ser votado, do referendo, plebiscito e iniciativa popular das leis.

Além desses, o direito de destituição é também incluído por alguns estudiosos, ocorrendo quando o governo de um representante não corresponda aos interesses sociais ou sua conduta seja incompatível com a confiança que lhes foi depositada por parte dos eleitores, por meio da execução de atos de infidelidade aos compromissos assumidos. Trata-se do conhecido impeachment, o qual, apesar de não votado diretamente pelo povo, sofre a influência decisiva deste, haja vista estarem os parlamentares julgadores em exercício, justamente, para representar a vontade popular. (54)

Alguns autores colocam dentre os Direitos Políticos o direito de resistência. Este seria utilizado como último recurso em caso de atentado à ordem jurídica vigente. Distingue-se da desobediência civil por se tratar esta de descumprimento de norma positiva válida. (55)

Outros doutrinadores preferem classificar o Direito Individual da liberdade de associação como direito político, devido às suas relevantes influências no Poder Público, decorrente de sua grande força de participação e mobilização, sobretudo a dos sindicatos. Em razão destes, vários Direitos Sociais foram conquistados e ampliados, ao longo deste século. Conforme dito, estes direitos estão intimamente ligados aos direitos trabalhistas, pois foram os trabalhadores o motor de todas estas conquistas sociais. E a partir da consecução do direito de associação, seu poder de voz foi, em muito, ampliado. (56)

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O direito à oposição ou à divergência, o qual, neste trabalho se preferiu incluir na própria liberdade de pensamento como Direito Individual, é, por alguns, encarado como Direito Político, tendo no pluripartidarismo sua instituição maior. O sistema partidário representa, teoricamente, o meio pelo qual a oposição se torna possível em um regime democrático. (57)

Outras formas de expressão diversas da representação partidária, mas capazes de manifestar a discordância da população com determinado sistema, são os votos nulos e brancos. Demonstram patente insatisfação popular com o governo, sua conduta, a organização social como um todo. Esta foi a forma de oposição utilizada pelos eleitores quando das eleições brasileiras de 1970 e 1974, período de ditadura militar ostensiva e altamente atentatória à liberdade de expressão e pensamento, bem como a todos os demais Direitos Humanos, fase em que se houve a dissolução da estrutura partidária. (58)

Aliam-se a essas formas de oposição alternativas as manifestações populares a nível de passeatas ou encontros em locais públicos, de maneira a exporem-se opiniões pública e abertamente, como nos exemplos brasileiros da campanha Direitas Já e impeachment do ex-presidente Fernando Collor de Melo.

O exercício deste direito de oposição, contudo, pelo verificado em pesquisas, parece estar associado ao processo de urbanização e industrialização, de forma que aqueles residentes em regiões mais desenvolvidas, os grandes centros, tendem a adquirir maior consciência crítica e política do que os demais. A população interiorana, cuja pobreza, em geral, é global, acaba por se submeter a práticas de venda de voto, mesmo que discordem da conduta ou ideologia política do candidato. Isso porque os presentes recebidos como pagamento acabam por auxiliar as famílias na luta pela sobrevivência. Soma-se o fato de que em comunidades restritas, os chamados voto de curral, voto de cabresto ou coronelismo ainda se fazem decisivamente presentes. O controle da autoridade local, geralmente detentora do poder político e econômico, da qual os subordinados dependem, é possível de ser realizado de maneira mais incisiva do que nas metrópoles, onde há relativa distância entre patrões e subalternos. (59)

A conquista do sufrágio universal, como forma de investidura popular dos governantes ou de sua derrubada, bem como a constitucionalização da oposição, a qual torna lícita a formação de um poder alternativo, ainda que ambas no limite das regras do jogo, representam institutos democráticos oferecedores de importantes garantias contra as várias formas de usurpação do poder legítimo. Os institutos liberais que visavam ao mesmo fim já haviam sido alcançados desde o século XVIII, quais sejam, a separação dos poderes e a subordinação de todo o poder estatal ao direito. Esta última recebeu o nome de constitucionalismo, tendo por fruto a criação do conhecido Estado de Direito, isto é, aquele no qual todo poder é exercido no âmbito de regras jurídicas delimitadoras de competências e orientadoras de decisões. (60)

A doutrina estabelece uma distinção entre Direito Político e Direitos Políticos. Apesar de não pacífico, o primeiro pode ser classificado como a união de um setor jurídico (Direito Constitucional) e outro científico-político (Ciência Política) em uma mesma disciplina. (61) Trata-se do estudo do exercício do poder no quadro de um dado Estado, isto é, seu regime político, resultante de forças políticas. (62)

Já os Direitos Políticos são entendidos como "direitos de participação do povo no poder do Estado, envolvendo a abordagem dos regimes políticos, dos partidos políticos e formas de participação popular no Poder do Estado. Eles amparam os demais, Direitos Individuais, Sociais e Econômicos na medida em que, quando desaparece a democracia, por constatação histórica, desaparecem imediatamente as liberdades fundamentais. Em nenhum momento da história, em nenhum país do mundo, houve ofensa à democracia, sem que a imediata conseqüência fosse a violação dos Direitos Individuais e das liberdades básicas como a liberdade de expressão e de consciência." (63)

Isso porque a democracia deve ser entendida como forma de governo na qual o poder é exercido senão por todos os indivíduos, por seu maior número ou por muitos. (64) Claro é que se os indivíduos detêm o poder, direcionam-no no sentido de realização de seus interesses próprios, valorizando os direitos de que são titulares, dentre eles os Direitos Humanos. Isto é, possuem maior liberdade política, sendo as leis feitas por aqueles a quem são destinadas. (65)

Ofende-se a democracia quando se tira ou se tenta tirar o controle do poder popular, ou seja, sua liberdade política, como no caso de um regime autoritário, o qual o concentra no domínio de por um ou de poucos. Estando o poder centralizado e não repartido como em uma democracia, a tendência a arbitrariedades, intransigências e totalitarismo se faz sensivelmente marcante, atuando-se em prol do benefício próprio dos dirigentes e/ou da parcela populacional diminuta que representam. Aqueles que fazem as leis são diversos daqueles para quem elas se destinam. Assim sendo, democracia e autoritarismo são, inevitavelmente, excludentes entre si.

"A democracia é a sociedade dos cidadãos e os súditos se tornam cidadãos quando lhes são reconhecidos alguns direitos fundamentais." (66)

A democracia é o poder emanado de todos os indivíduos, tomados um a um, os quais possuem o direito de participar livremente na tomada das decisões coletivas, isto é, que obrigam toda a coletividade. A soberania repousa nos cidadãos e não no ´povo´, abstração amorfa, freqüentemente utilizada para encobrir realidades diversas. (67)

Pode-se dizer que, se não desaparecem os Direitos Humanos durante períodos ditatoriais, sua limitação pode chegar a ponto tão extremo que são apenas formalmente oferecidos.

Exemplo claro é o que ocorre em relação ao Direito Social à educação sob um regime totalitário, no qual fica restrito apenas àquilo aprovado pela censura, somente se lecionando e aprendendo dados oficialmente autorizados. A liberdade de consciência, dedutivamente, é tolhida e difícil é se compreender a idéia de que se está livre para tomar conhecimento de algumas informações e impedido para outras. Nesta hipótese, não se admitem meios termos, caso contrário, seria acatar-se uma situação fictícia e hipócrita.

Como foi mencionado anteriormente, a inexistência de uma democracia econômica inviabiliza o pleno exercício dos Direitos Econômicos, Sociais e Individuais. Cumpre assinalar que também se incluem nestes os Direitos Políticos. Dificilmente um candidato sem grande poder econômico conseguirá se eleger devido ao alto custo de uma campanha eleitoral. Por sua vez, um eleitor de baixa renda, com base, justamente, naquilo explicitado, em geral, não possui esclarecimento suficiente que lhe proporcione um razoável discernimento da realidade, haja vista seu pequeno grau de escolaridade, dentre outras carências, de forma a votar naquele que de fato represente seus próprios interesses.

O princípio adotado para a caracterização de um regime como democrático ou não reside na igualdade. Não a igualdade jurídica, pois esta se faz presente desde o início do Liberalismo, ocorrendo mesmo em Estados não democráticos, mas sim a igualdade social e econômica - ao menos em parte. (68)

Importante salientar o crucial papel desempenhado pelos meios de comunicação, os quais, através dos programas apresentados e das propagandas veiculadas conseguem, facilmente, controlar a opinião pública de forma até mesmo despercebida a grande parte da população, exatamente aquela excluída, de maneira geral. Tal fato propicia uma manipulação de massas, com a condução de sua própria vontade e poder de escolha. Inquestionavelmente, esta situação atenta contra a democracia política, instaurando uma nova forma de perpetuação no poder de uma elite econômica.

Com relação, especificamente, aos Direitos Políticos, o desenvolvimento da democracia do início do século passado até hoje coincide com sua ampliação progressiva, isto é, o direito de participar, ao menos com a eleição de representantes, da formação da vontade coletiva. (69)

O Estado representativo, originário da Inglaterra, difundido ao longo do séc. XIX pela Europa e hoje presente em grande parte dos países do mundo, inclusive no Brasil, conhece um processo de democratização em dois sentidos: em relação ao alargamento do direito de voto até o sufrágio universal masculino e feminino, e no tocante ao desenvolvimento do associacionismo político até a formação dos partidos de massa e o reconhecimento de sua função pública. (70)

Os partidos políticos são definidos como união de diversas pessoas que têm interesses e idéias em comum contra outra opinião contrária. Há aqueles provenientes do parlamento, advindos de uma ligação entre grupos parlamentares e comitês eleitorais. (71) Há outros de origem exterior ao Parlamento, formados por grupos sociais situados fora do sistema político propriamente dito, como as associações camponesas, sindicais etc., além daqueles nascidos da cisão ou fusão de outros partidos. (72)

"A doutrina política constitui o elemento primordial de um partido político". (73)

No Brasil, o estabelecimento de partidos políticos data do Império, com a adoção do modelo europeu dos Partidos Conservador e Liberal. Apenas ulteriormente surge o Partido Republicano, o qual viria a modificar o regime do país para república. Somente com o Estado Novo de Vargas (1937-1945) é que outros partidos serão criados, a partir de autorização concedida para tanto. Nasceriam vários então, dos quais os de maior relevância e perpetuidade foram a União Democrática Nacional (UDN), o Partido Social Democrático (PSD) e o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB). (74)

Já o regime político é o "conjunto de elementos que, de fato ou de direito, concorrem para a tomada das decisões coletivas essenciais, isto é, são elementos que condicionam o exercício do poder". (75)

Portanto, a partir da análise do regime político vigente, faz-se possível a identificação do nível de democratização social existente, através dos mecanismos diretos ou indiretos de participação popular no poder e nas decisões do Estado.

O sistema político caracteriza-se por ser "uma linguagem ideológica de um certo tipo de regime jurídico, feita à base de justificações e explicações. Investiga-se o sistema quando são feitos levantamentos em termos de princípio da soberania nacional e popular". (76)

Assim, enquanto o Regime Político trata das vias concretas dentro do Estado de participação popular, o Sistema Político dá um enfoque mais global, constituindo a própria ideologia reinante e determinadora dos atos materiais, não apenas do ponto de vista da participação no Estado, mas também na própria sociedade. (77)

Nossa atual Constituição trata dos Direitos Políticos em seu Capítulo IV do Título II, referentes aos direitos e garantias fundamentais.

O art. 14 dispõe sobre as formas de exercício da soberania popular, quais sejam:

. sufrágio universal;

. voto direto e secreto com igual valor para todos;

. plebiscito;

. referendo;

. iniciativa popular.

A soberania se divide entre interna e externa.

A soberania interna significa poder supremo, ou seja, o Estado, dentro de suas fronteiras exerce o poder maior, não lhe havendo nenhum paralelo ou superior. A soberania externa é sinônimo de independência, isto é, o Estado, em suas relações com os demais, não se encontra em posição de subordinação, submissão, não admitindo nenhum tipo de intromissão em seus assuntos internos ou internacionais. (78)

Nota-se, portanto, que a soberania não é inerente ao poder do Estado, mas sim uma qualidade do mesmo, podendo ou não ocorrer.

O direito de sufrágio é aquele pelo qual o cidadão, mediante voto, escolhe seu representante.

No Brasil, o sufrágio é universal. Diz-se ´universal´ do ponto de vista do candidato e não do eleitor , o que significa que o eleito não é submetido a nenhum tipo de restrição por motivo de sua situação financeira, classe social ou título de qualquer natureza, tendo, no entanto, que ser alfabetizado (art. 14, § 4º). (79)

Por isso se pode dizer que, apesar de as mulheres terem sido até pouco tempo impossibilitadas de exercerem seu direito de voto - o mínimo que se pode oferecer a um cidadão -, o sufrágio era tão universal quanto o é hoje.

O tipo de eleição adotada é direta, ou seja, a escolha dos representantes ocorre em um só grau. Ao contrário, o voto indireto se processa em dois graus: primeiramente os eleitores escolhem colégios para, posteriormente, estes selecionarem os candidatos para os cargos. (80) Este é o sistema vigente, por exemplo, nos Estados Unidos da América.

Além disso, o voto é secreto, somente conhecendo a escolha feita o próprio eleitor que a realiza.

Quando a Constituição se refere a igual valor dos votos, mostra-se avessa a quaisquer resquícios de oligarquia, elitismo ou aristocracia, conferindo o mesmo peso político a todos os cidadãos. (81)

O referendo, conforme PINTO FERREIRA, é um mecanismo posto à disposição do cidadão que, de acordo com sua convicção, pode sancionar ou vetar determinada medida legislativa realizada por seu representante. Divide-se em:

. referendo constitucional, utilizado para a aprovação de uma Constituição;

. referendo legislativo, para a aprovação de leis ordinárias;

. referendo compulsório, aplicado obrigatoriamente à ratificação de novas Constituições e emendas constitucionais;

. referendo facultativo, empregado a critério da legislação em matérias controvertidas. (82)

Percebe-se que se trata de importante instrumento de participação popular diretamente no processo legislativo, complementando-se a tarefa do legislador.

Ao passo em que o referendo é processo de submissão ao eleitorado de medida legislativa, o plebiscito é a aprovação ou desaprovação de ato executivo pelo povo, tratando-se este de assunto de relevante interesse e questão controversa. Além disso, o primeiro é realizado posteriormente à decisão, enquanto o último, anteriormente. (83)

Nota-se que a complexidade exigida para o referendo, a análise de textos legais, é maior do que aquela requerida pelo plebiscito, a qual se trata meramente de resposta a determinada questão polêmica no país - sim ou não ao parlamentarismo, por exemplo.

Tanto plebiscito, quanto referendo têm destacado papel como garantia da eficácia dos Direitos Humanos, na medida em que cada vez mais atos governamentais devem ser submetidos à análise popular por meio destes dois mecanismos. Deve-se almejar tais instrumentos jurídicos como indispensáveis para a concretização de atos como emendas constitucionais, lei orçamentária, remuneração dos representantes. (84)

A iniciativa popular de leis é, por sua vez, processo pelo qual determinados percentuais do eleitorado podem propor a iniciativa de mudanças constitucionais ou legislativas ou mesmo procedimento de produção de nova lei, mediante a assinatura de petições formais que sejam autorizadas pelo Poder Legislativo ou por todo o eleitorado. (85)

Nossa Constituição de 1988 dispôs, em seu art. 61, II, § 2º, que a iniciativa popular se dará através da apresentação à Câmara dos Deputados de projeto de lei subscrito por, no mínimo, um por cento do eleitorado nacional, distribuído pelo menos por cinco estados, com não menos de três décimos por cento dos eleitores de cada um deles.

Como se pôde notar, a presente Constituição Federal se valeu não apenas do sufrágio universal como forma de democratização do poder, mas também do plebiscito, referendo, iniciativa popular de leis. É justamente esta ampliação de participação popular que denota o desenvolvimento democrático de um país. Isto é, não se deve mais considerar o número de pessoas que vota atualmente, visto que tal direito é estendido a homens e mulheres, bem como adolescentes, em grande parte dos Estados, mas sim o número de instâncias diversas daquelas tradicionalmente políticas nas quais se exerce o direito de voto. (86)

O objetivo pelo qual se deve lutar agora é uma ampla democratização, com generalizada atuação e contribuição dos indivíduos, como nos orçamentos do Poder Executivo em seus vários níveis - o atualmente denominado ´orçamento participativo´ -, dentro de empresas, sejam do setor público ou privado, dentro das escolas e universidades etc.

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Sobre a autora
Cláudia Maria Toledo Silveira

advogada em Belo Horizonte (MG)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVEIRA, Cláudia Maria Toledo. A cidadania no Brasil pela Constituição de 1988. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 2, n. 19, 14 set. 1997. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/79. Acesso em: 19 abr. 2024.

Mais informações

Este artigo é o segundo capítulo de uma monografia da autora, publicada pela Faculdade de Direito da UFMG. É resultado de um ano de pesquisa de iniciação científica, financiada pelo CNPq,sob a orientação do Prof. Dr. José Luiz Quadros de Magalhães. Teve como objetivo maior o de se efetivar um estudo abrangente à questão cidadania. Nesta segunda parte, estuda-se sua análise atual e específica com a evidenciação de sua interrelação com os Direitos Humanos e a decomposição e estudo particular de cada um destes.

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